Immanuel Kant – Princípios Metafísicos da Ciência da Natureza ÍNDICE Prefácio CAPÍTULO I Primeiros princípios Metafísicos da Foronomia CAPÍTULO II Primeiros Princípios Metafísicos da Dinâmica CAPÍTULO III Primeiros Princípios Metafísicos da Mecânica CAPÍTULO IV Primeiros Princípios Metafísicos da Fenomenologia PREFÁCIO Quando a palavra natureza se toma simplesmente no sentido formal, se bem que ela signifique o primeiro princípio interno de tudo o que é inerente à existência de uma coisa, (A essência é o primeiro princípio interno de tudo o que pertence à possibilidade de uma coisa. Pelo que às figuras geométricas (porque no seu conceito nada se pensa que exprima um ser) se pode atribuir apenas uma essência, mas não uma natureza. Nota do Autor.) pode haver tantas ciências da natureza quantas as coisas especificamente diversas que existem, cada uma das quais deve conter o seu peculiar princípio interno das determinações próprias do seu ser. Toma-se, porém, a natureza também em sentido material, não como uma maneira de ser, mas como o complexo de todas as coisas enquanto podem ser objetos dos nossos sentidos e, por conseguinte, também objetos da experiência; entende-se, pois, por essa palavra a totalidade de todos os fenômenos, ou seja, o mundo dos sentidos, com exclusão de todos os objetos não sensíveis. A natureza, tomada nesta acepção da palavra, e segundo a diferença fundamental dos nossos sentidos, tem duas partes principais: uma contém os objetos dos sentidos exteriores, a outra encerra o objeto do sentido interno; por consequência, é possível uma dupla teoria da natureza - a doutrina dos corpos e a doutrina da alma: a primeira considera a natureza extensa, e a segunda, a natureza pensante. Qualquer doutrina, quando deve formar um sistema, isto é, um todo do conhecimento ordenado segundo princípios, chama-se ciência e, visto que esses princípios podem ser os fundamentos de um encadeamento empírico ou de um enlace racional dos conhecimentos num todo, a ciência da natureza, quer como doutrina dos corpos, quer como doutrina da alma, teria de se dividir em ciência histórica ou em ciência racional da natureza, a não ser que a palavra natureza (porque designa uma derivação do diverso inerente à existência das coisas desde o seu princípio interno) torne unicamente necessário um conhecimento, mediante a razão, da sua concatenação, contanto que esse conhecimento mereça o nome de ciência da natureza. Por conseguinte, será melhor dividir a teoria da natureza em doutrina histórica da natureza, que nada contém a não ser fatos sistematicamente ordenados (e que, por seu turno, consistiria numa descrição da natureza, enquanto sistema classificador dos mesmos segundo as analogias, e numa história da natureza, enquanto exposição sistemática desses fatos em diferentes tempos e lugares), e em ciência da natureza. Por sua vez, a ciência da natureza chamar-se-ia genuína ou imprópria ciência da natureza; a primeira trata o seu objeto totalmente segundo princípios a priori, a segunda, de acordo com as leis de experiência. Ciência genuína só pode chamar-se aquela cuja certeza é apodíctica; conhecimento, que unicamente pode conter certeza empírica, só impropriamente se pode chamar saber. A totalidade do conhecimento que é sistemático pode já, por isso, chamar-se ciência e até mesmo ciência racional, se a conexão do conhecimento neste sistema constituir uma concatenação de razões e de consequências. Mas se, por fim, estas razões ou princípios são nela apenas empíricos, como, por exemplo, na química, e se as leis, em virtude das quais se explicam, mediante a razão, os fatos dados, são simplesmente leis de experiência, não comportam então nenhuma consciência da sua necessidade (não são apodicticamente certas) e, por isso, a totalidade não merece, em sentido estrito, o nome de ciência; pelo que a química se devia chamar antes arte sistemática, e não ciência. Uma teoria racional da natureza só merece, pois, o nome de ciência natural se as leis da natureza, que lhe subjazem, forem conhecidas a priori e não forem simples leis de experiência. Um conhecimento da natureza da primeira espécie chama-se puro; o da segunda espécie, porém, denomina-se conhecimento racional aplicado. Visto que a palavra natureza comporta já o conceito de leis e este implica, por sua vez, o conceito da necessidade de todas as determinações de uma coisa, inerentes à sua existência, facilmente se vê porque é que a ciência da natureza deve derivar a legitimidade desta designação unicamente desde a sua parte pura, a saber, a que contém os princípios a priori de todas as restantes explicações da natureza e só em virtude desta parte pura é ciência genuína; e porque é que, igualmente, toda a teoria da natureza deve, segundo as exigências da razão, desembocar finalmente na ciência natural e aí terminar; essa necessidade das leis e inseparável do conceito de natureza e pretende por isso ser absolutamente reconhecida; eis porque a mais completa explicação de certos fenômenos segundo princípios químicos deixa sempre ficar uma insatisfação: não é possível acerca delas, enquanto leis contingentes, fornecer razões a priori, pois só a experiência as ensina. Toda a ciência natural genuína precisa, pois, de uma parte pura, na qual se deve fundar a certeza apodítica, que a razão nela busca; e visto que esta, segundo os seus princípios e em comparação com os que apenas são empíricos, é inteiramente diversa, é da maior utilidade, mais ainda, em virtude da natureza da coisa, é um dever imprescindível, relativamente ao método, expor essa parte em separado e sem qualquer mescla com a outra, tanto quanto possível na sua plena totalidade, para que assim se possa determinar exatamente o que a razão consegue realizar por si e onde o seu poder começa a precisar dos princípios de experiência. O puro conhecimento racional por simples conceitos chama-se filosofia pura ou metafísica; em contrapartida, o que funda o seu conhecimento unicamente na construção dos conceitos, mediante a apresentação do objeto numa intuição a priori, chama-se matemática. A ciência da natureza propriamente assim chamada pressupõe uma metafísica da natureza; com efeito, leis, isto é, princípios da necessidade do que é inerente à existência de uma coisa, referem-se a um conceito que não se pode construir, porque a existência não pode representar-se em nenhuma intuição a priori. Por conseguinte, a genuína ciência natural pressupõe uma metafísica da natureza. Esta deve, pois, conter sempre puros princípios, que não são empíricos (é por isso que leva o nome de metafísica); pode, porém, ou tratar, mesmo sem relação a qualquer objeto determinado da experiência (por conseguinte, de modo indefinido em relação à natureza desta ou daquela coisa do mundo sensível) das leis que tornam possível o conceito de uma natureza em geral - é a parte transcendental da metafísica da natureza; ou então se ocupa de uma natureza particular desta ou daquela espécie de coisas, de que se forneceu um conceito empírico mas, no entanto, de maneira que, afora o que reside neste conceito, nenhum outro princípio empírico se empregue para o conhecimento das mesmas (por exemplo, ela toma como fundamento o conceito empírico de uma matéria, ou de um ser pensante, e busca o âmbito do conhecimento que a razão é capaz a priori acerca destes objetos): uma tal ciência deve, pois, chamar-se sempre metafísica da natureza, a saber, da natureza corporal ou da natureza pensante; mas, então, não é uma ciência natural metafísica universal, mas particular (física e psicologia), em cujo seio se aplicam aos dois gêneros de objetos dos nossos sentidos aqueles princípios transcendentais. Afirmo, porém, que em toda a teoria particular da natureza se pode apenas encontrar tanta ciência genuína quanta a matemática com que aí se depare. Com efeito, segundo o que precede, uma ciência genuína nomeadamente da natureza, exige uma parte pura que subjaz à parte empírica, e que se baseia no conhecimento a priori das coisas da natureza. Ora, conhecer algo a priori significa conhecê-lo segundo a sua simples possibilidade. Mas a possibilidade de coisas naturais determinadas não pode conhecer-se a partir dos seus simples conceitos; a partir destes pode, certamente, conhecer-se a possibilidade do pensamento (isto é, que ele não se contradiz a si mesmo), mas não do objeto enquanto coisa natural, a qual pode ser dada (como existente) fora do pensamento. Pelo que conhecer a possibilidade de coisas naturais determinadas, por conseguinte, conhecer estas a priori, exige ainda que se dê a priori a intuição correspondente ao conceito, isto é, que o conceito seja construído. Ora, o conhecimento racional mediante a construção dos conceitos é matemático. Portanto, uma pura filosofia da natureza em geral, isto é, aquela que unicamente investiga o que constitui o conceito de uma natureza em geral, pode ser possível mesmo sem a matemática, mas uma pura teoria da natureza acerca de coisas naturais determinadas (doutrina dos corpos e doutrina da alma) só é possível por meio da matemática; e visto que em toda a teoria da natureza se encontra apenas tanta ciência genuína quanto o conhecimento a priori com que aí se depare, assim, a teoria da natureza conterá unicamente tanta ciência genuína quanta a matemática que nela aplicar se pode. Por conseguinte, enquanto para as ações químicas das matérias entre si se não encontrar algum conceito que construir se possa, isto é, enquanto não se fornecer uma lei da aproximação ou do afastamento das partes segundo a qual, por exemplo, em proporção das suas densidades e coisas semelhantes, os seus movimentos, juntamente com as suas consequências, se possam tomar intuitivas e representar a priori no espaço (exigência que dificilmente alguma vez se realizará), a química só poderá tomar-se uma arte sistemática, ou uma teoria experimental, mas jamais uma ciência genuína, porque os seus princípios são puramente empíricos e não permitem nenhuma exibição a priori na intuição; por consequência, não tomam minimamente inteligíveis os princípios dos fenômenos químicos segundo a sua possibilidade, porque são incapazes da aplicação da matemática. Mais afastada ainda do que a própria química da posição de uma ciência natural propriamente dita deve permanecer a doutrina empírica da alma, primeiro, porque a matemática não é aplicável aos fenômenos do sentido interno e às suas leis, pois se deveria então ter em conta apenas a lei da continuidade na corrente das suas modificações internas - o que seria, porém, um alargamento do conhecimento, que se comportaria em relação ao que a matemática proporciona à doutrina dos corpos pouco mais ou menos como a teoria das propriedades da linha reta relativamente a toda a geometria. Com efeito, a pura intuição interior em que se devem construir os fenômenos da alma é o tempo, que tem apenas uma dimensão. Mas nem sequer da química se pode aproximar, enquanto arte sistemática de análise ou teoria experimental, porque nela o diverso da observação interna só é mutuamente separável mediante uma simples divisão do pensamento, mas não pode conservar-se separado e combinar-se de novo à vontade; menos ainda, porém, se deixa outro sujeito pensante submeter a experiências adequadas ao nosso propósito; e até a observação em si altera e desfigura já o estado do objeto observado. Portanto, nunca pode ser outra coisa exceto uma teoria natural histórica do sentido interno, e, como tal, tão sistemática quanto possível, isto é, uma descrição natural da alma, mas não uma ciência da alma, nem sequer uma doutrina experimental psicológica; eis também a razão por que é que a esta obra, que contém efetivamente os princípios da doutrina dos corpos, demos, segundo o uso ordinário, o título geral de ciência da natureza, porque tal designação convém-lhe em sentido próprio e, por conseguinte, nenhuma ambiguidade assim se origina. Mas, para que se torne possível a aplicação da matemática à doutrina dos corpos, a qual só por ela se pode tornar ciência da natureza, importa apresentar primeiro os princípios da construção dos conceitos, que pertencem à possibilidade da matéria em geral; deverá, pois, pôr-se como fundamento uma análise completa do conceito de uma matéria em geral - o que é tarefa da filosofia pura, a qual, para este propósito, não se serve de quaisquer experiências particulares, mas unicamente do que ela encontra no conceito separado (se bem que empírico em si), em relação às intuições puras no espaço e no tempo (segundo leis que estão essencialmente ligadas ao conceito de natureza em geral); é, por consequência, uma verdadeira metafísica da natureza corpórea. Todos os filósofos da natureza que, nos seus trabalhos, quiseram proceder matematicamente sempre se serviram e tiveram de servir (se bem que inconscientemente) de princípios metafísicos, embora, sob outros aspectos, protestassem solenemente contra toda a pretensão da metafísica a respeito da sua ciência. Sem dúvida, entenderam esta última como uma quimera (que consiste) em imaginar arbitrariamente possibilidades e em jogar com conceitos que, porventura, não se podem exibir na intuição e nenhuma outra autenticação têm da sua realidade objetiva exceto unicamente a de não se contradizerem. Toda a verdadeira metafísica é tirada da própria essência da faculdade de pensar e de nenhum modo é inventada, lá porque não se vai buscar à experiência, mas contém as puras ações do pensar, por conseguinte, os conceitos e os princípios a priori que, antes de tudo, trazem o diverso das representações empíricas à união segundo uma lei, e assim ele pode tornar-se conhecimento empírico, ou seja, experiência. Pelo que esses físicos matemáticos não puderam prescindir dos princípios metafísicos e, entre estes, também daqueles que tornam o conceito do seu objeto próprio, a matéria, susceptível da aplicação a priori à experiência externa, como o conceito de movimento, de preenchimento do espaço, da inércia, etc. Mas não consideraram com razão adequada à certeza apodítica, que queriam dar às suas leis naturais, o admitir princípios simplesmente empíricos; por isso, preferiram postulá-los sem investigar as suas fontes a priori. Mas é da maior importância, para vantagem das ciências, separar entre si princípios heterogêneos e introduzir cada um num sistema particular a fim de constituírem uma ciência da sua própria índole, para assim se preservarem da incerteza que provém da confusão, visto que não se pode discriminar bem a qual dos dois (gêneros) haveria que atribuir, em parte, os limites, em parte também, os erros que poderiam ocorrer no seu uso. Eis porque considerei necessário, a propósito da parte pura da ciência natural (physica generalis), em que as construções metafísicas e matemáticas costumam entrelaçar-se, apresentar num sistema as primeiras e, com elas, ao mesmo tempo os princípios da construção destes conceitos, por conseguinte, os princípios da própria possibilidade de uma teoria matemática da natureza. Esta separação, para além da utilidade já assinalada que proporciona, tem ainda um atrativo particular, suscitado pela unidade do conhecimento, não se permitindo que as fronteiras das ciências se entrecruzem, mas ocupem devidamente os seus campos separados. Pode ainda fazer-se o elogio deste procedimento por uma segunda razão: a saber, em tudo o que se chama metafísica pode esperar-se a absoluta integralidade das ciências; uma coisa assim não é de prometer em mais nenhuma espécie de conhecimentos; por conseguinte, tal como na metafísica da natureza em geral, também aqui se pode aguardar confiadamente a integralidade da metafísica da natureza corpórea; o motivo é que, na metafísica, o objeto se considera apenas segundo as leis gerais do pensar, mas noutras ciências deve representar-se segundo os dados da intuição (tanto pura como empírica); aquela, com efeito, porque o objeto deve nela comparar-se sempre com todas as leis necessárias do pensar, tem de fornecer um determinado número de conhecimentos que se pode esgotar; as outras ciências, porque apresentam uma diversidade infinita de intuições (puras ou empíricas), por conseguinte, objetos do pensar, jamais atingem a integralidade absoluta, mas podem estender-se até ao infinito, como a pura matemática e a teoria empírica da natureza. Julgo também ter esgotado completamente, em toda a sua extensão, esta doutrina metafísica dos corpos, sem que, no entanto, tenha levado a cabo uma grande obra. O esquema para a integralidade de um sistema metafísico, quer da natureza em geral, quer da natureza corpórea em particular, é a tábua das categorias. (Encontro na Allgem. Litt. Zeit. (Gazeta literária universal), n. o 295, na recensão das Institutiones Logicae et Metaph. do Sr. Prof. Ulrich, dúvidas contrárias não à tábua dos puros conceitos do entendimento, mas às conclusões daí tiradas sobre a determinação da fronteira de toda a faculdade pura da razão, por conseguinte, de toda a metafísica; nessas dúvidas, o penetrante crítico declara-se de acordo com o seu não menos profundo autor; e são dúvidas que, por terem de incidir justamente no fundamento principal do meu sistema estabelecido na Crítica, seriam a causa de que tal sistema, em vista do seu objetivo capital, esteja ainda longe de suscitar a convicção apodítica que se exige para a extorsão de uma aceitação ilimitada; este fundamento principal seria, em parte além, em parte nos Prolegômenos, a dedução exposta dos puros conceitos do entendimento. Mas esta seria sobretudo obscura na parte da Crítica, que deveria precisamente ser a mais clara, e giraria mesmo em círculo, etc. A minha resposta a estas objeções visa apenas o ponto básico, a saber que, sem uma dedução das categorias totalmente clara e satisfatória, o sistema da Crítica da razão pura oscila no seu fundamento. Afirmo, pelo contrário, que, para quem subscreve (como faz o crítico) as minhas proposições acerca da sensorialidade de toda a nossa intuição e da suficiência da tábua das categorias, isto é, determinações da nossa consciência tiradas das funções lógicas nos juízos em geral, o sistema da Crítica deve suscitar a certeza apodítica porque este se constrói sobre a proposição - todo o uso especulativo da nossa razão nunca se estende além dos objetos da experiência possível. Com efeito, se se pode provar que as categorias, de que a razão se deve servir em todo o seu conhecimento, não podem ter nenhum outro uso exceto apenas em relação aos objetos da experiência (porque só nesta tornam possível a forma de pensar), então, a resposta à questão de saber como é que elas a tornam possível, é certamente assaz importante para levar a cabo, se possível, esta dedução, mas de nenhum modo é necessária, e é simplesmente meritória, em relação ao objetivo fundamental do sistema, a saber, a determinação da fronteira da razão pura. Com este propósito, pois, a dedução é já levada bastante longe quando mostra que essas categorias são simples formas dos juízos enquanto se aplicam a intuições (que, em nós, são sempre apenas sensíveis), e recebem assim primeiro objetos e se tornam conhecimentos; isto chega já para fundar todo o sistema da própria crítica com inteira segurança. Assim, o sistema da gravitação universal de Newton mantém-se firme, embora traga consigo a dificuldade de não se poder explicar como é possível a atração à distância; dificuldades, porém, não são dúvidas. Demonstro, pois, a partir do que foi concedido, que esse fundamento capital se mantém firme, mesmo sem uma dedução completa das categorias: 1 - Concede-se que a tábua das categorias contém integralmente todos os puros conceitos do entendimento e também todas as ações formais do entendimento nos juízos, dos quais são derivadas e em nada também se distinguem, a não ser que mediante o conceito de entendimento um objeto é pensado como determinado em relação a uma ou outra função dos juízos (por exemplo, no juízo categórico - a pedra é dura -, pedra usa-se como sujeito e dura como predicado, mas de maneira que o entendimento fica livre para inverter a função lógica destes conceitos e dizer: algo duro é uma pedra; pelo contrário, se para mim represento como determinado no objeto que a pedra em todas as determinações possíveis de um objeto, não do simples conceito, deve ser pensada unicamente como sujeito, e a dureza apenas como predicado, estas funções lógicas tornam-se então puros conceitos do entendimento acerca dos objetos, a saber, substância e acidente). 2 - Concede-se que o entendimento produz, em virtude da sua natureza, princípios sintéticos a priori, por meio dos quais submete às categorias todos os objetos que lhe possam ser dados; por conseguinte, deve haver também intuições a priori, que contêm as condições exigidas para a aplicação desses puros conceitos do entendimento, porque sem intuição não existe objeto algum, em relação ao qual se poderia determinar a função lógica como categoria, por consequência, não ocorre também nenhum conhecimento de qualquer objeto; e, por isso mesmo também, sem intuição pura não há nenhum princípio que determine a priori o conhecimento para este fim. 3 - Concede-se: que estas intuições puras nunca podem ser outra coisa exceto simples formas dos fenômenos dos sentidos externos ou do sentido interno (espaço e tempo), por conseguinte, só experiências possíveis dos objetos. Segue-se, pois, que todo o uso da razão pura nunca pode incidir senão em objetos da experiência e, porque nos princípios a priori a condição nada de empírico pode ser, eles só podem ser princípios da possibilidade da experiência em geral. Só este é o verdadeiro e suficiente fundamento da determinação da fronteira da razão pura, mas não constitui a solução do problema de como é que a experiência é possível mediante essas categorias e unicamente por meio delas. A última tarefa, se bem que mesmo sem ela o edifício permaneça sólido, tem grande importância e, como agora reconheço, é muito fácil, uma vez que quase se pode levar a cabo mediante uma única conclusão a partir da definição exatamente determinada de um juízo em geral (de uma ação pela qual as representações dadas se tomam, em primeiro lugar, conhecimentos de um objeto). A obscuridade que, nesta parte da dedução, se prende às minhas anteriores discussões e que eu não desminto, deve atribuir-se ao destino habitual do entendimento na inquirição, para o qual o caminho mais curto não é comummente o primeiro que ele avista. Por isso, aproveitarei a primeira ocasião para colmatar esta lacuna (que apenas concerne ao modo de exposição e não à base da explicação que aí foi já corretamente aduzida), sem que o penetrante crítico se imagine na necessidade, para ele certamente incomoda, de, por causa da estranha consonância dos fenômenos com as leis do entendimento, embora estes e aqueles tenham fontes de todo diversas, ir procurar refúgio numa harmonia pré-estabelecida; seria um meio de salvação muito pior do que o mal contra o qual devia procurar remédio, e que, na realidade, de nada pode servir. A esta harmonia não pode, pois, reduzir-se aquela necessidade objetiva que caracteriza os puros conceitos do entendimento (e os princípios da sua aplicação aos fenômenos), por exemplo, no conceito da causa em conexão com o efeito, mas tudo permanece uma religação apenas subjetivamente necessária e no plano objetivo, só contingente, tal como Hume quer, quando lhe dá o nome de simples ilusão por hábito. Também nenhum sistema no mundo pode deduzir esta necessidade de outro lado a não ser dos princípios fundamentais a priori da possibilidade do próprio pensar, por cujo intermédio apenas se toma possível o conhecimento dos objetos, de que nos é dado o fenômeno, isto é, a experiência. E supondo que o modo como por eles se toma em primeiro lugar possível a experiência jamais pode ser suficientemente explicado, permanece, no entanto, incontestavelmente certo que ela só é possível mediante esses conceitos e, inversamente, esses conceitos não são susceptíveis de nenhuma significação e de nenhum uso, exceto numa relação aos objetos da experiência. Nota do Autor.) Pois, não existem mais puros conceitos do entendimento que possam concernir à natureza das coisas. Entre as suas quatro classes, as da grandeza, da qualidade, da relação e, por fim, da modalidade, devem poder incluir-se também todas as determinações do conceito universal de uma matéria em geral, por consequência, tudo o que dela se pode pensar a priori, tudo o que se pode representar na construção matemática ou que, na experiência, dela pode ser dado como objeto determinado. Nada mais há aqui a fazer, a descobrir ou a acrescentar, mas, quando muito, melhorar onde houver falta de claridade ou de solidez. O conceito de matéria devia, pois, submeter-se a todas as quatro funções mencionadas dos conceitos do entendimento (em quatro capítulos), e a cada um acrescentava-se uma nova determinação. A determinação fundamental de algo que deve ser um objeto dos sentidos externos haveria que ser o movimento, pois só por ele podem ser afetados os sentidos. É também a ele que o entendimento reconduz todos os outros predicados da matéria, que à sua natureza pertencem; e assim a ciência natural é, sem exceção, uma teoria ou pura ou aplicada do movimento. Os primeiros princípios metafísicos da ciência da natureza devem, pois, agrupar-se em quatro capítulos, de que o primeiro considera o movimento como um puro quantum, segundo a sua composição, omitindo toda a qualidade do móvel, e pode chamar-se foronomia; o segundo estuda-o como pertencente à qualidade da matéria, sob o nome de uma força originalmente motriz, e chama-se por isso Dinâmica; o terceiro considera a matéria dotada desta qualidade em relação recíproca devido ao seu próprio movimento, e leva, portanto, o nome de Mecânica; o quarto, porém, determina o seu movimento ou repouso simplesmente em relação com o modo de representação, ou modalidade, por conseguinte, como fenômeno do sentido externo, e chama-se Fenomenologia. Decerto, além da necessidade interna de separar os primeiros princípios metafísicos da doutrina dos corpos não só da física, que utiliza princípios empíricos, mas até das suas premissas racionais, que nela concernem ao uso da matemática, existe ainda uma razão extrínseca, sem dúvida apenas contingente, mas apesar de tudo importante, para separar a sua elaboração pormenorizada do sistema geral da metafísica e os expor sistematicamente como um todo particular. Com efeito, se é permitido traçar as fronteiras de uma ciência não só segundo a natureza do seu objeto e o seu modo específico de conhecimento, mas também de acordo com o fim que com esta ciência se intenta em ordem a outro uso, e se descobre que a metafísica até aqui não ocupou e não mais ocupará tantas cabeças para assim entender os conhecimentos da natureza (o que acontece de um modo muito mais fácil e seguro pela observação, experimento e aplicação da matemática aos fenômenos exteriores), mas apenas para chegar ao conhecimento do que reside inteiramente além de todas as fronteiras da experiência, isto é, de Deus, da liberdade e imortalidade, avança-se então no fomento deste propósito, se ela for libertada de um rebento, procedente, é certo, da sua raiz, mas que apenas impede o seu crescimento regular, e se esse (rebento) se plantar à parte, sem no entanto se desconhecer a sua procedência daquela e sem se deixar de lado o seu pleno crescimento a partir do sistema da metafísica geral. Isto não prejudica a integralidade da última e facilita o curso uniforme desta ciência em direção ao seu fim, se, em todos os casos em que se precisa da doutrina geral dos corpos, se pode apenas recorrer ao seu sistema separado, sem com este encher o sistema mais extenso da metafísica. Na realidade, é muito notável (mas, aqui, não é possível expor em pormenor) que a metafísica geral, em todos os casos em que necessita de exemplos (intuições) para proporcionar significação aos seus puros conceitos do entendimento, tenha sempre de i-los buscar à doutrina geral dos corpos, por conseguinte, à forma e aos princípios de intuição exterior; e quando estes não se encontram ultimados, anda às apalpadelas, instável e vacilante, no meio de meros conceitos vazios de sentido. Daí as bem conhecidas controvérsias, pelo menos, a obscuridade nas questões sobre a possibilidade de um conflito das realidades, a grandeza intensiva, etc., em que o entendimento só pode ser instruído mediante exemplos tirados da natureza corpórea; eis as condições sob as quais esses conceitos podem ter realidade objetiva, isto é, significação e verdade. E deste modo uma metafísica particular da natureza corpórea presta à metafísica geral um serviço excelente e indispensável, ao proporcionar exemplos (casos in concreto) para realizar os seus conceitos e teoremas (no fundo, os da filosofia transcendental), ou seja, para atribuir sentido e significação a uma simples forma de pensamento. Neste tratado, imitei o método matemático, se bem que de nenhum modo o tenha seguido com todo o rigor (para tal ter-se-ia exigido mais tempo do que aquele que eu tinha de empregar), não para lhe conseguir o melhor acolhimento mediante a ostentação de profundidade, mas porque penso que tal sistema é dela bem capaz e poderá, com o tempo, alcançar essa perfeição de uma mão mais hábil, se, estimulados por tal projeto, os naturalistas matemáticos não considerassem irrelevante, na sua física geral, tratar como um sector fundamental particular a parte metafísica que, aliás, eles não podem dispensar; e associá-la à teoria matemática do movimento. Newton, no prefácio dos seus Princípios Matemáticos da Ciência da Natureza (após ter observado que a geometria, dos procedimentos mecânicos que postula, precisa apenas de dois, a saber, traçar uma linha reta e um círculo), diz: «A geometria orgulha-se de com tão pouco, que vai buscar a outro lugar, ser capaz de tanto conseguir.» Em contrapartida, da metafísica poder-se-ia dizer: «Ela está consternada por, com tanto que a matemática lhe oferece, poder apenas conseguir tão pouco.» No entanto, este pouco é algo de que até a matemática, na sua aplicação à ciência natural, inevitavelmente precisa; e visto que ela deve aqui necessariamente pedir empréstimos à metafísica, também não tem que envergonhar-se por aparecer na sua companhia. CAPÍTULO I PRIMEIROS PRINCÍPIOS METAFÍSICOS DA FORONOMIA Definição 1 A matéria é o que é móvel no espaço. O espaço, que é também móvel, chama-se o espaço material, ou ainda o espaço relativo; aquele em que, por fim, se deve pensar todo o movimento (por conseguinte, ele é em si absolutamente imóvel) chama-se o espaço puro ou também absoluto. Observação 1 Visto que na foronomia há que falar apenas do movimento, nenhuma outra propriedade se atribuirá aqui ao sujeito da mesma, a saber, à matéria, exceto a mobilidade. Ela pode pois passar, todo este tempo, por um ponto e, na foronomia, abstrai-se de toda a constituição interna, por conseguinte, também da grandeza do móvel, e tem apenas a ver com o movimento e com o que neste se pode considerar como grandeza (velocidade e direção). - Se, no entanto, há aqui que utilizar por vezes a expressão de corpo, isso acontece unicamente para antecipar de certa maneira a aplicação dos princípios da foronomia aos conceitos seguintes melhor definidos da matéria, a fim de a exposição ser menos abstrata e mais apreensível. Observação 2 Se não devo definir o conceito de matéria por um predicado que lhe convém como objeto, mas só pela relação com a faculdade de conhecer em que a representação me pode ser primeiramente dada, então a matéria é todo o objeto dos sentidos externos, e esta seria a sua definição simplesmente metafísica. Mas o espaço seria apenas a forma de toda a intuição sensível externa (não se trata aqui de saber se esta convém em si também ao objeto exterior que chamamos matéria, ou se reside unicamente na constituição do nosso sentido). A matéria seria, em oposição à forma, o que é, na intuição exterior, um objeto da sensação, por conseguinte, o especificamente empírico da intuição sensível e externa, porque não pode ser dado a priori. Em toda a experiência, algo deve ser sentido e isso é o que há de real na intuição sensível; portanto, também o espaço, em que devemos estabelecer a experiência dos movimentos, deve ser susceptível de sensação, isto é, ser designado pelo que pode sentir-se; e este, enquanto complexo de todos os objetos da experiência e ele próprio um objeto da mesma, chama-se o espaço empírico. Mas, enquanto material, também é móvel. Um espaço móvel, porém, se é que o seu movimento se deve percepcionar, supõe, por seu turno, outro espaço material alargado, em que ele é móvel, este (supõe) outro, e assim por diante até ao infinito. Pelo que todo o movimento, que é um objeto da experiência, é puramente relativo; o espaço em que ele é percepcionado é um espaço relativo que, por sua vez, e talvez numa direção oposta, se move num espaço alargado; por conseguinte, a matéria móvel em relação ao primeiro pode dizer-se em repouso relativamente ao segundo espaço, e estas modificações do conceito dos movimentos prosseguem até ao infinito com a variação do espaço relativo. Admitir um espaço absoluto, isto é, um espaço que, por não ser material, também não pode ser um objeto da experiência, como dado em si significa (admitir) algo que nem em si, nem nas suas consequências (o movimento no espaço absoluto) se pode percepcionar, em vista da possibilidade da experiência, a qual, no entanto, deve sempre ser estabelecida sem ele. O espaço absoluto nada é, pois, em si, não é um objeto (Objekt), mas significa somente todo o espaço relativo, que para mim sempre posso pensar além do espaço dado e que eu faço retroceder ate ao infinito para lá de todo o espaço dado, como um espaço que a este encerra e no qual posso admitir o primeiro como móvel. Porque apenas possuo em pensamento o espaço alargado, embora sempre ainda material, e nada da matéria que o caracteriza me é conhecido, abstraio desta última, e ele é, pois, representado como um espaço puro, não empírico, e absoluto, com o qual posso comparar todo o espaço empírico e representá-lo como nele se movendo, o qual se considera, por conseguinte, sempre como imóvel. Fazer dele uma coisa real é confundir a generalidade lógica de um espaço qualquer, com o qual posso comparar todo o espaço empírico enquanto aí contido, com uma generalidade física do âmbito geral, e não compreender a razão na sua ideia. Por fim, observo ainda que, visto a mobilidade de um objeto no espaço não se poder conhecer a priori e sem o ensinamento da experiência, ela nem sequer foi por mim incluída, na Crítica da Razão Pura, entre os puros conceitos do entendimento; e que este conceito, enquanto empírico, podia encontrar o seu lugar unicamente numa ciência da natureza que, enquanto metafísica aplicada, se ocupa de um conceito fornecido pela experiência, embora segundo princípios a priori. Definição 2 O movimento de uma coisa é a modificação das suas condições exteriores em relação a um espaço dado. Observação 1 Anteriormente, estabeleci já como fundamento do conceito da matéria o conceito do movimento. Com efeito, visto que eu o queria definir independentemente do conceito de extensão e queria considerar a matéria também num ponto, era-me permitido admitir que se utilizasse a definição comum do movimento enquanto mudança de lugar. Visto que, agora, o conceito de uma matéria se deve explicar de um modo geral, por conseguinte, de um modo que se ajuste também aos corpos em movimento, semelhante definição já não é suficiente. Com efeito, o lugar de todo o corpo é um ponto. Quando se quer determinar a distância da Lua à Terra, deseja-se conhecer a distância dos seus lugares e, para este fim, não se mede a distância de um ponto qualquer da superfície ou do interior da Terra a um ponto qualquer da Lua, mas toma-se a linha mais curta desde o centro de uma ao centro da outra, por conseguinte, apenas um ponto destes corpos é que constitui o seu lugar. Ora, um corpo pode mover-se sem mudar de lugar, como a Terra, ao girar em torno do seu eixo. Mas, no entanto, a sua relação com o espaço exterior altera-se também aqui; com efeito, em vinte e quatro horas, ela vira, por exemplo, para a Lua as suas diversas faces, daí resultando na Terra também efeitos variáveis de toda a espécie. Unicamente acerca de um ponto móvel, isto é, físico, é que se pode dizer: o movimento é sempre mudança de lugar. Poderia, contra esta explicação, evocar-se que ela não compreende em si o movimento interno, por exemplo, o de uma fermentação; mas a coisa, que se designa móvel, deve igualmente considerar-se como unidade. A matéria, por exemplo, um tonel de cerveja, é móvel, significa, pois, algo de diverso de a cerveja no tonel está em movimento. O movimento de uma coisa não é idêntico ao movimento nesta coisa; mas, aqui, fala-se unicamente do primeiro. A aplicação deste conceito, porém, ao segundo caso é, em seguida, fácil. Observação 2 Os movimentos podem ser rotatórios (sem mudança de lugar) ou progressivos; estes, porém, podem estender o espaço ou ser movimentos limitados a um espaço dado. À primeira espécie pertencem os movimentos em linha reta ou também em linha curva, que não retomam a si mesmos; à segunda, os movimentos que retomam a si mesmos. Os últimos são, por seu turno, ou circulares, ou oscilatórios, isto é, movimentos em círculo ou balançados. Os primeiros percorrem o mesmo espaço sempre na mesma direção; os segundos, alternadamente sempre e em sentido contrário, como pêndulos que oscilam. A ambos os movimentos pertence ainda a vibração (motus tremulus), que não é um movimento progressivo de um corpo, mas um movimento alternativo de uma matéria que, no conjunto, não altera o seu lugar, como as trepidações de uma campainha pulsada ou as vibrações do ar posto em movimento pelo som. Menciono estas diferentes espécies de movimento numa foronomia unicamente porque em todos os movimentos, que não são progressivos, se utiliza comummente a palavra velocidade num sentido diferente do que acontece com os movimentos progressivos, como mostra a observação seguinte. Observação 3 A direção e a velocidade são os dois momentos que servem para a consideração de todo o movimento, quando se abstrai de todas as outras propriedades do móvel. Suponho aqui a sua habitual definição; só que a da direção precisa ainda de diversas restrições. Um corpo que se move em círculo modifica continuamente a sua direção de modo que, até ao seu retorno ao ponto de onde partiu, tomou todas as direções apenas possíveis num plano e, no entanto, diz-se que ele se move sempre no mesmo sentido, por exemplo, que o planeta se move do Ocidente para Oriente. Mas qual é aqui o lado para que se dirige o movimento? Pergunta esta, que tem uma afinidade com a seguinte: onde se funda a diferença interna dos caracóis, que aliás são iguais e até idênticos, mas dos quais uma espécie é enrolada para a direita, e a outra para a esquerda; ou do enrolamento do feijão e do lúpulo, movendo-se o primeiro em torno da empa como um saca-rolhas ou, como diriam os marinheiros, contra o Sol, e o outro com o Sol? Eis um conceito que se pode construir mas, enquanto conceito, não pode por si tornar-se inteligível mediante características gerais e no modo discursivo do conhecimento; além disso, nas próprias coisas (por exemplo, nos homens, aliás, raros, que na autópsia se revelam, segundo a regra fisiológica, conformes com os outros homens, a não ser apenas que todos os seus intestinos se encontram à esquerda ou à direita, deslocados contrariamente à ordem habitual), não pode haver nenhuma diferença pensável nas consequências internas e, por conseguinte, há uma verdadeira diferença matemática e, sem dúvida, interna, à qual não obstante se religa, embora não seja absolutamente idêntico, o conceito da diferença de dois movimentos circulares, aliás, iguais em todos os aspectos, mas diferentes quanto à direção. Noutro lugar demonstrei que, em virtude de esta diferença surgir decerto na intuição, mas sem se deixar reduzir a conceitos claros, por consequência, explicar de um modo compreensível (dari, non intelligi) não fornece uma boa prova pata confirmar a proposição de que o espaço em geral não faz parte das propriedades ou relações das coisas em si que importaria necessariamente reduzir a conceitos objetivos, mas apenas da forma subjetiva da nossa intuição sensível das coisas ou das relações, que, segundo o que elas em si possam ser, nos permanecem inteiramente desconhecidas. Este é, no entanto, um desvio da nossa tarefa presente, na qual devemos tratar o espaço obrigatoriamente como propriedade das coisas, que tomamos em consideração, a saber, os seres corporais, porque estes são unicamente fenômenos dos sentidos externos e devem aqui explicar-se apenas como tais. No tocante ao conceito de velocidade, a expressão aqui em uso recebe por vezes um sentido diferente. Dizemos: a Terra gira mais depressa em torno do seu eixo que o Sol, porque o faz num tempo mais curto, embora o movimento do último seja muito mais rápido. A circulação do sangue é muito mais rápida numa pequena ave do que no homem, embora o movimento da corrente tenha, sem dúvida, uma velocidade menor no primeiro; e o mesmo se passa com as trepidações das matérias elásticas. A brevidade do tempo do retorno ao ponto de partida, quer se trate do movimento circular ou oscilatório, constitui a razão do uso desta palavra, de que também não discorda contanto que, por outro lado, se evite apenas o mal-entendido. Com efeito, o simples aumento da velocidade no retomo, sem aumento da velocidade espacial, tem na natureza os seus efeitos peculiares e muito importantes, a que talvez ainda não se atendeu suficientemente, no que respeita à circulação dos sucos nos animais. Na foronomia, utilizamos a palavra velocidade unicamente na sua significação espacial C = S/T. Definição 3 O repouso é a presença permanente (praesentia perdurabilis) no mesmo lugar; permanente, é, porém, o que existe ao longo de certo tempo, isto é, dura. Observação Um corpo em movimento encontra-se um instante em cada ponto da linha que percorre. Pergunta-se agora se ele está aí em repouso ou em movimento. Sem dúvida, dir-se-á que está em movimento, porque se encontra presente neste ponto só enquanto se move. Mas suponha-se, porem, que o seu movimento A B a é tal que o corpo percorre o-----o .. o com velocidade uniforme, em sentido progressivo, a linha AB e regressivamente BA; visto que o instante em que o corpo se encontra em B é comum aos dois movimentos, o movimento de A para B faz-se em meio segundo, o movimento de B para A realiza-se também em meio segundo, mas os dois movimentos em conjunto efetuam-se num segundo inteiro, de modo que nem sequer se empregou a mínima parte de tempo na presença do corpo em B: assim, sem o menor aumento destes movimentos, o último, o que acontecia na direção BA, poderá transformar-se num movimento Ba, que se encontra em linha reta com BA, e então o corpo, enquanto está em B, não deve considerar-se como estando aí em repouso, mas sim em movimento. Por conseguinte, também no primeiro movimento que retomava a si se devia considerar no ponto B como em movimento - o que é, porém, impossível; porque, por suposição, é apenas um instante o que pertence ao movimento AB e, ao mesmo tempo, ao movimento idêntico BA que, oposto ao precedente e unido a ele num só e mesmo instante, deveria provar uma ausência completa de movimento e, por conseguinte, se esta constituísse o conceito de repouso, deveria igualmente provar no movimento uniforme Aa o repouso do corpo em cada ponto, por exemplo, em B - o que contradiz a afirmação acima feita. Pelo contrário, quando se representa a linha AB como erigindo-se acima do ponto A de modo que um corpo se eleve de A a B e, em seguida, após ter perdido o seu movimento no ponto B, graças à gravidade, recai outra vez de B em A, pergunto se o corpo em B se pode considerar como em movimento ou em repouso. Pode, sem dúvida, dizer-se que está em repouso, porque todo o seu movimento anterior lhe foi tirado, depois de ter atingido este ponto; e, subsequentemente, deve seguir-se um movimento igual em sentido inverso, portanto, ainda não se produziu; mas a ausência do movimento - acrescentar-se-á - é o repouso. Contudo, no primeiro caso de um movimento suposto uniforme, o movimento BA não poderia ocorrer a não ser que, anteriormente, o movimento AB tivesse cessado e quando o de B para A ainda não existia, por conseguinte, teria de admitir-se em B uma ausência de todo o movimento e, segundo a explicação habitual, um repouso; mas, no entanto, não seria de admitir porque, numa dada velocidade, nenhum corpo se deve pensar como em repouso num ponto do seu movimento uniforme. Onde é que então se funda, no segundo caso, a pretensão ao conceito de repouso, já que semelhante ascensão e queda estão igualmente separadas entre si apenas por um instante? O fundamento reside em que o último movimento não se concebe como uniforme com uma velocidade dada, mas primeiramente como uniformemente retardado e, em seguida, como uniformemente acelerado de tal modo que a velocidade no ponto B não é retardada totalmente, mas apenas até certo grau, o qual é menor do que toda a velocidade que se poderia aduzir; ora, se com esta velocidade o corpo, em vez de recair, tendo a linha de queda BA, tomado a direção Ba, se considerasse como ainda subindo, ele percorreria uniformemente, tendo em conta o simples momento da velocidade (deixando-se então de lado a resistência da gravidade), num tempo tão grande quanto se quiser, um só espaço, menor do que todo o espaço que se poderia dar e, por conseguinte, não poderia, por toda a eternidade, mudar de lugar (para uma experiência possível qualquer). Portanto, persistirá no estado de uma presença duradoira no mesmo lugar, isto é, está em repouso, embora este seja imediatamente anulado em virtude da ação contínua da gravidade, isto é, da modificação deste estado. Encontrar-se num estado persistente e nele permanecer (se nada mais deslocar o corpo) são dois conceitos diversos, dos quais um não causa dano ao outro. Por conseguinte, o repouso não pode explicar-se pela falta de movimento, a qual como = O não pode construir-se, mas antes pela presença persistente no mesmo lugar, visto que este conceito pode então construir-se mediante a representação de um movimento com uma velocidade infinitamente pequena, durante um tempo finito, por conseguinte, pode servir para uma ulterior aplicação da matemática à ciência da natureza. Definição 4 Construir o conceito de um movimento composto é representar a priori na intuição um movimento enquanto ele resulta da reunião num móvel de dois ou mais movimentos dados. Observação Para a construção dos conceitos exige-se que a condição da sua representação não se vá buscar à experiência, portanto, que também não se pressuponham certas forças cuja existência se pode derivar apenas da experiência ou, em geral, que a condição da construção não deva ela própria ser um conceito que não pode dar-se a priori na intuição como, por exemplo, o de causa e efeito, ação e resistência, etc. Aqui, importa primeiramente observar que a foronomia deve, antes de mais, determinar a priori a construção dos movimentos em geral como grandezas e, visto que ela tem por objeto a matéria simplesmente como algo de móvel, portanto, algo em que não se tem em conta a grandeza, deve determinar a priori estes movimentos apenas como grandezas, tanto segundo a sua velocidade como de acordo com a sua direção e, claro está, segundo a sua composição. Com efeito, tudo isto se deve estabelecer inteiramente a priori e, decerto, na intuição em vista da aplicação das matemáticas. Efetivamente, as regras da conexão dos movimentos mediante causas físicas, isto é, forças, nunca se podem expor com profundidade antes de se terem em geral tomado por base os princípios da sua composição, de um modo puramente matemático. Axioma Todo o movimento, enquanto objeto de uma experiência possível, pode a bel-prazer considerar-se como movimento de um corpo num espaço em repouso ou então, enquanto repouso do corpo, como o movimento do espaço em sentido oposto e com uma velocidade igual. Observação Para fazer a experiência do movimento de um corpo, exige-se que não só o corpo, mas também o espaço em que ele se move sejam objetos da experiência externa, por conseguinte, sejam materiais. Pelo que um movimento absoluto, isto é, em relação a um espaço não material, não pode ser objeto da experiência e é para nós inexistente (mesmo que se admitisse que o espaço absoluto é em si alguma coisa). Mas também em todo o movimento relativo se pode, por sua vez, representar o próprio espaço, por se considerar como material, como em repouso ou em movimento. O primeiro caso ocorre quando para além do espaço, em relação ao qual eu vejo um corpo como em movimento, nenhum outro espaço mais amplo é dado e que o englobe (como quando na cabina de um barco eu diviso um globo que se move em cima da mesa); o segundo ocorre, quando para além deste espaço me é dado ainda outro espaço que o engloba (como, no exemplo aduzido, a margem do rio), porque então, em relação a este último espaço, posso olhar o espaço próximo (a cabina) como em movimento e o próprio corpo, em rigor, como imóvel. Ora, como é absolutamente impossível decidir, a propósito de um espaço empiricamente dado, por maior que seja, se por seu turno ele se move ou não em relação a um espaço que o engloba numa extensão ainda maior, deve ser de todo indiferente a toda a experiência e a todas as consequências a partir da experiência se eu quero considerar um corpo como em movimento ou como em repouso, e o espaço como movendo-se em sentido contrário com uma velocidade igual. Mais ainda, visto que o espaço absoluto é nada para toda a experiência possível, são também conceitos semelhantes, se eu disser: um corpo move-se em relação a este espaço dado em tal direção com esta velocidade, ou se o quero pensar em repouso e atribuir ao espaço tudo isto, mas em direção oposta. Com efeito, cada conceito é absolutamente semelhante àquele, de cuja diferença em relação ao primeiro nenhum exemplo é possível; e distingue-se dele unicamente pela ligação que lhe queremos atribuir no entendimento. Também não estamos em posição de indicar numa experiência qualquer um ponto fixo, em relação ao qual se determinaria o que se deveria chamar movimento e repouso absolutos; com efeito, tudo o que deste modo nos é dado é material, por conseguinte, também móvel, e (visto que no espaço não conhecemos nenhum limite extremo da experiência possível) pode ser talvez também realmente movido, sem que possamos de algum modo perceber tal movimento. - Deste movimento de um corpo no espaço empírico, posso atribuir ao corpo uma parte da velocidade dada, e a outra ao espaço, mas em sentido oposto, e toda a experiência possível quanto às consequências destes dois movimentos combinados e de todo semelhante àquela, visto que eu penso o corpo apenas em movimento com a velocidade total, ou o mesmo enquanto em repouso e o espaço movido com a mesma velocidade em sentido oposto. Mas aqui suponho todos os movimentos como retilíneos. Com efeito, no tocante ao movimento curvilíneo, visto que não é a mesma coisa em todos os pontos se posso considerar o corpo (por exemplo, a terra na sua revolução diária) como em movimento e o espaço envolvente (o céu estrelado) como em repouso, ou este como em movimento e aquela em repouso; esta questão será ulteriormente abordada em particular. Por conseguinte, na foronomia, onde considero o movimento de um corpo unicamente em relação ao espaço (sobre cujo repouso ou movimento o corpo não tem qualquer influência), é em si totalmente indeterminado e arbitrário se desejo atribuir a um ou ao outro velocidade do movimento, e em que quantidade; mais tarde, na mecânica, visto que importa considerar um corpo em movimento na sua relação ativa com outros corpos no espaço em que se desdobra o seu movimento, isto já não será inteiramente idêntico, como no seu lugar se mostrará. Definição 5 A composição do movimento é a representação do movimento de um ponto como idêntico a dois ou mais movimentos do mesmo ponto entre si combinados. Observação Na foronomia, visto que não conheço a matéria por nenhuma outra propriedade a não ser pela sua mobilidade, por conseguinte, só a posso considerar como um ponto, o movimento pode olhar-se unicamente como descrição de um espaço, no entanto de modo tal que a minha atenção incide não só, como na geometria, no espaço que é descrito, mas também no tempo, por conseguinte, na velocidade com que um ponto descreve o espaço. A foronomia é, pois, a pura teoria (mathesis) da quantidade dos movimentos. O conceito determinado de uma quantidade é o conceito da produção da representação de um objeto, mediante a composição de elementos homogêneos. Ora, visto que nada é homogêneo ao movimento a não ser, por seu turno, o movimento, a foronomia é a doutrina da composição dos movimentos do mesmo ponto, segundo a sua direção e velocidade, isto é, a representação de um único movimento enquanto tal, que contém em si simultaneamente dois ou vários movimentos, ou ainda de dois movimentos simultâneos do mesmo ponto enquanto conjuntamente formam um só, isto é, lhe são idênticos, mas não enquanto, por exemplo, o produzem, tal como as causas suscitam os seus efeitos. Para descobrir o movimento que brota da combinação dos vários movimentos que se desejar, basta apenas, como para toda a produção de grandezas, buscar em primeiro lugar a que, sob certas condições dadas, é formada por dois movimentos; a estes se religará em seguida um terceiro, etc. Por conseguinte, a teoria da composição de todos os movimentos reduz-se a de dois movimentos. Mas dois movimentos de um só e mesmo ponto, que aí se encontram simultaneamente, podem diferir de dois modos e ligar-se, como tais, a esse ponto de três maneiras. Em primeiro lugar, ocorrem numa só e mesma linha ou, ao mesmo tempo, em linhas diferentes; os últimos são movimentos que incluem um ângulo. Os que ocorrem numa só e mesma linha são, segundo a sua direção, ou opostos entre si, ou têm a direção idêntica. Visto que todos estes movimentos se consideram como ocorrendo ao mesmo tempo, resulta da relação das linhas, isto é, dos espaços descritos pelo movimento em tempos iguais, imediatamente também a relação da velocidade. Há, pois, três casos: 1) Dois movimentos (quer sejam de velocidades iguais ou diversas), combinados num corpo e numa mesma direção, têm de constituir um movimento pela sua composição; 2) Dois movimentos do mesmo ponto (de velocidade igualou diferente), unidos em sentido contrário, devem constituir, graças à sua combinação, um terceiro movimento na mesma linha; 3) Dois movimentos de um ponto, com velocidades iguais ou diferentes, consideram-se como compostos, mas em linhas diferentes, que compreendem um ângulo. Teorema A composição de dois movimentos de um só e mesmo ponto pode apenas conceber-se se um deles é representado no espaço absoluto e se, no lugar do outro, se representa como a ele idêntico um movimento do espaço relativo com velocidade igual, mas de sentido oposto. Demonstração Primeiro caso. - Dois movimentos numa mesma linha e direção advêm simultaneamente a um só e mesmo ponto. A)------B------C a--------b Representem-se duas velocidades AB e ab como contidas numa só velocidade do movimento; suponhamos iguais, para esta vez, as velocidades de modo que AB = ab; digo que num só e mesmo espaço (absoluto ou relativo), elas não podem representar-se simultaneamente no mesmo ponto. Com efeito, porque as linhas AB e ab, que designam as velocidades, são em rigor os espaços que elas percorrem em tempos iguais, então a composição destes espaços AB e ab = BC, por conseguinte, a linha AC, enquanto soma dos espaços, deveria expressar a soma das duas velocidades. Mas as partes AB e BC, cada uma por si, não representam a velocidade ab; efetivamente, não são percorridas no mesmo tempo que ab. Pelo que a dupla linha AC, percorrida no mesmo tempo que ab, não representa a velocidade dupla da última - o que no entanto se exigia. Por isso, a composição das duas velocidades numa mesma direção e no mesmo espaço não se pode representar intuitivamente. Em contrapartida, se se representar o corpo A movendo-se com a velocidade AB no espaço absoluto e se, além disso, dou ao espaço relativo uma velocidade ab = AB na direção oposta ba = CB, então é justamente a mesma coisa como se eu tivesse atribuído ao corpo esta última velocidade na direção AB (cf. axioma). Mas o corpo move-se então ao longo da soma das linhas AB e BC = 2ab no mesmo tempo em que teria percorrido apenas, a linha ab = AB, e a sua velocidade é, no entanto, representada como a soma das duas velocidades iguais AB e ab - o que se exigia. Segundo caso. - Dois movimentos de direções diretamente opostas devem combinar-se num só e mesmo ponto. B-----(A)-----C Seja AB um destes movimentos e AC o outro, em sentido contrário, cuja velocidade queremos aqui supor como igual à primeira: a própria ideia de representar num só e mesmo espaço e justamente no mesmo ponto como simultâneos dois movimentos semelhantes seria impossível e, por conseguinte, também o caso de uma semelhante combinação de movimentos - o que é contrário à hipótese. Imaginai, pelo contrário, um movimento AB no espaço absoluto mas, em vez de um movimento AC no mesmo espaço absoluto, o movimento oposto CA do espaço relativo, com justamente a mesma velocidade, a qual (segundo o axioma) é inteiramente equivalente ao movimento AC e pode, pois, substituir-se perfeitamente a ele; assim dois movimentos iguais e opostos do mesmo ponto podem decerto representar-se simultaneamente. Ora, visto que o espaço relativo se move com a mesma velocidade CA = AB na mesma direção com o ponto A, este ponto, ou o corpo que nele se encontra, não muda de lugar em relação ao espaço relativo, isto é, um corpo que se move com uma velocidade igual nas duas direções diretamente opostas, está em repouso ou, numa expressão geral: o seu movimento é igual à diferença das velocidades na direção da maior (o que facilmente se pode deduzir do que foi demonstrado). Terceiro caso. - Dois movimentos do mesmo ponto em direções que compreendem um ângulo, representam-se como unidos. ?????????? Os dois movimentos dados são AB e AC, cuja velocidade e direções são expressas por estas linhas, mas o ângulo que elas compreendem por BA C (pode ser, como aqui, um ângulo reto, mas também pode ser um ângulo obtuso qualquer). Ora, se estes dois movimentos devem ocorrer ao mesmo tempo nas direções AB e AC e, decerto, num só e mesmo espaço, então não poderiam produzir-se simultaneamente segundo estas duas linhas AB e AC, mas apenas em linhas que correm paralelamente àquelas. Seria então preciso supor que um destes movimentos opera no outro uma modificação (a saber, o desvio do trajeto dado), embora dos dois lados as direções permaneçam as mesmas. Mas isto é contrário à hipótese do teorema que, sob o termo composição, indica que os dois movimentos dados estão contidos num terceiro, por conseguinte, identificam-se com este; e não que, se um modifica o outro, eles produzem um terceiro. Suponha-se, pelo contrário, que o movimento AC se produz no espaço absoluto e que, em vez de um movimento AB, o movimento do espaço relativo ocorra na direção oposta. Divida-se a linha AC em três partes iguais AE, EF, FC. Enquanto o corpo A percorre no espaço absoluto a linha AE, o espaço relativo e com ele o ponto E percorre o espaço Ee = MA; enquanto o corpo percorre as duas partes conjuntamente = AF, o espaço relativo e com ele o ponto F descreve a linha Fi = NA; por fim, enquanto o corpo percorre toda a linha A C, o espaço relativo e com ele o ponto C descreve a linha Cc = BA; e tudo isto é a mesma coisa como se à corpo A, durante estas três porções de tempo, tivesse percorrido as linhas Em, Fn e CD = AM, AN, AB, e como se tivesse percorrido a linha CD = AB, durante todo o tempo em que percorre AC. Encontra-se, pois, no último instante, no ponto D e, durante todo este tempo, passa pouco a pouco por todos os pontos da diagonal AD, a qual, por conseguinte, exprime tanto a direção como a velocidade do movimento composto. Observação 1 A construção geométrica exige que uma grandeza em composição com outra, ou que duas grandezas compostas conjuntamente sejam idênticas a uma terceira, e não que produzam a terceira como causas, o que seria uma construção mecânica. A perfeita semelhança e igualdade, enquanto se pode conhecer apenas na intuição, é a congruência. Toda a construção geométrica de uma identidade completa se funda na congruência. Esta congruência de dois movimentos unidos a um terceiro (enquanto o próprio motu composito) jamais pode ter lugar, quando os dois movimentos se representam num só e mesmo espaço, por exemplo, no espaço relativo. Por isso, todas as tentativas para demonstrar o teorema supramencionado nos seus três casos foram sempre apenas soluções mecânicas; com efeito, aduziam-se causas motoras pelas quais um movimento dado, unido a outro, suscitava um terceiro, mas não constituíam provas de que aqueles dois movimentos eram idênticos ao terceiro e que, como tais, podiam representar-se a priori na intuição pura. Observação 2 Quando, por exemplo, uma velocidade AB se diz dupla, por tal nada mais se pode entender a não ser que ela consta de duas velocidades simples e iguais AB e BC (cf. figo 1). No entanto, se se explicar uma velocidade dupla dizendo que ela é um movimento que percorre num mesmo tempo um espaço duas vezes tão grande, admite-se aqui algo que não é por si mesmo evidente, a saber: que duas velocidades iguais podem compor-se como dois espaços iguais, e não é claro em si que uma velocidade dada consista em velocidades menores e um movimento rápido em movimentos lentos, tal como um espaço se compõe de espaços menores; efetivamente, as partes da velocidade não são exteriores umas às outras, como as partes do espaço, e se esta velocidade se deve considerar como uma grandeza, então o conceito da sua grandeza, que é intensiva, deve construir-se de um modo diverso do da grandeza extensiva do espaço. Mas esta construção não é possível de nenhum outro modo a não ser pela composição mediata de dois movimentos iguais, dos quais um é o do corpo e o outro o do espaço relativo numa direção oposta, movimento, porém, de todo idêntico por isso mesmo a um movimento semelhante do corpo, na direção primitiva. Com efeito, não podem compor-se segundo a mesma direção num corpo duas velocidades iguais a não ser apenas mediante causas motoras exteriores, por exemplo, um barco, que transporta um corpo com uma destas velocidades, enquanto uma outra força motriz, ligada ao barco de modo estável, imprime ao corpo a segunda velocidade, igual à precedente; neste caso, no entanto, deve sempre pressupor-se que o corpo conserva a velocidade primeira num movimento independente, enquanto se lhe acrescenta a segunda; eis o que constitui uma lei natural das forças motrizes, de que não se pode falar quando se trata simplesmente de saber como se deve construir, como uma grandeza, o conceito de velocidade. E já chega a propósito da adição das velocidades uma à outra. Mas se se falar da subtração de uma velocidade à outra, esta pode decerto facilmente conceber-se, se se admitir a possibilidade de obter uma velocidade como grandeza por adição; tal conceito, porém, não pode tão facilmente construir-se. Com efeito, para este fim devem unir-se num corpo dois movimentos opostos; mas como é que isto tem de ocorrer? De um modo imediato, isto é, em relação ao mesmo espaço em repouso, é impossível pensar dois movimentos iguais de sentido oposto no mesmo corpo; porém, a representação da impossibilidade destes dois movimentos num corpo não é o conceito do repouso do mesmo corpo, mas o da impossibilidade da construção da composição de movimentos opostos, a qual, no entanto, se considera como possível no teorema. Mas esta construção não é possível exceto através da conexão do movimento do corpo com o movimento do espaço, como se mostrou. Por fim, no tocante à composição de dois movimentos, cuja direção compreende um ângulo, nem sequer ela se pode conceber no corpo em relação a um só e mesmo espaço, se não se admitir que um é produzido por uma força exterior continuamente atuante (por exemplo, um veículo que transporta o corpo), enquanto os outros movimentos se mantêm aqui sem mudança; ou é preciso, em geral, tomar como fundamento forças motrizes e a produção de um terceiro movimento a partir de duas forças reunidas - o que é decerto a realização mecânica do que um conceito contém, mas não a sua construção matemática, a qual deve apenas tornar intuitivo o que o objeto (como quantum) é; e não como pode ser produzido pela natureza ou pela arte mediante certos instrumentos e forças. - A composição dos movimentos para determinar a sua relação a outros como grandezas deve fazer-se segundo as regras da congruência - o que em todos os três casos só é possível graças ao movimento do espaço que coincide com um dos dois movimentos dados, e assim ambos coincidem com o movimento composto. Observação 3 A foronomia, considerada não como pura teoria do movimento, mas apenas como pura teoria quantitativa do movimento, em que a matéria não se concebe segundo nenhuma outra propriedade a não ser a simples mobilidade, contém, pois, apenas este único teorema a propósito da composição do movimento nos três casos aduzidos e, decerto, acerca da possibilidade unicamente do movimento retilíneo, e não do movimento curvilíneo. Com efeito, o movimento modifica-se neste último continuamente (quanto à direção), pelo que tem de apelar-se para uma causa desta modificação, que não pode ser o simples espaço. Mas, visto que habitualmente sob o termo de movimento composto se entendia apenas o único caso em que as suas direções compreendem um ângulo, não se causava deste modo, é certo, à física dano algum, mas sim ao princípio da divisão de uma pura ciência filosófica em geral. Efetivamente, no tocante à primeira, os três casos abordados no teorema acima mencionado podem representar-se de um modo suficiente apenas no terceiro. De fato, sé o ângulo compreendido nos dois movimentos dados se conceber como infinitamente pequeno, este terceiro caso contém o primeiro; mas se se representar como infinitamente pouco diferente de uma única linha reta, contém o segundo caso; de modo que, no teorema conhecido do movimento composto, todos os três casos por nós mencionados podem enunciar-se numa fórmula geral. Mas, deste modo, não podia aprender-se a discernir a priori a teoria quantitativa do movimento nas suas diversas partes - o que também tem a sua utilidade em muitos aspectos. Se alguém encontra prazer em referir as três partes consideradas do teorema geral da foronomia ao esquema da divisão de todos os conceitos puros do entendimento, aqui, em especial, à divisão do conceito de quantidade, observará que, dado o conceito de uma grandeza conter sempre o da composição do homogêneo, a teoria da composição dos movimentos é ao mesmo tempo a pura teoria quantitativa da mesma e, decerto, segundo os três momentos, que o espaço proporciona: o da unidade da linha e da direção, o da pluralidade das direções numa só e mesma linha e, por fim, o da totalidade das direções e igualmente das linhas segundo as quais o movimento pode ocorrer - o que contém a determinação de todo o movimento possível como quantum, embora a quantidade destes movimentos (num ponto móvel) consista apenas na velocidade. Esta observação só tem a sua utilidade na filosofia transcendental. CAPÍTULO II PRIMEIROS PRINCÍPIOS METAFÍSICOS DA DINÂMICA Definição 1 A matéria é o móvel enquanto enche um espaço. Encher um espaço significa resistir a todo o móvel que se esforça, graças ao seu movimento, por penetrar num certo espaço. Um espaço que não é cheio é um espaço vazio. Observação Eis a definição dinâmica do conceito de matéria. Ela pressupõe a da foronomia, mas acrescenta uma propriedade que se relaciona como causa a um efeito, a saber, o poder de resistir a um movimento no interior de certo espaço - do qual não era necessário falar na ciência precedente, mesmo quando se tinha de lidar com movimentos de um só e mesmo ponto em direções opostas. Esta relação do espaço liberta certo espaço da penetração de qualquer outro móvel, se o seu movimento se dirige para um lugar qualquer neste espaço. É preciso agora indagar em que se funda a resistência da matéria dirigida em todos os sentidos e em que consiste. A partir da definição acima mencionada vê-se já que a matéria não se considera aqui na sua resistência quando é impelida do seu lugar e, por conseguinte, deve pôr-se em movimento (este caso examinar-se-á ulteriormente como resistência mecânica), mas quando simplesmente o espaço da sua própria extensão se tiver de reduzir. Utiliza-se o termo ocupar um espaço, isto é, estar imediatamente presente em todos os pontos deste espaço, para assim designar a extensão de uma coisa no espaço. Mas, porque neste conceito não se determina qual o efeito resultante desta presença, ou mesmo se em geral daí deriva um efeito, se importará resistir a outros móveis que procuram penetrar no interior, ou se significa simplesmente um espaço sem matéria, enquanto é um conjunto de vários espaços, como, a propósito de cada figura geométrica, se pode dizer que ela ocupa um espaço (é extensa), ou se ainda há no espaço algo que força outro móvel a penetrar no mesmo mais profundamente (impele outros); porque, digo eu, mediante o conceito de ocupar um espaço, tudo isto é indeterminado, então encher um espaço é uma determinação mais precisa do conceito de ocupar um espaço. Teorema 1 A matéria enche um espaço, não pela sua simples existência, mas em virtude de uma força motriz particular. Demonstração A penetração num espaço (no instante em que começa chama-se ela a tendência para penetrar) é um movimento. A resistência ao movimento é a causa da sua diminuição, ou também da sua transformação em repouso. Ora, não pode unir-se a nenhum movimento algo que o diminui ou o suprime, a não ser outro movimento do mesmo móvel na direção contrária (cf. Foronomia, teorema). Pelo que a resistência que uma matéria no espaço, por ela enchido, opõe a toda a penetração de outras é uma causa do movimento destas últimas na direção oposta. Mas a causa de um movimento chama-se força motriz. Portanto, a matéria enche o seu espaço mediante uma força motriz, e não em virtude da sua simples existência. Observação Lambert e outros à propriedade que a matéria tem de encher um espaço deram o nome de solidez (uma expressão bastante ambígua) e querem que ela se pressuponha necessariamente em cada coisa que existe (substância), pelo menos no mundo sensível exterior. Segundo as suas concepções, a presença de algo de real no espaço deveria implicar esta resistência já em virtude do seu conceito, por conseguinte, segundo o princípio de contradição, e fazer que mais nada possa coexistir no espaço com tal coisa. No entanto, o princípio de contradição não repele matéria alguma que se aproxima para entrar num espaço onde depara com outra matéria. Só quando atribuo ao que ocupa um espaço uma força para repelir todo o móvel exterior, que se aproxima, é que compreendo como se contém uma contradição no fato de que no espaço, ocupado por uma coisa, ainda outra do mesmo gênero possa penetrar. Aqui, o matemático admitiu como primeiro dado da construção do conceito de uma matéria algo que já não se pode construir. Pode então, sem dúvida, começar a sua construção de um conceito a partir de um dado qualquer sem, por seu turno, se aventurar a explicar esse dado; mas nem por isso está, no entanto, autorizado a declarar que tal dado é inteiramente insusceptível de toda a construção matemática, de modo a impedir assim o remontar aos primeiros princípios da ciência da natureza. Definição 2 A força de atração é a força motriz pela qual uma matéria pode ser a causa de que outras se aproximem dela (ou, o que é idêntico, pela qual ela se opõe a que outras matérias dela se afastem). A força de repulsão é aquela pela qual uma matéria pode ser a causa de que outras se afastem dela (ou, o que é idêntico, pela qual ela resiste à aproximação de outras matérias). Chamaremos, por vezes, a esta última também força propulsiva, assim como chamamos à primeira força trativa. Corolário Apenas se podem pensar estas duas forças motrizes da matéria. Com efeito, todo o movimento que uma matéria pode imprimir a outra, já que a este respeito cada uma delas se considera apenas como um ponto, deve sempre olhar-se como comunicada na linha reta entre dois pontos. Mas nesta reta são possíveis apenas duas espécies de movimentos: um é aquele pelo qual esses pontos se afastam um do outro• o segundo é aquele pelo qual eles se aproximam entre si. Mas a força que constitui a causa do primeiro movimento chama-se força de repulsão, e a força que é a causa do segundo denomina-se força de atração. Por conseguinte, apenas se podem conceber estas duas espécies de forças, às quais se devem reduzir todas as forças motrizes da natureza material. Teorema 2 A matéria enche os seus espaços graças às forças repulsivas de todas as suas partes, isto é, graças a uma força de expansão que lhe é peculiar, a qual tem um grau determinado para além do qual se podem pensar até ao infinito graus menores ou maiores. Demonstração A matéria enche um espaço unicamente graças a uma força motriz (Teorema 1) e, decerto, uma força tal que se opõe à invasão de outras matérias, isto é, à sua aproximação. É esta, pois, uma força repulsiva (Definição 2). Por conseguinte, a matéria enche o seu espaço apenas graças às forças repulsivas e, claro está, em todas as suas partes, porque de outro modo uma parte do seu espaço não seria cheia (contra o pressuposto), mas simplesmente incluída. Mas a força de um corpo extenso, em virtude da repulsão de todas as suas partes, é uma força de expansão (expansiva). Portanto, a matéria enche o seu espaço unicamente graças a uma força de expansão que lhe é peculiar - o que era o primeiro ponto. Para além de toda a força dada, deve poder conceber-se uma maior; pois, a força para lá da qual nenhuma força maior é possível seria tal que por ela, num tempo finito, se percorreria um espaço infinito (o que é impossível). Além disso, deve poder conceber-se uma força inferior a toda a força motriz dada (pois a menor seria aquela que, ao acrescentar-se indefinidamente a si mesma, num tempo dado, não poderia produzir nenhuma velocidade finita - o que significa ausência de toda a força motriz). Por conseguinte, abaixo de todo o grau dado de uma força motriz, deve sempre poder dar-se um grau menor - o que constitui o segundo ponto. Por consequência, a força de expansão com que toda a matéria enche o seu espaço possui o seu grau, que nunca é o maior ou o menor, mas para lá do qual se podem encontrar até ao infinito superiores e inferiores. Corolário 1 A força expansiva de uma matéria chama-se também elasticidade. Visto que esta força é o fundamento em que se baseia o enchimento do espaço, enquanto propriedade essencial de toda a matéria, semelhante elasticidade deve chamar-se originária, porque não se pode derivar de nenhuma outra propriedade da matéria. Toda a matéria é, pois, originariamente elástica. Corolário 2 Visto que para além de toda a força expansiva se pode encontrar uma força motriz superior, mas esta pode também opor-se àquela, restringindo então assim o espaço que ela procura estender - caso este em que a primeira se chamaria força compressiva -, então deve também ser possível para cada matéria encontrar uma força compressiva que consiga empurrá-la de todo o espaço que ela enche para um espaço mais restrito. Definição 3 Uma matéria no seu movimento penetra outra quando suprime inteiramente por compreensão o espaço da sua expansão. Observação Quando, num corpo cheio de ar de uma máquina pneumática, o pistão é empurrado sempre mais até ao fundei, a matéria do ar é comprimida. Ora, se esta compressão se levasse até ao ponto de o pistão tocar inteiramente o fundo (sem que o mínimo de ar tivesse desaparecido), a matéria do ar seria penetrada; com efeito, as matérias entre as quais ela se encontra não lhe deixariam espaço algum e, por conseguinte, ela encontrar-se-ia entre o pistão e o fundo, sem ocupar um espaço. Esta penetrabilidade da matéria por forças compressivas exteriores, se alguém a quisesse admitir ou também simplesmente pensar, poderia chamar-se a penetrabilidade mecânica. Tenho razões para distinguir mediante tal restrição esta penetrabilidade da matéria de outra, cujo conceito é talvez tão impossível como o primeiro; poderia ulteriormente ter a ocasião de a seu respeito fazer uma observação. Teorema 3 A matéria pode comprimir-se até ao infinito, mas nunca pode ser penetrada por outra matéria, por maior que seja a força de compressão desta última. Demonstração Uma força originária pela qual uma matéria se esforça por estender-se em todas as direções para além de um espaço dado que ela ocupa, deve ser maior se estiver contida num espaço menor, e ser infinita, se estiver comprimida num espaço infinitivamente pequeno. Ora, para qualquer força expansiva da matéria, pode encontrar-se uma força compressiva maior que compele a primeira para um espaço mais estreito, e assim até ao infinito - o que era o primeiro ponto. Mas, para a penetração da matéria, exigir-se-ia uma compressão da mesma num espaço infinitivamente pequeno, por conseguinte, uma força compressiva infinita, O que é impossível. Portanto, uma matéria não pode ser penetrada por nenhuma outra mediante compressão - eis o segundo ponto. Observação Nesta demonstração, admiti logo de início que quanto mais uma força expansiva foi repelida para o canto tanto mais forte deve ser a sua reação. Isto não valeria decerto para toda a espécie de forças elásticas, que são apenas derivadas; mas, na matéria, na medida em que enquanto matéria em geral, ao encher um espaço, lhe incumbe uma elasticidade essencial, pode postular-se isto. Com efeito, a força expansiva, exercida de todos os pontos e em todas as direções, constitui até o conceito desta matéria. Mas o mesmo quantum, encerrado por forças expansivas num espaço mais estreito, deve em cada ponto deste espaço repelir com tanto mais força quanto, inversamente, menor é o espaço em que certo quantum de força estende a sua ação. Definição 4 Chamo relativa à impenetrabilidade da matéria, que se baseia na resistência que cresce proporcionalmente aos graus de compressão; mas a que se baseia no pressuposto de que a matéria, enquanto tal, não é susceptível de compressão, chama-se a impenetrabilidade absoluta. Pode chamar-se matemática à repleção do espaço com absoluta impenetrabilidade e dinâmica à repleção do espaço com impenetrabilidade simplesmente relativa. Observação 1 Segundo o conceito puramente matemático da impenetrabilidade (que não pressupõe nenhuma força motriz como originariamente peculiar à matéria), nenhuma matéria é susceptível de compressão a não ser enquanto contém em si espaços vazios; por conseguinte, a matéria enquanto matéria resiste a toda a penetração com uma necessidade absoluta. Segundo a nossa explicação desta propriedade, porém, a impenetrabilidade assenta num fundamento físico; com efeito, a força expansiva torna-se primeiramente possível como algo de extenso, e enche o seu espaço. Mas visto que esta força tem um grau que pode ser superado, por conseguinte, o espaço da expansão pode ser reduzido, isto é, nesse mesmo espaço pode penetrar uma força compressiva dada até certo ponto de modo que, no entanto, a penetração total é impossível, porque exigiria uma força compressiva infinita: assim a repleção do espaço só se pode considerar como uma impenetrabilidade relativa. Observação 2 De fato, a impenetrabilidade absoluta é nada mais nada menos que uma qualitas occulta. Efetivamente, indaga-se a razão pela qual as matérias no seu movimento não se podem penetrar uma à outra e obtém-se esta resposta: porque são impenetráveis. O apelo à força repulsiva está isento desta censura. Se, pois, quanto à sua possibilidade, esta força já não pode também explicar-se, por conseguinte, deve valer como força fundamental, então ela proporciona, apesar de tudo, um conceito de uma causa ativa e das suas leis, segundo as quais o efeito, a saber, a resistência no espaço pleno, se pode avaliar segundo os seus graus. Definição 5 A substância material é o que no espaço é móvel por si, isto é, separado de tudo o que existe no espaço, fora dela. O movimento de uma parte da matéria, em virtude do qual ela cessa de ser uma parte, é a separação. A separação das partes de uma matéria é a divisão física. Observação O conceito de uma substância significa o último sujeito da existência, isto é, do que por seu turno não pertence como predicado à existência de outra coisa. Ora, a matéria é o sujeito de tudo o que, no espaço, se pode incluir na existência das coisas; com efeito, fora dela, nenhum sujeito, a não ser o próprio espaço, se poderia conceber. Mas o espaço é um conceito que não contém ainda nada de existente, mas apenas as condições necessárias da relação exterior de objetos possíveis dos sentidos externos. Pelo que a matéria, enquanto elemento móvel no espaço é substância neste mesmo espaço. Mas todas as partes da matéria se devem igualmente chamar substâncias e, por conseguinte, mais uma vez, matéria, na medida em que a propósito delas apenas se pode dizer que não sujeitos, e não simplesmente predicados de outras matérias. Mas não sujeitos quando são móveis por si mesmas e, por conseguinte, são algo de existente no espaço fora de toda a ligação com outras partes vizinhas. Portanto, a mobilidade própria da matéria ou de qualquer uma das suas partes é ao mesmo tempo uma prova de que este móvel, e cada uma das suas partes móveis, é substância. Teorema 4 A matéria é divisível até ao infinito e, decerto, nas partes, cada uma das quais é, por seu turno, matéria. Demonstração A matéria é impenetrável e, claro está, graças à sua força expansiva originária (Teorema 3); mas esta é apenas a consequência da força repulsiva de cada ponto num espaço cheio de matéria. Ora, o espaço que a matéria enche é matematicamente divisível até ao infinito, isto é, as suas partes podem distinguir-se até ao infinito embora não sejam movidas nem, por conseguinte, também separadas (segundo demonstrações da geometria). Mas, num espaço cheio de matéria, cada parte deste espaço contém uma força repulsiva para agir de todos os lados contra as outras, portanto, para as repelir e ser por elas igualmente repelida, isto é, ser impelida a afastar-se das mesmas. Por consequência, cada parte de um espaço cheio de matéria é móvel por si mesmo, portanto, separável das outras partes como substância material mediante divisão física. Pelo que tanto quanto se estende a divisibilidade matemática do espaço que uma matéria enche assim se estende igualmente a divisão física possível da substância que o enche. Mas a divisibilidade matemática estende-se até ao infinito, por conseguinte, também a divisibilidade física, isto é, toda a matéria é divisível até ao infinito e, claro está, em partes das quais cada uma é, por seu turno, substância material. Observação 1 Por meio da demonstração da divisibilidade infinita do espaço não se demonstrou ainda a da matéria, se antes não se demonstrou que há substância material em cada parte do espaço, isto é, que se depara aí com partes móveis por si mesmas. Com efeito, se um monadista quisesse admitir que a matéria consta de pontos físicos, dos quais cada um (justamente por esta razão) não possui partes móveis mas, não obstante, enche um espaço graças à simples força repulsiva, poderia admitir que, em virtude da divisão do espaço, este espaço decerto se divide, mas não a substância, que nele atua, por conseguinte, a esfera de atividade desta substância se divide ao mesmo tempo, mas não o sujeito móvel que age. Assim ele comporia a matéria de partes fisicamente indivisíveis e, no entanto, deixa-a ocupar um espaço de modo dinâmico. Mas, graças à demonstração antes proposta, retira-se inteiramente ao monadista este subterfúgio. Efetivamente, a partir dela toma-se claro que num espaço cheio não pode haver ponto algum que não exerça de todos os lados uma repulsão igual à que sofre, por conseguinte, que não seja móvel em si mesmo enquanto sujeito reativo que se encontra fora de todo o outro ponto de repulsão; e que a hipótese de um ponto que encheria um espaço graças a uma simples força motriz, e não por meio de outras forças igualmente repulsivas, é totalmente impossível. Para melhor ilustrar isto e, deste modo, também a demonstração do teorema precedente, (a)-----c-----(A)-----(b) suponhamos que A é o lugar de uma mônada no espaço, ab o diâmetro da esfera da sua força repulsiva, aA o raio desta mesma esfera; entre a, onde se resiste à penetração de uma mônada exterior no espaço ocupado por aquela esfera, e o centro A da mesma, é possível aduzir um ponto c (segundo a divisibilidade infinita do espaço). Ora, se A resiste ao que quer penetrar em a, c deve igualmente resistir aos dois pontos A e a. Com efeito, se não fosse assim, aproximar-se-iam um do outro sem impedimento; por conseguinte, A e a encontrar-se-iam em c, isto é, o espaço seria penetrado. Deve, pois, haver algo em c que resiste à penetração de A e de a e, por conseguinte, repele a mônada A, como também por ela é repelido. Ora, visto que repelir é mover, então c é algo de móvel no espaço, por conseguinte, matéria, e o espaço entre A e a não podia ser enchido pela esfera de atividade de uma só mônada, nem também o espaço entre c e A, e assim até ao infinito. Quando os matemáticos representam para si as forças repulsivas das partes de matérias elásticas, em maior ou menor compressão das mesmas, como decrescentes ou crescentes segundo certa proporção das suas mútuas distâncias, de modo que, por exemplo, as partes menores do ar se repilam na razão inversa das mútuas distâncias, porque a sua elasticidade está em razão inversa dos espaços onde estão comprimidas, perde-se totalmente o seu sentido e interpreta-se mal a sua linguagem, ao atribuir-se ao conceito no próprio objeto o que pertence necessariamente ao procedimento da construção de um conceito. Com efeito, segundo tal procedimento, todo o contacto se pode representar como uma distância infinitivamente pequena - o que necessariamente deve também acontecer naqueles casos em que um espaço grande ou pequeno se deve representar como inteiramente cheio pela mesma quantidade de matéria , isto é, um mesmo quantum de forças repulsivas. No entanto, em algo de divisível até ao infinito não se deve, pois, admitir um real afastamento das partes que, em toda a extensão do espaço do todo, constituem sempre um contínuo, embora a possibilidade desta extensão não possa representar-se intuitivamente a não ser sob a ideia de um afastamento infinitivamente pequeno. Observação 2 A matéria pode, decerto, no seu uso interno, ser totalmente indiferente às chicanas de uma metafísica errônea e ater-se à posse segura das suas afirmações evidentes acerca da infinita divisibilidade do espaço, sejam quais forem as objeções levantadas no caminho por um sofismar que usa puros conceitos; mas na aplicação das suas proposições, que valem para o espaço, à substância, que ele enche, deve, no entanto, admitir um exame segundo simples conceitos, por conseguinte, a metafísica. O teorema antes proposto é disso já uma prova. Com efeito, não se segue de modo necessário que a matéria seja fisicamente divisível até ao infinito, embora ela o seja do ponto de vista matemático, e cada parte do espaço seja, por seu turno, um espaço, e englobe, portanto, em si sempre partes exteriores umas às outras, enquanto não se puder demonstrar que em cada uma de todas as partes possíveis deste espaço pleno há também substância, a qual, separada de todas as outras, existe também, consequentemente, como móvel/por si. Faltava, assim, até agora, à demonstração matemática algo sem o qual ela não podia aplicar-se com segurança à ciência da natureza; e esta deficiência foi suprida no teorema acima mencionado. Mas agora, no tocante aos restantes ataques da metafísica contra o teorema doravante físico da infinita divisibilidade da matéria, o matemático deve deixa-los totalmente para o filósofo, o qual, graças a essas objeções, se enreda de qualquer modo num labirinto de que lhe é difícil sair também nas questões que diretamente lhe dizem respeito e, por isso, tem bastante a fazer consigo mesmo, sem que o matemático deva enredar-se neste assunto. Se, com efeito, a matéria é divisível até ao infinito, então (raciocina o metafísico dogmático) consiste numa quantidade infinita de partes; efetivamente, um todo deve já em si conter prévia e conjuntamente todas as partes em que se pode dividir. A última proposição é também indubitavelmente certa acerca de toda a totalidade enquanto coisa em si, por conseguinte, visto que não pode, no entanto, admitir-se que a matéria, ou até mesmo apenas o espaço, se componha de um número infinito de partes (porque é uma contradição conceber como inteiramente acabada uma quantidade infinita, cujo conceito implica já que nunca se poderá representar como acabado), então é preciso decidir-se ou a dizer, para despeito do geômetra, que o espaço não é divisível até ao infinito ou, para irritação do metafísico, que o espaço não é propriedade de uma coisa em si e, portanto, a matéria não é uma coisa em si, mas simples fenômeno dos nossos sentidos externos em geral, tal como o espaço é a sua forma essencial. O filósofo encontra-se aqui embaraçado entre os cornos de um dilema perigoso. Negar a primeira proposição, a saber, que o espaço é divisível até ao infinito, é um empreendimento vão, pois a matemática não se deixa arrastar para um sofismar subtil; mas ver a matéria como coisa em si e, por conseguinte, o espaço como propriedade das coisas em si e, no entanto, negar aquela proposição é idêntico. Ele vê-se, portanto, forçado a renunciar à última afirmação, por mais geral e conforme que ela seja ao entendimento comum, mas naturalmente só com a condição de que ele reduza matéria e espaço a simples fenômeno (por conseguinte, fazendo do último apenas uma forma da nossa intuição sensível externa, e dos dois não coisas em si, mas unicamente modos subjetivos de representação de objetos que nos são desconhecidos); e, em seguida, desvencilha-se também da dificuldade que consiste na infinita divisibilidade da matéria, não consistindo no entanto, num número infinito de partes. A razão pode, sem dúvida, conceber este último ponto, embora seja impossível torná-lo intuível e construí-lo. Com efeito, do que só é real em virtude de ser dado na representação também não mais se pode dar a não ser o que se encontra na representação, isto é, até onde chega a progressão das representações. Pelo que acerca dos fenômenos, cuja divisão vai até ao infinito, apenas se pode dizer que partes do fenômeno há tantas quantas as que delas unicamente damos, isto é, até onde apenas conseguimos sempre dividir. Efetivamente, as partes, enquanto pertencentes à existência de um fenômeno, só existem no pensamento, a saber, na própria divisão. Ora, a divisão estende-se decerto até ao infinito, mas jamais é dada, porém, como infinita; por conseguinte, não se segue que o divisível contenha em si uma quantidade infinita de partes em si mesmas e fora da nossa representação, justamente porque a sua divisão se estende até ao infinito. Efetivamente, não é a coisa, mas apenas a sua representação, cuja divisão, embora se possa prosseguir até ao infinito e haja para isso um fundamento no objeto (que em si é desconhecido), nunca pode ser, porém, completa e, por conseguinte, inteiramente dada; e assim também não demonstra nenhuma quantidade verdadeiramente infinita no objeto (o que seria uma contradição expressa). Um grande homem que, talvez mais do que ninguém, contribuiu para manter o prestígio da matemática na Alemanha, rejeitou muitas vezes as pretensões metafísicas para anular os teoremas da geometria acerca da divisibilidade infinita do espaço, mediante a observação bem fundamentada de que o espaço pertence unicamente ao fenômeno das coisas externas; mas ele não foi compreendido. Interpretou-se esta proposição como se ela quisesse dizer: o próprio espaço nos aparece, ele é aliás uma coisa ou uma relação das coisas em si; o matemático considera-o apenas tal como ele aparece; em vez disso, deveria ter-se compreendido que o espaço não é uma propriedade que em si é inerente a uma qualquer coisa fora dos nossos sentidos, mas apenas a forma subjetiva da nossa sensibilidade, sob a qual nos aparecem objetos dos sentidos externos que não conhecemos como em si são constituídos - fenômeno este a que damos o nome de matéria. Naquela interpretação errônea, concebia-se o espaço sempre ainda como uma propriedade inerente às coisas mesmo fora da nossa faculdade de representação, propriedade que, porém, o matemático concebe apenas segundo conceitos comuns, isto é, confusos (com efeito, assim se define comummente o fenômeno) e, portanto, atribuía-se o teorema matemático da divisibilidade infinita da matéria - teorema que pressupõe a maior nitidez no conceito de espaço - a uma representação confusa do espaço, em que se baseava o geômetra; o metafísico tinha, pois, a liberdade de compor o espaço com pontos e a matéria a partir de partes simples e assim de conferir (segundo a sua opinião) nitidez a este conceito. A razão deste erro reside numa falsa interpretação da monadologia, a qual não se inscreve na explicação dos fenômenos da Natureza, mas é um conceito platônico do mundo desenvolvido por Leibniz, correto em si, enquanto mundo considerado não como objeto dos sentidos, mas como coisa em si, simplesmente um objeto do entendimento, o qual, no entanto, subjaz aos fenômenos dos sentidos. Ora, o composto das coisas em si deve decerto consistir no simples; com efeito, as partes devem aqui ser dadas antes de toda a composição. Mas o composto no fenômeno não consiste no simples, porque no fenômeno, que jamais pode ser dado a não ser como composto (extenso), as partes só podem ser dadas por divisão e, portanto, não antes do composto, mas unicamente nele. Por isso, a opinião de Leibniz, tanto quanto me apercebo, não era explicar o espaço por uma ordem de seres simples justapostos, mas antes pôr a seu lado esta ordem como a ele correspondente, se bem que dependente de um mundo puramente inteligível (para nós desconhecido); e nada mais queria afirmar do que o que noutro lugar se mostrou, a saber: que o espaço, juntamente com a matéria, de que ele é a forma, não contém o mundo das coisas em si, mas apenas o fenômeno desse mesmo mundo, e que ele constitui unicamente a forma da nossa intuição sensível externa. Teorema 5 A possibilidade da matéria exige, como sua segunda força fundamental, uma força de atração. Demonstração A impenetrabilidade, enquanto propriedade fundamental da matéria, pela qual esta se manifesta primeiramente aos nossos sentidos externos como algo de real no espaço, nada mais é do que a faculdade de extensão da matéria (Teorema 2). Ora, uma força motriz essencial, em virtude da qual as partes da matéria fogem umas das outras, não pode primeiramente ser limitada por si mesma, porque a matéria se esforça antes por estender continuamente o espaço que ela enche; (em segundo lugar), o espaço só por si também não pode fixar um limite à sua extensão; com efeito, o espaço pode decerto conter a razão em virtude da qual, ao aumentar o volume de uma matéria que se estende, se torna em razão inversa mais fraca a força expansiva, mas, porque de qualquer força motriz são possíveis até ao infinito graus menores, o espaço jamais conterá a razão por que tal força em algum lado cessaria de agir. Por conseguinte, a matéria, graças apenas à sua força repulsiva (que contém o fundamento da impenetrabilidade) e, se uma força motriz não reagisse contra ela, não se conteria em fronteira alguma da sua expansão, isto é, dispersar-se-ia até ao infinito, e em nenhum espaço determinável se encontraria uma quantidade determinável de matéria. Portanto, se existissem simplesmente forças repulsivas na matéria, todos os espaços estariam vazios e assim, em rigor, não haveria matéria alguma. Toda a matéria exige, pois, para a sua existência forças opostas às forças de expansão, isto é, forças compressivas. Mas estas não podem, por seu turno, buscar-se originariamente na tendência oposta de outra matéria; com efeito, esta, para ser matéria, precisa também de uma força compressiva. Importa, portanto, admitir algures uma força originária da matéria, que age numa direção oposta à força repulsiva, por conseguinte, que produz a aproximação, isto e, uma força de atração. Ora, visto que esta força de atração pertence em geral à possibilidade de uma matéria enquanto matéria e, por conseguinte, precede todas as diferenciações da mesma, não se deve atribuir apenas a um gênero particular de matéria, mas a toda a matéria em geral e, claro está, de um modo originário. Pelo que a toda a matéria cabe uma atração primordial, enquanto força fundamental inerente à sua essência. Observação Nesta passagem de uma propriedade da matéria para outra que dela é especificamente diferente e que pertence de igual modo ao conceito de matéria, embora não esteja contido no mesmo, deve examinar-se de mais perto o comportamento do nosso entendimento. Se a própria força atrativa se exige originariamente para a possibilidade da matéria, porque é que não nos servimos / tanto dela como da impenetrabilidade para a primeira caracterização de uma matéria? Porque é que a última é imediatamente dada com o conceito de matéria, e a primeira não é pensada no conceito, mas lhe é acrescentada apenas mediante raciocínios? Afirmar que os nossos sentidos não nos deixam percepcionar esta atração de um modo tão imediato como a repulsão e a resistência da impenetrabilidade não constitui ainda uma resposta suficiente à dificuldade. Com efeito, ainda que dispuséssemos de semelhante faculdade, facilmente se vê que o nosso entendimento nem por isso deixaria de escolher a repleção do espaço, para assim designar a substância no espaço, isto é, a matéria, pois se põe justamente nesta repleção ou, como habitualmente se diz, na solidez a característica da matéria enquanto uma coisa diversa do espaço. A atração, por melhor que fosse a sensação que dela temos, jamais nos revelaria uma matéria de um determinado volume e forma, mas unicamente o esforço do nosso órgão por se aproximar de um ponto fora de nós (o centro do corpo atrativo). Com efeito, a força de atração de todas as partes da Terra não pode ter sobre nós uma ação mais poderosa nem também outra a não ser a ação que teria se se concentrasse totalmente no próprio centro da Terra, e se este apenas exercesse influxo sobre os nossos sentidos; e o mesmo se passa com a atração de uma montanha ou de uma pedra qualquer, etc. Ora, não obtemos assim um conceito determinado de um objeto qualquer no espaço, pois nem a forma nem a grandeza nem sequer o lugar, onde ele se encontrasse, podem incidir nos nossos sentidos (apenas a direção da atração se poderia percepcionar, como no peso: o ponto de atração permaneceria desconhecido, e não vejo muito bem como é que ele se poderia descobrir mediante silogismos, sem percepção da matéria, enquanto ela enche o espaço). É, pois, claro que a primeira aplicação dos nossos conceitos de grandezas à matéria, graças à qual unicamente nos é possível transformar as nossas percepções externas no conceito experimental de uma matéria como objetivo em geral, não se funda na propriedade pela qual ela enche um espaço, propriedade que, graças ao sentido do tacto, nos fornece a grandeza e a forma de um objeto extenso, por conseguinte, o conceito de um objeto determinado no espaço, o qual constitui o fundamento de tudo o mais que desta coisa se pode dizer. E esta justamente, sem dúvida, a causa pela qual, nas provas aliás mais claras de que a atração deve igualmente fazer parte, tal como a repulsão, das forças fundamentais da matéria, se resiste tanto à primeira e não se quer admitir outras forças motrizes a não ser apenas pelo choque e pela pressão (ambas resultantes da impenetrabilidade). Com efeito, o que enche o espaço é, diz-se, a substância, e isto é também perfeitamente exato. Mas, visto que esta substância não nos revela a sua existência a não ser pelo sentido graças ao qual percepcionamos a sua impenetrabilidade, isto é, o tacto, por conseguinte, apenas em relação ao contacto, cujo começo (quando uma matéria se aproxima de outra) se chama o choque, e a persistência se chama, porém, uma pressão, parece que toda a ação imediata de uma matéria noutra nunca pode ser outra coisa exceto pressão ou choque, as duas únicas influências que podemos imediatamente percepcionar; pelo contrário, a atração, que em si não pode produzir em nós nenhuma sensação ou, de qualquer modo, não pode proporcionar nenhum objeto determinado da nossa sensação, é com dificuldade que se impõe ao nosso espírito como força fundamental. Teorema 6 Pela simples força de atração, sem repulsão, nenhuma matéria é possível. Demonstração A força atrativa é a força motriz pela qual a matéria impele outra a aproximar-se dela; por conseguinte, se tal força se encontra entre todas as partes da matéria, esta procura, graças a ela, diminuir a distância recíproca das suas partes, por conseguinte, também o espaço que elas conjuntamente ocupam. Ora, nada pode impedir a ação de uma força motriz a não ser outra força motriz que se lhe opõe; mas a força que se opõe à atração é a força repulsiva. Portanto, sem as forças repulsivas por simples aproximação, todas as partes da matéria se aproximariam sem impedimento umas das outras e reduziriam o espaço que ela ocupa. Ora, visto que no caso suposto não há distância alguma das partes na qual uma maior aproximação por atração resulte impossível em virtude de uma força repulsiva, então as partes mover-se-iam umas para as outras até que entre elas nenhuma distância houvesse, isto é, confundir-se-iam num ponto matemático, e o espaço estaria vazio, por conseguinte, sem matéria alguma. Pelo que a matéria dotada apenas de forças de atração, sem forças repulsivas, é impossível. Corolário A propriedade em que se funda como condição a possibilidade interna de uma coisa é uma componente essencial da mesma. Por isso, a força repulsiva pertence igualmente à essência da matéria, tal como a força atrativa, e uma não se pode separar da outra no conceito da matéria. Observação Porque em toda a parte no espaço se podem conceber apenas duas forças motrizes, a repulsão e a atração, era previamente necessário, para demonstrar a priori em geral a sua reunião no conceito de uma matéria, que cada uma fosse examinada por si apenas para ver o que é que ela, tomada isoladamente, poderia proporcionar à representação de uma matéria: Revela-se então que, quer não se tome como fundamento nenhuma delas, quer se adote simplesmente uma só, o espaço permanece sempre vazio e não se depara nele com matéria alguma. Definição 6 O contacto, na acepção física, é a ação e a reação imediatas da impenetrabilidade. A ação de uma matéria sobre outra, fora do contacto, é a ação à distância (actio in distans). Esta ação à distância, que também é possível sem a mediação de uma matéria intermediária, chama-se ação imediata à distância, ou também ação das matérias entre si através do espaço vazio. Observação O contacto, no sentido matemático, é o limite comum de dois espaços, que, por conseguinte, não se encontra no interior nem de um nem do outro. Portanto, linhas retas não podem entre si tocar-se e quando tem um ponto comum, este se encontra tanto no interior de uma como da outra, se estas linhas se prolongam, isto é, se cortam. Mas um círculo e uma linha reta, ou então um círculo e outro círculo, tocam-se num ponto, superfícies numa linha e corpos em superfícies. O contacto matemático põe-se como fundamento do contacto físico, mas por si só ainda o constitui; deve acrescentar-se-lhe pelo pensamento, para que o contacto físico daí resulte, uma relação dinâmica e, claro está, não de forças atrativas, mas de forças repulsivas, isto é, uma relação de impenetrabilidade. O contacto físico é a ação recíproca das forças repulsivas no limite comum de duas matérias. Teorema 7 A atração essencial de toda a matéria é uma ação imediata desta matéria sobre outras, através do espaço vazio. Demonstração A força atrativa originária contém o fundamento da possibilidade da matéria enquanto coisa que enche um espaço num determinado grau, por conseguinte, até mesmo da possibilidade de um contacto físico desta matéria. Deve, por isso, preceder tal contacto, e a sua ação tem de, por consequência, ser independente da condição do contacto. Ora, a ação de uma força motriz, independente de todo o contacto, é também independente da repleção do espaço entre o motor e o móvel, isto é, deve igualmente ocorrer sem que o espaço entre os dois elementos se encha, portanto, como ação através do espaço vazio. Pelo que a atração originária e essencial de toda a matéria é uma ação imediata desta mesma matéria sobre outras, através do espaço vazio. Observação 1 Exigir que se torne compreensível a possibilidade das forças fundamentais é algo de totalmente impossível; com efeito, elas chamam-se fundamentais justamente porque não se podem derivar de nenhumas outras, isto é, não se podem compreender. Mas a força atrativa originária não é menos incompreensível do que a repulsão primordial. Apenas não se apresenta aos sentidos de modo tão imediato como a impenetrabilidade, para nos proporcionar conceitos de objetos determinados no espaço. Por conseguinte, visto que ela não pode sentir-se, mas apenas deduzir-se, tem a aparência de uma força derivada tal como se fosse unicamente um jogo oculto das forças motrizes por repulsão. Vista de mais perto, constatamos que ela já não pode ser derivada de qualquer elemento e, menos ainda, da força motriz das matérias em virtude da sua impenetrabilidade, já que a sua ação é justamente o contrário da última. A objeção mais comum contra a ação imediata à distância é que uma matéria não pode agir imediatamente onde ela não está. Quando a Terra impele imediatamente a Lua a aproximar-se dela, a Terra age sobre uma coisa que está dela afastada muitos milhares de milhas e, no entanto, de modo imediato; o espaço entre ela e a Lua pode também considerar-se como inteiramente vazio. Com efeito, embora entre ambos os corpos houvesse matéria, esta nada faz para aquela atração. Assim, ela age imediatamente num lugar, onde não está: algo que, segundo a aparência, é contraditório. E, no entanto, é tão pouco contraditório que antes se pode dizer que toda a coisa age sobre outra apenas num lugar onde o agente não está. Efetivamente, se tivesse de agir no mesmo lugar onde se encontra, então a coisa, sobre a qual age, não estaria fora dela; este fora significa a presença num lugar, onde o outro elemento não está. Se a Terra e a Lua também se tocassem uma à outra, o ponto de contacto seria, apesar de tudo, um lugar em que nem a Terra nem a Lua estaria; pois os dois corpos estariam ainda afastados um do outro cerca da soma dos seus raios. No ponto de contacto, não se depararia igualmente com parte alguma, nem da Terra nem da Lua, já que este ponto reside no limite dos dois espaços cheios, o qual não constitui nenhuma parte nem de um nem de outro. Dizer, pois, que matérias não podem agir à distância imediatamente uma sobre a outra equivaleria a dizer que não podem agir imediatamente uma sobre a outra, sem a mediação das forças da impenetrabilidade. Ora, seria como se eu dissesse que as forças repulsivas são as únicas com que as matérias podem agir, ou que são pelo menos as condições necessárias sob as quais apenas as matérias podem agir entre si - o que seria declarar que a força de atração é inteiramente impossível ou, pelo menos, que depende sempre da ação das forças repulsivas; mas são afirmações sem fundamento. A confusão entre o contacto matemático dos espaços e o contacto físico mediante forças repulsivas constitui aqui o fundamento do mal-entendido. Atrair-se imediatamente sem contacto é aproximar-se segundo uma lei constante, sem que uma força de repulsão contenha para tal a condição - o que decerto se deve conceber tão bem como se os dois corpos se repelem imediatamente um ao outro, isto é, fogem um ao outro segundo uma lei constante, sem que a força atrativa em tal participe de algum modo. Com efeito, as duas forças motrizes são de uma espécie inteiramente diversa, e não existe o menor fundamento para tornar uma dependente da outra e lhe recursar a possibilidade, sem a mediação da outra. Observação 2 Da atração no contacto não pode resultar movimento algum; efetivamente, o contacto é uma ação recíproca da impenetrabilidade, a qual refreia, por isso, todo o movimento. Deve, pois, deparar-se com qualquer atração imediata fora do contacto e, por conseguinte, à distância; de outro modo, as forças compressivas e impulsivas, que devem produzir o esforço da aproximação, já que atuam em sentido inverso ao da força repulsiva da matéria, não poderiam ter nenhuma causa que, pelo menos, não fosse originariamente inerente à natureza da matéria. A atração que se efetua sem a mediação das forças repulsivas pode chamar-se atração verdadeira, e a que se produz graças a tal intermediário, atração aparente: com efeito, o corpo do qual outro tende simplesmente a aproximar-se, porque foi apenas de qualquer modo arrastado para ele em virtude de um choque, não exerce em rigor sobre este último qualquer força de atração. As atrações aparentes devem, porém, em última análise, ter uma atração verdadeira como fundamento, porque a matéria, cuja pressão ou choque deve servir de atração, nem sequer seria matéria sem forças atrativas (Teorema 5) e, por conseguinte, a explicação de todos os fenômenos de aproximação por atração simplesmente aparente gira num círculo. Crê-se comummente que Newton não achou necessário, para o seu sistema, admitir uma atração imediata da matéria, mas que, com a mais austera sobriedade da matemática pura, deixou aqui aos físicos a liberdade plena para explicar, como achassem conveniente, a possibilidade de tal atração, sem mesclarem as suas proposições com o seu jogo de hipóteses. No entanto, como podia ele fundamentar a proposição de que a atração universal dos corpos, que eles exercem à sua volta a iguais distâncias, é proporcional à quantidade da sua matéria, se não admitisse que toda a matéria, por conseguinte, simplesmente enquanto matéria e graças à sua propriedade essencial, exerce esta força motriz? Com efeito, embora entre dois corpos, quer sejam semelhantes ou não segundo a sua matéria, quando um atrai o outro, a aproximação recíproca (segundo a lei da igualdade da reciprocidade de ação) deva sempre ocorrer na relação inversa da quantidade da matéria, esta lei constitui, contudo, apenas um princípio da mecânica, mas não da dinâmica, isto é, é uma lei dos movimentos, que resultam de forças atrativas, e não uma lei da proporção das próprias forças atrativas, e vale para todas as forças motrizes em geral. Portanto, quando um ímã é uma primeira vez atraído por outro ímã igual e outra vez pelo mesmo ímã, mas fechado agora numa caixa de madeira duas vezes mais pesada, este comunicará no último caso ao primeiro ímã mais movimento relativo do que no primeiro caso, embora a madeira, que aumenta a quantidade de matéria do segundo ímã, nada acrescente à sua força atrativa e não demonstre nenhuma atração magnética da caixa. Newton diz (Cor. 2, Prop. 6, Lib. IH, Princip. Phil. N.): «Se o éter ou qualquer outro corpo fosse sem peso, então, visto que ele não difere em nada de toda a outra matéria a não ser pela forma, poderia pouco a pouco metamorfosear-se, graças à mudança gradual desta forma, numa matéria do gênero das que na terra têm mais peso, e esta última poderia também, inversamente, em virtude da mudança gradual da sua forma, perder todo o seu peso - o que é contrário à experiência, etc.» Portanto, ele nem sequer excluía o éter (e ainda menos outras matérias) da lei da atração. Que gênero de matéria lhe podia, pois, ainda restar para, através do seu choque, considerar a aproximação mútua dos corpos como uma atração simplesmente aparente? Não se pode, pois, aduzir este grande fundador da teoria da atração como seu predecessor, se se tomar a liberdade de substituir à atração verdadeira, que Newton afirmava, uma atração aparente, e de admitir a necessidade do impulso pelo choque, a fim de explicar o fenômeno da aproximação. Ele abstraía, com razão, de todas as hipóteses, para responder à questão a propósito da causa da atração universal da matéria; com efeito, esta questão é física ou metafísica, mas não de ordem matemática; e embora na advertência prévia à segunda edição da sua (Optica) diga “fie quis gravitatem inter essentiales corporum proprietates me habere existimet, quaestionem unam de eius causa investiganda subieci”. (Para que ninguém pense que incluo a gravidade entre as propriedades essenciais dos corpos, introduzi uma questão sobre a investigação da sua causa. Nota do Autor.) - nota-se bem que o mal-estar, que os seus contemporâneos, e talvez ele próprio, sentiam a propósito do conceito de uma atração originária, o pôs em desacordo consigo mesmo: com efeito, não podia absolutamente dizer que as forças atrativas de dois planetas, por exemplo, de Júpiter e Saturno, que eles manifestam nas iguais distâncias dos seus satélites (cuja massa se ignora), se comportam como a quantidade da matéria daqueles corpos celestes, se não admitir que só enquanto matéria, portanto, segundo uma propriedade geral desta, é que atraem outras matérias. Definição 7 A uma força motriz em virtude da qual matérias podem agir imediatamente umas sobre as outras apenas na superfície comum do contacto, dou o nome de força superficial; mas àquela pela qual uma matéria pode agir de modo imediato sobre as partes da outra, mesmo para além da superfície de contacto, chamo-a força penetrante. Corolário A força de repulsão, em virtude da qual a matéria enche um espaço, é uma simples força superficial. Com efeito, as partes em contacto limitam uma em relação à outra o seu campo de ação, e a força repulsiva não pode mover nenhuma parte mais afastada sem ser por meio das partes intermédias; e uma ação imediata que se exerça transversalmente a estas, e graças a forças expansivas, é impossível. Em contrapartida, à ação de uma força atrativa, graças à qual uma matéria ocupa um espaço sem o encher e, portanto, age assim sobre outras matérias afastadas, através do espaço vazio, nenhuma matéria, que reside no meio, põe limites. Importa, pois, conceber assim a atração primordial, que torna possível a própria matéria; é, portanto, uma força penetrante e, apenas por isso, é sempre proporcional à quantidade da matéria. Teorema 8 A força atrativa originária em que se funda a própria possibilidade da matéria como tal estende-se imediatamente até ao infinito, no espaço cósmico, desde uma parte à outra desta matéria. Demonstração Porque a força atrativa originária pertence à essência da matéria, cabe também a cada parte da mesma, a saber, para atuar imediatamente à distância. Suponha-se agora que há uma distância para além da qual esta força já não se exerce; semelhante limitação da esfera da sua atividade dependeria ou da matéria que reside no interior desta esfera, ou apenas da grandeza do espaço em que esta influência se expande. O primeiro caso não tem lugar; com efeito, esta atração é uma força penetrante e age imediatamente à distância, não obstante todas as matérias interpostas, através de todo o espaço como se fosse um espaço vazio. O segundo caso também não ocorre. Efetivamente, porque toda a atração é uma força motriz que tem um grau abaixo do qual se podem sempre conceber ainda menores, haveria decerto na distância maior um fundamento para diminuir o grau de atração em razão inversa da extensão da força, mas nunca para inteiramente o suprimir. Ora, visto que nada há que limite em algum lado a esfera da atividade da atração originária de cada parte da matéria, tal atividade estende-se a toda a outra matéria para além de todos os limites que se podem aduzir, por conseguinte, ao espaço cósmico até ao infinito. Corolário 1 Desta força atrativa originária exercida enquanto penetrante por toda a matéria, por conseguinte, em proporção da sua quantidade e estendendo a sua ação a toda a matéria, em todas as distâncias possíveis, deveria poder derivar-se, em conexão com a força repulsiva que atua em sentido contrário, a limitação desta última e, portanto, a possibilidade de um espaço cheio num grau determinado; e construir-se-ia assim conceito dinâmico da matéria, enquanto elemento móvel que enche seu espaço (num grau determinado). Mas para isso precisa-se de uma lei da relação tanto da atração originária como da repulsão segundo as diversas distâncias da matéria e das suas partes entre si; ora, visto que esta lei se funda unicamente na diferença da direção das duas forças (pois um ponto é impelido ou a aproximar-se de outros ou a deles se afastar) e na grandeza do espaço, em que se estende em distâncias diversas cada uma destas forças, constitui um puro problema matemático, o qual já nem sequer pertence à metafísica no tocante à responsabilidade, se já não conseguir construir assim o conceito da matéria. Com efeito, ela garante apenas a exatidão dos elementos da construção atribuídos ao nosso conhecimento racional e, na execução, não é responsável pela insuficiência e limites da nossa razão. Corolário 2 Uma vez que toda a matéria dada deve encher o seu espaço com um determinado grau de força repulsiva para constituir uma coisa material determinada, só uma atração originária em conflito com a força repulsiva primordial é que pode tornar possível um grau determinado de repleção do espaço, por conseguinte, a matéria; ora, pode ser que o primeiro promane da peculiar atração mútua das partes da matéria comprimida ou da combinação da mesma com a atração de toda a matéria cósmica. A atração primordial é proporcional à quantidade da matéria e estende-se até ao infinito. Portanto, a repleção de um espaço, segundo uma medida determinada, pela matéria só pode, no fim de contas, ser produzida pela atração da mesma matéria que se estende até ao infinito, e é dada a cada matéria segundo a medida da sua força de repulsão. A ação da atração universal, que toda a matéria exerce imediatamente sobre todas as outras e em todas as distâncias, chama-se a gravitação; o esforço por se mover na direção da maior gravitação é o peso. A ação da força repulsiva geral das partes de toda a matéria dada chama-se a sua elasticidade primordial. Pelo que esta e o peso constituem os únicos caracteres gerais discerníveis a priori da matéria; aquela é interna e esta encontra-se na relação exterior; com efeito, é no fundamento destas duas forças que assenta a possibilidade da própria matéria: a coesão, que se define como a atração recíproca da matéria, simplesmente limitada pela condição do contacto, não se relaciona com a possibilidade da matéria em geral e, por conseguinte, não se pode conhecer a priori como a ela ligada. Portanto, esta propriedade não seria metafísica, mas física e, por conseguinte, não se inscreveria nas nossas considerações presentes. Observação 1 Não posso, no entanto, deixar de acrescentar uma pequena observação preliminar em vista da tentativa de semelhante construção, talvez possível: 1) De toda a força que age imediatamente em distâncias diversas e, tendo em conta o grau com que ela exerce a ação motriz em cada ponto dado numa certa distância, se limita apenas graças à grandeza do espaço em que deve estender-se para atuar sobre aquele ponto, pode dizer-se que em todos os espaços onde se expande, por pequenos ou grandes que sejam, ela constitui sempre um mesmo quantum; mas que o grau da sua ação naquele ponto neste espaço é sempre inversamente proporcional ao espaço em que ela teve de se expandir para sobre ele poder agir. Por exemplo, de um ponto luminoso a luz espalha-se para todos os lados em superfícies esféricas que aumentam sempre com os quadrados da distância, e o quantum da iluminação permanece no conjunto sempre o mesmo para todas estas superfícies esféricas que se tornam cada vez maiores até ao infinito; mas daí resulta que uma parte tomada como igual nesta superfície esférica deverá, segundo o grau, ser tanto menos iluminada quanto a superfície da extensão do mesmo quantum luminoso for maior; e o mesmo se passa com todas as outras forças e leis , segundo as quais elas se devem espalhar ou em superfícies ou também num espaço corporal para, segundo a sua natureza, atuarem em objetos afastados. É melhor representar assim a extensão de uma força motriz a partir de um ponto em todas as direções do que, como acontece de modo habitual e em particular, na Óptica, por raios circulares que divergem de um ponto central. Com efeito, linhas traçadas deste modo nunca podem encher nem o espaço por onde passam nem também as superfícies em que tocam, seja qual for o número das que se traçam ou estabeleçam - o que é a consequência inevitável da sua divergência; suscitam assim apenas consequências graves e estas dão, porém, azo a hipóteses que poderiam muito bem evitar-se se simplesmente se tomasse em consideração a grandeza de toda a superfície esférica que deve ser uniformemente iluminada pela mesma quantidade de luz, e se se admitisse, como é natural, que o grau de iluminação em cada lugar desta superfície está em razão inversa da sua grandeza ao todo; e o mesmo se passa em toda a expansão de uma força através de espaços de diferente grandeza; 2) Se a força é uma atração imediata à distância, as linhas de direção da atração devem por isso mesmo representar-se não como se partissem do ponto de atração à maneira de raios, mas como se se dirigissem de todos os pontos da superfície esférica envolvente (cujo raio é a distância dada) para o ponto atrativo. Com efeito, a própria linha de direção do movimento para o ponto, que e a sua causa e objetivo, proporciona já o terminus a quo de onde devem partir as linhas, a saber, de todos os pontos da superfície, desde o qual elas se dirigem para o ponto central atrativo, e não inversamente; efetivamente, só a grandeza da superfície é que determina a quantidade das linhas, e o ponto central deixa-as indeterminadas; 3) Quando a força é uma repulsão imediata em virtude da qual um ponto (na representação apenas matemática) enche dinamicamente um espaço, e surge então a questão de segundo que lei das distâncias infinitamente pequenas (aqui equivalentes aos contactos) uma força repulsiva originária (cuja limitação se funda pois, simplesmente no espaço em que se difundiu) atuaria em distâncias diferentes, menos ainda se pode representar semelhante força por raios divergentes de repulsão a partir do ponto de repulsão suposto, embora a direção do movimento o tenha como terminus a quo; com efeito, o espaço em que se deve expandir a força para atuar à distância é um espaço corporal, que deve estender-se como cheio (já não pode decerto representar-se matematicamente como é que um ponto, graças à sua força motriz isto é, dinamicamente, pode encher corporalmente um espaço): e raios divergentes a partir de um ponto não podem representar a força repulsiva de um espaço corporal pleno; mas avaliar-se-ia a repulsão, em distâncias diferentes infinitivamente pequenas destes pontos que mutuamente se impelem, apenas na razão inversa dos espaços corporais, que cada um destes pontos enche dinamicamente, por conseguinte, do cubo das suas distâncias, sem as poder concluir; 4) Pelo que a atração primordial da matéria atuaria em todas as longitudes na razão inversa do quadrado da distância, e a repulsão originária na razão inversa dos cubos das distâncias infinitivamente pequenas; e graças a semelhante ação e reação das duas forças fundamentais, seria possível uma matéria que enchesse um espaço num grau determinado; pois, visto que a repulsão, na aproximação das partes, aumenta em maior medida do que a atração, o limite de aproximação, para além do qual não seria possível uma maior por meio da atração dada, assim também é, por conseguinte, determinado o grau de compressão que constitui a medida da repleção intensiva do espaço. Observação 2 Vejo muito bem a dificuldade deste modo de explicar a possibilidade de uma matéria em geral; consiste em que, se um ponto não pode impelir imediatamente outro por força repulsiva sem encher ao mesmo tempo pela sua força todo o espaço Corporal até à distância dada, então, semelhante espaço, como parece seguir-se, deveria conter vários pontos propulsivos - o que contradiz a hipótese e foi acima (Teorema 4) refutado, sob a denominação de esfera de repulsão do simples no espaço. Há, porém, uma diferença entre o conceito de um espaço real, que pode ser dado, e a simples ideia de um espaço, concebido simplesmente para determinar a relação de espaços dados mas que, na realidade, não é espaço algum. No caso já mencionado de uma pretensa monadologia física, deviam ser espaços reais, cheios dinamicamente por um ponto, a saber, por repulsão; com efeito, existiam como pontos antes de toda a possível e consequente produção da matéria, e determinavam mediante a esfera de atividade que lhes era peculiar a parte de espaço a encher, que lhes poderia pertencer. Portanto, nesta hipótese, a matemática também não pode considerar-se como divisível ao infinito e como quantum continuum; de fato, as partes que imediatamente se repelem uma à outra têm, no entanto, uma determinada distância entre si (a soma dos raios da sua esfera de repulsão); pelo contrário, se, como acontece realmente, concebemos a matéria como uma grandeza constante, não pode aí haver nenhuma distância entre as partes que mutuamente se repelem de modo imediato, por conseguinte, também não há nenhuma esfera da sua atividade imediata que se torna maior ou menor. As matérias podem, porém, estender-se ou comprimir-se (como o ar) e, então, imagina-se uma distância entre as suas partes mais próximas, que podem crescer e decrescer. Mas, porque as partes mais próximas de uma matéria constante se tocam entre si, quer ela se estenda mais ou se comprima, concebem-se estas distâncias como infinitivamente pequenas e este espaço infinitivamente pequeno como cheio num grau maior ou menor pela força repulsiva das partes. O intervalo infinitivamente pequeno, porém, não é diferente do contacto, é portanto apenas a ideia do espaço que serve para tornar intuível a extensão de uma matéria enquanto grandeza constante, embora na realidade não possa decerto conceber-se. Quando, pois, se diz: as forças repulsivas das partes da matéria que se impelem imediatamente estão na razão inversa dos cubos das suas distâncias, isto significa apenas que estão na razão inversa dos espaços corporais que se imaginam entre partes que, no entanto, estão em contacto direto e cuja distância se deve chamar infinitamente pequena, para que assim se distinga de toda a distância real. Importa, pois, não levantar qualquer objeção contra o próprio conceito a partir das dificuldades da construção desse mesmo conceito, ou antes, da sua falsa interpretação; pois, de outro modo ela afetaria a representação matemática da proporção com que ocorre a atração a distâncias diversas, e também as proporções em que cada ponto repele imediatamente o outro num todo de matéria que se estende ou se comprime. A lei geral da dinâmica seria nos dois casos a seguinte: a ação da força motriz, que um ponto exerce sobre todos os outros que lhe são exteriores, está na razão inversa do espaço em que o mesmo quantum da força motriz teve de estender-se para agir imediatamente sobre aquele ponto à distância determinada. Da lei sobre a repulsão primitiva recíproca das partes da matéria em razão inversa do cubo das suas distâncias infinitivamente pequenas deveria, pois, necessariamente seguir-se uma lei da extensão e da compressão da matéria inteiramente diferente da lei de Mariotte sobre o ar: com efeito, esta demonstra forças de expansão nas partes mais próximas do ar, que se encontram em proporção inversa das suas distâncias, como mostra Newton (Princ. Phil. N., / Lib. II, Propos. 23, Schol.). Porém, a força de extensão destas últimas também não pode considerar-se como a ação de forças originariamente repulsivas, mas funda-se no calor, que obriga as partes genuínas do ar (a que, aliás, se podem atribuir intervalos reais) a fugir umas das outras, não só enquanto matéria que nelas penetra, mas as faz também, segundo toda a aparência, vibrar. É fácil compreender, segundo as leis da comunicação do movimento por oscilação de matérias elásticas, que tais vibrações devem necessariamente conferir às partes vizinhas uma força de expansão inversamente proporcional às suas distâncias. Declaro ainda não pretender que a presente exposição da lei de uma repulsão originária se considere como pertencendo necessariamente ao desígnio do meu estudo metafísico da matéria, nem que tal estudo (ao qual basta ter representado a repleção do espaço como propriedade dinâmica deste) se mescle com as controvérsias e as dúvidas, que poderiam afetar a lei. Corolário Geral à Dinâmica Se olharmos retrospectivamente para todas as questões tratadas na dinâmica, observaremos que aí se estudou integralmente, na medida em que isso interessa a uma dinâmica metafísica: em primeiro lugar, o real no espaço (chamado também o sólido), na repleção do mesmo pela força de repulsão; em segundo lugar, o que relativamente a esse real, objeto genuíno da nossa percepção exterior, é negativo, a saber, a força de atração, pela qual, tanto quanto dela depende, todo o espaço seria penetrado e, por conseguinte, o sólido inteiramente aniquilado; em terceiro lugar, a limitação da primeira força pela segunda e a determinação, daí resultante, do grau de repleção do espaço, por conseguinte, a qualidade da matéria sob os títulos de realidade, negação e limitação. Observação geral sobre a dinâmica O princípio geral da dinâmica da natureza material é que todo o real dos objetos dos sentidos externos, o que não é simplesmente determinação do espaço (lugar, extensão e figura), se deve considerar como força motriz; portanto, a pretensa solidez ou a absoluta impenetrabilidade é assim rejeitada da ciência natural como um conceito vazio e substituída pela força repulsiva; em contrapartida, porém, a atração verdadeira e imediata é defendida contra todas as subtilezas de uma metafísica que falsamente se compreende a si mesma e, enquanto força primordial, se declara como necessária para a possibilidade do conceito de matéria. Daí resulta a consequência de que o espaço, se tal viesse a julgar-se necessário, se poderia considerar em todo o caso como uniformemente cheio e, apesar de tudo, em graus diferentes, mesmo sem admitir intervalos vazios no interior da matéria. Com efeito, segundo o grau originariamente diverso das forças repulsivas, em que se funda a primeira propriedade da matéria, a saber, a de encher um espaço, pode conceber-se a sua relação com a atração originária (seja ela a de cada matéria por si mesma, ou a atração conjunta de toda a matéria do Universo) como infinitamente diversa; porque a atração se baseia na quantidade de matéria num espaço dado, ao passo que a força expansiva da mesma se funda no grau com que ela enche o espaço, grau que pode ser especificamente muito diferente (como, por exemplo, a mesma quantidade de ar sob o mesmo volume manifesta maior ou menor elasticidade, segundo o seu maior ou menor aquecimento); a razão geral disso é que, graças à atração verdadeira, todas as partes da matéria atuam imediatamente sobre todas as outras partes, mas pela força expansiva apenas atuam as partes que se encontram na superfície de contacto, onde é a mesma coisa se, por detrás de tal superfície, se depara com mais ou menos dessa matéria. Daí simplesmente já resulta uma grande vantagem para a ciência natural, porque assim se desembaraça do ônus de construir, apenas segundo a fantasia, um mundo a partir do cheio e do vazio; pelo contrário, podem conceber-se todos os espaços como cheios e, no entanto, cheios em medida diferente; deste modo, pelo menos, o espaço vazio perde a sua necessidade e reduz-se ao valor de uma hipótese, já que outrora, sob pretexto de ser uma condição necessária para explicar os diferentes graus da repleção do espaço, pôde usurpar o título de princípio. Em tudo isto, a vantagem de uma metafísica aqui metodicamente aplicada é quanto à aparência apenas negativa, ao dispensar princípios igualmente metafísicos, mas não submetidos à prova da crítica. No entanto, indiretamente, o campo do investigador natural é assim ampliado porque as condições em virtude das quais ele antes o limitava e pelas quais se suprimiam com argumentos filosóficos todas as forças motrizes originárias, perdem agora a sua validade. Tenha-se, porém, a precaução de não ir além do que torna possível o conceito geral da matéria e de não querer explicar a priori a determinação e a diferença particulares ou até mesmo específicas da mesma. O conceito de matéria reduz-se a simples forças motrizes - o que não podia também esperar-se de outro modo, porque no espaço não se pode pensar nenhuma outra atividade, nenhuma outra mudança, a não ser o movimento. Mas quem quer compreender a possibilidade das forças fundamentais? Estas só podem admitir-se se fizerem inevitavelmente parte de um conceito acerca do qual é possível demonstrar que ele é um conceito fundamental, que não pode derivar-se de nenhum outro (como o da repleção do espaço); em geral, as forças repulsivas e as forças atrativas que contra elas reagem constituem um conceito deste gênero. A propósito do seu encadeamento e das suas consequências, pode ainda talvez julgar-se a priori que relações é possível conceber entre elas sem se contradizer, mas nem por isso podemos pretender considerar uma delas como real, porque para a competência de construir uma hipótese exige-se impreterivelmente que a possibilidade do que se admite seja absolutamente certa, mas a possibilidade das forças fundamentais jamais se pode discernir. E aqui a explicação matemática e mecânica tem uma vantagem sobre a explicação metafísico-dinâmica, vantagem que não lhe pode ser retirada, a saber, realizar, por meio de um elemento inteiramente homogêneo, pela forma variada das partes, graças a intervalos vazios entremeados, uma grande multiplicidade específica de matérias, quer segundo a sua densidade, quer segundo o seu modo de ação (quando forças estranhas sobrevêm). Com efeito, a possibilidade das formas e também dos intervalos vazios pode demonstrar-se com evidência matemática; pelo contrário, quando a própria substância se transforma em forças fundamentais (cujas leis a priori não estamos em condições de determinar, e ainda menos de indicar fidedignamente uma variedade das mesmas, que chegue para explicar a diferença específica da matéria), todos os meios nos faltam para construir este conceito da matéria e representar como possível na intuição o que concebíamos em geral. Mas, por outro lado, uma física puramente matemática perde duplamente esta vantagem, porque deve, primeiro, tomar como fundamento um conceito vazio (o da impenetrabilidade absoluta), em segundo lugar, renunciar a todas as forças peculiares à matéria e, além disso, com as configurações primordiais da substância fundamental e a introdução dos espaços vazios, segundo o exigir a necessidade de explicação, conceder mais liberdade e até direitos legítimos à imaginação no campo da filosofia do que é possível harmonizar com a circunspecção da última. Em vez de uma explicação suficiente da possibilidade da matéria e da sua diferença específica tirada daquelas forças fundamentais, que não posso fornecer, quero apresentar integralmente, como espero, os momentos a que se deve reduzir a priori toda a sua diferença específica (embora a sua possibilidade não possa igualmente conceber-se). As observações intercaladas entre as definições elucidarão a sua aplicação. 1 - Um corpo, no sentido físico, é uma matéria compreendida entre limites determinados (tem, pois, uma figura). O espaço entre estes limites, considerado segundo a sua grandeza, é o volume. O grau de repleção de um espaço de volume determinado chama-se densidade. (O termo denso toma-se também em sentido absoluto para significar o que não é oco - isto é, cheio de bolhas, poroso.) Nesse sentido, há uma densidade absoluta no sistema da absoluta impenetrabilidade e, claro está, quando uma matéria não contém intervalos vazios. Segundo este conceito da repleção do espaço, estabelecem-se comparações e diz-se que uma matéria é mais densa do que outra, que contém em si menos vazio até que, finalmente, aquela em que nenhuma parte do espaço é vazia se chama perfeitamente densa. Da última expressão é possível servir-se apenas segundo o conceito simplesmente matemático da matéria; mas, no sentido dinâmico de uma impenetrabilidade puramente relativa, não há nenhum máximo ou mínimo de densidade e, no entanto, a matéria mais tênue pode chamar-se completamente densa se encher de todo o seu espaço, sem conter intervalos vazios, por conseguinte, se for um contínuo, ininterrupto; em sentido dinâmico, porém, ela é menos densa em comparação com outra, se encher decerto totalmente o seu espaço, mas não em grau idêntico. Contudo, também neste último sistema é impróprio conceber uma relação entre as matérias segundo a sua densidade, se não se representarem como especificamente homogêneas entre si de modo que uma possa provir da outra mediante simples compressão. Ora, visto que isso nem sequer parece exigir-se necessariamente para a natureza de toda a matéria em si, também não ode então fazer-se legitimamente entre matérias heterogêneas comparação alguma no tocante à sua densidade, por exemplo, entre a água o mercúrio, embora semelhante comparação esteja em uso. 2 - A atração, enquanto se concebe como ativa apenas no contacto, chama-se coesão. (Sem dúvida, demonstra-se por meio de investigações muito boas que a mesma força, chamada coesão no contacto, se descobre como ativa a distâncias muito pequenas; porém, a atração chama-se coesão, enquanto eu a penso simplesmente no contacto, só segundo a experiência comum, na qual ela dificilmente se percepciona a distâncias pequenas. Comummente, a coesão toma-se como uma propriedade muito geral da matéria; não se chegou a tal pelo conceito de uma matéria, mas porque a experiência a demonstra em toda a parte. Contudo, esta generalidade não deve entender-se em sentido coletivo, como se toda a matéria agisse simultaneamente sobre toda a outra no universo mediante este gênero de atração (análogo ao da gravitação), mas sim em sentido disjuntivo, a saber, que toda a matéria age sobre uma ou outra, seja qual for a sua espécie; que com ela entre em contacto. Por esta razão e visto que a atração, como diversos argumentos o podem provar, não é penetrante, mas uma força apenas superficial, pois como tal ela não se dispõe sempre segundo a densidade, e uma vez que se exige, para o poder completo da coesão, um estado prévio de fluidez das matérias e da sua posterior solidificação, e dado que ainda o contacto mais exato de matérias sólidas quebradas nestas mesmas superfícies, com as quais a sua coerência era antes muito forte, por exemplo, um espelho no ponto de fratura, está, no entanto, longe de facultar o grau de atração proveniente da sua solidificação após a fusão, não considero esta atração no contacto como uma força fundamental da matéria, mas unicamente como derivada; a este respeito diremos à frente mais pormenores. Uma matéria, cujas partes, seja qual for a intensidade da sua coesão, podem ser deslocadas entre si mesmo pela mais pequena força motriz, é líquida. Mas partes de uma matéria são deslocadas umas em relação às outras quando, sem diminuição do “quantum” de contacto, são apenas forçadas a trocar entre si tal contacto. Partes, por conseguinte, matérias, separam-se quando o contacto não é simplesmente trocado com outras, mas suprimido ou diminuído na sua quantidade. Um corpo sólido - melhor, rígido - (corpus rigidum) é aquele cujas partes, umas em relação às outras, não podem ser deslocadas por uma força qualquer - que, por conseguinte, resistem à deslocação com certo grau de força. - O obstáculo à deslocação das matérias é a fricção. A resistência à separação das matérias em contacto é a coesão. Matérias líquidas não sofrem, pois, na sua divisão qualquer fricção mas, onde quer que com estas se depare, as matérias consideram-se como rígidas - em maior ou menor grau, de que o último é a viscosidade (viscositas), pelo menos nas suas partes mais pequenas. O corpo rígido é quebrável quando as suas partes não podem deslocar-se entre si sem rotura - por conseguinte, quando a sua coesão não se pode modificar sem ao mesmo tempo ficar destruída. Atribui-se erradamente a diferença entre as matérias líquidas e sólidas à diferença de grau na coesão das suas partes. Com efeito, quando se trata de chamar líquida a uma matéria, o grau de resistência que ela opõe à rotura não é o que importa, mas apenas a resistência oposta ao deslocamento das suas partes relativamente umas às outras. Aquele pode ser tão grande como se quiser; este, no entanto, será sempre numa matéria líquida = 0. Considere-se uma gota de água. Se, no seu interior, uma pequena parte é impelida de um lado por uma atração por grande que seja das partes vizinhas, que com ela estão em contacto, tal parte será também ainda impelida outro tanto para o lado oposto e, visto que as atrações eliminam de ambos os lados a sua ação, a particulazinha é tão facilmente móvel como se se encontrasse no espaço vazio, a saber, a força que a deve mover não tem de superar coesão alguma, mas apenas a chamada inércia, que ela deveria vencer em toda a matéria, mesmo se esta fosse sem coesão. Por isso, um pequeno animalzinho microscópico mover-se-á aí com tanta facilidade como se não houvesse qualquer coesão a destruir. Com efeito, não tem efetivamente de eliminar a coesão da água e de diminuir o contacto das suas partes entre si, mas apenas de modificá-lo. Suponde, porém, que este animalzinho queria abrir uma passagem através da superfície exterior da gota; notar-se-á então, em primeiro lugar, que a recíproca atração das partes desta pequena massa de água é que faz que elas se movam até ao momento em que atingem entre si o máximo contacto, por conseguinte, o mínimo contacto com o espaço vazio, isto é, até terem constituído uma forma esférica. Se, pois, o inseto mencionado se esforça por abrir um caminho até à superfície da gota, tem de modificar a forma esférica, por conseguinte, produzir um contacto maior da água com o espaço vazio e, portanto, também um menor contacto recíproco das suas partes, isto é, diminuir a sua coesão, e então a água resiste-lhe primeiro em virtude da sua coesão, mas não no interior da gota em que o contacto das partes entre si não diminui, mas apenas se modifica quanto ao contacto com as outras partes; por conseguinte, estas últimas não se separaram minimamente, mas apenas foram deslocadas. Pode igualmente aplicar-se ao animalzinho microscópico e, decerto, por razões análogas, o que Newton diz acerca do raio luminoso, a saber, que ele não é repelido pela matéria densa, mas unicamente pelo espaço vazio. É, pois, claro que o aumento da coesão das partes de uma matéria não causa o mínimo dano à sua fluidez. A água tem nas suas partes uma coesão mais forte do que comummente se pensa, quando se conta com a experiência de uma placa metálica tirada da superfície da água; tal experiência nada decide, porque aqui a água não se solta em toda a superfície do primeiro contacto, mas numa superfície muito menor a que, por fim, chegou graças ao deslocamento das suas partes, tal como, por exemplo, um toco de cera mole começa primeiro por tomar-se mais fino em virtude de um peso que nele se pendurou e, em seguida, tem de partir numa superfície muito menor do que a princípio se supôs. Mas, no tocante ao nosso conceito de fluidez, o que é inteiramente decisivo é que se possam definir matérias fluidas como matérias das quais cada ponto tende a mover-se em todas as direções com uma força igual à da pressão que ela sofre numa direção qualquer; propriedade esta em que se funda a primeira lei da hidrodinâmica, mas que jamais se pode atribuir a uni agregado de corpúsculos lisos e firmes, como pode revelar uma análise muito fácil da sua pressão, segundo as leis do movimento composto, e assim fica demonstrada a propriedade originária da fluidez. Ora, se a matéria líquida deparasse com o menor obstáculo ao deslocamento das partes, se, por conseguinte, sofresse a mínima fricção, esta aumentaria com a força da pressão, comprimindo assim as suas partes umas sobre as outras, e por fim produzir-se-ia uma pressão que não permitiria às partes desta matéria deslocar-se mutuamente sob a ação de unia força pequena qualquer; por exemplo, num tubo recurvado com dois braços, dos quais um será tão largo e o outro tão estreito quanto se quiser, contanto que não seja apenas um tubo capilar, a matéria líquida, se se supuser que a altura dos dois braços é de várias centenas de pés, estaria, segundo as leis da hidrostática, à mesma altura tanto no braço estreito como no largo. Mas, porque a pressão no fundo dos tubos e, por conseguinte, também na parte que reúne os dois tubos comunicantes, se pode conceber como aumentando até ao infinito em proporção das alturas, seria preciso então, à menor fricção entre as partes do líquido, poder encontrar uma altura para os tubos na qual uma pequena quantidade de água, vertida no tubo mais estreito, não mudasse a posição da água no mais largo; por conseguinte, a coluna de água elevar-se-ia mais neste do que naquele, porque as partes baixas sob uma tão forte pressão já não poderiam ser deslocadas, na sua relação recíproca, por uma força motriz tão pequena como é o peso de água acrescentado - o que contraria a experiência e ainda o conceito de líquido. O mesmo se verifica se, em vez da pressão pela gravidade, se põe a coesão das partes, seja qual for a sua grandeza. A segunda definição aduzida da fluidez, em que se baseia a lei fundamental da hidrostática, a saber, que a fluidez é a propriedade de uma matéria em que cada parte tende a mover-se de todos os lados com a mesma força com que é impelida numa direção dada, deriva da primeira definição, se com ela se conectar o princípio fundamental da dinâmica geral de que toda a matéria é originariamente elástica, visto que se deve esforçar por estender-se de cada lado do espaço onde se encontra comprimida com uma força igual, isto é (se as partes de uma matéria podem mutuamente ser deslocadas sem obstáculo por toda a força, como acontece com a matéria líquida), mover-se, e assim a pressão produz-se em cada direção, seja ela qual for. Por conseguinte, em rigor, apenas às matérias rígidas (cuja possibilidade exige, além da coesão das partes, outra razão explicativa) se pode atribuir a fricção, e a fricção supõe já a propriedade da rigidez. Mas, porque é que certas matérias, embora não tenham talvez uma força maior, antes até possivelmente menor de coesão do que as outras matérias líquidas, resistem no entanto tão poderosamente ao deslocamento das partes e, por isso, não podem separar-se a não ser pela supressão da coesão de todas as partes ao mesmo tempo numa superfície dada - o que proporciona a aparência de uma coesão superior, de como os corpos rígidos são, pois, possíveis; eis um problema que ainda não está resolvido, embora a ciência vulgar da natureza julgue já ter acabado com ele. 3 - Elasticidade é a faculdade que uma matéria tem de retomar a sua grandeza ou a sua forma modificadas por outra força motriz, quando esta deixa de agir. A elasticidade é ou expansiva ou atrativa; aquela retoma após a compressão o volume primitivo maior e a outra, após a dilatação, o volume primitivo menor. (A elasticidade atrativa, como já o mostra a expressão, é manifestamente derivada. Um fio de ferro, alongado por pesos nele suspensos regressa vivamente ao seu volume primitivo, quando o laço é cortado. Graças à mesma atração, que é a causa da sua coesão, ou no caso das matérias líquidas, se se tirasse subitamente o calor ao mercúrio, a matéria deste apressar-se-ia a retomar o pequeno volume anterior. A elasticidade, que consiste simplesmente em retomar a forma precedente, é sempre atrativa; como numa lâmina de espada, visto que as partes separadas violentamente na face convexa tendem a retomar a sua anterior proximidade e, por isso, uma pequena gota de mercúrio pode também chamar-se elástica. Mas a elasticidade expansiva pode ser originária, e também derivada. Assim o ar tem uma elasticidade derivada, por meio da matéria do calor que lhe está intimamente unida e cuja elasticidade é talvez primordial. Em contrapartida, a substância fundamental do elemento fluido, que chamamos ar, deve ter já em si, enquanto matéria, de um modo geral uma elasticidade que se diz originária. Não é possível decidir com certeza nos casos que se apresentam de que natureza é uma elasticidade percepcionada.) 4 - A ação que os corpos em movimento exercem uns sobre os outros em virtude da comunicação do seu movimento chama-se mecânica; a das matérias, porém, mesmo quando em repouso modificam mutuamente pelas suas próprias forças a conexão das suas partes, diz-se química. Esta influência química chama-se dissolução, enquanto tem por efeito a separação das partes de uma matéria (a divisão mecânica, por exemplo, por meio de um calço, que se põe entre as partes de uma matéria, é inteiramente diversa de uma divisão química, porque o calço não age em virtude da força própria), mas a ação que tem por efeito separar duas matérias entre si dissolvidas é a decomposição. A dissolução recíproca de duas matérias especificamente diferentes, onde não se encontra nenhuma parte de uma que não esteja unida a uma parte da outra matéria especificamente diferente em igual proporção à do todo, é a dissolução absoluta; e pode chamar-se também penetração química. Deixar-se-á por decidir a questão de saber se as forças dissolventes, com que realmente se depara na natureza, podem produzir uma dissolução completa. A questão aqui é de se esta é sequer pensável. Ora, é evidente que, enquanto as partes de uma matéria dissolvida constituem ainda moléculas, uma dissolução das mesmas não é menos possível do que a das maiores, de modo que tal dissolução deve prosseguir-se, se a força dissolvente persistir, até que nenhuma parte aí se encontre, que não seja composta do dissolvente e da matéria a dissolver, na proporção em que ambas se encontram entre si no conjunto. Em tal caso, porém, visto que não pode haver nenhuma parte do volume da dissolução que não contenha uma parte do dissolvente, este, como um elemento contínuo, deve encher totalmente o volume. De igual modo, porque não pode haver nenhuma parte do mesmo volume da dissolução que não contenha uma parte proporcional da matéria dissolvida, esta deve também, como um elemento contínuo, encher o espaço total que constitui o volume da mistura. Mas quando as duas matérias enchem cada qual um só e mesmo espaço, penetram-se mutuamente. Pelo que uma dissolução química perfeita seria uma compenetração das matérias, a qual seria, no entanto, totalmente diversa da penetração mecânica, porque nesta última se supõe que, na maior aproximação das matérias em movimento, a força repulsiva de uma pode superar inteiramente a da outra, e uma delas ou ambas podem reduzir a nada a sua extensão; aqui, pelo contrário, a extensão permanece, só que as matérias, não exteriores uma à outra, mas em si imiscuídas, isto é, por intussuscepção (como se costuma dizer), ocupam conjuntamente um espaço conforme a soma da sua densidade. É difícil objetar algo à possibilidade desta dissolução perfeita e, por conseguinte, à penetração química, embora ela contenha uma divisão realizada até ao infinito, a qual, neste caso, não implica em si contradição porque a dissolução ocorre com aceleração ao longo de um tempo continuamente, por conseguinte, através também de uma série infinita de instantes; além disso, graças à divisão, a soma das superfícies das matérias ainda por dividir pode aumentar e, visto que a força dissolvente age de modo contínuo, a dissolução completa pode levar-se a cabo de um tempo determinável. A inconceptibilidade de tal penetração química de duas matérias deve por-se na conta da incapacidade de compreender a divisibilidade ao infinito de qualquer contínuo em geral. Se se abandonar esta dissolução completa, é preciso admitir que ela se estende apenas a certas moléculas pequenas da matéria a dissolver, que flutuam no dissolvente em distâncias determinadas sem que se possa aduzir a mínima razão por que estas pequenas moléculas também não se dissolvem, uma vez que são de igual modo matérias divisíveis. Com efeito, que o dissolvente não atue mais longe pode, até onde chega a experiência, ser um fato na natureza, mas aqui fala-se unicamente da possibilidade de uma força dissolvente, que dissolve também esta molécula e igualmente todas as outras que ainda restam, até que a dissolução chegue ao fim. O volume ocupado pela dissolução pode ser igual à soma dos espaços ocupados antes da mistura pelas matérias que mutuamente se dissolvem, ou então menor ou mesmo maior, segundo a relação que existe entre as forças atrativas e as repulsões. Na dissolução, formam cada qual por si e ambas reunidas um meio elástico. Só isto pode proporcionar uma razão suficiente para explicar porque é que a matéria dissolvida não se separa de novo, graças ao peso, do dissolvente. Efetivamente, a atração deste último, por ocorrer com uma força igual de todos os lados, elimina a sua resistência, e admitir certa viscosidade no fluido também não se harmoniza com a grande força que tais matérias dissolvidas, por exemplo, os ácidos diluídos em água, exercem sobre corpos metálicos; não só eles aí se depositam, como deveria acontecer, se apenas flutuassem no seu meio, mas separam-nos também uns dos outros com uma grande força de atração e espalham-nos em todo o espaço do suporte. Supondo ainda que a arte não tivesse em seu poder nenhumas forças químicas dissolventes que produzissem uma dissolução completa, a natureza poderia talvez demonstrá-la nas suas operações vegetais e animais e suscitar assim matérias que, embora misturadas, de nenhum modo pudessem ser decompostas por arte alguma. Poderia também deparar-se com esta penetração química mesmo onde uma das duas matérias não é pela outra justamente separada e literalmente dissolvida, tal como, por exemplo, o calórico penetra os corpos; com efeito, se ele se repartisse apenas pelos intervalos vazios, a própria substância sólida permaneceria fria, porque nada poderia absorver. Seria até de igual modo possível imaginar uma passagem aparentemente livre de certas matérias através de outras, por exemplo, da matéria magnética, sem lhe ter preparado para tal galerias abertas e intervalos vazios, em todas as matérias, mesmo nas mais densas. Contudo, não é aqui o lugar de descobrir hipóteses relativas a fenômenos particulares, mas apenas o princípio segundo o qual se devem todos avaliar. Tudo o que nos dispensa de recorrer a espaços vazios é um verdadeiro ganho para a ciência da natureza. Com efeito, tais espaços proporcionam excessiva liberdade à imaginação para substituir por ficções a deficiência do íntimo conhecimento da natureza. O vazio absoluto e o absolutamente denso são, na doutrina da natureza, mais ou menos o que o acaso cego e o cego destino constituem na cosmologia metafísica, a saber, uma barreira para a razão dominadora, a fim de que ou a pura invenção ocupe o seu lugar, ou ela se ponha a descansar no travesseiro das qualidades ocultas. Ora, no tocante ao procedimento empregue na ciência natural relativamente ao mais importante de todos os seus problemas, a saber, a explicação de uma diversidade específica das matérias possível até ao infinito, podem apenas escolher-se dois caminhos: o caminho mecânico que, pela combinação do cheio absoluto e do absolutamente vazio, explica todas as diversidades da matéria; ou então o caminho dinâmico, que se lhe contrapõe, e as explica pela simples diferença nas combinações das forças originárias: repulsão e atração. O primeiro tem como materiais da sua dedução os átomos e o vazio. Um átomo é uma pequena parte da matéria, fisicamente indivisível. Fisicamente indivisível é uma matéria cujas partes estão entre si coesas com uma força tal que na natureza nenhuma outra força motriz se encontra que a possa vencer. Um átomo, na medida em que pela sua figura se distingue especificamente de outros, chama-se corpúsculo primeiro. Um corpo (ou corpúsculo), cuja força motriz depende da sua figura, chama-se máquina. A teoria que explica a diversidade específica das matérias pela constituição e composição das suas menores partes, enquanto máquinas, é a filosofia mecânica da natureza; mas a que deriva a diversidade específica da matéria não de matérias enquanto máquinas, isto é, simples instrumentos de forças motrizes externas, mas das forças motrizes que originariamente lhe são peculiares, a saber, a atração e a repulsão, pode denominar-se a filosofia dinâmica da natureza. (A explicação mecânica, por convir melhor à matemática, conservou sempre, sob o nome de atomística ou filosofia corpuscular, com pouca modificação desde o velho Demócrito até Descartes e até à nossa época, a sua autoridade e influência sobre os princípios da ciência da natureza. O ponto essencial desta explicação consiste no pressuposto da impenetrabilidade absoluta da matéria primordial, na absoluta homogeneidade desta substância e na simples subsistência da diferença na figura, e na absoluta invencibilidade da coesão da matéria nestes corpúsculos fundamentais. Eram esses os materiais para produzir as matérias especificamente diferentes; dispunha-se assim não só de uma substância fundamental, invariável e, no entanto, de forma diversa para explicar a invariabilidade dos gêneros e das espécies, mas também para explicar mecanicamente, por meio da forma destas partes primeiras, enquanto máquinas (às quais faltava apenas uma força imprimida a partir de fora), as múltiplas ações da natureza. Mas a primeira e principal autenticação deste sistema funda-se na necessidade pretensamente inevitável de utilizar, para a diferença específica da densidade das matérias, espaços vazios, que se repartiam no interior das matérias e entre as partículas, na proporção que se considerava necessária, tão grande até, em vista de alguns fenômenos, que a parte cheia do volume, mesmo da mais densa matéria, se devia considerar como nula em relação ao espaço vazio. - Ora, para introduzir uma explicação dinâmica (que é de longe mais conforme e também mais útil à filosofia experimental, porque induz diretamente a descobrir as forças motrizes próprias da matéria e as suas leis, limitando, em contrapartida, a liberdade de admitir intervalos vazios e corpúsculos fundamentais com figuras definidas, porque ambas as coisas não se podem determinar e descobrir mediante experimento algum), não é necessário forjar novas hipóteses, mas refutar apenas o postulado da explicação puramente mecânica, a saber, que é impossível conceber uma diferença específica na densidade das matérias, sem introduzir espaços vazios, mediante a simples indicação de uma maneira de a conceber sem contradição. Com efeito, se o postulado proposto, em que se baseia a explicação puramente mecânica, se considera como um princípio sem valor, é evidente que não se deve admitir como hipótese na ciência natural, enquanto restar ainda uma possibilidade de conceber a diferença específica das densidades sem os intervalos vazios. Mas esta necessidade funda-se em que a matéria não enche o seu espaço (como admitem os investigadores da natureza puramente mecânica) graças à absoluta impenetrabilidade, mas em virtude da força repulsiva, cujo grau pode ser diferente em matérias diversas e, visto que este grau nada tem por si de comum com a força de atração, a qual é conforme a quantidade da matéria, ela pode ser originariamente diferente, segundo o grau em diferentes matérias, mantendo-se idêntica a força atrativa; por conseguinte, o grau de expansão destas matérias, mantendo-se a mesma quantidade de matéria e, inversamente, a quantidade da matéria sob o mesmo volume, isto é, a sua densidade, podem admitir originariamente grandes diferenças específicas. Não se acharia, deste modo, impossível conceber uma matéria (como, por exemplo; se representa o éter), que enchesse o seu espaço sem deixar qualquer vazio e, no entanto, com uma quantidade de matéria menor, sem comparação possível, sob um mesmo volume, do que todos os corpos que podemos submeter às nossas experiências. No éter, a força repulsiva deve considerar-se como infinitamente maior sem comparação em relação à força atrativa própria deste do que em todas as matérias de nós conhecidas. Eis, pois, também a única coisa que simplesmente admitimos porque se pode conceber, e apenas para servir de contraparte a outra hipótese (a dos espaços vazios), que se funda somente na alegação de que coisas assim não se podem conceber sem espaços vazios. Com efeito, sem tal pressuposto, não se pode arriscar lei alguma nem da força atrativa, nem da força repulsiva sobre conjecturas a priori mas tudo, mesmo a atração universal enquanto causa do peso, se deve inferir a partir dos dados da experiência. Menos ainda se devem investigar coisas do gênero, no tocante às afinidades químicas, por um caminho que não seja o do experimento. Efetivamente, indagar as forças primordiais a priori quanto à sua possibilidade ultrapassa em geral o horizonte da nossa razão; toda a filosofia da natureza consiste, pelo contrário, na redução das forças dadas, aparentemente diversas, a um número menor de forças e poderes, que conseguem explicar os efeitos das primeiras; tal redução, porém, chega apenas às forças fundamentais para lá das quais a nossa razão não pode ir. E assim a inquirição da metafísica em busca do que serve de fundamento ao conceito empírico da matéria, é unicamente útil ao propósito de levar a filosofia da natureza, tanto quanto é possível, à exploração das razões explicativas dinâmicas, porque só estas permitem esperar leis determinadas,por conseguinte, um verdadeiro encadeamento racional das explicações. Isto é tudo o que a metafísica pode proporcionar em vista da construção do conceito de matéria, por consequência, em prol da aplicação da matemática à ciência natural, no tocante às propriedades por meio das quais a matéria enche um espaço em medida determinada; a saber, considerar estas propriedades como dinâmicas e não como posições originárias incondicionadas, como decerto as postularia um método puramente matemático. A questão conhecida em torno da admissibilidade de espaços vazios no mundo pode servir de conclusão. Não pode contestar-se a possibilidade dos mesmos. Com efeito, todas as forças da matéria exigem espaço e, visto que este contém igualmente as condições da propagação dessas forças, pressupõe-se necessariamente antes de toda a matéria. Atribui-se assim à matéria uma força de atração na medida em que ela ocupa à sua volta um espaço por atração, sem, no entanto, o encher; tal espaço pode, pois, conceber-se como vazio mesmo onde a matéria é ativa, porque ela não age aí por forças repulsivas e, Portanto, não o enche. Contudo, nenhuma experiência ou conclusão a partir da mesma, nenhuma hipótese necessária nos autorizam a admitir espaços vazios como reais. Com efeito, toda a experiência nos dá a conhecer unicamente espaços comparativamente vazios, os quais se podem explicar perfeitamente, seja qual for o grau, pela propriedade que a matéria tem de encher o seu espaço com uma força de expansão sempre maior ou menor até ao infinito, sem precisar de espaços vazios. CAPÍTULO III PRIMEIROS PRINCÍPIOS METAFÍSICOS DA MECÂNICA Definição 1 A matéria é o elemento móvel enquanto tem, como tal, força motriz. Observação Eis a terceira definição de uma matéria. O conceito puramente dinâmico podia também considerar a matéria como em repouso; a força motriz, que então se examinou; dizia apenas respeito à repleção de certo espaço sem que a matéria, que o enchia, houvesse de se considerar como em movimento. A repulsão era, pois, uma força primordialmente motriz para comunicar movimento; em contrapartida, na mecânica, considera-se a força de uma matéria posta em movimento a fim de transmitir este movimento a outra. Mas é claro que o móvel, graças ao seu movimento, não disporia de força motriz alguma se não possuísse forças primordialmente motrizes, em virtude das quais age em todos os lugares onde se encontra, antes de todo o movimento próprio; e que nenhuma matéria imprimiria um movimento igual ao seu a outra que se encontrava diante dela no seu caminho opondo-se ao seu movimento em linha reta, se ambas não possuíssem leis primordiais da repulsão; e ainda que nenhuma matéria poderia, graças ao seu movimento, obrigar uma outra a segui-la em linha reta (arrastá-la após si), se ambas não possuíssem forças atrativas. Por conseguinte, todas as leis mecânicas supõem leis dinâmicas e uma matéria, enquanto em movimento, não pode ter nenhuma força motriz a não ser em virtude da sua repulsão ou atração, sobre as quais e com as quais age imediatamente no seu movimento e comunica assim o seu próprio movimento a outra matéria. Desculpar-se-me-á se aqui não mencionar mais a comunicação do movimento por atração (por exemplo, se um cometa, de maior poder de atração do que a Terra, ao passar diante dela a arrastaria após si), mas unicamente a mediação das forças repulsivas, portanto, por pressão (como mediante molas tensas) ou por choque já que, de qualquer modo, a aplicação das leis de umas às das outras difere apenas no tocante à linha de direção; quanto ao mais, porém, é idêntico nos dois casos. Definição 2 A quantidade da matéria é o número dos móveis num espaço determinado. Semelhante quantidade, na medida em que todas as suas partes se consideram no seu movimento como agindo (motrizes) ao mesmo tempo, chama-se a massa, e diz-se que uma matéria age em massa quando todas as suas partes, movidas numa mesma direção, exercem fora delas ao mesmo tempo a sua força motriz. Uma massa de forma determinada chama-se um corpo (no sentido mecânico). A grandeza do movimento (avaliada mecanicamente) é a que se aprecia ao mesmo tempo pela quantidade e pela velocidade da matéria em movimento; do ponto de vista foronómico, ela consiste apenas no grau de velocidade. Teorema 1 A quantidade da matéria pode, em comparação com qualquer outra, avaliar-se unicamente por meio da quantidade de movimente a uma velocidade dada. Demonstração A matéria é divisível ao infinito, por conseguinte, para nenhuma se pode determinar imediatamente a sua quantidade pelo número das suas partes. Com efeito, se isso ocorre também na comparação da matéria dada com uma matéria da mesma espécie, caso esse em que a quantidade de matéria é proporcional à grandeza do volume, então isso vai contra a estipulação do teorema, a saber, que ela deve avaliar-se por comparação com qualquer outra quantidade (mesmo especificamente diferente). A matéria não pode, pois, avaliar-se validamente nem imediata, nem mediatamente por comparação com qualquer outra, enquanto se abstrair do seu próprio movimento. Por conseguinte, não resta mais nenhuma medida universalmente válida desta matéria a não ser a quantidade do seu movimento. Nesta, porém, a diferença do movimento, que se funda na diferente quantidade das matérias, só pode dar-se se se admitir como igual à velocidade entre as matérias comparadas, por conseguinte, etc. Corolário A quantidade de movimento dos corpos está em razão composta da quantidade da sua matéria e da sua velocidade, isto é, é idêntico se eu duplico a quantidade da matéria de um corpo e conservo a velocidade, ou se duplico a velocidade e conservo a mesma massa. Com efeito, o conceito preciso de uma grandeza é possível unicamente graças à construção do quantum. Mas esta, em relação ao conceito de quantidade, nada mais é do que a composição de elementos equivalentes; por conseguinte, a construção da quantidade de um movimento é a composição de muitos movimentos equivalentes. Ora, segundo os teoremas foronómicos, é a mesma coisa se eu atribuo a um móvel certo grau de velocidade ou a muitos móveis iguais todos os graus menores de velocidade, que provêm da divisão da velocidade dada pelo número dos móveis. Daí resulta, em primeiro lugar, um conceito, foronómico quanto à aparência, da quantidade de um movimento como composto de muitos movimentos de pontos móveis exteriores uns aos outros, reunidos, no entanto, num todo. Se, pois, estes pontos se conceberem como algo que possui uma força motriz graças ao seu próprio movimento, brota então daí o conceito mecânico da quantidade de movimento. Mas na foronomia não é exequível representar para si um movimento como composto de muitos outros, reciprocamente exteriores, porque o móvel, a ser representado como privado de toda a força motriz, não proporcionada na sua composição com vários móveis da sua espécie nenhuma diferença na grandeza do movimento a não ser a grandeza que consiste apenas na velocidade. Assim como a quantidade do movimento se refere à de outro corpo, assim também se relacionam entre si as grandezas da sua ação, mas, entenda-se bem, da ação total. Os que admitem para medida da ação total simplesmente a grandeza de um espaço enchido pela resistência (por exemplo, a altura a que se pode elevar um corpo com certa velocidade contra a ação da gravidade, ou a profundidade a que pode chegar em matérias moles), aduziram uma outra lei das forças motrizes nos movimentos reais, a saber, a lei da relação composta a partir da quantidade das matérias e da dos quadrados das suas velocidades; mas passaram por alto a grandeza da ação no tempo dado em que o corpo percorre o seu espaço com uma velocidade menor e, no entanto, só esta grandeza pode constituir a medida de um movimento esgotado por uma resistência uniforme dada. Não pode, pois, haver nenhuma diferença entre forças vivas e forças mortas, se se consideram mecanicamente as forças motrizes, isto é, como aquelas que os corpos possuem enquanto são movidos, ainda que a velocidade do seu movimento possa ser finita ou infinitamente pequena (simples tendência para o movimento); seria, pelo contrário, muito mais adequado chamar forças mortas às forças pelas quais a matéria, se se abstrair inteiramente do seu movimento próprio e também da tendência para se mover, age sobre outras matérias, por conseguinte, as forças originariamente motrizes da dinâmica, e, pelo contrário, forças vivas a todas as forças motrizes mecanicamente, isto é, em virtude do seu próprio movimento, sem atender à diferença da velocidade, cujo grau poderia ser infinitamente pequeno se, no entanto, estas denominações de forças mortas e de forças vivas ainda merecem manter-se. Observação Para evitar pormenores, vamos condensar numa observação a elucidação das três proposições precedentes. Uma proposição notável e fundamental da mecânica geral é que a quantidade da matéria só pode conceber-se como o número dos móveis (exteriores uns aos outros), como o exprime a definição. Com efeito, indica-se assim que a matéria não tem nenhuma outra grandeza a não ser a que consiste na quantidade do diverso reciprocamente exterior, por conseguinte, não tem também nenhum grau de força motriz com uma velocidade dada, o qual seja independente desta quantidade e possa considerar-se apenas como uma grandeza intensiva - o que decerto aconteceria se a matéria constasse de mônadas, cuja realidade deve em todas as relações ter um grau que pode ser maior ou menor, sem depender de uma multidão de partes exteriores umas às outras. No tocante ao conceito de massa na mesma definição, não pode ele confundir-se, como habitualmente se faz, com o de quantidade. Matérias líquidas podem agir em massa em virtude do seu próprio movimento, mas também podem atuar no seu fluxo. No chamado martelo hidráulico, a água age por choque maciço, isto é, com todas as suas partes ao mesmo tempo; o mesmo acontece igualmente na água que, fechada num recipiente, faz pressão com o seu peso no prato da balança em que se encontra. Em contrapartida, a água de um ribeiro de moinho não atua em massa sobre as pás da roda movida para baixo, isto é, com todas as suas partes que sobre ela se precipitam, mas apenas umas após as outras. Se, por conseguinte, se deve aqui determinar a quantidade da matéria que, posta em movimento com certa velocidade, possui a força motriz, deve antes de mais buscar-se o volume de água, isto é, a quantidade de matéria que, ao agir em massa com uma velocidade determinada (com o seu peso), pode suscitar o mesmo efeito. Eis porque se entende também comummente pelo termo de massa a quantidade de matéria de um corpo sólido (o recipiente que contém um líquido faz também às vezes da sua solidez). Por fim, no tocante ao teorema com o corolário anexo, há aí algo de estranho, a saber, que, segundo o teorema, a quantidade de matéria deveria avaliar-se pela quantidade do movimento com a velocidade dada, mas, segundo o corolário, a quantidade do movimento (de um corpo; com efeito, a de um ponto consiste apenas no grau da velocidade) à mesma velocidade pela quantidade da matéria em movimento - o que parece girar num círculo e não prometer um conceito determinado nem acerca do teorema nem a propósito do corolário. No entanto, este pretenso círculo sê-lo-ia efetivamente se fosse uma derivação recíproca de , dois conceitos idênticos. Ora, ele contém apenas, por um lado, a definição de um conceito e, por outro, a da sua aplicação à experiência. A quantidade do elemento móvel no espaço é a quantidade, de matéria; mas esta quantidade de matéria (a quantidade do móvel) demonstra-se na experiência unicamente pela quantidade de movimento a igual velocidade (por exemplo, pelo equilíbrio). Há ainda a observar que a quantidade de matéria é a quantidade da substância no móvel, por conseguinte, não é a grandeza de certa qualidade de tal substância (da repulsão ou atração, aduzidas na dinâmica), e que o quantum da substância nada mais significa aqui do que a simples multiplicidade do móvel, que constitui a matéria. Com efeito, só esta multiplicidade do móvel pode, a igual velocidade, proporcionar uma diferença na quantidade do movimento. Mas que somente a força motriz, que uma matéria possui no seu próprio movimento, demonstre a quantidade da substância baseia-se no conceito desta última enquanto sujeito último (que já não é o predicado de nenhum outro) no espaço; por isso mesmo, não pode ter nenhuma outra grandeza a não ser a da quantidade das partes homogêneas reciprocamente exteriores. Ora, visto que o movimento próprio da matéria é um predicado que determina o seu sujeito (o móvel) e indica numa matéria, enquanto quantidade do móvel, a pluralidade dos sujeitos em movimento (a igual velocidade de idêntico modo) - o que não é o caso nas propriedades dinâmicas, cuja grandeza pode também ser a da ação de um único sujeito (já que, por exemplo, uma molécula de ar pode ter mais ou menos elasticidade), torna-se assim evidente como é que a quantidade da substância numa matéria se deve avaliar apenas mecanicamente, isto é, por meio da quantidade do seu movimento próprio, e não dinamicamente, pela grandeza das forças motrizes primordiais. No entanto, a atração primordial, enquanto causa da gravitação universal, pode também fornecer uma medida da quantidade da matéria e da sua substância (como isso realmente acontece na comparação das matérias pela pesagem), embora aqui pareça que se toma por fundamento não o movimento próprio da matéria atrativa, mas uma medida dinâmica, a saber, a força de atração. Mas, porque em virtude desta força uma matéria age imediatamente com todas as suas partes em todas as de outra matéria e, por conseguinte (a distâncias iguais), a sua ação é manifestamente proporcionada ao número das partes e o corpo atrativo atribui deste modo a si uma velocidade de movimento próprio (graças à resistência do corpo atraído), que, em circunstâncias exteriores idênticas, é justamente proporcionada ao número das suas partes, a avaliação ocorre então aqui, decerto só indiretamente, na realidade, porém, de um modo mecânico. Teorema 2 Primeira lei da mecânica. - Em todas as modificações da natureza corporal, a quantidade da matéria permanece a mesma no conjunto, sem aumento e diminuição. Demonstração (Vai buscar-se à metafísica como fundamento a proposição de que, em todas as modificações da natureza, nenhuma substância se origina ou se perde; e aqui apenas se expõe o que na matéria é a substância.) Em toda a matéria, o elemento móvel no espaço é o último sujeito de todos os acidentes inerentes à matéria, e a quantidade destes móveis reciprocamente exteriores é a quantidade da substância. Pelo que a grandeza da matéria, quanto à substância, nada mais é do que a quantidade das substâncias de que ela se compõe. Por conseguinte, a quantidade de matéria não pode aumentar ou diminuir exceto se uma nova substância da matéria se produz ou se perde, Ora, em toda a mudança da matéria, a substância jamais se origina ou se perde; portanto, também a quantidade da matéria não aumenta assim nem diminui, mas permanece sempre a mesma e, claro está, no todo, isto é, no mundo, persiste na mesma quantidade, embora esta ou aquela matéria possa aumentar ou diminuir pela adição ou separação das partes. Observação O essencial que, nesta demonstração, caracteriza a substância, a qual é apenas possível no espaço e segundo as suas condições, por conseguinte, como objeto dos sentidos externos, é que a sua grandeza não pode aumentar ou diminuir sem que se origine ou se perca substância, porque toda a grandeza de um objeto somente possível no espaço deve consistir em partes exteriores umas às outras; estas, pois, se são reais (algo de móvel), devem necessariamente ser substâncias. Pelo contrário, O que se considera como objeto do sentido interno pode ter, como substância, uma grandeza que não consta de partes exteriores umas às outras; as suas partes não são, pois, também substâncias cuja gênese ou desaparecimento também não pode ser, por conseguinte, a emergência ou o desvanecimento de uma substância, e cujo aumento ou diminuição é, pois, possível, sem prejuízo para o princípio da permanência da substância. A consciência e, portanto, a claridade das representações da minha alma, por conseguinte, também a faculdade da consciência, a apercepção, mas com esta também a substância da alma, têm um grau que pode tornar-se maior ou menor, sem que uma substância qualquer possa para esse fim originar-se ou desaparecer. Mas porque, na diminuição gradual da faculdade da apercepção, deveria finalmente seguir-se o total desaparecimento da mesma, a própria substância da alma submeter-se-ia a um aniquilamento gradual, ainda que fosse já simples por natureza, porque semelhante desaparecimento da sua força fundamental poderia produzir-se não por divisão (separação da substância em relação a um composto), mas de algum modo por extinção, e isto não num instante, mas em virtude do decrescimento progressivo do seu grau, fosse qual fosse a causa. O eu, correlato universal da apercepção e simples pensamento, designa, enquanto simples pronome, uma coisa de significado indeterminado, a saber, o sujeito de todos os predicados, sem qualquer condição, que distinga esta representação do sujeito da representação de algo em geral; é pois uma substância acerca da qual não se tem, mediante esta expressão, nenhum conceito de como ela seja. Em contrapartida, o conceito de uma matéria como substância é o conceito de um móvel no espaço. Não admira, pois, que a propósito da última se possa demonstrar a permanência da substância, mas não acerca da primeira, porque do próprio conceito de matéria, a saber, que ela é o elemento móvel, que é possível unicamente no espaço, decorre que o que nela tem grandeza contém uma pluralidade de realidades reciprocamente exteriores, portanto, substâncias e, por conseguinte, a sua quantidade só pode diminuir-se por divisão, a qual não constitui um desaparecimento, e este último seria também nela impossível, de acordo com a lei da continuidade. Pelo contrário, o pensamento do eu não é um conceito, mas apenas uma percepção interna, e dele nada se pode, pois, deduzir (exceto a diferença completa que existe entre um objeto do sentido interno e o que se concebe simplesmente como objeto dos sentidos externos), nem também, por consequência, a persistência da alma, como substância. Teorema 3 Segunda lei da mecânica. - Toda a mudança da matéria tem uma causa externa. (Cada corpo persevera no seu estado de repouso ou de movimento, com a mesma direção e a mesma velocidade, quando não é forçado por uma causa exterior a abandonar este estado.) Demonstração (À metafísica geral vai buscar-se como fundamento a proposição de que toda a mudança tem uma causa; demonstrar-se-á aqui, a propósito da matéria, apenas que a sua mudança deve ter sempre uma causa externa.) A matéria, enquanto simples objeto dos sentidos externos, não tem outras determinações a não ser a das relações exteriores no espaço e, por conseguinte, também não sofre nenhumas modificações exceto por meio do movimento. No tocante a estas, quer enquanto troca de um movimento com outro ou do mesmo com o repouso e inversamente, é preciso encontrar-lhes uma causa (segundo os princípios da metafísica). Mas esta causa não pode ser interna, pois a matéria não tem pura e simplesmente determinações e razões determinantes internas. Por conseguinte, toda a modificação de uma matéria se baseia em causas externas (isto é, um corpo persevera, etc.). Observação Só esta lei mecânica deve chamar-se a lei da inércia (lex inertiae); a lei da reação igual que se opõe a toda a ação não pode ter este nome. Com efeito, esta lei diz o que a matéria faz, mas aquela refere apenas o que ela não faz - o que convém melhor ao termo de inércia. A inércia da matéria nada mais é ou significa que a sua ausência de vida, enquanto matéria em si mesma. A vida é o poder de uma substância em se determinar à ação a partir de um princípio interno, de uma substância finita em se determinar à mudança, e de uma substância material em se determinar ao movimento ou ao repouso, enquanto modificação do seu estado. Ora, não conhecemos nenhum outro princípio interno de uma substância para alterar o seu estado a não ser o desejo e, em geral, nenhuma outra atividade interna exceto o pensar, com o sentimento de prazer ou desprazer e o apetite ou vontade, que dele dependem. Mas estes princípios de determinação e estas ações não fazem parte das representações dos sentidos externos, nem por conseguinte, das determinações da matéria enquanto matéria. Pelo que toda a matéria é enquanto tal privada de vida. Eis o que exprime o princípio de inércia, e nada mais. Se buscamos a causa de uma mudança qualquer da matéria na vida, temos logo de a procurar numa outra substância diferente da matéria, embora com ela conexa. Com efeito, no conhecimento da natureza, é necessário conhecer primeiro as leis da matéria como tal e purificá-las da ingerência de todas as outras causas eficientes, antes de com ela as religar a fim de distinguir bem o que cada uma delas faz por si e como ela age. Na lei da inércia (além da lei da persistência da substância) assenta inteiramente a possibilidade de uma genuína ciência da natureza. O contrário de tal lei e, por conseguinte, a morte de toda a filosofia da natureza seria o hilozoismo. Deste mesmo conceito de inércia, enquanto simples ausência de vida, decorre naturalmente que ela não significa um esforço positivo por manter o seu estado. Nesta última acepção, só os seres vivos é que se denominam inertes, porque têm uma representação de outro estado que eles abominam e contra o qual aplicam a sua força. Teorema 4 Terceira lei da dinâmica. - Em toda a comunicação do movimento, a ação é sempre igual à reação. Demonstração (À metafísica geral vai buscar-se a proposição de que toda a ação exterior no mundo é uma ação recíproca. Aqui, importa apenas mostrar, para permanecer nos limites da mecânica, que esta ação recíproca (actio mutua) é ao mesmo tempo reação (reactio). Contudo, não posso, sem danificar a integridade da indagação, deixar totalmente de lado a lei da metafísica da comunidade.) Todas as relações ativas das matérias no espaço e todas as modificações de tais relações, na medida em que podem ser as causas de certos efeitos, devem, sempre representar-se como recíprocas, isto é, porque toda a modificação destas relações é movimento, não pode conceber-se nenhum movimento de um corpo em relação a um corpo absolutamente em repouso que deve assim pôr-se em movimento; pelo contrário, este deve representar-se apenas como relativamente em repouso a respeito do espaço, a que se refere; mas em movimento conjuntamente com este espaço no espaço absoluto, numa direção oposta, embora com a mesma quantidade de movimento que corpo movido no mesmo espaço. Efetivamente, a modificação da relação (portanto, o movimento) é entre os dois inteiramente recíproco; se um dos corpos se aproxima de cada parte do outro, também este se aproxima outro tanto de cada parte do primeiro e, porque o que aqui importa não é o espaço empírico que envolve os dois corpos, mas apenas a linha que entre eles se encontra (por quanto tais corpos se consideram apenas em relação recíproca, segundo a influência que o movimento de um pode ter sobre a alteração do estado do outro, com abstração de toda a relação ao espaço empírico), o seu movimento considera-se como determinável simplesmente no espaço absoluto, no qual cada um dos dois corpos deve participar de igual modo no movimento que a um deles é atribuído no espaço relativo, pois não existe razão alguma para atribuir mais a um do que ao outro. Com esta base, reduz-se ao espaço absoluto o movimento de um corpo A em direção a outro B em repouso, a respeito do qual ele pode assim ser motor, isto é, tal movimento considera-se como relação das causas eficientes simplesmente referidas uma à outra; os dois corpos participam de igual modo no movimento que, no fenômeno, unicamente se atribui ao corpo A - o que não pode ocorrer de nenhuma outra maneira a não ser que a velocidade, atribuída apenas ao corpo A no espaço relativo, se atribui a A e B em proporção inversa das massas, a A apenas a sua própria no espaço absoluto e, pelo contrário, a B, como também ao espaço relativo onde ele repousa, uma velocidade em sentido oposto; assim se conserva perfeitamente o mesmo fenômeno do movimento, mas a ação na comunidade dos dois corpos constrói-se da seguinte maneira. (A)----------c-----(B-)- - - - - d Seja um corpo A que, com uma velocidade = AB a respeito do espaço relativo, se dirige para o corpo B em repouso relativamente ao mesmo espaço. Divida-se a velocidade AB em duas partes, Ac e Bc, que se comportam inversamente uma em relação à outra como as massas B e A; suponha-se A no espaço absoluto com uma velocidade Ac, mas B, juntamente com o espaço relativo, num movimento de direção oposta à velocidade Bc; os dois movimentos são entre si opostos e iguais e, visto que se eliminam reciprocamente, os dois corpos põem-se em repouso um em relação ao outro no espaço absoluto. Ora, B estava em movimento com o espaço relativo à velocidade Bc na direção BA, que é justamente oposta à do corpo A, isto é, AR. Se, pois, o movimento do corpo B é eliminado pelo choque, o movimento do espaço relativo nem por isso é suprimido. Portanto, em relação aos dois corpos A e B (doravante em repouso no espaço absoluto), o espaço relativo move-se após o choque na direção BA com a velocidade Bc ou, o que é a mesma coisa, os dois corpos movem-se após o choque com uma velocidade igual Bd = Bc na direção AR do choque. Ora, segundo o que precede, a quantidade de movimento do corpo B na direção e à velocidade Bc, por conseguinte, também a quantidade de movimento na direção Bd à mesma velocidade é igual à quantidade de movimento do corpo A à velocidade e na direção Ac; portanto, o efeito, isto é, o movimento Bd imprimido ao corpo B pelo choque no espaço relativo, por conseguinte, também a ação do corpo A à velocidade Ac são sempre iguais à reação Bc. Uma vez que a mesma lei (como ensina a mecânica matemática) não sofre modificações quando, em vez do choque contra um corpo em repouso, se admite um choque do mesmo corpo contra um corpo igualmente em movimento, e quando igualmente a comunicação do movimento pelo choque difere do movimento por tração unicamente pela direção segundo a qual as matérias resistem umas às outras nos seus movimentos, segue-se então que, em toda a comunicação do movimento, a ação e a reação são sempre iguais (que todo o choque só pode comunicar o movimento de um corpo a outro por meio de um contragolpe igual, toda a pressão apenas mediante uma contrapressão igual e, igualmente, toda a tração unicamente por meio de uma tração igual em sentido contrário). (Na foronomia, onde se estudava o movimento de um corpo simplesmente em relação ao espaço e como modificação da relação no mesmo espaço, era de todo indiferente se eu queria atribuir ao corpo o movimento no espaço ou, em vez disso, ao espaço relativo um movimento igual, mas em sentido contrário; nos dois casos, desembocava-se no mesmo fenômeno. A quantidade do movimento do espaço era apenas a velocidade e, por isso, a do corpo nada mais era igualmente do que a sua velocidade (eis porque ele se podia considerar como um simples ponto móvel). Na mecânica, porém, visto que se considera um corpo em movimento em direção a outro com o qual tem, graças ao seu movimento, uma relação causal, a saber, a de o mover ao entrar em comunidade com ele quer, na sua aproximação, pela força da impenetrabilidade quer, no seu afastamento, em virtude da força atrativa, já não é indiferente se eu quiser atribuir a um destes corpos um movimento, ou ao espaço um movimento oposto. Com efeito, entra então em jogo um outro conceito da quantidade de movimento, a saber, não o da quantidade que apenas se concebe em relação ao espaço e consiste unicamente na velocidade, mas aquele em que é preciso igualmente ter em conta a quantidade da substância (como causa motriz); e aqui já não depende da nossa vontade, mas e necessário considerar cada um dos dois corpos como em movimento e, decerto, com igual quantidade de movimento em sentido contrário; mas se um está relativamente em repouso a respeito do espaço, é preciso atribuir-lhe, bem como Juntamente ao espaço, o movimento exigido. Com efeito, um dos corpos não pode agir sobre o outro pelo seu próprio movimento, só o pode por meio da força repulsiva na aproximação, ou mediante a força atrativa, no afastamento. Ora, visto que as duas forças agem sempre igualmente em sentido contrário, nenhum corpo pode por seu intermédio agir sobre outro a não ser na medida em que o outro corpo reage com a mesma quantidade de movimento. Pelo que nenhum corpo pode, pelo seu próprio movimento, comunicar movimento a um corpo absolutamente em repouso; mas este deve mover-se (juntamente com o espaço) com uma quantidade de movimento em sentido contrário, igual à que ele deve receber pelo movimento do primeiro e na sua direção. - O leitor facilmente cairá na conta de que, apesar do que há de estranho neste modo de representar a comunicação do movimento, ela pode não obstante prestar-se à exposição mais luminosa, se não se temer a ampla extensão da explicação. Nota do Autor.) Corolário 1 Segue-se daí, para a mecânica geral, uma lei da natureza, não irrelevante, a saber, que todo o corpo, por grande que seja a sua massa, deve ser susceptível de movimento através do choque de todo o outro corpo, por fraca que possa ser a sua massa ou a sua velocidade. Com efeito, ao movimento de A na direção AR corresponde necessariamente um movimento oposto e igual de B na direção BA. Os dois movimentos eliminam-se um ao outro no espaço absoluto, em virtude do choque. Mas os dois corpos adquirem assim uma velocidade Bd = Bc na direção do corpo que embate, por conseguinte, o corpo B pode ser posto em movimento por toda a força de choque, por pequena que seja. Corolário 2 Eis, pois, a lei mecânica da igualdade da ação e da reação, que se funda em que nenhuma comunicação de movimento teria lugar a não ser enquanto se supõe uma comunidade destes movimentos; portanto, em que nenhum corpo impele outro que está em repouso em relação a ele, mas, se este está imóvel no espaço, recebe o choque só enquanto se move com todo o seu espaço na mesma medida, mas em direção contrária, e este movimento junto ao que cabe ao primeiro corpo para a sua parte relativa, produz a quantidade de movimento, que atribuiríamos ao primeiro no espaço absoluto. Com efeito, nenhum movimento, que deve ser motor em relação a outro corpo, pode ser absoluto; mas se é relativo a respeito do último, não há nenhuma relação no espaço que não seja recíproca e igual. - Há, porém, ainda outra lei, a lei dinâmica da igualdade da ação e da reação das matérias, não enquanto uma comunica à outra o seu movimento, mas a esta é originariamente conferido e em si ao mesmo tempo suscitado em virtude da resistência que o outro lhe opõe. É fácil demonstrar esta lei de modo análogo. Com efeito, quando a matéria A atrai a matéria B, obriga esta a aproximar-se dela ou, o que é a mesma coisa, a outra resiste à força pela qual esta procuraria afastá-la. Mas porque é a mesma coisa se B se afasta de A, ou A de B, semelhante resistência é também uma resistência que o corpo B exerce contra A, na medida em que A se esforçaria por dele se afastar; por conseguinte, a tração é igual à tração contrária. De modo idêntico, se A repele a matéria B, A resiste à aproximação de B. Mas, visto que é indiferente que B se aproxime de A ou A de B, B resiste também outro tanto à aproximação de A; pressão e contrapressão são, pois, também sempre iguais. Observação 1 Eis, pois, a construção da comunicação do movimento, que comporta ao mesmo tempo a lei da igualdade da ação e da reação como sua condição necessária, lei que Newton não se aventurava a demonstrar a priori, mas apelava por isso à experiência; para comprazer a semelhante lei, outros introduziram na ciência da natureza uma força especial da matéria, sob o nome de força de inércia (vis inertiae), proposto pela primeira vez por Kepler e, no fundo, foram também buscá-la à experiência; por fim, outros ainda colocaram-na no conceito de uma simples comunicação de movimento que consideravam como a passagem gradual do movimento de um corpo para o outro; neste caso, o motor deveria perder tanto movimento quanto ele comunicava ao corpo movido até deixar de imprimir mais a este último (a saber, até chegar com este à igualdade de velocidade na mesma direção). (A igualdade da ação com a reação, falsamente assim chamada neste caso, produz-se igualmente se, na hipótese da transfusão dos movimentos de um corpo para outro, se deixa o corpo em movimento A ceder num instante todo o seu movimento ao corpo imóvel de maneira que, após o choque, ele próprio fica em repouso; caso este inevitável a partir do momento em que se concebiam os dois corpos como absolutamente duros (propriedade que deve distinguir-se da elasticidade). Mas, Visto que esta lei do movimento não se harmonizava nem com a experiência nem consigo mesma na aplicação, não se soube como obviar a tal a não ser negando a existência de corpos absolutamente duros - o que equivalia a admitir a contingência desta lei, pois ela devia funda-se na qualidade particular das matérias que se movem umas às outras. Em contrapartida, na nossa exposição desta lei, é a mesmíssima coisa se os corpos que entre si chocam se concebem ou não como absolutamente duros. Mas, para mim, é totalmente incompreensível como é que os transfusionistas do movimento querem explicar à sua maneira o movimento de corpos elásticos pelo choque. Com efeito, é claro que o corpo em repouso, enquanto simplesmente em repouso, não recebe o movimento que o corpo causador do choque perde, mas que, no choque, ele exerce uma força real em sentido contrário contra o corpo que suscita o choque, para entre ambos comprimir, por assim dizer, a mola - o que exige da sua parte tanto movimento real (mas em sentido contrário) quanto, por seu lado, para tal precisa o corpo que o move. Nota do Autor.) Suprimiam, assim, no fundo, toda a reação, isto é, toda a força verdadeiramente reativa do corpo que recebia o choque contra aquele que o suscita (que seria capaz, por exemplo, de esticar uma mola) e, além disso não demonstravam o que em rigor se intentava na dita lei, não explicavam de modo algum a possibilidade da comunicação do movimento. Efetivamente, o termo de passagem do movimento de um corpo para outro nada explica e se não quisermos tomá-lo à letra (contrariamente ao princípio: accidentia non migrant e substantiis in substantias), como se um movimento se vertesse de um corpo para outro, como a água de um copo para outro, o problema consiste aqui justamente em mostrar como é que se pode tornar compreensível esta possibilidade, cuja explicação assenta diretamente no mesmo fundamento, de onde deriva a lei da igualdade da ação e da reação. Não se pode imaginar como é que o movimento de um corpo A se pode unir necessariamente ao de um corpo B a não ser que se admitam para os dois corpos forças que lhes cabem (dinamicamente) antes de todo o movimento, por exemplo, a repulsão, e se possa demonstrar que o movimento do corpo A ao aproximar-se de B está necessariamente ligado à aproximação de B quanto a A e, se B se considera como imóvel, ao movimento de A para B com o seu espaço, enquanto os corpos com as suas forças (originariamente) motrizes se consideram em movimento apenas relativamente uns aos outros. Esta última indicação pode compreender-se plenamente a priori visto que, esteja o corpo B imóvel ou em movimento em relação ao espaço empiricamente cognoscível, no entanto, em relação ao corpo A, deve necessariamente considerar-se como em movimento e na direção oposta; porque de outro modo A não poderia exercer influência alguma sobre a força repulsiva de ambos e, sem esta influência, não é possível nenhuma ação mecânica das matérias entre si, isto é, nenhuma comunicação do movimento por meio do choque. Observação 2 A denominação de força de inércia (vis inertiae) deve, pois, não obstante o nome célebre do seu autor, eliminar-se inteiramente da ciência da natureza, não apenas porque implica uma contradição na própria expressão, ou também porque a lei de inércia (ausência de vida) poderia assim confundir-se facilmente com a lei de reação em toda a comunicação de movimento, mas sobretudo porque a concepção falsa dos que não estão muito informados das leis mecânicas é deste modo conservada e reforçada, concepção segundo a qual a reação dos corpos, de que se fala sob o nome de força de inércia, consistiria em que ela consuma, diminua ou destrua o movimento no mundo, e não se efetue assim a simples comunicação da mesma, porquanto o corpo motor deveria consagrar uma parte do seu movimento apenas a superar a inércia do corpo em repouso (o que seria uma pura perda) e apenas poderia pôr em movimento este último corpo com a parte restante; mas se nada lhe restasse, não poderia pelo seu choque mover o último, em virtude da sua grande massa. Nada pode resistir a um movimento a não ser o movimento oposto de outro corpo, mas não a sua imobilidade. Aqui, por conseguinte, não é a inércia da matéria, isto é, a simples impotência em mover-se por si mesma, a causa de uma resistência. Uma força particular inteiramente específica, que apenas resistisse sem poder mover um corpo, seria sob o nome de força de inércia uma palavra sem qualquer significado. Seria então mais conveniente denominar as três leis da mecânica geral assim: lei da subsistência, da inércia e da reação das matérias (lex subsistentiae, inertiae et antagonismi) em todas as suas modificações. Que tais leis e, por conseguinte, todos os teoremas da presente ciência respondam exatamente às categorias da substância da causalidade e da comunidade, na medida em que estes conceitos se aplicam à matéria, não precisa já de um ulterior comentário. Observação geral sobre a mecânica A comunicação do movimento tem lugar apenas mediante forças motrizes, que são inerentes a uma matéria também em repouso (impenetrabilidade e atração). O efeito de uma força motriz num instante sobre o corpo é a sua solicitação, a velocidade deste último produzida pela solicitação na medida em que ela pode crescer em proporção igual com o tempo, é o momento da aceleração. (Por conseguinte, o momento da aceleração deve apenas conter uma velocidade infinitamente pequena pois, de outro modo, o corpo adquiriria assim num tempo dado uma velocidade infinita - o que é impossível. De resto, a possibilidade da aceleração em geral assenta, graças à permanência do seu momento, na lei da inércia.) A solicitação da matéria por uma força expansiva (por exemplo, do ar comprimido que suporta um peso) produz-se sempre com uma velocidade finita, mas a velocidade que assim é imprimida (ou retirada) a um outro corpo só pode ser infinitamente pequena; com efeito, ela é somente uma força superficial ou, o que é idêntico, o movimento de um quantum infinitamente pequeno de matéria que deve, por conseguinte, produzir-se com uma velocidade finita para ser igual ao movimento de um corpo de massa finita com uma velocidade infinitamente pequena (a um peso). Pelo contrário, a atração é uma força penetrante e com tal força um quantum finito de matéria exerce uma força motriz sobre um quantum igualmente finito de outra matéria. A solicitação da atração deve, pois, ser infinitamente pequena porque é igual ao momento da aceleração (que deve sempre ser infinitamente pequeno) - o que não acontece na repulsão, onde uma parte infinitamente pequena da matéria deve imprimir um momento a uma parte frita. Não pode conceber-se uma atração com velocidade finita sem que a matéria houvesse de penetrar-se a si mesma pela sua própria força de atração. Com efeito, a atração que uma quantidade finita de matéria exerce sobre outra quantidade finita com uma velocidade finita deve ser superior em todos os pontos da compressão a cada velocidade finita com que a matéria reage pela sua impenetrabilidade, mas só com uma parte infinitamente pequena da quantidade da sua matéria. Se a atração fosse apenas uma força superficial, tal como se imagina a coesão, seguir-se-ia o contrário desta; no entanto, é impossível imaginá-lo assim, se é que deve haver atração verdadeira (e não uma compressão simplesmente exterior). Um corpo absolutamente duro seria aquele cujas partes se atrairiam umas às outras tão fortemente que não poderiam ser separadas por nenhum peso, nem ser modificadas na sua posição recíproca. Ora, porque as partes da matéria de tal corpo deveriam atrair-se com um momento da aceleração que, em relação ao da gravidade, seria infinito, mas finito relativamente à massa que assim é posta em movimento, a resistência mediante a impenetrabilidade, como força expansiva, já que tem lugar sempre com uma quantidade infinitamente pequena de matéria, deveria produzir-se com uma velocidade de solicitação superior a toda a velocidade finita, isto é, a matéria esforçar-se-ia por estender-se com uma velocidade infinita - o que é impossível. Pelo que um corpo absolutamente duro, isto é, um corpo que, num só instante, opusesse ao choque de um corpo que se move com velocidade finita uma resistência igual à força inteira do mesmo, é impossível. Por conseguinte, uma matéria opõe à força de um corpo em movimento finito, num instante, apenas uma resistência infinitamente pequena, por meio da sua impenetrabilidade ou coesão. Daí resulta, pois, a lei mecânica de continuidade (lex continui mecanica), a saber: em nenhum corpo, o estado de repouso ou de movimento e, neste, da velocidade ou da direção, é modificado por meio do choque num só instante, mas apenas num certo tempo, através de uma série infinita de estados intermediários, cuja diferença recíproca é inferior à do primeiro e do último. Um corpo em movimento, que embate numa matéria, não se imobiliza logo em virtude da resistência desta matéria, mas somente por um retardamento contínuo; ou o que estava em repouso só se põe em movimento apenas graças a uma aceleração contínua, ou passa de um grau determinado de velocidade para outro unicamente segundo a mesma regra; de igual modo, a direção do seu movimento não se muda para outra, formando um ângulo com a primeira, sem passar por todas as direções intermediárias possíveis, isto é, por meio do movimento numa linha curva (esta lei pode, por uma razão análoga, estender-se também à mudança do estado de um corpo, graças à atração). Esta lex continui funda-se na lei de inércia da matéria, ao passo que a lei meta física da continuidade se deveria, pelo contrário, estender a todas as mudanças em geral (tanto internas como externas); e, por conseguinte, fundar-se-ia no simples conceito de mudança em geral enquanto grandeza, e no dá sua produção (a qual, necessariamente, ocorreria num certo tempo de modo contínuo, tal como o próprio tempo); não tem aqui, porém, lugar algum. CAPÍTULO IV PRIMEIROS PRINCÍPIOS METAFÍSICOS DA FENOMENOLOGIA Definição A matéria é o móvel na medida em que, enquanto tal, pode ser objeto da experiência. Observação O movimento, como tudo o que se representa pelos sentidos, é dado apenas como fenômeno. Para que a sua representação se torne experiência, exige-se ainda que algo seja pensado pelo entendimento, a saber, que à maneira como a representação é inerente ao sujeito se acrescente ainda a determinação de um objeto por meio desta representação. Por conseguinte, o móvel como tal torna-se um objeto da experiência, quando certo objeto (aqui, pois, uma coisa material) é pensado como determinado em relação ao predicado do movimento. Mas o movimento é a mudança da relação no espaço. Há, pois, sempre aqui dois correlatos, e no fenômeno pode primeiramente atribuir-se tanto a um como ao outro a mudança, e um ou o outro pode dizer-se em movimento, porque ambas as coisas são indiferentes; ou em segundo lugar, um deve na experiência pensar-se como em movimento com a exclusão do outro; ou em terceiro lugar, ambos devem ser necessariamente representados pela razão como movidos ao mesmo tempo. No fenômeno, que nada mais contém do que a relação no movimento (segundo a sua mudança), não se inclui nenhuma destas determinações; mas se o móvel enquanto tal, a saber, segundo o seu movimento, se deve conceber de um modo determinado, isto é, em vista de uma experiência possível, é necessário indicar as condições a que o objeto (a matéria) se deve determinar de uma ou de outra maneira mediante o predicado do movimento. Não se trata aqui da transformação da aparência em verdade, mas do fenômeno em experiência; com efeito, na aparência, o entendimento com os seus juízos que determinam um objeto desempenha sempre um papel, embora esteja em perigo de tomar o subjetivo por objetivo; no fenômeno, porém, não se depara com nenhum juízo do entendimento - o que não é necessário observar não só aqui, mas em toda a filosofia, porque, ao falar-se de fenômenos (e, quanto ao significado, confunde-se esta expressão com a de aparência), é-se sempre mal compreendido. Teorema 1 O movimento retilíneo de uma matéria em relação a um espaço empírico é, diversamente do movimento oposto do espaço, um predicado simplesmente possível. A mesma coisa concebida sem relação alguma com uma matéria a ela exterior, isto é, como movimento absoluto, é impossível. Demonstração Saber se um corpo está em movimento no espaço relativo, mas este se diz imóvel ou, inversamente, se este se move com uma velocidade igual num sentido oposto, e o outro se deve chamar, pelo contrário, corpo em repouso, não é um conflito sobre o que incumbe ao objeto, mas apenas à sua relação com o sujeito, por conseguinte, ao fenômeno e não à experiência. Com efeito, se o espectador se coloca no mesmo espaço enquanto imóvel, o corpo estará para ele em movimento; se ele (pelo menos em pensamento) se coloca num outro espaço que engloba o primeiro, em relação ao qual o corpo está igualmente em repouso, é este espaço relativo que se diz em movimento. Portanto, na experiência (conhecimento que determina o objeto validamente para todos os fenômenos), não há diferença alguma entre o movimento do corpo no espaço relativo, ou a imobilidade do corpo no espaço absoluto e o movimento igual e contrário do espaço relativo. Ora, a representação de um objeto por meio de um dos dois predicados, que em relação ao objeto são do mesmo valor e só se distinguem entre si quanto ao sujeito e ao seu modo de representação, não é uma determinação segundo um juízo disjuntivo, mas simplesmente a escolha segundo um juízo alternativo (aquele primeiro juízo admite entre dois predicados, objetivamente opostos, um com exclusão do seu contrário; o segundo, porém, dos dois predicados decerto objetivamente equivalentes, mas subjetivamente opostos, aceita um sem excluir do objeto o predicado contrário, para a determinação de tal objeto - por conseguinte, por escolha simples); (Na observação geral a esta secção, insistir-se-á mais na distinção entre oposição disjuntiva e oposição alternativa. Nota do Autor.) isto é: mediante o conceito do movimento, enquanto objeto de experiência, é em si indeterminado, portanto, indiferente, se um corpo é representado em movimento no espaço relativo, ou se este espaço é representado como em movimento em relação àquele corpo. Ora, o que é indeterminado em si relativamente a dois predicados que entre si se opõem é nessa medida simplesmente possível. Por isso, o movimento retilíneo de uma matéria no espaço empírico, diversamente do movimento igual do espaço em sentido oposto, é na experiência um predicado simplesmente possível; era esse o primeiro ponto. Além disso, visto que uma relação e, por conseguinte, também uma modificação da mesma, isto é, o movimento, só pode ser objeto da experiência enquanto os dois correlatos são objetos da experiência; mas o espaço puro, a que também se chama o espaço absoluto por oposição ao espaço relativo (empírico), não é um objeto de experiência e é por toda a parte um nada; pelo que o movimento retilíneo não tem relação com qualquer coisa de empírico, isto é, o movimento absoluto é pura e simplesmente impossível - e era esse o segundo ponto. Observação Este teorema determina a modalidade do movimento no tocante à foronomia. Teorema 2 O movimento circular de uma matéria, diversamente do movimento em sentido contrário do espaço, é um predicado real da mesma; pelo contrário, o movimento oposto de um espaço relativo, tomado em vez do movimento do corpo, não é um movimento real deste último mas, se se considerar como tal, é uma simples aparência. Demonstração O movimento circular é (como todo o movimento curvilíneo) uma modificação contínua do movimento retilíneo e, visto que este é uma modificação contínua da relação quanto ao espaço exterior, o movimento circular é, pois, uma modificação da modificação destas relações exteriores no espaço, por conseguinte, um emergir contínuo de movimentos novos. Ora, uma vez que, segundo a lei da inércia, um movimento, quando se produz, deve ter uma causa exterior embora, porém, o corpo se esforce por si, em cada ponto desta circunferência (segundo a mesma lei), por seguir a linha reta tangente ao círculo, movimento esse que se opõe à causa externa, cada corpo no movimento circular demonstra assim que dispõe, graças ao seu movimento, de uma força motriz. Ora, o movimento do espaço, diferentemente do movimento do corpo, é apenas foronómico e não possui força motriz. Por conseguinte, o juízo de que, aqui, ou é o corpo ou é o espaço que se move numa direção oposta, constitui um juízo disjuntivo, por meio do qual se se põe um termo, a saber, o movimento do corpo, é excluído o outro, ou seja, o movimento do espaço; por conseguinte, o movimento circular de um corpo, diversamente do movimento do espaço, é um movimento real, portanto, o movimento do espaço, embora segundo fenômeno concorde com o primeiro, no entanto, no encadeamento de todos os fenômenos, isto é, na experiência possível, contesta-o e, por conseguinte, nada mais é do que simples aparência. Observação Este teorema determina a modalidade do movimento no tocante à dinâmica; com efeito, um movimento que não pode ter lugar sem a influência de uma força motriz exterior que age de modo contínuo demonstra, mediata ou imediatamente, a existência de forças motrizes primordiais da matéria, de atração ou de repulsão. - Além disso, pode examinar-se a este respeito o fim do escólio de Newton, a propósito das definições que ele antepôs nos seus Princípios matemáticos da filosofia natural; esclarece a partir dele que o movimento circular de dois corpos em tomo de um centro comum (por conseguinte, também a rotação da Terra em tomo do seu eixo), mesmo no espaço vazio, sem qualquer comparação possível mediante a experiência com o espaço exterior, pode, no entanto, conhecer-se por experiência, que, por conseguinte, um movimento, que é uma mudança das condições exteriores no espaço, pode fornecer-se empiricamente, embora tal espaço não seja empiricamente dado e não constitua objeto algum da experiência - paradoxo este que merece ser resolvido. Teorema 3 Em todo o movimento de um corpo pelo qual ele exerce uma ação motriz sobre outro corpo é necessário um movimento igual e contrário deste último corpo. Demonstração Segundo a terceira lei da dinâmica (teorema 4), a comunicação do movimento dos corpos só é possível pela comunidade das suas forças motrizes primordiais e esta comunidade é possível apenas por um movimento igual e oposto dos dois lados. O movimento dos dois corpos é, portanto, real. Porém, visto que a realidade deste movimento não se funda (como no segundo teorema) na influência de forças exteriores, mas resulta imediata e inevitavelmente do conceito da relação do corpo em movimento no espaço com todo o outro corpo tornado assim móvel, o movimento deste último é necessário. Observação Este teorema determina a modalidade do movimento no tocante à mecânica. - Além disso, torna-se por si evidente que estes três teoremas determinam o movimento da matéria no tocante à sua possibilidade, realidade e necessidade, por conseguinte, no que diz respeito a todas as três categorias da modalidade. Observação geral sobre a fenomenologia Surgem aqui, pois, três conceitos cujo uso na ciência geral da natureza é inevitável, cuja definição exata é por isso mesmo necessária, embora não seja tão fácil e concebível, a saber, o conceito do movimento no espaço relativo (móvel), em segundo lugar, o conceito do movimento no espaço absoluto (imóvel), em terceiro lugar, o conceito do movimento relativo em geral, diferente do movimento absoluto. A todos está subjacente o conceito do espaço absoluto. Mas como é que chegamos a este conceito singular e onde assenta a necessidade do seu uso? Não pode ser nenhum objeto da experiência; com efeito, o espaço sem matéria não é um objeto da percepção e, no entanto, é um conceito racional necessário, portanto, nada mais do que uma simples ideia. Pois, a fim de que o movimento possa também dar-se apenas como fenômeno, exige-se uma representação empírica do espaço perante o qual o móvel deve mudar a sua relação, mas importa que o espaço, que deve percepcionar-se, seja material e, por conseguinte, também móvel, em consequência do conceito de matéria em geral. Ora, para concebê-lo em movimento, basta concebê-lo como contido num espaço de maior extensão e considerar este último como em repouso. Mas pode tratar-se este espaço de igual modo em relação a um espaço ainda mais extenso, e assim até ao infinito, sem jamais chegar pela experiência a um espaço imóvel (imaterial), em relação ao qual se poderia atribuir a uma matéria qualquer movimento ou imobilidade; o conceito destas determinações relacionadas deve, porém, modificar-se constantemente conforme se considerar o móvel em relação com um ou outro destes espaços. Ora, visto que a condição para considerar algo como em repouso ou em movimento é, por seu turno, condicionada até ao infinito no espaço relativo, torna-se primeiramente evidente que todo o movimento ou repouso só pode ser relativo e não absoluto, isto é, a matéria pode conceber-se em movimento ou em repouso simplesmente em relação com a matéria, mas nunca relativamente ao espaço puro, sem matéria; por conseguinte, o movimento absoluto, isto é, um movimento que se concebe sem uma relação de matéria a outra matéria é pura e simplesmente impossível; em segundo lugar, que por isso mesmo um conceito de movimento ou de repouso, válido para todo o fenômeno no espaço relativo, é igualmente impossível; mas é preciso, pelo contrário, conceber um espaço em que o próprio espaço relativo se possa conceber como em movimento, não dependendo, porém, quanto à sua determinação, de outro espaço empírico e não sendo, por conseguinte, por seu turno condicionado, isto é, um espaço absoluto ao qual se podem referir todos os movimentos relativos no qual tudo o que é empírico é móvel a fim de que, neste mesmo espaço, todos os movimentos do elemento material se possam considerar como simplesmente relativos uns aos outros, como mutuamente alternativos, (Em lógica, o ou - ou indica sempre um juízo disjuntivo; pois, se um dos termos é verdadeiro, o outro deve ser falso. Por exemplo, um corpo ou está em movimento ou não está, isto é, encontra-se em repouso. Com efeito, fala-se unicamente da relação do conhecimento ao objeto. Na doutrina dos fenômenos, onde o que Importa e a relação ao sujeito, para segundo ela determinar a relação dos objetos, as coisas passam-se de maneira diferente. Com efeito, neste caso, a proposição: o corpo está em movimento e o espaço imóvel ou, inversamente - não é uma proposição disjuntiva no sentido objetivo, mas apenas no sentido subjetivo, e os dois juízos nela incluídos têm um valor alternativo. Justamente na mesma fenomenologia, onde o movimento não se considera apenas do ponto de vista foronómico, mas antes dinâmico, a proposição disjuntiva deve, pelo contrário, tomar-se em sentido objetivo; isto é, em vez da rotação de um corpo, não posso admitir a sua imobilidade e, em contrapartida, o movimento oposto do espaço. Mas se se considera o movimento mesmo do ponto de vista mecânico (como quando um corpo se desloca contra outro aparentemente em repouso), é preciso em relação ao objeto usar distributivamente o juízo disjuntivo mesmo segundo a forma, de modo que o movimento não deve atribuir-se a um ou a outro, mas em igual medida a cada um. A distinção das determinações alternativa, disjuntiva e distributiva de um conceito, no tocante a predicados contrários, tem a sua importância, mas não pode aqui explicar-se com maior amplidão. (Nota do Autor) mas nenhum como movimento ou repouso absolutos (pois, ao dizer-se que um dos corpos está em movimento, o outro, em relação ao qual ele se move, é, no entanto, representado como pura e simplesmente imóvel). O espaço absoluto não é, pois, necessário como conceito de um objeto real, mas como uma ideia que deve servir de regra para considerar em si todo o movimento como puramente relativo, e todo o movimento e repouso se devem reduzir ao espaço absoluto, se se quiser transformar o seu fenômeno num conceito de experiência determinado (que une todos os fenômenos). Assim se reduz o movimento retilíneo de um corpo no espaço relativo ao espaço absoluto, se eu conceber o corpo como imóvel em si e o espaço relativo em movimento em sentido contrário no espaço absoluto (que não é apreendido pelos sentidos); e se eu conceber esta representação como aquela que proporciona precisamente o mesmo fenômeno; deste modo, com efeito, todos os fenômenos possíveis dos movimentos retilíneos, que um corpo pode talvez ter ao mesmo tempo, se reportam ao conceito de experiência que os une a todos, a saber, ao conceito do movimento e do repouso simplesmente relativos. O movimento circular, porque, de acordo com o segundo teorema, pode proporcionar-se na experiência mesmo sem relação com o espaço externo empiricamente dado, enquanto movimento real, parece, no entanto, ser na realidade um movimento absoluto. Com efeito, o movimento relativo, no tocante ao espaço exterior (por exemplo, a rotação da Terra em torno do seu eixo relativamente às estrelas do firmamento) é um fenômeno em cujo lugar se pode pôr, como a ele inteiramente equivalente, o movimento deste espaço (o firmamento) em sentido contrário e no mesmo tempo; porém, segundo este teorema, de nenhum modo se pode pôr no seu lugar na experiência, por conseguinte, aquela rotação circular também não se deve representar como exteriormente relativa - o que parece querer dizer que este gênero de movimento se deve considerar como absoluto. No entanto, importa notar bem que aqui se fala do movimento verdadeiro (real), mas que não aparece como tal e que, por conseguinte, se se pretendesse julgá-lo apenas segundo as relações empíricas ao espaço, poderia considerar-se como em repouso, isto é, que se trata do movimento verdadeiro, diferente da aparência, mas não do movimento absoluto em oposição ao movimento relativo; por conseguinte, o movimento circular, embora não mostre decerto, no fenômeno, qualquer mudança de lugar, isto é, uma mudança foronómica da relação do corpo em movimento ao espaço (empírico), contudo, manifesta uma modificação dinâmica contínua demonstrável pela experiência da relação da matéria no seu espaço, por exemplo, como efeito do movimento circular, uma atenuação constante da atração em virtude de uma tendência para fugir, e assim distingue mais seguramente este movimento da aparência. Pode, por exemplo, representar-se a Terra como girando em torno do seu eixo no espaço vazio infinito e demonstrar assim este movimento por meio da experiência, embora nem a relação das partes da Terra entre si nem a sua relação com o espaço fora dela se modifique foronomicamente, isto é, no fenômeno: Com efeito, no tocante ao primeiro enquanto espaço empírico, nada sobre a e na Terra muda de lugar, e a respeito do segundo, que é inteiramente vazio, não pode haver qualquer relação alterada exterior, por conseguinte, também não fenômeno algum de movimento. No entanto, se para mim representar uma cavidade profunda que se prolongue até ao centro da Terra e se aí deixar cair uma pedra e descobrir que, embora em toda a distância do centro a gravidade se dirige sempre para este ponto, a pedra se desvia constantemente, na sua queda, da direção perpendicular e, claro está, do Ocidente para Oriente, concluo então que a Terra gira em torno do eixo do Ocidente para Oriente. Ou se também exteriormente afastado mais a pedra da superfície da Terra e ela não permanece em cima do mesmo ponto da superfície, mas dele se afasta desde o Ocidente para Oriente, deduzirei a mesma rotação da Terra em torno do seu eixo e ambas as observações serão suficientes para a demonstração da realidade deste movimento; a modificação da relação com o espaço exterior (o Céu estrelado) não basta, porque é um puro fenômeno, que pode derivar de duas razões na realidade opostas e não é um conhecimento inferido do princípio explicativo de todos os fenômenos desta mudança, isto é, a experiência. Este movimento, embora não seja nenhuma mudança da relação com o espaço empírico, não é, contudo, um movimento absoluto, mas uma modificação contínua das relações das matérias entre si, se bem que representada no espaço absoluto; por conseguinte, é realmente um movimento só relativo e, por isso mesmo, somente um movimento verdadeiro - o que assenta na representação do afastamento recíproco e contínuo entre cada parte da Terra (fora do eixo) e a parte que lhe é diametralmente oposta a igual distância do centro. Com efeito, este movimento é real no espaço absoluto, porquanto a diminuição do suposto afastamento, que a gravidade por si só faria sofrer ao corpo, é assim constantemente compensada, decerto sem qualquer causa dinâmica repulsiva (como se pode ver pelo exemplo escolhido por Newton, Princípios matemáticos da filosofia natural, p. 10, edição 1714), (Eis o que ele diz: “Motus quidem veros corpo rum singulorum cognoscere et ab apparentibus actu discriminare difficillimum est: propterea, quod partes spatii illius immobilis, in quo corpora vere moventur, non incurrunt in sensus. Causa tamen non est prorsus desperata.” (Conhecer os movimentos verdadeiros dos corpos singulares e diferenciá-los efetivamente dos aparentes é muito difícil: porque as partes daquele espaço imóvel, em que os corpos verdadeiramente se movem, não afetam os sentidos. Contudo, a coisa não é plenamente desesperada.) E então ele faz girar no espaço vazio, à volta do seu centro de gravidade comum, duas bolas ligadas por um fio e mostra como se pode, no entanto, encontrar por experiência a realidade do seu movimento bem como a sua direção. Procurei mostrar isto também para a Terra girando em torno do seu eixo, em circunstâncias ligeiramente modificadas. Nota do Autor.) por um movimento real, mas referido apenas ao espaço contido no interior da matéria em movimento (isto é, o seu centro), e não ao espaço exterior. No tocante ao caso do terceiro teorema, não há necessidade, para mostrar a verdade do movimento reciprocamente oposto e igual dos dois corpos mesmo sem ter em conta o espaço empírico, de recorrer sequer à influência dinâmica ativa (da gravidade, ou de um fio esticado) fornecida pela experiência e requerida no segundo caso, mas a simples possibilidade dinâmica de tal influência, enquanto propriedade da matéria (a repulsão ou a atração), suscita, após o movimento de uma das matérias, ao mesmo tempo um movimento igual e oposto da outra; e, claro está, a partir de simples conceitos de um movimento relativo, quando se considera no espaço absoluto, isto é, segundo a verdade; eis aí, pois, como tudo o que é suficientemente demonstrável por simples conceitos, uma lei do movimento recíproco absolutamente necessário. Também não é, portanto, um movimento absoluto, quando se concebe um corpo em movimento em relação a outro no espaço vazio; o movimento dos dois corpos não se considera aqui como relativo ao espaço que os rodeia, mas ao espaço que entre eles se encontra e que somente determina a sua relação exterior recíproca, considerado como espaço absoluto; e é, pois, por seu turno, apenas relativo. Movimento absoluto seria, pois, apenas o que adviria a um corpo sem uma relação com qualquer outra matéria. Tal movimento seria unicamente o movimento retilíneo de todo o Universo, isto é, do sistema de toda a matéria. Com efeito, se fora de uma matéria existisse ainda outra, mesmo separada pelo espaço vazio, o movimento seria já relativo. Eis porque toda a demonstração de uma lei de movimento, que chega a afirmar que a proposição contrária devia ter como consequência o movimento retilíneo de todo o edifício cósmico, é uma prova apodíctica da verdade de tal lei, simplesmente porque daí se seguiria um movimento absoluto, que é de todo impossível. Uma lei assim é a do antagonismo em toda a comunidade da matéria pelo movimento. Com efeito, toda a infração a esta lei deslocaria o centro de gravidade comum de toda a matéria, por conseguinte, todo o edifício cósmico, o que pelo contrário não aconteceria, se se quisesse representar o Universo como girando em torno do seu eixo; é sempre possível conceber este movimento, embora a sua suposição, tanto quanto se pode prever, seria desprovida de toda a utilidade imaginável. Aos diferentes conceitos do movimento e das forças motrizes referem-se também os diversos conceitos de espaço vazio. Do ponto de vista foronômico, o espaço vazio, que também se chama espaço absoluto, não deveria em verdade chamar-se espaço vazio; com efeito, ele é apenas a ideia de um espaço em que eu abstraio de toda a matéria particular, que o constitui como objeto da experiência, para nele conceber o espaço material, ou todo o espaço empírico, ainda como móvel e, por conseguinte, para conceber o movimento não apenas como um predicado absoluto, mas sempre sob forma recíproca, como predicado simplesmente relativo. Portanto, semelhante espaço não é nada que pertença à existência das coisas, mas somente à determinação dos conceitos e nessa medida não existe nenhum espaço vazio. Do ponto de vista dinâmico, o espaço vazio é o que não está cheio, isto é, aquele em que nada de móvel resiste à penetração de outro móvel, onde, por conseguinte, nenhuma força repulsiva atua; e ele pode ser ou o espaço vazio no mundo (vacuum mundanum), ou, se este se representar como limitado, o espaço vazio fora do mundo (vacuum extramundanum); o primeiro pode igualmente representar-se como disseminado (vacuum disseminatum, que constitui apenas uma parte do volume da matéria), ou como espaço vazio acumulado (vacuum coacervatum, que separa os corpos uns dos outros, por exemplo, os corpos cósmicos); mas esta distinção, por assentar apenas na diferença dos lugares que se atribuem ao vazio no mundo, não é absolutamente essencial; utiliza-se, porém, como um propósito diferente: o primeiro vazio serve para deduzir a diferença específica da densidade; o segundo, para deduzir a possibilidade no espaço cósmico de um movimento isento de toda a resistência exterior. Já se mostrou, na observação geral sobre a dinâmica, que não é necessário admitir o espaço vazio no primeiro propósito; mas que ele seja impossível, eis o que não se pode provar de modo algum a partir do conceito, segundo o princípio de contradição. No entanto, se aqui não se pudesse encontrar razão puramente lógica para o rejeitar, poderia, apesar de tudo, haver uma razão física geral para o excluir da ciência da natureza, a saber, a da possibilidade da composição de uma matéria em geral, se a última apenas se discernisse melhor. Com efeito, se a atração, que se admite para explicar a coesão da matéria, fosse apenas uma atração aparente, não verdadeira, se fosse antes, por exemplo, simplesmente o efeito de uma compressão em virtude de uma matéria exterior, por toda a parte espalhada no espaço cósmico (o éter), a qual também é obrigada a exercer esta pressão graças a uma atração universal e primordial, a saber, a gravitação - opinião que tem por si muitas razões - então o espaço vazio no interior das matérias seria impossível, se não logicamente, pelo menos por razões dinâmicas e, por conseguinte, físicas, porque toda a matéria se expandiria por si mesma nos espaços vazios que, por suposição, haveria nela (já que nada aqui resiste à força expansiva) e sempre os manteria cheios. Um espaço vazio fora do mundo, se por mundo se entende o conjunto de todas as matérias atrativas por excelência (os grandes corpos cósmicos), seria impossível por razões idênticas; porque, à medida que o seu afastamento aumenta, também a sua força atrativa sobre o éter (que rodeia todos os corpos e, impelido por aquela força, os conserva por compressão na sua densidade) diminui em proporção inversa, e o éter diminuiria então em densidade até ao infinito, mas não deixaria em nenhum lado o espaço inteiramente vazio. Ninguém deve estranhar que, nesta diminuição do espaço vazio, se lide com hipóteses; as coisas não se passam melhor quando se trata de afirmá-lo. Os que ousam decidir-se dogmaticamente a propósito desta questão litigiosa, quer se pronunciem pela afirmação ou pela negação, apoiam-se em última análise em simples pressupostos metafísicos, como se pode ver pela dinâmica, e era pelo menos necessário mostrar aqui que eles não podem decidir a questão. Em terceiro lugar, no tocante ao espaço vazio sob o ponto de vista mecânico, ele é o vazio acumulado no interior do Universo para proporcionar aos corpos cósmicos o movimento livre. Facilmente se vê que a possibilidade ou a impossibilidade deste vazio não assenta em razões metafísicas, mas no mistério da natureza difícil de penetrar, a saber, de que modo a matéria chega a limitar a sua própria força expansiva. No entanto, se se admitir o que foi dito, na observação geral sobre a dinâmica; acerca da expansão possível até ao infinito de matérias especificamente diferentes, mantendo-se a mesma quantidade da matéria (quanto ao peso), seria desnecessário admitir um espaço vazio para permitir o movimento livre e duradoiro dos corpos cósmicos, porque a resistência, até em espaços inteiramente cheios, pode então conceber-se tão pequena quanto se pretender. E assim a teoria metafísica dos corpos termina com o vazio e, por isso mesmo, com o incompreensível; e aqui ela sofre o mesmo destino que todas as outras tentativas da razão quando, no retorno aos princípios, aspira aos primeiros fundamentos das coisas; pois a sua natureza é tal que nunca pode apreender algo a não ser enquanto é determinado sob certas condições dadas, por conseguinte, não pode ater-se ao condicionado nem abranger o incondicionado e, se a ânsia de saber a incita a apreender a totalidade absoluta de todas as condições, nada mais lhe resta do que desviar-se dos objetos para si mesma a fim de indagar e determinar em vez do limite derradeiro das coisas, o último limite do seu próprio poder, abandonado a si mesmo.