Immanuel Kant – Progressos da Metafísica ÍNDICE Prefácio TRATADO Primeira secção. História da filosofia transcendental na nossa época Dos conceitos a priori Da extensão do uso teorético-dogmático da razão pura De como proporcionar realidade objetiva aos puros conceitos do entendi mento e da razão Da falácia de tentar garantir realidade objetiva aos conceitos do entendimento, prescindindo da sensibilidade. Segunda secção. Do que se conseguiu, desde a época de Leibniz e de Wolff, em relação ao objeto da metafísica, isto é, do seu fim último. Primeiro estádio da metafísica Segundo estádio da meta física Terceiro estádio da meta física Solução do problema acadêmico Que progressos pode a metafísica fazer relativamente ao suprassensível Teologia transcendente Passagem da metafísica ao suprassensível, depois da época de Leibniz e Wolff Pretensos progressos teórico-dogmáticos na teologia moral, durante a época de Leibniz e Wolff O pretenso progresso teórico-dogmático da metafísica na psicologia, durante a época de Leibniz e de Wolff Apêndice para lima sinopse do todo Suplementos: Início deste escrito segundo o terceiro manuscrito. Introdução Tratado Primeira secção. Do problema geral da razão que a si mesma se submete a uma critica Segunda secção, Determinação da tarefa proposta relativamente às faculdades de conhecer, que em nós constituem a razão pura. O segundo estádio da metafísica Notas marginais Folhas soltas PRIMEIRO MANUSCRITO PREFÁCIO A Academia real das ciências pede que se enumerem os progressos de uma parte da filosofia, numa parte da Europa erudita e também para uma parte do século presente. Parece ser uma tarefa de fácil solução, pois diz apenas respeito à história; e assim como os progressos da astronomia e da química, enquanto ciências empíricas, já encontraram os seus historiadores, e tal como os da análise matemática ou da pura mecânica, que se fizeram no mesmo país e na mesma época, também depressa (se se quiser) encontrarão os seus, parece, portanto, haver pouca dificuldade relativamente à ciência de que aqui se fala. Mas esta ciência é a metafísica - o que altera totalmente a questão. E um mar sem margens no qual o progresso não deixa vestígio algum e cujo horizonte não encerra nenhuma meta visível pela qual seja possível perceber até que ponto dela nos aproximamos. - Em vista desta ciência, que quase sempre existiu apenas na Ideia, a tarefa proposta é muito árdua e quase unicamente se pode duvidar da possibilidade da sua solução; e, mesmo que se conseguisse alcançar, a condição prescrita ainda aumenta mais a dificuldade de expor concisamente os progressos que ela fez. Com efeito, a metafísica é, segundo a sua essência e intenção última, um todo completo: ou nada, ou tudo; o que se exige para o seu fim último não pode, pois, como acontece na matemática ou na ciência natural empírica que progridem sempre indefinidamente, ser tratado de modo fragmentário. - Apesar de tudo, queremos tentar. A primeira e mais necessária questão é esta: o que é que a razão pretende realmente com a metafísica? Que fim último visa ela na sua elaboração? Efetivamente, é o grande fim último, talvez o maior, mais ainda, o único, que a razão pode ter em vista na sua especulação, porque todos os homens aí têm maior ou menor parte, e não se compreende porque é que, não obstante a sempre manifesta esterilidade dos seus esforços neste campo, era inútil gritar-lhes que teriam, alguma vez, de deixar de rolar incessantemente esta pedra de Sísifo, se o interesse, que a razão aí possui, não fosse o mais íntimo que ter se pode. O fim último, a que se vota toda a metafísica, é fácil de descobrir e pode a este respeito estabelecer-se dela uma definição: “é a ciência que opera, mediante a razão, a passagem do conhecimento do sensível ao do suprassensível”. No sensível, porém, integramos não só aquilo cuja representação se considera em relação aos sentidos, mas também ao entendimento, contanto que os puros conceitos deste último se concebam apenas na sua aplicação a objetos dos sentidos, por conseguinte, em vista de uma experiência possível; portanto, o não sensível, por ex., o conceito de causa, que tem sua sede e origem no entendimento, pode, enquanto é o meio do conhecimento de um objeto, dizer-se que pertence ao domínio do sensível, isto é, aos objetos dos sentidos. A ontologia é a ciência (enquanto parte da metafísica) que constitui um sistema de todos os conceitos do entendimento e dos princípios, mas só na medida em que se referem a objetos que podem ser dados aos sentidos e, portanto, justificados pela experiência. Ela não toca no suprassensível que, no entanto, é o fim último da metafísica; insere-se nesta só como propedêutica, como o vestíbulo ou a antecâmara da metafísica propriamente dita; e chama-se filosofia transcendental, porque contém as condições e os primeiros elementos de todo o nosso conhecimento a priori. Pouco progresso nela se realizou desde os tempos de Aristóteles. Assim como uma gramática é a análise de uma forma linguística nas suas regras elementares, ou a lógica, uma resolução semelhante da forma de pensamento, assim também ela é uma resolução do conhecimento nos conceitos que residem a priori no entendimento e têm o seu uso na experiência - um sistema, cuja árdua elaboração se pode poupar, se se observarem simplesmente as regras do legítimo uso destes conceitos e princípios em vista do conhecimento de experiência, porque a experiência o confirma ou retifica sempre - o que não sucede quando se tenciona passar do sensível para o suprassensível; para tal propósito, deve, sem dúvida, fazer-se com minúcia e cuidado a medida do poder do entendimento e dos seus princípios, a fim de saber de onde e com que bastão poderá a razão aventurar-se a passar dos objetos da experiência para os que o não são. Ora, no tocante à ontologia, tem méritos incontestáveis o famoso Wolff pela clareza e precisão na análise daquela faculdade, mas não quanto à extensão do seu conhecimento, porque a matéria estava esgotada. Mas a definição supramencionada, que apenas indica o que se pretende com a meta física e não o que nela se deve fazer, distingui-la-ia apenas das outras doutrinas como um ensinamento próprio da filosofia, no significado específico da palavra, isto é, doutrina da sabedoria, e prescreveria os seus princípios ao uso prático absolutamente necessário da razão - o que constitui apenas uma relação indireta à metafísica entendida como uma ciência escolástica e um sistema de certos conhecimentos teóricos a priori, e que se tornou uma ocupação imediata. Pelo que a definição da metafísica, segundo o conceito da escola, será esta: - é o sistema de todos os princípios do conhecimento mediante conceitos da razão pura teórica; ou, numa palavra: é o sistema da filosofia pura teórica. Não contém, pois, nenhumas doutrinas práticas da razão pura, mas as doutrinas teóricas, que fundam a sua possibilidade. Não contém proposições matemáticas, isto é, proposições que produzem o conhecimento racional pela construção dos conceitos, mas, sim, os princípios da possibilidade de uma matemática em geral. Nesta definição, porém, entende-se por razão unicamente a faculdade do conhecimento a priori, isto é, que não é empírico. Ora, a fim de se ter um critério para avaliar o que recentemente aconteceu na metafísica, importa comparar, por um lado, o que desde sempre nela se fez e, por outro, ambos [os resultados] com o que aí se deveria ter feito. - Mas poderemos ter em conta e considerar como progresso, isto é, como um sucesso negativo, o retorno refletido e intencional às máximas do modo de pensar, porque, mesmo que assim se tratasse apenas da eliminação de um erro muito enraizado e amplamente difundido quanto às suas consequências, se pode operar algo para o maior bem da metafísica, da mesma maneira que aquele que, tendo-se transviado do reto caminho e havendo regressado ao lugar de que saíra para retomar o seu compasso, é ao menos louvado por não ter prosseguido pela senda errada, nem ter ficado parado, mas ter volvido ao ponto de partida, para se orientar. Os primeiros e mais antigos passos na metafísica não se ousaram como simples tentativas refletidas, mas ocorreram com plena confiança, sem antes se empreenderem cuidadosas inquirições acerca da possibilidade do conhecimento a priori. Qual foi a causa de tal confiança da razão em si própria? O sucesso presumido. Na matemática, com efeito, a razão consegue conhecer a priori a constituição das coisas a priori, muito para além de toda a expectativa dos filósofos; porque não havia de caber à filosofia o mesmo êxito? A matemática evolui no terreno do sensível em que a própria razão pode construir os seus conceitos, isto é, apresentá-los a priori na intuição e assim conhecer a priori os objetos; a filosofia, pelo contrário, empreende um alargamento do conhecimento da razão por simples conceitos [num domínio] onde não é possível, como além, pôr diante de si os seus objetos, mas, por assim dizer, sobre nós pairam como no ar; aos metafísicos não ocorreu, em vista da possibilidade do conhecimento a priori, fazer desta enorme diferença um problema importante. A extensão do conhecimento a priori, mesmo fora da matemática, mediante simples conceitos e o seu conteúdo de verdade provam-se suficientemente pela consonância de tais juízos e princípios com a experiência. Ora, apesar de o suprassensível, para o qual tende, no entanto, o fim último da razão na metafísica, não possuir solo algum para o conhecimento teórico, os metafísicos prosseguiram mesmo assim confiadamente no seu caminho, guiados pelo fio condutor dos seus princípios ontológicos, que são, sem dúvida, de uma origem a priori, mas só valem para objetos da experiência; e embora a suposta aquisição de vistas transcendentes por esta via não possa ser confirmada por experiência alguma, também não podia, justamente por se ater ao suprassensível, ser impugnada por nenhuma experiência: importava apenas atender a que, nos seus juízos, não se deixasse entrar nenhuma contradição consigo mesmo, o que é perfeitamente factível, mesmo que tais juízos e os conceitos que lhes subjazem possam, de resto, ser totalmente vazios. Este rumo dos dogmáticos, que provém de uma época ainda mais antiga do que a de Platão e Aristóteles e que engloba mesmo a de um Leibniz e de um Wolff, é, se não o correto, pelo menos o mais natural segundo o fim da razão e a persuasão aparente de que tudo o que a razão empreende, por analogia com o procedimento que lhe trouxe o êxito, lhe deve igualmente trazer o sucesso. O segundo passo da metafísica, quase tão antigo [como o primeiro], foi, pelo contrário, um retrocesso, que teria sido sábio e vantajoso para a metafísica, se ele se prestasse a ser apenas ponto inicial de partida e não para aí permanecer, com a resolução de não buscar mais nenhum progresso, mas antes de o demandar numa nova direção. Este retrocesso, que aniquila todos os projetos ulteriores, baseava-se no insucesso total de todas as tentativas levadas a cabo na metafísica. Mas onde se podia conhecer o insucesso e o colapso dos seus grandes projetos? É porventura a experiência, que os contradizia? De modo nenhum! Pois, o que a razão afirma como extensão a priori do seu conhecimento dos objetos da experiência possível, tanto na matemática como na ontologia, são passos reais em frente e devido aos quais ela está segura de ganhar terreno. Não, são conquistas intentadas e supostas no campo do suprassensível, onde é sobre a totalidade absoluta da natureza, por nenhum sentido apreendida, e igualmente sobre Deus, a liberdade e a imortalidade que versa a questão, a qual concerne principalmente a estes três últimos objetos; a razão nutre a seu respeito um interesse prático e em vista deles fracassam todas as tentativas de extensão - eis o que divisamos não por um mais profundo conhecimento do suprassensível, enquanto metafísica superior, que nos ensina o contrário daquelas opiniões, pois não as conhecemos como transcendentes, mas, sim, pela existência, na nossa razão, de princípios que opõem a toda a proposição extensiva acerca de tais objetos uma proposição antagônica, aparentemente bem fundada, e porque é a própria razão que aniquila as suas tentativas. Este rumo dos cépticos é, naturalmente, algo de origem tardia, mas, apesar de tudo, assaz antigo; e, ao mesmo tempo, continua a existir por toda a parte em muito boas cabeças, embora um interesse diferente do da razão pura obrigue muitos a dissimular aqui a impotência da razão. A extensão da doutrina da dúvida aos próprios princípios do conhecimento do sensível e à própria experiência, não pode considerar-se uma opinião séria, que teria tido lugar em alguma época da filosofia, mas tornou-se talvez, para os dogmáticos, um desafio a demonstrar os princípios a priori em que se baseia a própria possibilidade da experiência e, dada a incapacidade de tal conseguirem, a representar também a última como duvidosa. O terceiro e mais recente passo que a metafísica deu e que deve decidir o seu destino é a própria crítica da razão pura, no tocante ao seu poder de alargar a priori o conhecimento humano em geral, quer em relação ao sensível ou ao suprassensível. Se ela realizou o que promete, a saber, determinar o alcance, o conteúdo e as fronteiras desse poder, - se o levou a cabo na Alemanha e, justamente, desde a época de Leibniz e de Wolff, então resolver-se-ia o problema posto pela Academia real das ciências. Há, pois, três estádios que a filosofia devia percorrer em vista da metafísica. O primeiro era o estádio do dogmatismo; o segundo, o do cepticismo; o terceiro, o do criticismo da razão pura. Esta ordem cronológica funda-se na natureza da humana faculdade de conhecer. Depois de cobertos os dois primeiros, o estado da metafísica pode manter-se oscilante ao longo de muitas gerações, saltando de uma confiança ilimitada da razão em si mesma para a suspeita ilimitada e, de novo, desta para aquela. Mas, mediante uma crítica do seu próprio poder, colocar-se-ia ela num estado consistente, não só no exterior, mas também internamente, não precisando, além disso, ou mesmo já nem sequer sendo capaz, de uma extensão ou de uma restrição. TRATADO A solução do problema em causa pode apresentar-se em duas secções: uma propõe o elemento formal do procedimento da razão; enquanto é uma ciência teorética; a outra deriva deste procedimento o elemento material - o fim último, que• a razão visa com a metafísica, quer ele seja ou não alcançado. A primeira parte apresentará apenas os passos que recentemente se deram em direção à metafísica: a segunda, o próprio progresso da metafísica no campo da razão pura. A primeira contém o novo estado da filosofia transcendental; a segunda, o da metafísica propriamente dita. PRIMEIRA SECÇÃO HISTÓRIA DA FILOSOFIA TRANSCENDENTAL NA NOSSA ÉPOCA O primeiro passo, que teve lugar nesta investigação da razão, foi a distinção entre os juízos analíticos e sintéticos em geral. - Se ela tivesse sido claramente conhecida nos tempos de Leibniz e de Wolff, encontraríamos esta distinção não só mencionada em qualquer Lógica ou Metafísica desde então publicada, mas também sublinhada como importante. Com efeito, o juízo do primeiro tipo é sempre um juízo a priori e conexo com a consciência da sua necessidade. O segundo pode ser empírico e a lógica não pode indicar a condição sob a qual teria lugar um juízo sintético a priori. O segundo passo consiste em unicamente se ter lançado a questão: como são possíveis juízos sintéticos a priori? Que eles existem, provam-no numerosos exemplos da ciência geral da natureza, e sobretudo da matemática pura. Hume tem já o mérito de aduzir um caso, a saber, o da lei da causalidade, pelo qual meteu em dificuldades todos os metafísicos. Que aconteceria se ele, ou qualquer outro, tivesse proposto os [casos] na sua generalidade? Haveria que pôr de lado toda a metafísica até se resolver a questão. O terceiro passo é o problema: “Como é possível um conhecimento a priori por juízos sintéticos?” O conhecimento é um juízo do qual brota um conceito que tem realidade objetiva, isto é, ao qual se pode dar um objeto correspondente na experiência. Toda a experiência, porém, consta da intuição de um objeto, isto é, de uma representação imediata e única, pela qual o objeto é dado como que ao conhecimento, e de um conceito, isto é, de uma representação mediata numa característica que é comum a vários objetos, podendo ele assim ser pensado. - Por si só, nenhum dos dois tipos de representações constitui um conhecimento; e se deve haver conhecimentos sintéticos a priori, devem então dar-se também intuições e conceitos a priori, de que importa, primeiro, explicar a sua possibilidade e, em seguida, demonstrar a sua realidade objetiva através do seu uso necessário em vista da possibilidade da experiência. Uma intuição, que deve ser possível a priori, pode apenas concernir à forma sob a qual o objeto é intuído; pois, representar-se algo a priori significa fazer-se dele uma representação antes da percepção, isto é, antes da consciência empírica e independentemente da mesma. Mas o empírico na percepção, a sensação ou a impressão, é a matéria da intuição, na qual, portanto, a intuição não seria uma representação a priori. Ora, tal intuição, que simplesmente concerne à forma, chama-se intuição pura, a qual, se houver de ser possível, terá de ser independente da experiência. Não é, porém, a forma do objeto, tal como é em si, mas a forma do sujeito, a saber, do sentido, seja de que espécie for a representação de que ele é capaz, a que torna possível a intuição a priori. Com efeito, se a forma houvesse de tirar-se dos próprios objetos, deveríamos previamente percepcioná-los e só nesta percepção nos poderíamos tornar conscientes da sua natureza. Mas, então, seria uma intuição empírica a priori. De se ela é ou não a priori em breve nos poderemos convencer, se atendermos a que o juízo, que atribui esta forma ao objeto, traz ou não consigo a necessidade, pois, no último caso, é simplesmente empírico. A forma do objeto, tal como se pode representar apenas numa intuição a priori, não se funda, pois, na natureza do objeto em si, mas na constituição natural do sujeito, que é capaz de instituir uma representação intuitiva do objeto; e este [elemento] subjetivo na natureza formal do sentido, enquanto receptividade para a intuição de um objeto, é aquilo que unicamente torna possível a priori, isto é, anteriormente a toda a percepção, a intuição a priori; e, doravante, esta última e a possibilidade de juízos sintéticos a priori podem compreender-se bem pelo lado da intuição. Pode, pois, saber-se a priori como e sob que forma os objetos dos sentidos serão intuídos, a saber, segundo a forma subjetiva da sensibilidade, isto é, da receptividade do sujeito para a intuição desses objetos, e, rigorosamente, não se deveria dizer que a forma do objeto é por nós representada na intuição pura, mas que se trata da condição simplesmente formal e subjetiva da sensibilidade, sob a qual intuímos a priori os objetos dados. Eis, pois, a natureza própria da nossa intuição (humana), na medida em que nos é possível a representação dos objetos só como seres sensíveis. Poderíamos, sem dúvida, imaginar uma espécie de representação imediata (direta) de um objeto que não intua os objetos segundo as condições da sensibilidade, mas só mediante o entendimento. Mas dela não temos nenhum conceito consistente; contudo, importa pensar uma assim a fim de não sujeitarmos à nossa forma de intuição todos os seres que têm uma faculdade de conhecer. Pois, pode acontecer que alguns seres mundanos consigam intuir os mesmos objetos sob outra forma; é igualmente possível que essa forma seja, e de modo necessário, a mesma em todas as criaturas; e, no entanto, não discernimos melhor esta necessidade do que a possibilidade de um entendimento supremo que, isento, no seu conhecimento, de toda a sensibilidade e, ao mesmo tempo, da necessidade de conhecer por conceitos, conhece perfeitamente os objetos na simples intuição (intelectual). Ora, a crítica da razão pura prova que as representações de espaço e tempo são intuições puras e tais como exigíamos que deveriam ser para servir de fundamento a priori a todo o nosso conhecimento das coisas, e posso a ela votar-me confiadamente, sem me preocupar com as objeções. Quero apenas observar ainda que, em relação ao sentido interno, o duplo Eu na consciência de mim mesmo, a saber, o da intuição sensível interna e o do sujeito pensante, parece a muitos pressupor dois sujeitos numa pessoa. Eis, pois, a teoria: espaço e tempo nada mais são do que formas subjetivas da nossa intuição sensível e de modo algum determinações próprias dos objetos em si; e precisamente por isso, podemos determinar a priori estas nossas intuições pela consciência da necessidade dos juízos quando os determinamos, como, por exemplo, na geometria. Determinar, porém, significa julgar sinteticamente. Esta teoria pode chamar-se a doutrina da idealidade do espaço e do tempo, porque são representados como algo que não está inerente às coisas em si - doutrina que não é simples hipótese de poder explicar a possibilidade do conhecimento sintético a priori, mas verdade demonstrada, porque é absolutamente impossível estender o seu conhecimento para além do conceito dado sem recorrer a alguma intuição e, se tal alargamento deve ter lugar a priori, sem recorrer a uma intuição a priori; e uma intuição a priori é, por seu turno, impossível sem a procurar na constituição formal do sujeito, não na do objeto, porque, sob o pressuposto da primeira, todos os objetos dos sentidos são representados na intuição em conformidade com ela, por conseguinte, devem ser conhecidos a priori e, de acordo com esta natureza, como necessários, ao passo que, se se aceitasse a última, os juízos sintéticos a priori seriam empíricos e contingentes - o que é contraditório. No entanto, a idealidade do espaço e do tempo é simultaneamente uma doutrina da sua realidade perfeita em relação aos objetos dos sentidos (externos e interno) enquanto fenômenos, isto é, como intuições, na medida em que a sua forma depende da natureza subjetiva dos sentidos, cujo conhecimento, por se fundar em princípios a priori da intuição pura, permite uma ciência segura e demonstrável; por conseguinte, o [elemento] subjetivo, o que concerne à natureza da intuição sensível quanto ao seu [elemento] material, a saber, a sensação (por exemplo, corpo colorido sob a luz, sonoro quando ressoa, ou ácido se condimentado, etc.), permanece simplesmente subjetivo e não propõe, na intuição empírica, nenhum conhecimento do objeto, por conseguinte, nenhuma representação válida para todos, e dele não pode fornecer exemplo algum por não conter, como o espaço e tempo, dados para conhecimentos a priori e por não se considerarem, em geral, como conhecimento dos objetos. Além disso, há ainda a notar que um fenômeno, tomado em sentido transcendental, quando das coisas se diz - são fenômenos -, é um conceito com um significado inteiramente diverso de quando eu digo - esta coisa aparece-me assim ou assado - o que deve indicar a manifestação física, e se pode chamar aparência. Pois, na linguagem da experiência, os objetos dos sentidos, visto que os posso comparar apenas com outros objetos dos sentidos, por ex., o céu com todas as suas estrelas, embora seja justamente um simples fenômeno, são pensados como coisas em si; e ao dizer-se que ele tem o aspecto de uma abóbada, a aparência significa aqui o [elemento] subjetivo na representação de uma coisa, o que pode ser uma causa de, num juízo, falsamente o considerar objetivo. E assim a proposição - todas as representações dos sentidos nos dão apenas a conhecer os objetos como fenômenos - não coincide com o juízo de que elas contêm unicamente a aparência dos objetos, como afirmaria o idealista. Mas, na teoria de todos os objetos dos sentidos, enquanto simples fenômenos, o que é mais estranho e surpreendente é que eu, enquanto objeto do sentido interno, isto é, considerado como alma, posso conhecer-me a mim mesmo unicamente como fenômeno, e não segundo o que eu sou enquanto coisa em si; e, no entanto, a representação do tempo, como simples intuição interna e formal a priori, que subjaz a todo o conhecimento de mim mesmo, não proporciona nenhuma outra espécie de explicação da possibilidade de reconhecer essa forma como condição da autoconsciência. O [elemento] subjetivo na forma da sensibilidade, que subjaz a priori a toda a intuição dos objetos, tornou-nos possível ter um conhecimento a prior; dos objetos tal como eles nos aparecem. Queremos, agora, determinar ainda mais esta expressão, definindo o [elemento] subjetivo como o tipo de representação, segundo o qual o nosso sentido é afetado pelos objetos, externos ou interno (isto é, por nós mesmos), a fim de podermos dizer que os conhecemos tão só como fenômenos. ‘Sou consciente de mim mesmo' é um pensamento que contém já um duplo eu, o eu como sujeito e o eu como objeto. É absolutamente impossível explicar, embora seja um fato indubitável, como é possível que eu, o eu penso, seja para mim mesmo um objeto (da intuição) e possa assim distinguir-me de mim mesmo; mas isso revela um poder de tal modo elevado sobre toda a intuição sensível que tem por consequência, enquanto fundamento da possibilidade de um entendimento, a total separação relativamente a todo o animal, ao qual não temos nenhum motivo para lhe atribuir a capacidade de a si mesmo dizer: Eu, e que transparece numa infinidade de representações c conceitos espontaneamente formados. Não se tenciona assim afirmar uma dupla personalidade; apenas o Eu, que pensa e intui, é a pessoa; mas o Eu do objeto, que por mim é intuído, é, analogamente aos outros objetos fora de mim, a coisa. Do Eu no primeiro sentido (do sujeito da apercepção), do Eu lógico, enquanto representação a priori, nada mais se pode absolutamente conhecer quanto ao seu ser e à sua constituição natural; é, por assim dizer, e similarmente ao substancial, o que permanece quando tirei todos os acidentes que lhe são inerentes, mas que não se pode absolutamente conhecer mais, porque os acidentes eram justamente aquilo em que eu podia conhecer a sua natureza. Mas o Eu, na segunda acepção (como sujeito da percepção), o Eu psicológico, enquanto consciência empírica, é capaz de múltiplos conhecimentos, entre os quais a forma da intuição interna, o tempo, é a que subjaz a priori a todas as percepções e à sua ligação, cuja apreensão é conforme à maneira como o sujeito por tal é afetado, isto é, à condição do tempo, pois o Eu sensível é determinado pelo Eu intelectual para a recepção da mesma na consciência. Toda a observação psicológica interna, por nós empreendida, nos pode servir de prova e exemplo de que isso é assim, pois se exige que, pela atenção, afetemos o sentido interno - o que, em parte, pode ir até ao grau da fadiga (os pensamentos, enquanto determinações efetivas da faculdade representativa, pertencem também à representação empírica do nosso estado) para termos primeiramente na intuição de nós mesmos um conhecimento do que nos apresenta o sentido interno, conhecimento que, em seguida, unicamente nos representa a nós como nos aparecemos, ao passo que o Eu lógico revela o sujeito tal como é em si, numa consciência pura, não como receptividade mas como pura espontaneidade, sendo, porém, incapaz de conhecer a sua natureza. Dos conceitos “a priori” A forma subjetiva da sensibilidade, se se aplicar, como tal deve acontecer, segundo a teoria dos seus objetos enquanto fenômenos, a objetos enquanto suas formas, suscita na sua determinação uma representação que dela é inseparável, a saber, a do composto. Com efeito, não nos podemos representar um determinado espaço senão ao traçá-lo, isto é, ao juntarmos um espaço a outro, e o mesmo se passa com o tempo. Ora, a representação de um composto enquanto tal não é simples intuição, mas exige o conceito de uma composição, ao aplicar-se à intuição no espaço e no tempo. Portanto, este conceito (juntamente com o do seu contrário, o simples) é um conceito que não é tirado das intuições como uma representação parcial nelas contida, mas um conceito fundamental e, sem dúvida, a priori, por fim, o único conceito fundamental a priori que subjaz originariamente, no entendimento, a todos os conceitos de objetos dos sentidos. Haverá, pois, no entendimento, tantos conceitos a priori, sob os quais devem estar os objetos dados nos sentidos, quantas são as espécies de composição (síntese) com consciência, isto é, quantas as espécies de unidade sintética da apercepção do diverso dado na intuição. Ora, estes conceitos são os puros conceitos de entendimento de todos os objetos que podem apresentar-se aos nossos sentidos; representados sob o nome de categorias por Aristóteles, embora mesclados com conceitos de outra espécie e, sob o nome de predicamentos pelos escolásticos, com o mesmo defeito, teriam podido apresentar-se num quadro sistematicamente organizado, se o que a lógica ensina da multiplicidade na forma dos juízos se tivesse previamente proposto na conexão de um sistema. O entendimento manifesta o seu poder simplesmente nos juízos, os quais nada mais são do que a unidade da consciência na relação dos conceitos em geral, sem decidir se essa unidade é analítica ou sintética - Ora, os puros conceitos do entendimento de objetos em geral dados na intuição são justamente as mesmas funções lógicas, mas só enquanto representam a priori a unidade sintética da apercepção do múltiplo dado numa intuição em geral; portanto, o quadro das categorias podia delinear-se inteiramente de modo paralelo àquele quadro lógico, o que nunca aconteceu, porém, antes do aparecimento da Crítica da razão pura. Mas importa observar que as categorias ou, como agora usualmente se chamam, os predicamentos, não pressupõem nenhuma espécie determinada da intuição (como, por exemplo, a única que a nós, homens, é possível) como o espaço e o tempo, que é sensível, mas são unicamente formas de pensamento para o conceito de um objeto da intuição em geral, seja esta de que espécie for, mesmo que fosse uma intuição suprassensível, da qual não nos podemos fazer especificamente conceito algum. Pois, temos sempre de nos fazer, por meio do entendimento puro, um conceito de um objeto acerca do qual queremos julgar algo a priori, mesmo se, depois, descobrirmos que é transcendente e nenhuma realidade objetiva lhe pode ser atribuída; pelo que a categoria não é, por si mesma, dependente das formas da sensibilidade, espaço e tempo, mas pode também a si sujeitar outras formas não pensáveis para nós, se elas disserem simplesmente respeito ao [elemento] subjetivo que precede a priori todo o conhecimento e torna possíveis os juízos sintéticos a priori. Pertencem ainda às categorias, enquanto conceitos originários do entendimento, os predicáveis como provenientes daquela sua composição, por conseguinte, conceitos a priori derivados dos conceitos do entendimento, ou puros ou sensivelmente condicionados; dos primeiros podia dar-se como exemplo a existência representada como quantidade, isto é, a duração, ou a mudança como existência com determinações opostas; e [como exemplo] dos segundos, o conceito de movimento enquanto mudança de lugar no espaço; e poderiam igualmente enumerar-se de um modo completo e representar-se sistematicamente num quadro. A filosofia transcendental, isto é, a doutrina da possibilidade de todo o conhecimento a priori em geral, que é a crítica da razão pura, cujos elementos foram hoje em dia integralmente expostos, tem por objetivo o fundamento de uma metafísica; o fim desta, por seu turno, enquanto fim último da razão pura, intenta a sua extensão da fronteira do sensível ao âmbito do suprassensível, o que constitui uma ultrapassagem que, para não ser um salto perigoso, e não sendo também um avançar contínuo na mesma ordem dos princípios, torna imperiosa, na fronteira dos dois domínios, a suspeita que trava o progresso. Daqui se segue a divisão dos estádios da razão pura em doutrina da ciência, como progresso assegurado, - a doutrina da dúvida, enquanto paragem, - e a doutrina da sabedoria, como ultrapassagem para o fim último da metafísica, de maneira que a primeira conterá uma doutrina teorético-dogmática, a segunda uma disciplina céptica, e a terceira uma [disciplina] prático-dogmática. PRIMEIRA SECÇÃO Da extensão do uso teorético-dogmático da razão pura O conteúdo desta secção é a proposição: o âmbito do conhecimento teórico da razão pura não se estende além dos objetos dos sentidos. Nesta proposição, considerada como juízo exponível, estão contidas duas proposições: 1) a razão, enquanto faculdade do conhecimento das coisas a priori estende-se aos objetos dos sentidos; 2) no seu uso teorético, é capaz de [produzir] conceitos, mas nunca um conhecimento teorético do que não pode ser objeto dos sentidos. A prova da primeira proposição pertence também o exame de como é possível um conhecimento a priori de objetos dos sentidos, porque, sem isso, não podemos estar certos de se os juízos acerca de tais objetos são efetivamente conhecimentos; mas, no tocante à sua propriedade de serem juízos a priori, ela anuncia-se a si mesma mediante a consciência da sua necessidade. Para que uma representação seja conhecimento (entendo aqui sempre um conhecimento teórico), é preciso que o conceito e a intuição de um objeto estejam ligados na mesma representação, de maneira que o primeiro seja representado tal como ele em si contém a última. Se, pois, um conceito é um conceito tirado da representação sensível, isto é, se é empírico, contém como característica, quer dizer, como representação parcial, algo que já estava compreendido na intuição sensível e que só pela forma lógica, a saber, segundo a generalidade, se distingue da intuição dos sentidos; por exemplo, o conceito de um animal quadrúpede na representação de um cavalo. Mas, se o conceito é uma categoria, um puro conceito do entendimento, reside inteiramente fora de toda a intuição; e, contudo, há que submeter-lhe uma intuição se ele houver de ser utilizado como conhecimento; e se este conhecimento tiver de ser um conhecimento a priori, importa submeter-lhe uma intuição pura e, certamente, em conformidade com a unidade sintética da apercepção do múltiplo da intuição, a qual é pensada pela categoria, isto é, a faculdade representativa deve submeter ao puro conceito de entendimento um esquema a priori, sem o que não poderia ter nenhum objeto e, por conseguinte, não serviria para conhecimento algum. Ora, uma vez que todo o conhecimento, de que o homem é capaz, é sensível, e visto que a sua intuição a priori é o espaço ou o tempo, ambos representando os objetos apenas como objetos dos sentidos e não como coisas em geral, o nosso conhecimento teórico em geral, embora possa ser conhecimento a priori, restringe-se contudo aos objetos dos sentidos e pode proceder de modo, sem dúvida, dogmático no interior deste âmbito, mediante leis que ele prescreve a priori à natureza enquanto totalidade dos objetos dos sentidos, mas sem jamais ir além desta esfera, para se alargar teoricamente com os seus conceitos. O conhecimento dos objetos dos sentidos enquanto tais, isto é, por intermédio de representações empíricas de que se é consciente (por percepções ligadas), é a experiência. Por consequência, o nosso conhecimento teórico nunca vai além do campo da experiência. Ora, visto que todo o conhecimento teórico deve estar em consonância com a experiência, isso só é possível de uma ou de outra maneira, a saber, ou a experiência é o fundamento do nosso conhecimento, ou o conhecimento é o fundamento da experiência. Portanto, se existe um conhecimento sintético a priori, a única saída é que ele deve conter as condições a priori da possibilidade da experiência em geral. Mas, por isso, contém ele também as condições da possibilidade dos objetos da experiência em geral; com efeito, só pela experiência podem eles ser, para nós, objetos cognoscíveis. Porém, os princípios a priori, só em virtude dos quais é a experiência possível, são as formas dos objetos, espaço e tempo, e as categorias, que encerram a unidade sintética da consciência a priori, enquanto nelas podem ser subsumidas representações empíricas. A tarefa mais elevada da filosofia transcendental é, pois: como é possível a experiência? O princípio de que todo o conhecimento não depende só da experiência concerne a uma quaestio facti, portanto, não vem aqui a propósito, e o fato é reconhecido o sem hesitação. Mas a questão de se ele se deve derivar unicamente da experiência, como princípio supremo do conhecimento, é uma quaestio iuris; a resposta afirmativa introduziria o empirismo da filosofia transcendental; a negação, o seu racionalismo. O primeiro é uma contradição consigo mesmo; pois, se todo o conhecimento é de origem empírica, então sem prejuízo da reflexão e do seu princípio lógico, segundo o princípio de contradição, reflexão que sempre é possível fundar a priori no entendimento e que sempre pode admitir-se -, o [elemento] sintético do conhecimento, que constitui o essencial da experiência, é simplesmente empírico e só possível como conhecimento a posteriori; e a filosofia transcendental é ela mesma uma absurdidade. Mas como, apesar de tudo, é impossível contestar proposições que prescrevem a priori as regras da experiência possível, por exemplo, toda a mudança tem a sua causa, a sua estrita generalidade e necessidade, e assim também o seu caráter sintético, o empirismo, que faz passar toda a unidade sintética das representações no nosso conhecimento por simples questão de hábito, é de todo insustentável, e existe uma filosofia transcendental solidamente fundada na nossa razão, pois, se se quisesse representá-la como a si mesma se aniquilando, introduzir-se-ia outro problema, absolutamente insolúvel. Como é que os objetos dos sentidos obtêm o nexo e a regularidade da sua coexistência de modo a ser possível ao entendimento apreendê-los sob leis universais e a descobrir a sua unidade segundo princípios, unidade que o princípio de contradição só por si não satisfaz, eis porque, neste momento, se deve apelar inevitavelmente para o racionalismo. Se, pois, nos vemos compelidos a buscar um princípio a priori da possibilidade da experiência, a questão, então, é esta: qual? Todas as representações que constituem uma experiência podem atribuir-se à sensibilidade, exceto uma só, ou seja, a do composto enquanto tal. Visto que a composição não pode cair sob os sentidos, mas nós próprios a devemos fazer, não depende então da receptividade da sensibilidade, mas da espontaneidade do entendimento, como conceito a priori. Espaço e tempo, subjetivamente considerados, são formas da sensibilidade, mas para deles, enquanto objetos da intuição pura, se fazer um conceito (sem o qual nada a seu respeito poderíamos dizer), exige-se a priori o conceito de um composto, por conseguinte, da composição (síntese) do diverso, por consequência, a unidade sintética da apercepção na ligação deste diverso, unidade da consciência que, segundo a diversidade das representações intuitivas dos objetos no espaço e no tempo, exige diversas funções para os ligar, e chamam-se elas categorias; e são conceitos a priori do entendimento que, sem dúvida, por si sós, não fundam ainda nenhum conhecimento de um objeto em geral, mas, sim, do que é dado na intuição empírica - o que seria, então, a experiência. Mas o empírico, isto é, aquilo pelo qual um objeto é representado, quanto à sua existência, como dado, chama-se sensação, que constitui a matéria da experiência e se chama, quando ligada à consciência, percepção; a ela se deve ainda acrescentar a forma, isto é, a unidade sintética da sua apercepção no entendimento (forma que, por conseguinte, é pensada a priori), a fim de suscitar a experiência enquanto conhecimento empírico; para isso, visto que não percebemos imediatamente o próprio espaço e tempo como aquilo em que temos de assinalar, mediante conceitos, o seu lugar a cada objeto da percepção, são necessários princípios a priori, segundo puros conceitos do entendimento, que provam a sua realidade pela intuição sensível e, em ligação com esta, pela sua forma dada a priori, tomam possível a experiência, a qual é um conhecimento a posteriori totalmente certo. Contra esta certeza levanta-se, porém, no tocante à experiência externa, uma dúvida importante: não de que o conhecimento dos objetos por meio dela seja talvez incerto, mas de se o objeto, que pomos fora de nós, não poderia possivelmente estar sempre em nós e, assim, seja impossível reconhecer com certeza algo fora de nós enquanto tal. A metafísica, se esta questão ficasse totalmente por decidir, nada perderia dos seus progressos, porque as percepções a partir das quais, e também da forma da intuição nelas [presente], constituímos a experiência segundo princípios, mediante as categorias, podem estar sempre em nós; e se a elas corresponde ou não algo fora de nós não modificaria em nada a extensão do conhecimento, pois, se não pudermos ater-nos aos objetos, podemos ater-nos simplesmente à nossa percepção, que está sempre em nós. Daqui se segue o princípio da divisão de toda a metafísica: do suprassensível, pelo que toca ao poder especulativo da razão, nenhum conhecimento é possível. Eis o que, muito recentemente, aconteceu e tinha de acontecer na filosofia transcendental antes de a razão ter podido dar um passo na metafísica propriamente dita, mais ainda, um passo apenas em direção a ela, enquanto que a filosofia leibnizio-wolffiana prosseguia confiadamente o seu caminho na Alemanha, numa outra parte, julgando ter posto nas mãos dos filósofos, além do velho princípio aristotélico de contradição, uma nova bússola para orientação, a saber, o princípio de razão suficiente da existência das coisas, por oposição à sua simples possibilidade segundo conceitos, e o princípio da diferença entre as representações obscuras, claras, mas ainda confusas, e as representações distintas, para a discriminação entre a intuição e conhecimento mediante conceitos. Entretanto, porém, com todo este trabalho, permaneceu sempre, sem saber, apenas no campo da lógica e não deu nenhum passo em direção à metafísica e menos ainda dentro dela, provando assim que não tivera nenhum conhecimento distinto da diferença entre juízos sintéticos e analíticos. A proposição – “Tudo tem a sua razão” - que se conecta com esta – “Tudo é uma consequência” - só pode pertencer à lógica, e a diferença só pode existir entre os juízos que são pensados problematicamente e os que devem ter valor assertórico; e tal distinção é simplesmente analítica, pois, se houvesse de valer para todas as coisas, a saber, que todas as coisas deveriam considerar-se apenas como consequências da existência de uma outra, a razão suficiente, que, no entanto, se tinha em vista, não se encontraria em lado algum; contra esta absurdidade procurou-se, em seguida, refúgio na proposição de que uma coisa teria sempre uma razão da sua existência, mas tê-la-ia em si mesma, isto é, que ela existiria como uma consequência de si mesma. Por aqui se vê, se a absurdidade não se torna manifesta, que o princípio não poderia ter validade para as coisas, mas unicamente para os juízos e, evidentemente, só para os analíticos. Por exemplo, a proposição - “Todo o corpo é divisível” - tem certamente uma razão e, claro, em si mesma, isto é, pode ver-se como a conclusão do predicado a partir do conceito do sujeito, segundo o princípio de contradição, por conseguinte, segundo o princípio dos juízos analíticos; está, portanto, simplesmente fundada num princípio a priori da lógica e não dá passo algum no campo da metafísica, onde está em jogo a extensão do conhecimento a priori, para o que nada contribuem os juízos analíticos. Mas, se o pretenso metafísico quisesse, além do princípio de contradição, introduzir também o princípio igualmente lógico da razão [suficiente], não teria ainda enumerado plenamente a modalidade dos juízos; com efeito, deveria também acrescentar o princípio de exclusão de um intermédio entre dois juízos contraditoriamente opostos, pois, só então teria exposto os princípios lógicos de possibilidade, de verdade ou de realidade lógica, e de necessidade dos juízos, nos juízos problemáticos, assertóricos e apodícticos, enquanto todos eles se encontram sob um único princípio, a saber, o princípio dos juízos analíticos. Esta omissão demonstra que o próprio metafísico não estava de todo esclarecido em lógica, no tocante à exaustividade da divisão. Quanto ao princípio leibniziano da diferença lógica entre a indistinção e a claridade das representações, assere ele que a primeira espécie de representações, por nós chamada simples intuição, é efetivamente apenas o conceito confuso do seu objeto, por conseguinte, a intuição não difere especificamente do conceito das coisas, mas só segundo o grau da consciência, de maneira que, por exemplo, a intuição de um corpo acompanhada pela universal consciência de todas as representações aí contidas forneceria o conceito de tal corpo como de um agregado de mônadas: em contrapartida, o filósofo crítico observará que, desse modo, a proposição - “os corpos constam de mônadas” - podia provir da experiência, simplesmente por desmembramento da percepção, se apenas pudéssemos dispor de uma vista assas penetrante (com a devida consciência das representações parciais). Mas, porque a coexistência destas mônadas é representada como possível unicamente no espaço, este metafísico da velha guarda deve apresentar-nos o espaço como uma representação simplesmente empírica e confusa da justaposição do múltiplo reciprocamente exterior. Mas, como está ele então em estado de declarar como apodíctica a priori a proposição - “o espaço tem três dimensões”? Pois, nem pela mais clara consciência de todas as representações parciais de um corpo poderia concluir que assim deve ser, mas, quando muito, apenas que isso é tal como lho ensina a percepção. Se, porém, ele considera o espaço com a sua propriedade das três dimensões como o fundamento necessário e a priori de toda a representação dos corpos, como explicará então esta necessidade, que ele, contudo, não poderá escamotear, visto que esta espécie de representação, segundo a sua própria afirmação, é de origem simplesmente empírica, que não suscita necessidade alguma? Mas, se pretender também esquivar-se a esta exigência e admitir o espaço com a sua propriedade, se bem que isso lhe seja fornecido com aquela representação pretensamente confusa, demonstra-lhe então a geometria, por conseguinte, a razão, não mediante conceitos que pairam no ar, mas pela construção dos conceitos, que o espaço e, assim, também o que o enche, o corpo, não consta absolutamente de partes simples; no entanto, se quiséssemos para nós tornar compreensível, por simples conceitos, a possibilidade do corpo, deveríamos, sem dúvida, começando pelas partes e daí ascendendo ao composto, pôr na base o simples, tornando-se por fim forçoso admitir que a intuição (tal como a representação do espaço) e o conceito constituem, segundo a espécie, modos de representação totalmente diversos, e que a primeira não pode transformar-se no último mediante a simples dissipação da confusão da representação. - O mesmo se diga também a propósito da representação do tempo! De como proporcionar realidade objetiva aos puros conceitos do entendimento e da razão Representar um puro conceito do entendimento como pensável num objeto de experiência possível significa conferir-lhe realidade objetiva e, em geral, apresentá-lo. Quando isso não se pode levar a cabo, o conceito é vazio, isto é, não chega a nenhum conhecimento. Esta operação chama-se esquematismo, quando a realidade objetiva é diretamente atribuída ao conceito por meio da intuição a ele correspondente, isto é, quando o conceito é apresentado imediatamente; se, porém, não puder ser apresentado de modo imediato, mas só nas suas consequências, a operação pode chamar-se a simbolização do conceito. O primeiro caso ocorre nos conceitos do sensível; o segundo é um recurso de emergência para conceitos do suprassensível, que, portanto, não podem ser genuinamente apresentados, nem dados em nenhuma experiência possível, mas pertencem necessariamente a um conhecimento, ainda que seja possível só como [conhecimento] prático. O símbolo de uma ideia (ou de um conceito de razão) é uma representação do objeto segundo a analogia, isto e, segundo a relação a certas consequências idêntica àquela que o objeto tem em si mesmo com as suas próprias consequências, embora os objetos sejam de espécie inteiramente diversa, por exemplo, ao representar-me certos produtos da natureza, como as coisas organizadas, animais ou plantas, em relação à sua causa, como represento um relógio em relação ao homem, enquanto criador, a saber, a relação de causalidade, enquanto categoria, é a mesma nos dois casos, mas o sujeito desta relação permanece para mim desconhecido na sua constituição interna; portanto, só ele me pode ser apresentado, não, porém, a última. Deste modo, não posso ter verdadeiramente nenhum conhecimento teórico do suprassensível, isto é, de Deus, mas, apesar de tudo, posso ter um conhecimento por analogia, e, sem dúvida, a que à razão necessário é pensar; estão-lhe subjacentes as categorias, porque pertencem necessariamente à forma do pensamento, esteja ele dirigido para o sensível ou para o suprassensível, apesar de, e precisamente em virtude de, por si mesmas, não determinarem nenhum objeto e não constituírem nenhum conhecimento. Da falácia de tentar garantir realidade objetiva aos conceitos de entendimento, prescindindo da sensibilidade Segundo os simples conceitos do entendimento, é uma contradição pensar como exteriores uma à outras duas coisas que, no entanto, seriam de todo idênticas, relativamente a todas as determinações internas (da quantidade e da qualidade); é sempre apenas uma e mesma coisa duas vezes pensada (numericamente una). Este é o princípio dos indiscerníveis de Leibniz, ao qual não concede a menor importância mas que, no entanto, ofende asperamente a razão, porque é inconcebível que uma gota de água num lugar deva impedir que uma gota perfeitamente semelhante se possa encontrar noutro lugar. Mas este escândalo prova logo que, para serem conhecidas, coisas no espaço se devem representar não apenas como coisas em si, mediante conceitos do entendimento, mas também como fenômenos, segundo a sua intuição sensível, e que o espaço não é, como Leibniz supunha, uma constituição ou relação das coisas em si, e que puros conceitos do entendimento por si sós não proporcionam conhecimento algum. SEGUNDA SECÇÃO Do que se conseguiu, desde a época de Leibniz e de Wolff, em relação ao objeto da metafísica, isto é, do seu fim último. Neste período, podem repartir-se os progressos da meta física por três estádios: o primeiro é o do avanço teórico e dogmático; o segundo, o da paragem cética; o terceiro, o da efetivação prático-dogmática do seu caminho e da consecução pela metafísica do seu fim último. O primeiro decorre simplesmente no interior das fronteiras da ontologia; o segundo, dentro dos [limites] da cosmologia transcendental ou pura, que, enquanto doutrina da natureza, isto é, cosmologia aplicada, também considera a metafísica da natureza corporal e a da natureza pensante, aquela como objeto dos sentidos externos, esta como objeto do sentido interno, segundo o que nelas é cognoscível a priori. O terceiro estádio é o da teologia, com todos os conhecimentos a priori que aí conduzem e a tornam necessária. Omite-se aqui, com razão, uma psicologia empírica que, segundo o uso universitário, se imiscui episodicamente na metafísica. Primeiro estádio da metafísica no tempo e no país designados O que concerne à análise dos puros conceitos de entendimento e dos princípios a priori utilizados para o conhecimento da experiência constitui a ontologia; não pode negar-se aos dois filósofos nomeados, sobretudo ao ilustre Wolff, o grande mérito de terem exercido maior clareza, precisão e esforço pela solidez demonstrativa do que alguma vez acontecera antes, ou fora da Alemanha, no domínio da metafísica. Mesmo sem denunciar a falta de acabamento, visto que nenhuma crítica estabelecera um quadro das categorias segundo um princípio firme, a carência de toda a intuição a priori, que não era reconhecida como princípio e que Leibniz, pelo contrário, intelectualizara, isto é, transformara em simples conceitos confusos, foi, no entanto, a causa de ele considerar impossível o que não podia representar por simples conceitos do entendimento, e de estabelecer princípios que violentam o bom senso e não possuem solidez. O que se segue inclui exemplos da aberração [resultante] de tais princípios. I) O princípio da identidade dos indiscerníveis [afirma] que, se de A e de B, que são totalmente idênticos do ponto de vista de todas as suas determinações internas (da qualidade e da quantidade), formarmos um conceito de como se fossem duas coisas, nos enganamos e que temos de tomá-las como uma só e mesma coisa. Que, no entanto, as podemos distinguir pelos lugares no espaço, visto espaços perfeitamente semelhantes e iguais poderem ser representados como exteriores um ao outro, sem que por isso seja lícito afirmar que é um só e mesmo espaço (porque, assim, poderíamos reduzir todo o espaço infinito a uma polegada cúbica, e até a menos), eis o que ele não podia conceder, pois, admitia apenas uma distinção por conceitos e não queria reconhecer um modo de representação especificamente diverso desse, a saber, a intuição a priori; julgava ele, pelo contrário, ter de a resolver em simples conceitos de coexistência ou sucessão e assim violentava o bom senso, que jamais se deixará convencer de que, se uma gota de água estiver num lugar, ela impedirá que uma outra gota inteiramente semelhante e igual exista noutro lugar. O seu princípio da razão suficiente - visto que ele não julgava viável submeter ao último nenhuma intuição a priori, mas reduzia a representação do mesmo a simples conceito a priori, tirou a consequência de que todas as coisas, metafisicamente consideradas, eram compostas de realidade (Realitiit) e negação, de ser e não ser, tal como em Demócrito, todas as coisas, no espaço universal, de átomos e de vazio; e a razão (Grund) de uma negação não podia ser outra a não ser que nenhuma razão existe pela qual algo deva ser posto, a saber, que nenhuma realidade existe; e, assim, a partir de todo o mal dito metafísico, em união com o bem de toda a espécie, produziu um mundo unicamente de luz e sombras, sem atender a que, para mergulhar um espaço na sombra, deve aí haver um corpo, por conseguinte, algo de real que impeça a luz de penetrar no espaço. Segundo ele, a dor teria apenas como razão a ausência de prazer; o vício, unicamente a carência de impulsos para a virtude; e o repouso de um corpo movido, apenas a inexistência de força motriz, porque, segundo simples conceitos, uma realidade = a não pode opor-se à realidade = b, mas tão só à ausência = O, sem tomar em consideração que, na intuição, por exemplo, na externa a priori, ou seja, no espaço, uma oposição do real (da força motriz) a outro real, quer dizer, uma força motriz agindo em sentido contrário (e assim também, por analogia, na intuição interna, motivos reais entre si antagônicos num sujeito) podem estar unidas e que a consequência, cognoscível a priori, deste conflito das realidades poderia ser uma negação; mas,claro, para esse fim, teria de admitir direções opostas entre si, as quais só se podem representar na intuição, não em simples conceitos; e, em seguida, surgiu o princípio, que esbarra contra o senso comum e até contra a moral, de que todo o mal enquanto razão = O, quer dizer, é simples limitação ou, como dizem os metafísicos, o formal das coisas. Por tê-lo posto num simples conceito, o seu princípio da razão suficiente não lhe prestou a mínima ajuda para ultrapassar o princípio de contradição, princípio dos juízos analíticos, e assim se alargar sinteticamente a priori pela razão. O seu sistema da harmonia preestabelecida, embora visasse especificamente a explicação da comunidade entre a alma e o corpo, devia previamente e em geral estar dirigido para a elucidação da possibilidade de união de substâncias diferentes, [união] pela qual constituem um todo, e era certamente inevitável que aí se fosse parar, porque as substâncias, já em virtude dos seus conceitos, mesmo quando nada mais se lhes acrescenta, devem representar-se como completamente isoladas; com efeito, visto que a nenhuma delas pode, devido à sua subsistência, estar inerente acidente algum que se funda numa outra substância, mas, embora existam ainda outras, aquela, porém, em nada pode depender desta, mesmo se todas dependessem de uma terceira (o ser originário) como efeitos de uma causa, não há nenhuma razão para que os acidentes de uma substância devam fundar-se numa outra exterior da mesma espécie, em consideração do seu estado. Se, pois, devem, apesar de tudo, enquanto substâncias do mundo, constituir uma comunidade, esta só deve ser ideal, e não pode haver nenhum influxo real (físico), porque este supõe a possibilidade da ação recíproca, como se elas se compreendessem a partir da sua simples existência (o que não é), ou seja, há que admitir o autor da existência como um artista que, ocasionalmente, ou já no começo do mundo, modifica ou dispõe estas substâncias em si plenamente isoladas, de maneira que se harmonizam entre si, de modo semelhante à conexão de efeito e causa, como se realmente influíssem umas nas outras. Assim devia nascer o systema harmoniae praestabilitae (já que o sistema das causas ocasionais não parece ser tão adequado para a explicação a partir de um princípio único), o mais admirável fingimento que alguma vez a filosofia inventou, só porque tudo se devia explicar e entender mediante conceitos. Se, pelo contrário, se admitir a pura intuição do espaço, tal como este funda a priori todas as relações exteriores e constitui um único espaço, então, todas as substâncias se encontram ligadas por relações que tornam possível a influência física e formam um todo, de modo que todos os seres, enquanto coisas no espaço, constituem conjuntamente um só mundo, e não pode haver vários mundos exteriores uns aos outros, ao passo que a proposição sobre a unidade do mundo, se houver de sustentar-se por simples conceitos, sem se basear naquela intuição, de modo algum se pode provar. A sua monadologia, Segundo simples conceitos, todas as substâncias do mundo são ou simples, ou compostas de simples. Com efeito, a composição é apenas uma relação sem a qual, no entanto, elas deveriam conservar, como substâncias, a sua existência; mas o que resta, se eu eliminar toda a composição, é o simples. Por conseguinte, todos os corpos, se forem pensados unicamente pelo entendimento como agregados de substâncias, constam de substâncias simples. Todas as substâncias, porém, além das relações recíprocas, e das forças pelas quais podem exercer influência umas sobre as outras, devem ter certas determinações reais que lhes são intrinsecamente inerentes, isto é, não basta atribuir-lhes acidentes, que consistem apenas em relações exteriores, mas importa ainda conceder-lhes aqueles que se relacionam simplesmente com o sujeito, ou seja, intrínsecos. Mas não conhecemos nenhumas determinações, que possam atribuir-se a um ser simples, a não ser as representações e o que delas depende; porém, visto que estas não se podem atribuir aos corpos, devem, no entanto, atribuir-se às suas partes simples, se não se quiser considerá-las como substâncias intrinsecamente de todo vazias. Mas, substâncias simples, que têm em si a capacidade de representações, são por Leibniz chamadas mônadas. Por conseguinte, os corpos constam de mônadas, enquanto espelhos do universo, isto é, dotadas de faculdades de representação, que se distinguem das de substâncias pensantes unicamente pela ausência da consciência e, por isso, se chamam mônadas sonolentas; delas não sabemos se o destino as deve um dia despertar; talvez já as tenha trazido pouco a pouco em número infinito para a vigília e de novo as tenha deixado mergulhar na sonolência para, depois, de novo as despertar e as elevar gradualmente como animais até às almas humanas, e assim sucessivamente até graus superiores; uma espécie de mundo encantado, que este homem famoso pôde ser levado a supor só porque às representações dos sentidos, enquanto fenômenos, não as tomou, como devia, por um modo de representação inteiramente diverso de todos os conceitos, a saber, a intuição, mas por um conhecimento, somente confuso, mediante conceitos, que tinham a sua sede no entendimento, e não na sensibilidade. O principio da identidade dos indiscerníveis, o princípio da razão suficiente, o sistema da harmonia preestabelecida, finalmente a monadologia, constituem a novidade que Leibniz e, depois dele, Wolff, cujo mérito de metafísico foi muito maior na filosofia prática, tentaram introduzir na metafísica da filosofia teórica. Se estas suas tentativas merecem chamar-se progressos, mesmo se não se impugnar que para tal eles possam ter contribuído, eis o que, no fim deste estádio, se pode submeter ao juízo dos que não se deixam aí transviar com grandes nomes. À parte teórico-dogmática da metafísica pertence igualmente a doutrina racional geral da natureza, isto é, a filosofia pura sobre os objetos dos sentidos, os dos sentidos externos, ou seja, a doutrina racional dos corpos, ou do sentido interno, a doutrina racional da alma, mediante as quais se aplicam os princípios da possibilidade de uma experiência em geral a uma dupla espécie de percepções, sem pôr nenhum outro fundamento empírico além da mera existência de semelhantes objetos. - Em ambos os casos, só pode haver tanta ciência quanta a matemática, isto é, a construção dos conceitos, que aí se pode aplicar, pelo que o espacial dos objetos da física presta-se mais ao a priori do que a forma do tempo, que subjaz à intuição pelo sentido interno, [forma] que só tem uma dimensão. Os conceitos de espaço cheio e vazio, de movimento e de força motriz, podem e devem, na física racional, relacionar-se com os seus princípios a priori, ao passo que, na psicologia racional, nada mais representa princípios a priori senão o conceito da imaterialidade de uma substância pensante, o conceito da sua mudança e da identidade da pessoa no meio das mudanças; tudo o mais é somente psicologia empírica, ou antes, antropologia, porque se pode provar que nos é impossível saber se o princípio vital no homem (a alma) tem e qual a sua capacidade, sem corpo, no pensamento; e tudo aqui equivale a conhecimento empírico, isto é, a um conhecimento que podemos adquirir na vida, por conseguinte, na união da alma com o corpo, e que é inadequado para o fim último da metafísica de tentar uma transição do sensível para o suprassensível, Há que enfrentá-la na segunda época da tentativa da razão pura na filosofia, que vamos agora apresentar. SEGUNDO MANUSCRITO SEGUNDO ESTÁDIO DA METAFÍSICA No primeiro estádio da metafísica, que se pode chamar o da antologia, porque ensina não a investigar o essencial dos nossos conceitos das coisas mediante a análise das suas características - o que é a tarefa da lógica -, mas de que modo e que conceitos a priori formamos nós das coisas, para neles subsumir o que nos pode ser dado na intuição em geral, o que, por sua vez, de nenhuma outra maneira podia acontecer senão enquanto a forma da intuição a priori nos torna esses objetos cognoscíveis no espaço e no tempo simplesmente como fenômenos, não como coisas em si - nesse estádio, pois, a razão vê-se provocada a um progresso incessante em direção ao incondicionado, numa série de condições reciprocamente subordinadas, que,sem fim, de novo estão condicionadas, porque cada espaço e cada tempo nunca pode ser representado de outro modo a não ser como parte de um dado espaço ou tempo ainda maior, em que se devem, no entanto, procurar as condições do que nos é dado em cada intuição para alcançar o incondicionado. O segundo grande progresso que se exige à metafísica é ir do condicionado nos objetos da experiência possível ao incondicionado e estender o seu conhecimento até ao acabamento da série pela razão (pois, o que acontecera até então acontecera mediante o entendimento e a faculdade de julgar); e, por conseguinte, o estádio que ela agora deve percorrer poderá chamar-se o da cosmologia transcendental, porque espaço e tempo devem considerar-se, na sua grandeza total, como conjunto de todas as condições e representados como os receptáculos de todas as coisas reais reunidas, e assim a totalidade destas, na medida em que enchem (o espaço e o tempo), deve representar-se sob o conceito de um mundo. As condições sintéticas (principia) da possibilidade das coisas, isto é, os seus princípios de determinação, buscam-se aqui para os condicionados, e, sem dúvida, na totalidade da série ascendente, em que estão subordinadas umas às outras, a fim de alcançar o incondicionado. Eis o que exige a razão para a si mesma se satisfazer. Nenhuma necessidade tem por parte da série ascendente da condição ao condicionado, porque aí não precisa de nenhuma totalidade absoluta, e esta pode permanecer como sequência sempre inacabada, porque as sequências se dão espontaneamente se somente for dado o fundamento supremo, de que elas dependem. Ora, pensa-se que no espaço e no tempo tudo é condicionado e que o incondicionado na série ascendente das condições é absolutamente inatingível. Pensar como incondicionado o conceito de um todo absoluto do puramente condicionado encerra uma contradição; o incondicionado só pode, pois, considerar-se como membro da série; e limita-a enquanto fundamento, o qual em si mesmo não é nenhuma consequência de outro fundamento; e a insusceptibilidade de fundamento que pervade todas as classes de categorias, na medida em que elas se aplicam à relação entre as consequências e os seus princípios, é o que embaraça a razão consigo mesma num conflito jamais resolvido, enquanto os objetos no espaço e no tempo se tomarem por coisas em si e não por simples fenômenos, o que era inevitável antes da época da crítica racional pura; por isso, tese e antítese aniquilavam-se incessantemente uma à outra e lançavam forçosamente a razão no mais desesperançado cepticismo, que se revelou lamentável para a metafísica, pois, ao não conseguir satisfazer nos objetos dos sentidos a sua exigência do incondicionado, não era de pensar numa passagem para o suprassensível, que, não obstante, constitui o seu fim último. Ora, se progredirmos, na série ascendente, do condicionado para as condições num todo cósmico a fim de atingirmos o incondicionado, então, no conhecimento teórico-dogmático de um todo cósmico dado, deparam-se as seguintes contradições da razão consigo mesma, verdadeiras ou simplesmente aparentes: em primeiro lugar, segundo as ideias matemáticas da composição ou divisão do homogêneo; em segundo lugar, segundo as [ideias] dinâmicas da fundamentação da existência do condicionado na existência incondicionada. No tocante à grandeza extensiva do mundo, na medida do mesmo, isto é, relativamente à adição da unidade homogênea e igual enquanto [unidade] de medida para dele se obter um conceito determinado e, claro está: a) da sua grandeza no espaço e b) da sua grandeza no tempo, enquanto arribas são dadas, a última deve medir o tempo decorrido da sua duração, - de uma e de outra a razão afirma com igual fundamento que é infinita e que, apesar de tudo, não é infinita e, portanto, é finita. Mas - o que é notável! - a prova das duas não pode fazer-se diretamente, mas só de modo apagógico, isto é, mediante a refutação do contrário. Donde A tese: o mundo é infinito quanto à grandeza no espaço, pois, se fosse finito, seria limitado pelo espaço vazio, que é infinito, mas nada de existente em si, supondo, porém, a existência de algo como objeto de percepção possível; a saber, de um espaço que nada contém de real e que, no entanto, seria continente enquanto fronteira do real, isto é, como a última condição notável do que se limita reciprocamente no espaço - o que se contradiz, pois, o espaço vazio não se pode percepcionar nem traz em si uma existência (evidenciável). - b) A antítese: o mundo é também infinito segundo o tempo decorrido. Pois, se tivesse um começo, teria fluído antes dele um tempo vazio, que faria, no entanto, do nascimento do mundo, por conseguinte, do nada anterior, um objeto de experiência possível- o que é contraditório. No concernente à grandeza intensiva, isto é, do grau em que esta enche o espaço ou o tempo, revela-se a seguinte antinomia. a) Tese: as coisas corporais no espaço constam de partes simples, pois, se o contrário se admitir, as partes seriam substâncias; mas, se toda a sua composição se reduzisse a uma simples relação, então nada restaria a não ser o simples espaço como simples sujeito de todas as relações. Por conseguinte, os corpos não constariam de substâncias, o que contradiz a hipótese. - b) Antítese: os corpos não constam de partes simples. Segundo as primeiras [ideias], depara-se uma antinomia por, no conceito de grandeza das coisas do mundo, tanto no espaço como no tempo, podermos elevar-nos desde as partes dadas de modo inteiramente condicionado ao todo incondicionado na composição, ou descer, por divisão, do todo dado para as partes incondicionalmente pensadas. - Assim, no tocante ao primeiro [caso], cai-se inevitavelmente em contradição consigo mesmo quer se admita que o mundo é infinito ou finito segundo o espaço e o tempo decorrido. Pois, se o mundo, como o espaço e o tempo decorrido que ele ocupa, é dado como grandeza infinita, então é uma grandeza dada, que jamais pode ser dada inteiramente - o que se contradiz. - Se cada corpo ou cada tempo, na mudança do estado das coisas, consta de partes simples, é preciso então, visto tanto o espaço como o tempo serem divisíveis até ao infinito (o que a matemática prova), que seja dada uma multidão infinita, a qual, porém, segundo seu conceito, jamais pode ser inteiramente dada - o que igualmente se contradiz. O mesmo se passa com a segunda classe das ideias do incondicionado dinâmico. Pois, diz-se por um lado: não existe liberdade, mas tudo no mundo acontece segundo a necessidade natural. Com efeito, na série dos efeitos, em relação às suas causas, impera totalmente o mecanismo natural, isto é, toda a mudança é predeterminada pelo estado anterior. Por outro lado, a esta afirmação universal opõe-se a antítese: certos eventos devem poder pensar-se como possíveis pela liberdade e não podem submeter-se todos à lei da necessidade natural porque, de outro modo, tudo teria lugar só condicionadamente e, por conseguinte, nada de incondicionado se encontraria na série das causas; mas admitir uma totalidade das condições numa série do puramente condicionado é uma contradição. Por fim, a tese, aliás, bastante clara, atinente à classe dinâmica, a saber, que na série das causas nem tudo pode ser contingente, mas pode, no entanto, haver algum ser existindo de modo absolutamente necessário, admite não obstante a antítese, segundo a qual nenhum ser por nós sempre pensável pode ser pensado como causa absolutamente necessária dos outros seres mundanos; oposição fundada, porque pertenceria então às coisas do mundo enquanto membro na série ascendente dos efeitos e das causas, na qual nenhuma causalidade é incondicionada, mas que aqui deveria, porém, assumir-se como incondicionada - o que se contradiz. Observação: Se a tese - o mundo é infinito em si - deve equivaler a: ele é maior do que todo o número (em comparação com uma dada medida), então a tese é falsa, pois, um número infinito é uma contradição. - Se significar: ele não é infinito, isso é bem verdade, mas então não se sabe o que ele é. Se eu disser - ele é finito - é igualmente falso, porque a sua fronteira não é nenhum objeto de experiência possível. Afirmo, pois, que no concernente a um espaço dado e também a um tempo decorrido, é exigido só por oposição. Mas, então, ambas as proposições são falsas, porque a experiência possível não tem uma fronteira nem pode ser infinita, e o mundo enquanto fenômeno é unicamente o objeto da experiência possível. Aqui se apresentam, pois, as seguintes observações: Em primeiro lugar, a proposição - para todo o condicionado deve haver um absolutamente incondicionado - vale como princípio de todas as coisas, assim como a sua conexão é pensada pela razão pura, isto é, como a das coisas em si mesmas. Ora, no uso da mesma, descobre-se que ela não pode aplicar-se sem contradição aos objetos no espaço e no tempo; por conseguinte, nenhuma escapatória para esta contradição é possível a não ser admitir que os objetos no espaço e no tempo, enquanto objetos da experiência possível, não se devem considerar como coisas em si, mas como simples fenômenos, cuja forma se funda na disposição subjetiva da nossa maneira de intuí-los. A antinomia da razão pura reconduz, pois, inevitavelmente àquela limitação do nosso conhecimento, e o que antes se demonstrou a priori, dogmaticamente, na Analítica, confirma-se aqui irrefutavelmente, na Dialética, por assim dizer mediante um experimento da razão, que ela institui por seu próprio poder. Não é no espaço e no tempo que vai encontrar o incondicionado, de que a razão precisa; resta-lhe apenas progredir indefinidamente nas condições, sem esperar pôr termo a tal progressão. Em segundo lugar, o antagonismo destas suas proposições não é simplesmente lógico, de contraposição analítica, isto é, uma simples contradição, pois, se uma delas fosse verdadeira, seria a outra necessariamente falsa, e vice-versa, por exemplo, o mundo é infinito quanto ao espaço, comparada com a proposição contrária: ele não é infinito no espaço - mas é um [antagonismo] transcendental, de oposição sintética, por exemplo: o mundo é finito segundo o espaço, proposição que diz mais do que o exigido para a oposição lógica, pois, não assere apenas que o incondicionado não se encontra na progressão para as condições, mas ainda que esta série de condições reciprocamente subordinadas constitui, no entanto, um todo absoluto; duas proposições que, por isso mesmo, podem ser ambas falsas como, em lógica, dois juízos opostos entre si enquanto contrários - e que efetivamente são, visto que se fala de fenômenos como de coisas em si. Em terceiro lugar, a tese e a antítese podem também conter menos do que se exige para a oposição lógica e assim ser ambas verdadeiras - como, em lógica, dois juízos opostos entre si simplesmente pela diferença dos sujeitos -, tal como acontece efetivamente com a antinomia dos princípios dinâmicos, quando o sujeito dos juízos opostos é tomado em ambos num significado diferente; por exemplo, o conceito da causa enquanto causa phaenomenon na tese: toda a causalidade dos fenômenos no mundo sensível está submetida ao mecanismo da natureza, parece estar em contradição com a antítese: alguma causalidade destes fenômenos não está submetida a esta lei; mas esta contradição não se depara aqui necessariamente, pois, na antítese, o sujeito pode ser tomado num sentido diverso do que acontece na tese, a saber, o mesmo sujeito pode pensar-se como causa noumenon e, então, arribas as proposições podem ser verdadeiras, e o mesmo sujeito pode, como coisa em si, ser liberto da determinação da necessidade natural, ele que, enquanto fenômeno, em relação à mesma ação, não é, no entanto, livre. E o mesmo se passa com o conceito de um ser necessário. Em quarto lugar, esta antinomia da razão pura, que parece forçosamente suscitar o estado de repouso céptico da razão pura, leva por fim, mediante a crítica, a progressos dogmáticos da mesma, pois se revela que tal númeno, enquanto coisa em si, é realmente cognoscível e até segundo as suas leis, pelo menos do ponto de vista prático, embora ele seja suprassensível. A liberdade do livre arbítrio é este suprassensível que, mediante leis morais, é dado como real no sujeito, mas também, sob o aspecto prático, como determinante em relação ao objeto, [suprassensível] que, sob o aspecto teorético, não seria cognoscível- o que, não obstante, constitui o verdadeiro fim último da meta física. A possibilidade de tal progresso da razão com as ideias dinâmicas funda-se no fato de que nelas a composição da conexão própria do efeito com a sua causa, ou do contingente com o necessário, não pode ser uma ligação do homogêneo, como na síntese matemática, mas princípio e consequência, a condição e o condicionado, podem ser de espécie diferente e, deste modo, no progresso do condicionado para a condição, do sensível para o suprassensível, enquanto condição suprema, pode ter lugar uma ultrapassagem segundo princípios. As duas antinomias dinâmicas dizem menos do que se exige para a oposição, por exemplo, como as duas proposições particulares. Pelo que podem ambas ser verdadeiras. Nas antinomias dinâmicas, pode assumir-se como condição algo de não homogêneo. - Tem-se aí então algo com que se pode conhecer o suprassensível (Deus, para onde acena verdadeiramente o fim), porque uma lei da liberdade é dada como suprassensível. E para o suprassensível no mundo (a natureza espiritual da alma) e fora do mundo (Deus), portanto, para a imortalidade e a teologia, que se dirige o fim último. TERCEIRO ESTÁDIO DA METAFÍSICA Passagem pratico dogmática para o suprassensível Antes de mais, importa ter diante dos olhos que, em todo este tratado, de acordo com o problema academicamente proposto, a metafísica se considera simplesmente como ciência teórica ou, também assim se podendo ainda chamar, como metafísica da natureza; por conseguinte, não deve interpretar-se a passagem da mesma para o suprassensível como um caminhar para uma ciência racional totalmente diferente, a saber, moral e prática, que pode designar-se metafísica dos costumes, o que seria perder-se num campo inteiramente diverso, embora a última tenha por objeto também algo de suprassensível, isto é, a liberdade, não, porém, segundo o que ela é por natureza, mas segundo o que ela funda a título de princípios práticos em vista da conduta. Ora, segundo todas as investigações levadas a cabo no segundo estádio, o incondicionado de nenhum modo se encontra na natureza, isto é, no mundo sensível, embora deva necessariamente admitir-se. Mas do suprassensível não existe nenhum conhecimento teórico-dogmático. Por conseguinte, parece ser auto contraditório um ir-além prático-dogmático da metafísica da natureza e ser igualmente impossível o seu terceiro estádio. No entanto, entre os conceitos atinentes ao conhecimento da natureza (seja ele de que espécie for), encontramos um de índole particular; por ele podemos tornar compreensível para nós não o que está no objeto, mas o que, e simplesmente por isso, nele pomos; não é propriamente uma componente do conhecimento do objeto, mas constitui, no entanto, um meio ou fundamento de conhecimento dado pela razão e, claro está, do [conhecimento] teórico, na medida em que não é dogmático: tal é o conceito de uma finalidade da natureza, a qual pode ser também um objeto da experiência; por conseguinte, um conceito imanente, não transcendente, como o da estrutura dos olhos e ouvidos, mas do qual, no tocante à experiência, nenhum conhecimento mais extenso existe do que aquele que Epicuro lhe concedia, a saber, uma vez que a natureza formou olhos e ouvidos, utilizamo-los para a visão e a audição; mas isso não prova que a causa que os produziu tenha tido a intenção de criar esta estrutura em harmonia com o fim mencionado; com efeito, este último não pode percepcionar-se, mas aduz-se apenas mediante o discorrer, para unicamente se reconhecer também uma finalidade a tais objetos. Temos, pois, um conceito de uma teleologia da natureza e, certamente, a priori porque, de outro modo, não podemos introduzi-lo na nossa representação dos objetos da natureza, mas somente tirá-lo dessa [representação] enquanto intuição empírica, e a possibilidade a priori de tal espécie de representação, que não é ainda conhecimento algum, funda-se no fato de percebermos em nós mesmos um poder de conexão segundo fins. Por conseguinte, embora as doutrinas físico-teleológicas (dos fins da natureza) jamais possam ser dogmáticas, e ainda menos fornecer o conceito de um fim último, isto é, do incondicionado, na série dos fins, resta, no entanto, o conceito de liberdade, tal como na cosmologia ocorre enquanto causalidade incondicionada de modo sensível, contestado sem dúvida pelo cepticismo, mas não refutado, e, juntamente com ele, também o conceito de um fim último; mais ainda, este afigura-se indispensável no aspecto moral-prático, embora não se lhe possa assegurar teórico-dogmaticamente a sua realidade objetiva como, em geral, também não a de toda a finalidade de objetos dados ou pensados. Este fim último da razão pura prática é o soberano bem enquanto é possível no mundo; mas não deve buscar-se simplesmente naquilo que a natureza pode proporcionar, a saber, a felicidade (a máxima soma de prazer), mas no que constitui a exigência mais elevada, isto é, a condição sob a qual unicamente a razão a pode adjudicar aos seres mundanos racionais, ou seja, no seu comportamento mais conforme a lei. Este objeto da razão é suprassensível; encaminhar-se para ele enquanto fim último é dever portanto, é indubitável que deve haver um estádio da metafísica para esta passagem e o progresso ao longo da mesma. Mas é impossível sem teoria, pois, o fim último não está plenamente em nosso poder; devemos, portanto, fazer-nos um conceito teórico da fonte de onde ele pode brotar. Contudo, semelhante teoria não pode ter lugar segundo o que nós conhecemos nos objetos, mas, quando muito, segundo o que aí pomos, porque o objeto é suprassensível. - Por conseguinte, esta teoria só terá lugar sob o aspecto prático-dogmático, e à ideia de fim último também só sob este aspecto se poderá garantir suficiente realidade objetiva. No tocante ao conceito de fim, ele é sempre produzido por nós, e o conceito de fim último deve construir-se a priori pela razão. Estes conceitos factícios, ou antes, do ponto de vista teórico, estas ideias transcendentes, são, se se expuserem segundo o método analítico, três: o suprassensível em nós, por cima de nós e depois de nós. A liberdade, pela qual há que começar, visto que deste suprassensível dos seres mundanos só conhecemos as leis, sob o nome de leis morais, e a priori, portanto, dogmaticamente, e apenas com um propósito prático, segundo o qual unicamente é possível o fim último; segundo essas [leis], portanto, a autonomia da razão pura prática reconhece-se ao mesmo tempo como autocracia, isto é, como poder de atingir ainda aqui na vida terrestre o que concerne à condição formal do mesmo [poder], a moralidade, apesar de todos os impedimentos que sobre nós, enquanto seres sensíveis e, no entanto, também simultaneamente seres inteligíveis, possam exercer as influências da natureza, isto é, a fé na virtude, como princípio em nós de alcançar o soberano bem. Deus, o princípio suficiente do soberano bem por cima de nós, que, enquanto autor moral do mundo, supre a nossa impotência mesmo em relação à condição material do fim último de uma felicidade no mundo, adequada à moralidade. A imortalidade, isto é, a continuação da nossa existência depois de nós, enquanto filhos da terra, com a prossecução até ao infinito das consequências morais e físicas, que são conformes ao seu comportamento moral. Estes momentos do conhecimento prático-dogmático do suprassensível, expostos segundo o método sintético, têm justamente o seu ponto de partida no detentor absoluto do soberano bem originário, progridem para o que daí deriva (através da liberdade) no mundo sensível e desembocam com as consequências do fim último objetivo dos homens num [mundo] inteligível futuro; surgem, pois, sistematicamente nesta ordem: Deus, liberdade e imortalidade. Quanto ao intuito da razão humana de determinar estes conceitos em vista de um conhecimento efetivo, não há necessidade de prova alguma, e a metafísica, que se tomou precisamente uma inquirição indispensável para unicamente satisfazer esse [intuito], não necessita de justificação alguma por se consagrar incansavelmente a semelhante fim. - Mas conseguiu ela, desde a época de Leibniz e Wolff, em relação ao suprassensível, cujo conhecimento é o seu fim último, alguma coisa e quanto, e que pode ela conseguir em geral? Eis a questão, a. que importa responder, se ela visa a obtenção do fim último, em vista do qual deve existir a metafísica em geral. SOLUÇÃO DO PROBLEMA ACADÊMICO I. Que progressos pode a metafísica fazer relativamente ao suprassensível? Pela crítica da razão pura provou-se suficientemente que, para além dos objetos dos sentidos, não pode haver absolutamente nenhum conhecimento teórico e, porque neste caso tudo devia ser conhecido a priori mediante conceitos, também não conhecimento teórico-dogmático algum; e pela simples razão de que a todos os conceitos deve poder subjazer uma intuição para assim lhes proporcionar realidade objetiva; ora, toda a nossa intuição é sensível. Por outras palavras: da natureza de objetos suprassensíveis, de Deus, da nossa própria faculdade de liberdade e da nossa alma (separada do corpo), nada podemos conhecer que diga respeito às consequências e aos efeitos deste princípio interno de tudo o que pertence à existência dessas coisas, e por cujo intermédio possam para nós ser, mesmo que só minimamente, explicáveis os seus fenômenos, e cognoscível o seu princípio, o próprio objeto. Por conseguinte, importa apenas [saber] se, não obstante, poderá haver um conhecimento prático dogmático desses objetos suprassensíveis, o que seria então o terceiro estádio da metafísica e que cumpriria integralmente o seu fim. Neste caso, teríamos de inquirir a coisa suprassensível não segundo o que ela é em si, mas apenas como temos de a pensar, e de admitir a sua natureza, a fim de, quanto a nós, ser adequada ao objeto prático-dogmático do puro princípio moral, ou seja, o fim último, que é o soberano bem. Não empreenderíamos então inquirições acerca da natureza das coisas, que nós próprios produzimos e, claro, simplesmente em vista de um propósito prático necessário, e que talvez não existam fora da nossa ideia, que porventura não podem existir (embora não encerrem. qualquer contradição), pois, poderíamos nelas apenas perder-nos no transcendente; queremos somente saber que princípios morais, em conformidade com a ideia que a nossa razão forma de modo absolutamente necessário, se impõem às ações; e surgiria então um conhecimento prático-dogmático e um saber da constituição do objeto, na plena renúncia a um conhecimento teorético; acerca do primeiro a questão versa quase só sobre o nome com que designar esta modalidade do nosso assentimento, a fim de que, para tal propósito, não tenha um conteúdo demasiado restrito (como na simples opinião), mas também - não demasiado amplo (como no tomar por provável), e assim dar o jogo a ganhar ao céptico. A persuasão, porém, que é um assentimento de que em si mesmo não se pode decidir se radica em razões simplesmente subjetivas ou em razões objetivas, ao contrário da convicção, simplesmente sentida, na qual o sujeito crê ter consciência de razões objetivas e da sua suficiência, embora não a possa nomear nem, por conseguinte, tornar distinta na sua conexão com o objeto, não podem as duas contar-se entre as modalidades do assentimento no conhecimento dogmático quer seja teórico ou prático; este, com efeito, deve ser um conhecimento a partir de princípios e, por consequência, deve ser capaz de uma representação distinta, inteligível e comunicável, O significado deste assentimento, distinto da opinião e do saber, enquanto se funda num juízo de propósito teórico, pode atribuir-se ao termo fé, pelo qual se entende uma conjectura, suposição, que se tornou necessária só porque funda necessariamente uma regra objetiva prática da conduta, na qual não discernimos teoricamente a possibilidade da execução e do objeto em si daí resultante, mas reconhecemos, no entanto, subjetivamente o único modo de consonância dos mesmos com o fim último. Tal fé é o assentimento a uma proposição teórica, por exemplo, existe um Deus, mediante a razão prática e, neste caso, considerada como pura razão prática, em que por o fim último, a consonância do nosso esforço em vista do soberano bem, se encontrar sob uma regra prática absolutamente necessária, isto é, moral, - mas cujo efeito de nenhum outro modo podemos pensar como possível senão sob suposição da existência de um bem soberano originário -, nos vemos forçados a priori a admiti-lo do ponto de vista prático. Assim, para a parte do público, que nada tem a ver com o comércio dos cereais, a previsão de uma má colheita é uma simples opinião; depois que a seca se manteve durante toda a Primavera, é já um saber; para o comerciante, porém, cujo fim e preocupação é ter lucro neste negócio, é uma fé que a colheita será má e, por conseguinte, deve gerir as suas reservas, pois deve aqui decidir fazer alguma coisa, visto que se trata do seu interesse e do seu negócio; só que a necessidade desta decisão tomada segundo regras de prudência é apenas condicionada, ao passo que uma [decisão], que pressupõe uma máxima moral, se baseia num princípio que é absolutamente necessário. Pelo que a fé, sob o aspecto moral prático, tem também em si um valor moral, porque encerra uma assunção livre. O Credo em três artigos da confissão da razão pura prática: creio num Deus único, como fonte primordial de todo o bem no mundo, como seu fim último; - creio na possibilidade de, tanto quanto ao homem é possível, harmonizar com este fim último o soberano bem no mundo; - creio numa vida futura eterna como condição de uma incessante aproximação do mundo a este soberano bem nele possível; - este credo, afirmo eu, é um assentimento livre, sem o qual não haveria valor moral algum. Não admite, pois, nenhum imperativo (nenhum crede), e o fundamento da demonstração da sua justeza não constitui uma prova da verdade destas proposições consideradas como teóricas, por conseguinte, numa instrução objetiva sobre a realidade dos seus objetos, pois é impossível relativamente ao suprassensível, mas apenas uma instrução de valor subjetivo e, claro, também prático e, sob este aspecto, suficiente, para agirmos como se soubéssemos que esses objetos eram reais; este modo de representação também não deve aqui considerar-se como necessário, do ponto de vista técnico-prático, como doutrina de prudência (é melhor admitir demasiado do que muito pouco), porque, de outro modo, a fé não seria sincera; mas é necessário só sob o aspecto moral a fim de àquilo a que já estamos obrigados por nós mesmos, a saber, visar o fomento do soberano bem no mundo, acrescentarmos um elemento que completa a teoria da sua possibilidade, unicamente através das simples ideias da razão, porque a esses objetos - Deus, a liberdade na sua qualidade prática e a imortalidade - os formamos apenas em consequência da exigência das leis morais em nós e lhes concedemos livremente realidade objetiva, porquanto estamos seguros de que nestas ideias nenhuma contradição se pode encontrar; a retroação a partir da admissão das mesmas sobre os princípios subjetivos da moralidade e o seu fortalecimento, por conseguinte, sobre a conduta, é também moral na intenção. Mas, não devia haver também provas teóricas da verdade dessas doutrinas sob a fé, em virtude das quais fosse lícito dizer que, segundo elas, é provável que exista um Deus, que se encontre no mundo uma relação moral conforme à sua vontade e adequada à ideia do soberano bem, e que exista uma vida futura para cada homem? - Eis a resposta: a expressão de probabilidade é em semelhante aplicação totalmente absurda. Com efeito, provável é o que tem por si uma razão de assentimento superior à metade da razão suficiente; é, pois, uma determinação matemática da modalidade do assentimento em que os seus momentos se devem considerar como homogêneos, sendo assim possível uma aproximação à certeza; pelo contrário, a razão do mais ou menos verossímil consiste também em razões heterogêneas, pelo que a sua relação com a razão suficiente não pode conhecer-se. Ora, o suprassensível distingue-se, mesmo segundo a espécie, do que é cognoscível de modo sensível, porque está para além de todo o conhecimento que nos é possível. Portanto, não há nenhum caminho que, em direção a ele, nos permita esperar atingir os mesmos progressos que, no campo do sensível, nos autorizam esperar obter a certeza: não há, pois, nenhuma aproximação a esta, portanto, nenhum assentimento cujo valor lógico se possa chamar probabilidade. Sob o aspecto teórico, não nos aproximamos minimamente da convicção da existência de Deus, da existência do soberano bem e da perspectiva de uma vida futura pelos mais estrênuos esforços da razão, pois não nos é dado conhecimento algum da natureza dos objetos suprassensíveis. Sob o aspecto prático, porém, nós próprios nos formamos estes objetos, da mesma maneira que julgamos que as suas ideias são favoráveis ao fim último da nossa razão pura, fim último que, por ser moralmente necessário, pode muito bem suscitar a ilusão de tomar por conhecimento da existência do objeto adequada a esta forma o que, do ponto de vista subjetivo, a saber, para o uso da liberdade do homem, tem realidade, porque se exibiu em ações da experiência, que são conformes às leis de tal liberdade. Pode agora registra-se o terceiro estádio da metafísica nos progressos da razão pura em direção ao seu fim último. - Ele forma um círculo cuja circunferência se fecha sobre si mesma, e encerra assim um todo do conhecimento do suprassensível, fora do qual nada mais existe dessa espécie e que, no entanto, toca também tudo o que pode satisfazer a necessidade da razão. - Depois que ela se desligou de todo o empírico, em que se enredara ainda nos dois primeiros estádios, e das condições da intuição sensível, que lhe representavam os objetos apenas no fenômeno, e após se ter colocado no ponto de vista das Ideias, a partir das quais considera os seus objetos segundo o que eles são em si mesmos, a razão descreve o seu horizonte, o qual, a partir da liberdade enquanto decorrente de um poder suprassensível, cognoscível porém de modo teórico-dogmático mediante o cânon da moral, retoma a uma intenção prático-dogmática, isto é, dirigida para o fim último: o soberano bem a fomentar no mundo, cuja possibilidade é complementada pelas ideias de Deus, de imortalidade e da confiança ditada pela própria moralidade no sucesso desta intenção, adquirindo assim o seu conceito uma realidade objetiva, mas prática. [Pretender provar] as proposições: existe um Deus; existe na natureza do mundo uma disposição originária, se bem que incompreensível, para a consonância com a finalidade moral; finalmente, existe na alma humana tal disposição que a torna capaz de um progresso incessante para a dita consonância - pretender provar, pois, estas proposições de maneira teórico-dogmática equivaleria a arrojar-se ao transcendente embora a elucidação referente à segunda proposição através da finalidade física, que se encontra no mundo, possa fomentar muito o acatamento da [finalidade] moral. O mesmo se diga da modalidade do assentimento, do pretenso conhecimento e saber, em que se esquece que aquelas Ideias são por nós livremente formadas e não derivadas dos objetos; por conseguinte, nada mais justificam do que o conjecturar no aspecto teórico, se bem que legitimem também a afirmação de que tal suposição é conforme à razão do ponto de vista prático. Daqui resulta, pois, a notável consequência de que o progresso da metafísica no seu terceiro estádio, no campo da teologia, precisamente porque tende ao fim último, é o mais fácil de todos; e, embora ela lide aqui com o suprassensível, não é transcendente, mas compreensível tanto à razão humana comum como aos filósofos, e de tal modo que os últimos são obrigados a orientar-se pela primeira para não se despenharem no transcendente. A filosofia enquanto doutrina da sabedoria tem a vantagem, perante a filosofia como ciência especulativa, de se derivar exclusivamente do poder puro prático da razão, isto é, da moral, na medida em que ela foi derivada do conceito de liberdade enquanto princípio, sem dúvida, suprassensível, mas prático, cognoscível a priori. A esterilidade de todas as tentativas da metafísica de se estender teorico-dogmaticamente quanto ao seu fim último, o suprassensível, primeiro, em relação ao conhecimento da natureza divina, enquanto bem supremo originário; em segundo lugar, a respeito do conhecimento da natureza de um mundo no qual e pelo qual o soberano bem derivado deve ser possível; em terceiro lugar, relativamente ao conhecimento da natureza humana, na medida em que ela, com a constituição natural requerida, é feita para o progresso adequado a este fim último; - a esterilidade, digo eu, de todas as tentativas aí feitas até ao fim da época de Leibniz e de Wolff e, ao mesmo tempo, o fracasso inevitável de todas as que ainda se vierem no futuro a fazer deve agora provar que, no caminho teórico-dogmático que leva a metafísica ao seu fim último, não existe salvação; todo o pretenso conhecimento neste campo é transcendente, por conseguinte, inteiramente vazio. Teologia transcendente A razão quer, na metafísica, formar um conceito da origem de todas as coisas, do ser originário e da sua natureza intrínseca; e parte subjetivamente do conceito originário da realidade em geral, isto é, daquilo cujo conceito representa em si mesmo um ser, diferentemente daquilo cujo conceito representa um não ser; só que, para pensar objetivamente o incondicionado neste ser originário, ela o representa como contendo o todo da realidade, determinando assim completamente o seu conceito como o do ser supremo - o que nenhum outro conceito consegue; e no tocante à possibilidade de tal ser, como Leibniz acrescenta, não há dificuldade alguma em prová-la, porque realidades, enquanto simples afirmações, não podem contradizer-se, e o que é pensável, em virtude de o seu conceito a si mesmo não se contradizer, isto é, tudo aquilo de que é possível o conceito, é também uma coisa possível- eis, no entanto, algo perante o qual a razão, levada pela crítica, podia muito bem abanar a cabeça. Será, no entanto, bom para a metafísica se aqui não tomar conceitos por coisas ou, antes, os seus nomes por conceitos e não sofismar assim inteiramente no vácuo. É verdade que, ao querermos formar a priori um conceito de uma coisa em geral, portanto, ontologicamente, pomos sempre no pensamento, como conceito originário, o conceito de um ser sumamente real, pois uma negação, enquanto determinação de uma coisa, é sempre apenas uma representação derivada, porque não pode pensar-se como supressão sem primeiro se ter pensado, como algo que é posto a realidade a ela contrária; e assim, ao fazermos desta condição subjetiva do pensamento a [condição] objetiva da possibilidade das próprias coisas, todas as negações se devem considerar simplesmente como limites do conjunto integral das realidades, por conseguinte, todas as coisas, exceto este conceito da sua possibilidade, se devem ver apenas como dele derivadas. Este único [conceito], pelo qual a metafísica - pergunta-se como - se deixou enfeitiçar, é o soberano bem metafísico. Contém o material para a produção de todas as outras coisas possíveis, tal como o bloco de mármore para a produção de estátuas de infinita diversidade, o que só é possível por limitação (separação de certa parte do todo do resto, portanto, só por negação), e assim mal distingue-se do bem no mundo unicamente como formal das coisas, tal como as sombras na luz do sol que inunda todo o espaço universal, e os seres mundanos são maus unicamente porque constituem simples partes e não o todo, são em parte reais, em parte negativos. Em semelhante construção de um mundo, este Deus metafísico torna-se certamente suspeito de (não obstante todos os protestos contra o espinosismo) se identificar com o mundo enquanto totalidade dos seres existentes. Mas, fechando os olhos a todas estas objeções, sujeitemos a exame as pretensas provas da existência de tal ser que, por isso, se podem chamar ontológicas. Há aqui apenas dois argumentos e também não pode haver mais. - Ou se conclui do conceito do ser sumamente real para a existência do mesmo, ou da existência necessária de alguma coisa para um conceito determinado que dela temos de fazer. O primeiro argumento conclui assim: um ser meta fisicamente de todo perfeito deve existir necessariamente, pois, se não existisse, faltar-lhe-ia uma perfeição, a saber, a existência. O segundo conclui inversamente: um ser que existe como ser necessário deve ter toda a perfeição, pois, se não tivesse em si toda a perfeição (realidade), não seria plenamente determinado a priori pelo seu conceito, logo, não poderia conceber-se como ser necessário. A falta de fundamento da primeira prova, em que a existência se concebe como uma determinação particular para além do conceito de uma coisa e a este acrescentada, visto que é apenas a posição da coisa com todas as suas determinações e pela qual, pois, este conceito não sofre extensão alguma, - esta falta de fundamento, dizia eu, é tão elucidativa que importa não se deter em tal prova, a qual, além disso, parece estar já a ser abandonada pelos metafísicos como insustentável. A conclusão da segunda é mais especiosa porque visa a extensão do conhecimento não por simples conceitos a priori, mas a experiência, se bem que se trate unicamente da experiência em geral: existe algo, eis o seu fundamento, e daqui conclui - porque toda a existência deve ser ou necessária ou contingente, mas a última pressupõe sempre uma causa que só pode ter a sua razão completa num ser não contingente, logo, necessário, então existe um ser desta última natureza. Ora, porque só podemos conhecer a necessidade da existência de uma coisa, tal como em geral toda a necessidade, ao derivarmos a sua existência a partir de conceitos a priori, mas o conceito de algo existente é um conceito de uma coisa omnimodamente determinada, então o conceito de um ser necessário será aquele que contém ao mesmo tempo a determinação completa desta coisa. De tal gênero, porém, só temos um único conceito, o do ser sumamente real. Ergo, o ser necessário é um ser que contém toda a realidade, quer como princípio ou como conjunto. Eis um progresso da metafísica pela porta das traseiras. Ela quer demonstrar a priori e, no entanto, põe na base um dado empírico de que se serve, tal como Arquimedes do seu ponto fixo fora da terra (mas, aqui, ele está nela), para aí apoiar a sua alavanca e elevar o conhecimento até ao suprassensível. Mas, se se aceitar a tese de que existe algo de absolutamente necessário, é também certo que não formamos absolutamente conceito algum de uma coisa que existe assim e, por conseguinte, não podemos inteiramente determinar tal coisa segundo a sua constituição natural (pois, os predicados analíticos; isto é, os que são um só com o conceito de necessidade, por exemplo, a imutabilidade, a eternidade e também a simplicidade da substância, não são determinações, pelo que a unidade de tal ser não pode igualmente provar-se - se, pois, dizia eu, nos havemos mal com a tentativa de a seu respeito fazermos um conceito, então o conceito deste Deus metafísico permanece sempre um conceito vazio. Ora, é absolutamente impossível fornecer de modo determinado um conceito de um ser que seja de tal natureza que surja uma contradição quando o suprimo em pensamento, supondo-se também que o admito como o todo da realidade. Com efeito, num juízo só ocorre uma contradição se eu aí suprimir um predicado, ao mesmo tempo que, no conceito do sujeito, preservo algo que com ele é idêntico; mas nunca terá lugar uma contradição se eu suprimir a coisa juntamente com todos os seus predicados e se, por exemplo, disser: não há nenhum ser sumamente real. Ergo, não podemos de modo algum formar o conceito de uma coisa absolutamente necessária enquanto tal (e a razão disso é que se trata de um simples conceito de modalidade, que não contém a relação ao sujeito como uma constituição da coisa, mas apenas a relação ao objeto mediante a conexão da representação dele com a faculdade de conhecer). Consequentemente, da sua existência suposta não podemos minimamente concluir para determinações que poderiam estender o nosso conhecimento dele para além da sua existência necessária e fundar assim uma espécie de teologia. Portanto, cai no nada, tal como a precedente, a prova por alguns chamada cosmológica, mas, no entanto, transcendental (porque supõe um mundo existente); em virtude de ela nada querer concluir a partir da natureza de um mundo, mas só desde a suposição do conceito de um ser necessário, logo, de um puro conceito de razão a priori, pode incluir-se na ontologia. Passagem da metafísica ao suprassensível depois da época de Leibniz e Wolff O primeiro estádio da passagem da metafísica ao suprassensível, o qual subjaz à natureza como a suprema condição de tudo o que nela é condicionado e, portanto, se aduz como base da teoria, é o que leva à teologia, isto é, ao conhecimento de Deus, se bem que apenas segundo a analogia do seu conceito com o de um ser inteligente, enquanto princípio originário de todas as coisas, essencialmente distinto do mundo; tal teoria provém da razão, não numa acepção teorética, mas apenas prático-dogmática, portanto, subjetivamente moral, ou seja, não é para fundar a moralidade segundo as suas leis e até segundo o seu fim último - pois ela constitui antes o fundamento, enquanto existindo por si mesma-, mas para, em relação ao mesmo, ergo, numa intenção prática, proporcionar realidade à ideia do mais elevado bem possível num mundo, bem que, olhado objetiva e teoricamente, ultrapassa o nosso poder; para isso, é suficiente a simples possibilidade de pensar tal ser e é possível, ao mesmo tempo, uma passagem para o suprassensível, um conhecimento do mesmo, mas só do ponto de vista prático-dogmático. Ora, aí está um argumento que, para a razão do homem, enquanto ela é moralmente prática, chega para provar a existência de Deus como ser moral, isto é, para a suposição do mesmo; e é suficiente para fundar uma teoria do suprassensível, mas só como passagem prático-dogmática para ele. Não se trata, pois, de uma prova da sua existência em absoluto, mas apenas numa certa perspectiva, a saber, relativamente ao fim último que o homem moral tem e deve ter; por consequência, admiti-lo é conformar-se à razão, pois o homem tem a competência para conceder influência sobre as suas decisões a uma ideia que para si mesmo formou segundo princípios morais, como se a tivesse tirado de um objeto dado. Claro está, uma teologia deste tipo não é teosofia, isto é, conhecimento da natureza divina, que é inacessível, mas é, não obstante, conhecimento do insondável princípio de determinação da nossa vontade, que descobrimos não ser suficiente, apenas em nos, para o seu fim último e, por isso, o supomos, acima de nós, num outro ser, o ser supremo, para proporcionar à vontade, mediante a ideia de uma natureza suprassensível, em vista da efetivação do que a razão prática lhe prescreve, o suplemento que falta à teoria. O argumento moral poderia, pois, chamar-se um argumentum válido para os homens enquanto seres mundanos racionais, e não somente uma forma de pensar contingentemente admitida para este ou aquele homem, e deveria distinguir-se do argumento teórico-dogmático, que assevera como verdadeiro mais do que o homem pode conhecer. Pretensos progressos teórico-dogmáticos na teologia moral, durante a época de Leibniz e Wolff Para este estádio do progresso da metafísica na filosofia considerada, não se fez divisão alguma particular, mas antes se fez dele um apêndice à teologia no capítulo do fim último da criação; está contido na explicação dada a este respeito, segundo a qual este fim último é a glória de Deus: eis o que por ela unicamente se pode entender - no mundo real, existe tal ligação de fins que, tomada na sua totalidade, contém o mais elevado bem possível num mundo, portanto, a condição teleológica suprema da sua existência, e é digna de uma divindade, tomada como criador moral. Porém, a condição suprema, se não integral, da perfeição do mundo, é a moralidade dos seres mundanos racionais, que, por seu turno, se baseia na liberdade; dela, enquanto espontaneidade incondicionada, devem também eles tornar-se conscientes a fim de poderem ser moralmente bons, sob o pressuposto, porém, de que é de todo impossível conhecê-los teoricamente segundo a sua finalidade como seres que surgiram por criação, portanto, mediante a vontade de um outro, da mesma maneira que se pode atribuir esta [finalidade], nos seres naturais sem razão, a uma causa distinta do mundo e, por conseguinte, representar-se esta última como dotada de uma perfeição físico-teleológica infinitamente diversa; pelo contrário, a [causa] moral-teleológica, que deve fundar-se originariamente nos próprios homens, não pode ser o efeito nem, por consequência, o fim, que um outro pudesse pretender realizar. Ora, se bem que o homem não possa tornar compreensível, do ponto de vista teórico-dogmático, a possibilidade do fim último para que deve tender, mas que não tem inteiramente em seu poder, pois, se ele põe o seu fomento sob o aspecto físico na base de uma tal teleologia, elimina a moralidade que, no entanto, é o elemento mais preeminente neste fim último; mas se fundar no moral tudo aquilo em que põe o fim último, na ligação com o físico, que, no entanto, não pode separar-se do conceito do soberano bem enquanto seu fim último, não consegue suplementar a sua impotência para a exposição do mesmo: resta-lhe, porém, um princípio prático-dogmático da transição para, esse ideal da perfeição cósmica; apesar da objeção de que o curso do mundo enquanto fenômeno se opõe a esse progresso, pode admitir no mesmo mundo, como objeto em si, uma tal conexão moral-teleológica que visa o fim último como o objetivo suprassensível da sua razão prática, o soberano bem, segundo uma ordem da natureza para ele incompreensível. Que o mundo no seu todo progride sempre para o melhor, eis o que nenhuma teoria o autoriza a admitir, mas, sim, a pura razão prática, a qual lhe ordena dogmaticamente agir segundo tal hipótese e assim, em conformidade com este princípio, para si faz uma teoria, à qual, deste ponto de vista, nada mais pode conceder do que o ser pensável - o que não chega, nem de longe, para provar, sob o aspecto teórico, a realidade objetiva deste ideal, mas satisfaz inteiramente a razão do ponto de vista moralmente prático. Portanto, o que é impossível do ponto de vista teórico, a saber, o progresso da razão em direção ao suprassensível do mundo, em que vivemos, ou seja, ao soberano bem derivado, é real sob o aspecto prático, isto é, para equiparar a conduta do homem aqui sobre a terra por assim dizer a uma conduta no céu, ou seja, pode e deve supor-se o mundo segundo a analogia com a teleologia física que nos permite percepcionar a natureza (e mesmo independentemente desta percepção) como destinada a priori a coincidir com o objeto da teleologia moral, ou seja, o fim último de todas as coisas segundo as leis da liberdade, de modo a tender para a Ideia do soberano bem, o qual, enquanto produto moral, exige como autor o próprio homem (tanto quanto está em seu poder); a sua possibilidade, sob o aspecto teórico, não é um conceito sólido, como pretende a filosofia de Leibniz e de Wolff, mas transcendente, nem o é mediante a criação, que põe como fundamento um autor exterior, nem pelo discernimento do poder que a natureza humana tem de se adequar a tal fim; é, porém, do ponto de vista prático-dogmático, um conceito real e sancionado, para o nosso dever, pela razão prática. O pretenso progresso teórico-dogmático da metafísica na psicologia, durante a época de Leibniz e Wolff A psicologia, para a inteligência humana, nada mais é e nada mais pode ser do que antropologia, isto é, enquanto conhecimento do homem, está apenas confinada à condição de ele se conhecer como objeto do sentido interno. Mas ele é igualmente consciente de si mesmo como objeto dos seus sentidos externos, isto é, tem um corpo, vinculado ao objeto do sentido interno, que se chama a alma do homem. Que ele não é integral e simplesmente corpo, pode provar-se com rigor se este fenômeno se considerar como coisa em si, porque a unidade da consciência, que deve encontrar-se necessariamente em todo o conhecimento (por conseguinte, também no de si mesmo), impossibilita que representações repartidas entre muitos sujeitos devam constituir a unidade do pensamento; ergo, o materialismo nunca se pode utilizar como princípio de explicação da natureza da nossa alma. Mas se olharmos os corpos, como também as almas, apenas como fenômenos - o que não é impossível, pois ambos são objetos dos sentidos - e se refletirmos que o númeno - o qual subjaz àquele fenômeno, isto é, o objeto externo -, enquanto coisa em si, poderia talvez ser uma entidade simples ... Arredada, porém, esta dificuldade, isto é, ainda que almas e corpos se considerassem como duas substâncias especificamente diferentes, cuja união faz o homem, permanece impossível para toda a filosofia, em especial para a metafísica, decidir em que e quanto às almas, e em que e quanto o próprio corpo, contribuem para as representações do sentido interno, ou se talvez, no caso de uma destas substâncias estiver separada da outra, a alma não ficaria absolutamente privada de toda a espécie de representações (intuição, sensação e pensamento). Por conseguinte, é de todo impossível saber se, após a morte do homem, quando a sua matéria se dispersa, a alma, mesmo que a sua substância subsista, poderá continuar a viver, isto é, a pensar e a querer, ou seja, se ela é ou não um espírito (pois, por esta palavra entende-se um ser que, mesmo sem corpo, pode ser consciente de si e das suas representações). A metafísica de Leibniz e de Wolff demonstrou-nos, sem dúvida, muitas coisas a este respeito de um modo teórico-dogmático, isto é, não só a vida futura da alma, luas até a impossibilidade da sua perda pela morte do homem, ou seja, pretendeu demonstrar a sua imortalidade, mas sem conseguir convencer ninguém; pelo contrário, pode ver-se a priori que tal prova é inteiramente impossível, porque a experiência interna é o único meio de nos conhecermos a nós mesmos; toda a experiência pode apenas ter lugar na vida, isto é, quando alma e corpo estão ainda unidos; por conseguinte, de nenhum modo podemos saber o que poderemos ser e fazer após a morte nem, portanto, conhecer a natureza separada da alma. Haveria, pois, que aventurar-se a fazer a tentativa de, ainda em vida, pôr a alma fora do corpo - o que equivaleria mais ou menos à tentativa de alguém que pretendesse olhar-se ao espelho com os olhos fechados e que, à pergunta sobre o que com isso visava, respondesse: queria apenas saber qual a minha aparência ao dormir. Sob o aspecto moral, porém, temos uma razão suficiente para admitir uma vida do homem após a morte (fim da sua vida terrestre) mesmo para a eternidade, por consequência, a imortalidade da alma; e esta doutrina é uma transição prático-dogmática para o suprassensível, isto é, para algo que é simples ideia e não pode ser objeto da experiência, mas que, no entanto, possui uma realidade objetiva, válida, porém, só do ponto de vista prático. A aspiração permanente ao soberano bem como fim último induz a admitir uma duração que é proporcionada àquela sua infinidade e completa insensivelmente a deficiência da prova teórica, de modo que o metafísico não sente a insuficiência da sua teoria porque, secretamente, a influência moral não lhe deixa perceber a carência do seu conhecimento, pretensamente tirado da natureza das coisas, conhecimento que, neste caso, é impossível. Eis os três graus do progresso da metafísica em direção ao suprassensível, que constitui o seu fim último genuíno. Foi um esforço inútil, que desde sempre ela a si mesma se impôs, o de o alcançar pela via da especulação e do conhecimento teórico; e assim essa ciência tomou-se o tonel sem fundo das Danaides. Só quando as leis morais revelaram o suprassensível no homem, a liberdade, cuja possibilidade nenhuma razão pode explicar, mas cuja realidade se pode provar nessas doutrinas prático-dogmáticas, só então é que a razão tem a pretensão legítima ao conhecimento do suprassensível, mas apenas com a restrição ao uso feito no aspecto prático; pois, só então se manifesta certa organização da razão pura prática em que, primeiramente, o sujeito da legislação universal como autor do mundo, em segundo lugar, o objeto da vontade dos seres mundanos como fim último conforme aquela, em terceiro lugar, o estado dos últimos no qual unicamente são capazes de alcançá-lo, são Ideias que se formaram por si mesmas com uma intenção prática, mas não devem apresentar-se com um propósito teórico; de outro modo, elas transformam a teologia em teosofia, a teleologia moral em mística e a psicologia em pneumática, e assim coisas de que podíamos utilizar algo num propósito prático perdem-se no transcendente, onde são e permanecem inteiramente inacessíveis à nossa razão. Por conseguinte, a metafísica é unicamente a Ideia de uma ciência como sistema, que pode e deve construir-se após a realização plena da crítica da razão pura, de que já se têm presentemente os materiais e o plano de construção: um todo que, semelhante o à lógica pura, não necessita nem é passível de nenhum acrescentamento; deve também ser incessantemente habitado e mantido em bom estado, a fim de que as aranhas e os silvanos, os quais jamais deixarão de aqui procurar lugar e fazer ninho, o tornem inabitável para a razão. Este edifício também não é espaçoso; mas, em vista da elegância, que consiste justamente na sua precisão, sem prejuízo da claridade, seria necessária a união dos esforços e do juízo de diversos artistas para lhe darem uma configuração eterna e imutável; assim ficaria inteiramente solucionada a questão da Academia real de não só recensear os progressos da metafísica, mas também de avaliar o estádio percorrido na nova época crítica. Apêndice para uma sinopse do todo Se um sistema é de tal modo constituído que, primeiramente, cada princípio nele é demonstrável em si mesmo; que, em segundo lugar, se houver preocupação pela sua correção, ele conduz inevitavelmente a todos os outros princípios, mesmo que só enquanto simples hipóteses, como a consequências - então, nada mais se pode exigir para reconhecer a sua verdade. Ora, lida-se assim realmente com a metafísica se a crítica da razão controla cuidadosamente todos os seus passos e se considera para onde finalmente se dirigem. Há dois gonzos sobre os quais ela gira: primeiro, a doutrina da idealidade do espaço e do tempo, que, em virtude dos princípios teóricos, aponta simplesmente para o suprassensível, mas como incognoscível para nós, porque é teoricamente dogmática no caminho para tal objetivo, onde tem de lidar com o conhecimento a priori dos objetos dos sentidos; em segundo lugar, a doutrina da realidade do conceito de liberdade, enquanto conceito de um suprassensível cognoscível, em que a metafísica é apenas praticamente dogmática. Mas ambos os gonzos estão, por assim dizer, cravados na ombreira do conceito racional do incondicionado na totalidade de todas as condições reciprocamente subordinadas, onde se deve dissipar a aparência, que produz uma antinomia da razão pura pela confusão dos fenômenos com as coisas em si mesmas e contém nesta própria dialética uma indicação para transitar do sensível ao suprassensível. SUPLEMENTOS TERCEIRO MANUSCRITO Início deste escrito segundo o terceiro manuscrito INTRODUÇÃO O problema da Academia real das ciências contém implicitamente em si duas questões: Se a metafísica, desde sempre até à época imediatamente posterior à de Leibniz e Wolff, deu em geral um só passo no que constitui o seu objetivo próprio e a razão da sua existência; pois, só quando tal aconteceu é que se podem inquirir os progressos ulteriores, que ela poderia ter realizado após certo tempo. A segunda questão é se os pretensos progressos da mesma são reais. O que se designa metafísica (abstenho-me de dela apresentar uma definição determinada) teve, sem dúvida, seja em que época for, de estar na posse de alguma coisa, visto que para ela se encontrou um nome. Mas é apenas acerca dessa posse, que se tinha em vista ao instaurá-la, que constitui assim o seu objetivo, e não acerca da posse dos meios que se congregaram para a sua consecução, que agora se exige prestar contas, quando a Academia pergunta se esta ciência levou a cabo progressos reais. A metafísica contém numa das suas partes (a ontologia) elementos do conhecimento humano a priori - tanto conceitos como princípios - e deve, segundo o seu propósito, contê-los: só que, de longe, a parte mais importante dos mesmos encontra a sua aplicação nos objetos da experiência possível, por exemplo, o conceito de uma causa e o princípio da relação de toda a mudança a essa causa. Mas nunca foi em vista do conhecimento de tais objetos da experiência que se empreendeu uma metafísica, onde esses princípios laboriosamente se separaram uns dos outros, e foram, no entanto, muitas vezes demonstrados de modo tão infeliz a partir de razões a priori que, se o procedimento inevitável do entendimento segundo esses mesmos princípios, ao constituirmos repetidamente a experiência, e a confirmação constante mediante esta última não conseguissem o melhor, seria apenas muito mal vista a convicção que deste princípio fornecem as provas racionais. Na física (se, tomando-a no seu sentido mais geral, por ela se entender a ciência do conhecimento racional de todos os objetos da experiência possível) sempre se utilizaram esses princípios como se pertencessem ao seu âmbito (a física), sem que, lá por serem princípios a priori, os separassem e para eles erigissem uma ciência particular; com efeito, o fim que lhes era atribuído referia-se apenas aos objetos da experiência, em relação aos quais eles unicamente se nos podiam tornar inteligíveis, e não era esse o objetivo genuíno da metafísica. Jamais se teria pensado, em vista deste uso da razão, numa metafísica enquanto ciência segregada se a razão não tivesse encontrado em si um interesse mais elevado, relativamente ao qual a inquiração e a ligação sistemática de todos os conceitos e princípios elementares, que subjazem a priori ao nosso conhecimento dos objetos da experiência, constituía apenas uma preparação. O velho nome desta ciência fornece já uma indicação sobre o gênero de conhecimento, para que ela por desígnio tendia. Quer-se por meio dela ir além de todos os objetos da experiência possível para, se possível, conhecer o que de nenhum modo pode ser objeto da mesma; e a definição da metafísica segundo o propósito que encerra a razão da busca de tal ciência seria, pois, esta: É uma ciência [que permite] avançar do conhecimento do sensível para o do suprassensível. (Entendo aqui por sensível unicamente o que pode ser objeto da experiência. Demonstrar-se-á mais tarde que todo o sensível é apenas fenômeno e não objeto da representação em si mesma.) Mas, por ser impossível mediante princípios empíricos do conhecimento, a metafísica conterá princípios a priori; a matemática também os tem, mas são sempre unicamente tais que se referem a objetos de uma possível intuição sensível, com a qual, porém, não se pode ascender ao suprassensível. Pelo que a metafísica se distinguirá dela por se caracterizar como uma ciência filosófica que é o conjunto do conhecimento racional por conceitos a priori (sem a construção dos mesmos). Finalmente, porque, para a extensão do conhecimento além das fronteiras do sensível, se exige antes um conhecimento completo de todos os princípios a priori, que se aplicam ao sensível, a metafísica, se é que não se pretende elucidá-la segundo o seu fim, mas antes pelos meios de chegar a um conhecimento em geral mediante princípios a priori, isto é, pela simples forma do seu procedimento, deve definir-se como o sistema de todo o puro conhecimento racional das coisas por conceitos. Ora, pode provar-se com a maior certeza que, até à época de Leibniz e de Wolff inclusive, a metafísica não fez a mínima aquisição em vista daquele seu fim essencial, nem sequer a do simples conceito de qualquer objeto suprassensível, de maneira que ela pudesse provar teoricamente ao mesmo tempo a realidade desse conceito - o que teria sido o mínimo progresso possível em direção ao suprassensível; ainda que tivesse sempre faltado o conhecimento deste objeto posto para além de toda a experiência possível; e, visto que, mesmo se a filosofia transcendental tivesse obtido aqui ou além alguma extensão relativamente aos seus conceitos a priori que valem para os objetos da experiência, essa não seria ainda a pretendida pela metafísica, pode justamente afirmar-se que esta ciência, até essa época, não fez progresso algum no sentido da sua missão. Sabemos, pois, sobre que progressos da metafísica nos interrogam, que avanços ela devia verdadeiramente fazer, e podemos distinguir o conhecimento a priori, cujo exame somente serve de meio e não constitui o fim desta ciência - a saber, o que, embora fundado a priori, pode encontrar para os seus conceitos os objetos na experiência, - daquele que constitui o seu fim, e cujo objeto reside para além de toda a fronteira da experiência; em direção a este, a metafísica, elevando-se a partir do primeiro, não avança propriamente, mas pretende antes ultrapassar, já que é incomensurável o abismo que os separa. Aristóteles agarrou-se com as suas categorias quase somente ao primeiro conhecimento; Platão, com as suas Ideias, visava o último conhecimento. Mas, após este exame preliminar da matéria de que se ocupa a metafísica, importa também considerar a forma segundo a qual ela deve proceder. De fato, a segunda exigência, implicitamente contida no problema da Academia real, é que se deve provar que os progressos que a metafísica se pode gloriar de ter feito, são reais. Uma dura exigência, que deve apenas embaraçar os supostos conquistadores bem numerosos neste campo, se é que eles a querem compreender e tomar a peito. No tocante à realidade dos conceitos elementares de todo o conhecimento a priori, que podem encontrar os seus objetos na experiência, bem como aos princípios pelos quais estes últimos se subsumem naqueles conceitos, é a própria experiência que pode servir para provar a sua realidade, se bem que não se divise a possibilidade de como podem eles ter a sua origem no entendimento puro, sem serem extraídos da experiência, por conseguinte, a priori: por exemplo, o conceito de uma substância e a proposição de que em todas as mudanças a substância persiste e só os acidentes surgem ou desaparecem. O físico admite sem hesitação que este passo da metafísica é real e não fictício, porque o utiliza com pleno êxito em toda a investigação da natureza mediante a experiência, certo de nunca vir a ser contradito por nenhuma; não é porque jamais uma experiência o contradisse, se bem que também não o pode provar tal como se encontra a priori no entendimento, mas, sim, porque este princípio é um fio condutor indispensável para constituir tal experiência. O que a metafísica tem de fazer, isto é, descobrir uma pedra de toque para o conceito daquilo que se situa além do campo da experiência possível, e para a realidade da extensão do conhecimento mediante tal conceito, eis onde quase poderia desesperar o metafísico temerário, se somente entendesse a exigência que se lhe faz. Pois, se avança para lá do conceito pelo qual simplesmente pode pensar objetos, mas sem conseguir apoiá-lo em nenhuma experiência possível, e se só esta conjectura é possível - e chega aqui captando-a de modo a não contradizer-se -, então, pode pensar objetos como quiser e está seguro de que não pode embater em experiência alguma que o contradiga, porque pensou um objeto, por exemplo, um espírito, justamente com uma determinação tal que ele de nenhum modo pode ser objeto da experiência. O fato de nem uma só experiência confirmar esta sua ideia não o prejudica minimamente, porque ele queria pensar uma coisa segundo determinações que a situam para além das fronteiras da experiência. Ergo, semelhantes conceitos podem ser totalmente vazios e, por conseguinte, as proposições que consideram os seus objetos como reais podem ser de todo errôneas e, no entanto, nenhuma pedra de toque existe para detectar este erro. O próprio conceito do suprassensível - no qual a razão tem um interesse tal que por isso mesmo a metafísica existe em geral, pelo menos como tentativa - existiu sempre e há de continuar a existir; se este conceito tem realidade objetiva ou se é simples ficção, eis o que não se decidirá diretamente por nenhuma pedra de toque no plano teórico, em virtude das mesmas razões. Sem dúvida, nele não se encontra contradição; mas, se tudo o que é e pode ser não constitui igualmente objeto de experiência possível, por conseguinte, se o conceito do suprassensível em geral não é inteiramente vazio e, portanto, o pretenso progresso do sensível para o suprassensível não está muito afastado deste último para ser permitido tomá-lo como real- eis o que não é possível demonstrar ou contradizer diretamente com prova alguma, que com esse conceito possamos estabelecer. Mas, antes ainda de a metafísica chegar a fazer esta distinção, confundiu ela ideias, que apenas podem ter o suprassensível como objeto, com conceitos a priori, a que, no entanto, se ajustam os objetos da experiência, pois não lhe ocorreu que a origem das primeiras pudesse ser diferente da dos outros conceitos puros a priori; aconteceu assim algo de particularmente notável na história dos erros da razão humana: esta, sentindo-se capaz de adquirir a priori um vasto âmbito de conhecimentos acerca das coisas da natureza e, em geral, do que pode ser objeto de experiência possível (não só na ciência da natureza, mas também na matemática), e tendo efetivamente comprovado a realidade destes progressos, não consegue perceber porque é que não podia ir mais longe com os seus conceitos a priori, ou seja, penetrar auspiciosamente nas coisas ou nas respectivas propriedades, que não se inscrevem entre os objetos da experiência. Devia forçosamente ter os conceitos derivados, dos dois campos por conceitos de uma só e mesma espécie, porque, segundo a sua origem, são realmente homogêneos, na medida em que ambos se fundam a priori na nossa faculdade de conhecer; não são formados a partir da experiência e, por conseguinte, parecem autorizar a expectativa similar de uma posse real e da sua extensão. Só que outro fenômeno particular devia finalmente arrancar a razão entorpecida ao travesseiro do seu saber pretensamente alargado pelas ideias além de todas as fronteiras da experiência possível: e é ele a descoberta de que as proposições a priori, que se confinam a esta última, não só formam uma boa consonância, mas até constituem a priori um sistema do conhecimento da natureza; pelo contrário, as que ultrapassam as fronteiras da experiência, embora pareçam ter uma origem semelhante, entram em contradição, parte entre si e parte com as que se referem ao conhecimento da natureza, e mutuamente se destroem; parecem assim roubar à razão, no campo teórico, toda a confiança e introduzir um cepticismo sem limites. Contra este mal nenhum remédio existe a não ser o de se submeter a própria razão pura, isto é, a faculdade de conhecer algo a priori em geral, a uma crítica minuciosa e completa, de modo a discernir-se a possibilidade de uma extensão real do conhecimento, graças à mesma faculdade, no tocante ao sensível e também em relação ao suprassensível, ou então, se tal extensão não houver aqui de ser possível, a sua limitação; e ainda para que, no atinente ao suprassensível enquanto fim da metafísica, a posse de que ela é capaz seja garantida a priori, não por provas, que tantas vezes se revelaram enganadoras, mas por dedução do direito da razão a essas determinações. A matemática e a ciência da natureza, na medida em que contêm puro conhecimento da razão, não necessitam de nenhuma crítica da razão humana em geral. Com efeito, a pedra de toque da verdade das suas proposições reside nelas próprias, porque os seus conceitos só vão até onde podem ser dados os objetos que lhes correspondem, ao passo que, na metafísica, estão destinados a um uso que deve ultrapassar esta fronteira e alargar-se a objetos que não podem ser dados ou, pelo menos, não o podem ser na medida que exige o uso intentado do conceito, isto é, ser-lhe conformes. TRATADO A metafísica caracteriza-se de modo inteiramente particular entre todas as ciências por ser a única que se pode expor integralmente e assim, à posteridade, nada mais resta para lhe acrescentar e a alargar quanto ao seu conteúdo; e porque, se da sua ideia não resulta ao mesmo tempo sistematicamente o todo absoluto, o conceito que dela se faz pode considerar-se como não corretamente apreendido. A razão para tal reside no fato de a sua possibilidade pressupor uma crítica da pura faculdade de razão na sua totalidade, onde se pode examinar até à exaustão o que esta faculdade consegue realizar a priori em relação aos objetos da experiência possível ou, o que é a mesma coisa (como se mostrará a seguir), relativamente aos princípios a priori da possibilidade de uma experiência em geral, por conseguinte, para o conhecimento do sensível; no tocante ao suprassensível, porém, o que a metafísica, forçada pela simples natureza da razão pura, talvez apenas inquira, mas talvez seja capaz também de conhecer, pode e deve ser indicado exatamente pela constituição e unidade desta pura faculdade de conhecer. Daí e do fato de mediante a ideia de uma metafísica se determinar ao mesmo tempo a priori tudo o que nela se pode e deve encontrar, e que constitui todo o seu conteúdo possível, segue-se que é agora possível avaliar como é que o conhecimento nela adquirido se comporta em relação ao todo, e a posse real de uma época ou numa dada nação se compara com a de outra e, bem assim, com a ausência do conhecimento que nela se busca; e, visto que quanto à necessidade da razão pura nenhuma diferença nacional pode existir, é possível, mediante o exemplo do que aconteceu, fracassou ou se conseguiu num povo, apreciar com um critério rigoroso a penúria ou o progresso da ciência em cada época e em cada povo; e o problema pode resolver-se como uma questão respeitante à razão humana em geral. Sem dúvida, é apenas a pobreza e a estreiteza dos limites em que esta ciência se encontra encerrada que permitem expô-la totalmente num breve esboço, suficiente, apesar de tudo, para uma avaliação de tudo o que nela é verdadeira posse, pelo contrário, a diversidade comparativamente vasta de consequências a partir de escassos princípios, a que conduz a crítica da razão pura, dificulta a tentativa de, em tão pequeno espaço, como exige a Academia real, se levar a cabo uma exposição integral; com efeito, em metafísica, com uma investigação parcial, não se chega a nada; só a consonância de cada proposição com o todo do uso da razão pura é que pode fornecer a garantia da realidade dos seus progressos. Uma concisão fecunda, mas sem degenerar em obscuridade, será, pois, no tratado que vai seguir-se, o objeto de uma solicitude quase mais atenta do que a dificuldade de satisfazer a tarefa que, presentemente, importa solucionar. PRIMEIRA SECÇÃO Do problema geral da razão que a si mesma se submete a uma crítica Este problema está contido na questão: como são possíveis os juízos sintéticos a priori? Os juízos são analíticos quando o seu predicado representa claramente apenas o que estava pensado no conceito do sujeito, se bem que de modo obscuro. Por ex., todo o corpo é extenso. Se a tais juízos se quisesse chamar idênticos, apenas se suscitaria a confusão, pois, semelhantes juízos em nada contribuem para a clareza do conceito - clareza que, não obstante, constitui o fito de todo o juízo - e, por isso, se denominam vazios; por ex., todo o corpo é um ser corporal (por outras palavras, material). Os juízos analíticos fundam-se certamente na identidade e podem a ela reconduzir-se, mas não são idênticos, porque carecem de análise e assim se prestam à elucidação do conceito; em contrapartida, mediante os idênticos, explicar-se-ia o mesmo pelo mesmo, pelo que não haveria qualquer elucidação. Os juízos sintéticos são tais que, pelo seu predicado, vão além do conceito do sujeito, uma vez que aquele contém algo que não é pensado no conceito do último: por ex., todos os corpos são pesados. Aqui, não se inquire se o predicado está sempre ligado ou não ao conceito do sujeito, mas apenas se diz que ele não é pensado neste conceito, embora deva necessariamente convir-lhe. Assim, por ex., a proposição - toda a figura de três lados tem três ângulos - é uma proposição sintética. Embora seja impossível, quando eu penso três retas como encerrando um espaço, que assim não se formem ao mesmo tempo três ângulos, contudo, no conceito de trilátero, não penso a inclinação recíproca desses lados, isto é, o conceito de ângulo não é nele realmente pensado. Todos os juízos analíticos são juízos a priori e valem, portanto, com estrita universalidade e absoluta necessidade, porque se fundam inteiramente no princípio de contradição. Mas os juízos sintéticos podem também ser juízos de experiência, que nos ensinam, é certo, como certas coisas são constituídas, mas jamais que elas devem necessariamente ser assim e não podem ser constituídas de outro modo: por ex., todos os corpos são pesados; a sua universalidade é, neste caso, somente comparativa: todos os corpos, tanto quanto os conhecemos, são pesados - universalidade que poderíamos chamar empírica, para a distinguirmos da racional, que, enquanto conhecida a priori, é uma universalidade estrita. Ora, se houvesse proposições sintéticas a priori, não se baseariam no princípio de contradição e a seu respeito por-se-ia a questão acima mencionada, ainda nunca antes levantada na sua universalidade e menos ainda resolvida: como são possíveis proposições sintéticas a priori? O presente tratado irá mostrar, a seguir, amplamente que existem proposições assim; e que a razão não serve apenas para elucidar analiticamente os conceitos já adquiridos (tarefa muito necessária para a si mesmo, antes de mais, se compreender), mas que também é capaz de estender sinteticamente a priori a sua posse; e ainda que a metafísica, do ponto de vista dos meios de que se serve, se funde nos primeiros, ao passo que, no tocante ao fim, se apeia inteiramente nos últimos. Mas, em virtude de os progressos que a metafísica pretende ter feito poderem ainda suscitar dúvidas de se são ou não reais, eis que, qual colosso, surge a matemática pura para demonstrar a realidade de um conhecimento alargado pela simples razão pura, não obstante os ataques do mais audaz céptico. Embora de nenhum modo necessite de uma crítica da pura faculdade de razão para a confirmação da validade das suas asserções, mas se justifique pelo seu próprio fato, existe nela, contudo, um exemplo seguro para mostrar ao menos a realidade do problema de todo em todo indispensável à metafísica: como são possíveis proposições sintéticas a priori? O que melhor do que tudo demonstra o espírito filosófico de Platão, matemático experimentado, é que a nobre razão pura, ao rodear em geometria o entendimento com tantos princípios excelentes e imprevistos, conseguiu mergulhá-lo numa tal admiração que esta o arrastou para uma concepção arrebatada, a qual considera todos estes conhecimentos não como aquisições novas feitas na nossa vida terrena, mas como simples reviviscências de ideias muito anteriores, cujo fundamento adequado só poderia ser a comunhão com o entendimento divino. A um simples matemático tê-lo-iam talvez alegrado até à hecatombe estes produtos da razão, mas a sua possibilidade não o mergulharia na admiração, porque se limitava a incubar o seu objeto e não tinha nenhuma oportunidade de considerar e admirar o sujeito, por este ser capaz de adquirir um tão profundo conhecimento. pelo contrário, um simples filósofo, como Aristóteles, não teria notado suficientemente a imensa diferença entre o puro poder da razão, que lhe permite estender-se a partir de si mesma, e aquele que, guiado por princípios empíricos, progride mediante raciocínios para princípios mais gerais; por conseguinte, também não sente uma tal admiração; olhando a metafísica apenas como uma física que ascende a níveis superiores, nada teria encontrado de surpreendente e de incompreensível na sua arrogância de se elevar até ao suprassensível, para o qual tão difícil devia ser encontrar a chave, como de fato assim é. SEGUNDA SECÇÃO Determinação da tarefa proposta relativamente às faculdades de conhecer, que em nós constituem a razão pura. Só assim é que o problema anterior se deixa resolver: importa primeiro considerá-lo na sua relação com as faculdades do homem, pelas quais ele é capaz de estender o seu conhecimento a priori e que nele constituem o que especificamente se pode chamar a sua razão pura. Se por razão pura de um ser em geral se entende a faculdade de conhecer coisas independentemente da experiência, por conseguinte, das representações sensíveis, nem por isso se determina de que modo em geral é neste ser (por ex., em Deus ou num espírito superior) possível tal conhecimento; e o problema permanece então indeterminado. Pelo contrário, no tocante ao homem, todo o seu conhecimento consta de conceito e de intuição. Cada um dos dois é, sem dúvida, representação, mas não ainda conhecimento. Representar-se algo mediante conceitos, isto é, no geral, chama-se pensar, e a faculdade de pensar tem o nome de entendimento. A representação imediata do singular é a intuição. O conhecimento por conceitos chama-se discursivo; o que tem lugar na intuição, intuitivo. Efetivamente, para haver conhecimento, requer-se a conjunção dos dois, mas ele recebe o nome do que, enquanto princípio determinante, atrai preferentemente, em cada caso, a minha atenção. Depende da constituição específica da faculdade humana de conhecer - a qual iremos, dentro em breve, examinar de mais perto - que os dois possam ser modos de representação empíricos ou também puros. Graças à intuição, que é conforme a um conceito, o objeto é dado; sem ela, é simplesmente pensado. Mediante a simples intuição sem conceito, o objeto é certamente dado, mas não pensado; graças ao conceito sem a intuição correspondente, ele é pensado, mas não dado. Por conseguinte, não é conhecido em ambos os casos. Se a um conceito se puder juntar a priori a intuição correspondente, diz-se que tal conceito é construído; se se tratar apenas de uma intuição empírica, diz-se então que há um simples exemplo para o conceito; a ação de acrescentar a intuição ao conceito chama-se, nos dois casos, exibição do objeto, sem a qual (quer seja mediata ou imediata) não pode haver conhecimento algum. A possibilidade de um pensamento ou conceito funda-se no princípio de contradição, por ex., a noção de um ser pensante incorpóreo (de um espírito)! A coisa cujo simples pensamento é impossível (isto é, cujo conceito se contradiz) é ela própria também impossível. Mas a coisa, cujo conceito é possível, nem por isso é uma coisa. A primeira possibilidade pode chamar-se lógica, e a segunda pode designar-se possibilidade real; a prova da última é a prova da realidade objetiva do conceito, que sempre se tem o direito de exigir. Mas nunca pode ser fornecida senão pela exibição do objeto correspondente ao conceito; de outro modo, resta apenas sempre um pensamento. Se lhe corresponde um objeto ou se é vazio, isto é, se ele em geral pode servir para o conhecimento, eis o que permanece sempre incerto, até que aquele seja mostrado num exemplo. (Certo autor quer frustrar esta exigência por meio de um caso que, na realidade, é único no seu gênero, a saber, o conceito de um ser necessário, de cuja existência poderíamos estar seguros, porque a causa última deve ser pelo menos um ser absolutamente necessário; pelo que se pode provar a realidade objetiva deste conceito, sem que seja forçoso fornecer em qualquer exemplo uma intuição que lhe corresponda. Mas o conceito de um ser necessário não é ainda o conceito de uma coisa determinada de um modo qualquer. Com efeito, a existência não é nenhuma determinação de uma coisa e, a partir da sua simples existência, quer se admita como necessária ou não, não pode absolutamente conhecer-se que predicados internos convêm a uma coisa, pela razão de que é admitida como uma coisa independente, segundo a existência. Nota de Kant). O SEGUNDO ESTÁDIO DA METAFÍSICA A sua imobilização no cepticismo da razão pura Embora parar não constitua um progresso e não possa, por conseguinte, chamar-se com justeza um estádio percorrido, contudo, se o avanço numa certa direção tem como consequência inevitável igual regressão, o resultado é então o mesmo que não ter saído do lugar. Espaço e tempo contêm relações do condicionado às suas condições, por ex., a grandeza determinada de um espaço é só condicionalmente possível, isto é, que outro espaço o contenha; de igual modo, um tempo determinado só é possível por ser representado como parte de um tempo ainda maior. O mesmo se passa com todas as coisas dadas como fenômenos. A razão, porém, exige conhecer o incondicionado e, com ele, a totalidade de todas as condições, pois, de outro modo, não cessa de inquirir, como se nenhuma resposta tivesse sido dada. Ora, isto não bastaria por si só para transviar a razão; com efeito, quantas vezes não é em vão que se indaga o porquê na ciência da natureza e, no entanto, acha-se culpada a desculpa da sua ignorância, porque ao menos ela é melhor do que o erro?! Mas a razão extravia-se em si mesma porque, ao ser guiada pelos princípios mais seguros, julga ter encontrado o incondicionado de um lado e, no entanto, segundo outros princípios igualmente certos, é induzida a crer ao mesmo tempo que seria preciso procurar no lado oposto. Esta antinomia da razão não a lança apenas numa dúvida que suspeita de ambas as afirmações - o que deixa ainda como resíduo a esperança de um juízo que venha a decidir a favor de uma ou de outra -, mas arroja-a no desespero de si mesma e leva-a a abandonar toda a pretensão à certeza: eis o que se pode chamar o estado do cepticismo dogmático. Mas este conflito da razão consigo mesma tem a peculiaridade de ela o pensar como um duelo, no qual está certa de bater o adversário, se tomar a ofensiva, mas igualmente tem. a certeza de ser derrotada, se houver de se defender. Por outras palavras: ela não pode tanto contar com a prova da sua tese quanto com a refutação da do adversário, o que nada tem de garantido, pois poderia acontecer que ambos julguem falsamente, ou que os dois tenham razão, se apenas concordarem com o sentido da questão, Esta antinomia divide os combatentes em duas classes; uma busca o incondicionado na composição do homogêneo, a outra, na do diverso, que pode igualmente ser heterogêneo. Aquela é matemática e vai, por adição, das partes de uma grandeza homogênea ao todo absoluto, ou do todo às partes, das quais nenhuma é, por seu turno, um todo. Esta é dinâmica e vai das consequências ao princípio sintético supremo, que é, por conseguinte, algo de realiter distinto da consequência, quer ao princípio determinante supremo da causalidade de uma coisa, quer ao da existência desta própria coisa. Ora, as oposições da primeira classe são, como se disse, de duas espécies. Na que vai das partes ao todo, a tese - O mundo tem um começo - e a antítese - O mundo não tem começo - são ambas igualmente falsas; na que vai das consequências aos princípios e regressa sinteticamente, as duas proposições, embora mutuamente opostas, podem ser verdadeiras, porque uma consequência pode ter vários princípios; a sua diferença é transcendental, isto é, o princípio é ou objeto da sensibilidade, ou da razão pura, e então a sua representação não pode ser dada numa representação empírica; por ex., tudo é necessidade natural e, por conseguinte, não existe liberdade, e não é tudo necessidade natural- o que, por consequência, introduz um estado céptico que suscita uma imobilização da razão. No tocante à primeira classe [de antinomias], acontece na metafísica o mesmo que na lógica, onde dois juízos opostos como contrários podem ambos ser falsos, porque um diz mais do que é exigido para a oposição. Assim, a proposição - O mundo não tem começo - implica a proposição - O mundo tem um começo - não mais ou menos do que o que se exige para a oposição, e uma das duas deveria ser verdadeira, e a outra falsa. Se eu, porém, disser: ele não tem começo, mas existe desde a eternidade, digo mais do que é requerido para a oposição. Pois, além do que o mundo não é, digo ainda o que ele é. Ora, o mundo, considerado como um todo absoluto, é pensado como um númeno e, no entanto, segundo o começo ou o tempo infinito, como fenômeno. Ora, se eu enunciar esta totalidade intelectual do mundo ou se lhe atribuir fronteiras enquanto númeno, as duas proposições são igualmente falsas. Pois, com a totalidade absoluta das condições num mundo sensível, isto é, no tempo, contradigo-me a mim mesmo, quer eu para mim o represente dado numa intuição possível como infinito, ou como limitado. Pelo contrário, assim como na lógica dois juízos opostos como subcontrários podem ambos ser verdadeiros, porque cada um diz menos do que é exigido para a oposição, assim também, na metafísica, dois juízos sintéticos que incidem sobre objetos dos sentidos, mas concernem apenas à relação da consequência com os princípios, podem ambos ser verdadeiros, porque a série das condições é considerada de duas maneiras diversas, a saber, como objeto da sensibilidade ou como objeto da simples razão. Efetivamente, as consequências condicionadas são dadas no tempo; mas os princípios ou as condições acrescentam-se pelo pensamento, e podem ser diversos. Se, pois, disser: Todos os acontecimentos do mundo sensível provêm de causas naturais, ponho como fundamento as condições enquanto fenômenos. Se o adversário afirma: Não acontece tudo por causas naturais, a proposição anterior deveria ser falsa. Se, porém, eu disser: Não acontece tudo por simples causas naturais, mas pode também ao mesmo tempo acontecer algo por razões suprassensíveis - digo menos do que é exigido para a contraposição à totalidade das condições no mundo sensível, pois admito uma causa que se restringe não a essa espécie de condições, mas à da representação sensível; ergo, não contradigo as condições desta espécie; a saber, represento simplesmente para mim o inteligível, cujo pensamento reside já no conceito de um mundus phaenomenon, no qual tudo está condicionado; ergo, a razão não contradiz aqui a totalidade das condições. Esta imobilização céptica, que não encerra nenhum cepticismo, isto é, nenhuma renúncia à certeza na extensão do nosso conhecimento racional para além das fronteiras da experiência possível, é muito salutar, porque, sem ela, ou teríamos abandonado a maior preocupação do homem, de que a metafísica se ocupa como seu fim último, confinando também o nosso uso da razão ao sensível, ou teríamos mantido em suspenso o investigador com intoleráveis falsas aparências de discernimento, como durante tanto tempo aconteceu: se, entretanto, não tivesse emergido a crítica da razão pura que, ao dividir em duas câmaras a metafísica legisladora, corrigiu tanto o despotismo do empirismo como a desordem anárquica da filodoxia irrefreada. Notas marginais Tanto a possibilidade como a impossibilidade incondicionais do não ser de uma coisa são representações transcendentes, que não podem pensar-se, porque, sem condição, não temos razão para pôr ou excluir algo. Portanto, a proposição - uma coisa existe de modo absolutamente contingente, ou, é absolutamente necessária - não tem qualquer fundamento nos dois casos. A proposição disjuntiva não tem, pois, nenhum objeto. É como se eu dissesse: cada coisa é X ou não-X - e eu não conhecesse X. Todo o mundo tem qualquer metafísica como fim da razão e, juntamente com a moral, constitui a filosofia propriamente dita. Os conceitos de necessidade e de contingência parecem não concernir à substância. Também não se inquire a causa da existência de uma substância, porque ela é o que sempre foi e deve permanecer; e não se investiga aquilo sobre que, enquanto substrato, o mutável funda as suas relações. No conceito de substância detém-se o conceito de causa. Ela própria é causa, mas não efeito. Como é que algo será causa de uma substância que lhe é exterior, de modo a que esta lhe deva igualmente a subsistência da sua força? Efetivamente, as consequências da última seriam simplesmente efeitos da primeira e, portanto, a substância não seria sujeito último. A proposição - Tudo o que é contingente tem uma causa - deveria enunciar-se assim: Tudo o que pode existir só de modo condicional tem uma causa. Também a necessidade do ens originarium nada mais é do que a representação da sua existência incondicionada. - A necessidade, porém, significa mais, a saber, que também se pode conhecer, e claro, a partir do seu conceito, que ele existe. A necessidade que a razão tem de do condicionado ascender ao incondicionado diz também respeito aos próprios conceitos. Todas as coisas, efetivamente, contêm realidade e, não há dúvida, um grau de realidade. Este considera-se possível só enquanto condicionado, isto é, na medida em que pressuponho um conceito de realissimum, de que aquele grau de realidade só contém a limitação. Todo o condicionado é contingente e vice-versa. O ser originário, como ser supremo, pode pensar-se como um ser tal que contém em si toda a realidade enquanto determinação. - Este não é real para nós, porque não conhecemos absolutamente toda a realidade; pelo menos, não conseguimos discernir que, na sua grande variedade, possa encontrar-se num único ser. Admitiremos, pois, que existe um ens realissimum como princípio; e ele pode assim representar-se como o ser que nos é totalmente incognoscível quanto ao seu conteúdo. Eis onde reside uma ilusão fundamental: visto que na teologia transcendental há o anseio de conhecer o objeto incondicionalmente existente, pois só ele pode ser necessário, põe-se primeiramente como princípio o conceito incondicionado de um objeto, que consiste nisto: todos os conceitos de objetos limitados enquanto tais são derivados por negações inerentes ou defectus e unicamente o conceito do realissimum, a saber, do ser em que todos os predicados são reais, seria conceptus logice originarius (incondicional). Considera-se isso uma prova de que apenas pode necessariamente existir um ens realissimum ou, vice-versa, que o absolutamente necessário é ens realissimum. Pretende evitar-se a prova de que o ens realissimum existe necessariamente e demonstra-se antes que, se um tal ser existe, deve ser um realissimum, (Ora, importaria também provar que, entre todos os existentes, há um que existe de modo absolutamente necessário, e que tal se pode conseguir.) Mas a prova diz apenas isto: não temos conceito algum do que, em matéria de propriedades, convém a um ser necessário enquanto tal, exceto que, segundo a sua existência, ele existe de modo incondicionado. Ignoramos, porém, o que lhe pertence. Entre os nossos conceitos de coisas, há o de realissimum; é logicamente incondicionado e, no entanto, completamente determinado. Se, pois, pudéssemos atribuir a este conceito também um objeto que lhe corresponda, seria o de ens realissimum. Mas não estamos autorizados a admitir semelhante objeto para o nosso simples conceito. Da hipótese de que algo existe segue-se que alguma coisa também existe necessariamente; mas, não pode saber-se simplesmente e sem condição que algo existe necessariamente; o conceito de uma coisa, segundo os seus predicados intrínsecos, pode também admitir-se como se quiser, e pode provar-se que esta é de todo impossível. Inferi, pois, a partir do conceito de um ser de cuja possibilidade ninguém pode formar um conceito. Mas, por que razão concluo eu pelo incondicionado? Porque ele deve conter o princípio supremo do condicionado. O raciocínio é, pois: I) Se algo existe, existe também algo de incondicionado; 2) O que existe de modo incondicionado existe como ser absolutamente necessário. A última proposição não constitui uma consequência necessária, pois o incondicionado pode ser necessário para uma série, mas ele próprio e a série podem sempre ser contingentes. Não se trata aqui de um predicado das coisas (como, por ex., se são condicionadas ou incondicionadas), mas está em jogo a existência das coisas com todos os seus predicados, isto é, importa saber se ela é ou não necessária em si. Constitui, pois, uma simples relação do objeto ao nosso conceito. Toda a proposição sobre a existência é sintética; ergo, também a proposição: Deus existe. Se tivesse de ser analítica, haveria que desdobrar a existência a partir do simples conceito de tal ser possível. Ora, foi o que se tentou de dois modos: 1) No conceito do ser mais real encontra-se compreendida a sua existência, porque ela é realidade; 2) No conceito de um ser que existe necessariamente está contido o conceito da realidade suprema - única maneira de se poder pensar a absoluta necessidade de uma coisa (necessidade que importa admitir, se é que algo existe). Ora, se um ser necessário houvesse de já conter no seu conceito a realidade suprema, mas esta (como refere o Nº 1) não incluísse o conceito de uma necessidade absoluta, não sendo, por conseguinte, recíprocos os conceitos, então o conceito de realissimum seria um conceptus latior do que o conceito de necessarium, isto é, haveria outras coisas além do realissimum e que podiam ser entia necessaria. Ora, esta prova pode levar-se a cabo justamente porque o ens necessarium só pode estabelecer-se de uma única maneira, etc. Eis onde se situa precisamente o necessarium contém no seu conceito a existência, por conseguinte, de uma coisa, como omnimoda determinatio; ergo, esta omnimoda determinatio pode derivar-se (mas não simplesmente inferir-se) do seu conceito - o que é falso, porque simplesmente se provou que, se ele houvesse de se tirar de um conceito, devia ser o conceito do realissimum (é o único conceito que contém ao mesmo tempo a determinação completa). Significa, pois: se nos fosse imperioso poder discernir a existência de um necessarium como tal, deveríamos poder derivar a existência de uma coisa, isto é, a omnimoda determinatio, de um conceito qualquer. Tal é, porém, o conceito de realissimum. Haveria, portanto, que poder tirar a existência de um necessarium do conceito de realissimum - o que é falso. Não podemos dizer que um ser possui as propriedades sem as quais eu não conheceria sem conceitos a sua existência como necessária, embora tais propriedades não sejam admitidas como produtos constitutivos do primeiro conceito, mas só como conditio sine qua non. O princípio do conhecimento, que é sintético a priori, implica que a composição é o único a priori que por nós deve ser feito, se, em geral, ocorre segundo o espaço e o tempo. Mas o conhecimento em vista da experiência contém o esquematismo, quer o esquematismo real (transcendental), ou o esquematismo segundo a analogia (simbólico). - A realidade objetiva da categoria é teórica, a da Ideia é somente prática. - Natureza e liberdade. FOLHAS SOLTAS Questão do concurso. 1 - Que pretendiam os antigos com a metafísica?- O conhecimento do suprassensível. - 2. Esta distinção é tão prístina como a filosofia. - Por noumena, entendiam eles todos os objetos enquanto se podem conhecer a priori e Platão contava entre eles as propriedades das figuras - e vieram desembocar na disputa dos conceitos inatos.- 4• Deus, liberdade e imortalidade. - 5. Concordavam facilmente a propósito do primeiro e da terceira, mas não acerca da segunda. - 6. A fonte da filosofia crítica é a moral, em vista da imputabilidade das ações. - 7. A este respeito, polemica infindável. - 8. Até à filosofia crítica, todas as filosofias não se distinguem essencialmente. - O que é essencial na filosofia pura no modo de tratar os seus objetos. No tocante aos problemas teóricos de toda a espécie, não é necessária analítica e metafísica alguma, se se converter o conceito de liberdade no de necessidade mecânica. Se os objetos do sentido externo ou também do sentido interno se apresentam a nós como são em si mesmos ou só como aparecem: Se os conceitos pelos quais o diverso se insere numa conexão geral em vista da experiência são dados a priori ou a posteriori, é indiferente para o investigador teórico porque... no entanto, tudo o que poderíamos conhecer e mesmo os... que provêm de um incondicionado que no mundo sensível se... não teriam como efeito senão limitar-se unicamente aos objetos dos sentidos. O conceito de Deus e de imortalidade... ocorrem sempre como hipóteses, se bem que antropomorficamente... apresenta-se a lei moral, que prega a moral e... conceito com toda a filosofia teórica da realidade... pois, a doutrina da liberdade, e com ela a moral, é inconciliável... o que a razão em vista da metafísica e suprime todo o mecanismo da natureza. Toda a consequência em si contingente (portanto, sintética) dos acontecimentos no mundo deve ter uma causa. A contingência é pensada na finalidade. Ora, a harmonia da felicidade no mundo com o merecimento de ser feliz (se tal harmonia continuamente deve ter lugar) é uma consequência contingente dos acontecimentos no mundo. Por isso, esta harmonia, se existe ou é postulada, deve igualmente ter uma causa (e, claro, distinta de todas as causas no mundo). Esta causa deve residir no mundo e nos seres que aí se encontram, pois a lei da causalidade aplica-se apenas ao ser sensível. Mas porque esta harmonia, em comparação com o seu princípio de perfeição, não pode por nós ser conhecida como adequada a toda a eternidade ou ao mundo inteiro, é então matéria de fé. Ou antes, o conhecimento da sua possibilidade depende de um fundamento inteligível, a saber, tanto da existência racional como do ser livre, cujas causas da existência segundo a catego... A boa vontade deve promanar de si mesma, mas não constitui nenhum fenômeno, porque se aplica às máximas e não às ações que acontecem no mundo. O ordenamento deste é um evento. Dele se pode dizer que Deus é o autor da soma mais elevada de moralidade e, na medida em que não é perfeita, da máxima harmonia com a felicidade. A harmonia pode ser possível por Deus ser a causa da moralidade e também da felicidade em proporção; mas isso não pode pensar-se porque seria mecanismo e não liberdade. O próprio homem é considerado como causa das suas ações que se produzem no mundo; mas porque terá agido assim e não de outro modo, e claro, em virtude da liberdade, é-lhe incompreensível, porque existe liberdade. Da boa ou má vontade enquanto pertencente ao mundo das máximas, afirma-se apenas secundum analogiam que Deus a proporciona, e que corrige ou endurece coração. Conhecemos unicamente as ações e também fenômeno da sua admissão nas nossas máximas, e não podemos perscrutar o caráter inteligível em que elas se fundam. A realidade do conceito desta harmonia tem o seu fundamento na razão pura prática para intentar um bem soberano, ergo, também para o pensar numa Ideia como possível, graças às nossas forças. E 10. O subjetivo da intuição deve determinar esta sua constituição porque, de outro modo, ela não poderia ser a priori e necessária. Igualmente, o subjetivo dos conceitos, isto é, do método de para si deles fazer um conceito em geral. Pois, sem isso, não haveria nenhuma necessidade. Para construir conceitos, isto é, dá-las a priori na intuição, exigem-se o espaço e o tempo; para a experiência, além dos conceitos a priori, requer-se também o de existência para a percepção (o empírico). A construção, porém, exige sempre, para o tempo, o traçado de uma linha cujas partes, no entanto, coexistem e, para a linha, um tempo cujas partes se sucedem. Assim como não é possível concluir do conceito de um ser para a sua necessidade, é impossível inferir da sua necessidade o conceito que dele se deve fazer; com efeito, modalidade e conteúdo de uma coisa nada têm de comum entre si. O primeiro dos três estádios contém os progressos na metafísica em duas das suas divisões: a doutrina do ser e a teoria geral da natureza. Ontologia e física racional. Na última, os objetos consideram-se como dados na experiência, só porque o que neles enquanto objetos ou do sentido externo ou do sentido interno deve ser pensado a priori representa a global teoria do corpo e da alma como teoria geral da natureza. A física geral integra-se na antologia como conjunto das condições a priori sob as quais se pode conferir realidade objetiva aos seus conceitos: de maneira a que, no entanto, não deva ocorrer nenhuma teoria da experiência da natureza corporal e pensante, physica e psychologia empirica. A esta teoria formal da natureza pertence ainda a discussão 1) se o princípio da idealidade do espaço vai tão longe que se possa dispensar também a existência de objetos exteriores dos sentidos; 2) se o da idealidade do tempo vai tão longe que se possa abolir o sentido interno, distinto da consciência e, assim, o eu empírico. O eu racional não proporciona nenhum conhecimento, mas apenas a síntese do diverso da intuição em geral em vista da possibilidade de um conhecimento. Se existe um sentido externo que é distinto da consciência das nossas representações. - Se existe um sentido interno que é distinto da consciência das representações internas. Se o primeiro não existisse, o objeto (a minha simples representação) estaria unicamente em mim. Ora, como devo poder tomar-me consciente de todo o meu estado, colocaria tudo o que é exterior simplesmente no tempo. O espaço como algo cujas partes são sucessivas. Se me conhecesse como sou e não como me apareço, a minha mudança originaria em mim uma contradição. Nunca seria o mesmo homem. Seria eliminada a identidade do eu. O eu lógico não é para si mesmo objeto do conhecimento, mas sim o eu físico e, claro, mediante as categorias enquanto gêneros da unificação do diverso da intuição interna (empírica), na medida em que ela (a unificação) é possível a priori. E 31. O ponto decisivo do primeiro estádio é que a faculdade teórica de conhecer humana não pode ir além dos objetos dos sentidos e das fronteiras da experiência possível e esses objetos não são as coisas em si, mas apenas os seus fenômenos. 1. Distinção entre juízos analíticos e sintéticos 2. Entre juízos sintéticos a priori e juízos sintéticos empíricos 3. Como ambos são possíveis - graças às intuições a priori ou empíricas, que subjazem aos conceitos. 4. Como a intuição a priori é possível 5. Como o conceito a priori 6. Como a lógica geral é possível e o que ela contém 7. Como é possível a lógica transcendental 8. O que é a lógica dos juízos imanentes e dos juízos transcendentes, que não proporcionam nenhum conhecimento, - e de toda a lógica. Que todos os conceitos que não tiro da forma subjetiva da intuição devem ser empíricos e não podem conter em si nenhuma necessidade, porque são tirados da percepção dos objetos. Intuição representação imediata 1) Como são possíveis proposições sintéticas em geral? Em virtude de eu, para lá do meu conceito, tirar da intuição que lhe subjaz algo à guisa de característica e o ligar com este conceito. - Juízos empiricamente sintéticos são aqueles em que o sujeito é um conceito a que corresponde uma intuição empírica; sintéticos a priori aqueles a cujo sujeito corresponde uma intuição a priori. - Por conseguinte, não há proposições sintéticas (de que, no entanto, está repleta a metafísica) sem que haja puras intuições a priori. 2) Que são as intuições puras? Formas da sensibilidade, do sentido externo e do sentido interno, espaço e tempo, que precedem todas as intuições empíricas. 3) Como é possível que possamos conhecer sinteticamente a priori as propriedades das coisas no espaço e no tempo? - Não diversamente de como pensamos esta forma não como pertencente aos objetos, mas como subjetivamente devida ao ser representante, porque então pode determinar-se a priori não o que em si cabe aos objetos dependentes das condições do espaço e do tempo, mas como devem eles aparecer necessariamente ao sujeito. 4) Mediante simples conceitos não podemos suscitar nenhumas proposições sintéticas a priori. Pois, supondo que o espaço e o tempo fossem propriedades confusamente representadas das coisas, a percepção das suas propriedades, por ser sintética e, no entanto, a posteriori, isto é, empiricamente tirada dos objetos pela percepção, só teria validade empírica e estaria desprovida de necessidade. S) Serão suficientes para o conhecimento sintético simples intuições, puras ou empíricas, sem conceitos a priori? Não, sem síntese a priori e o conceito do composto a partir do diverso desta intuição, nenhum juízo a priori seria possível. A unidade da consciência, que se exige para cada juízo e, claro, da consciência numa síntese a priori, é requerida para tal juízo e estes conceitos são as categorias que, primeiramente com as intuições e não sem elas, por conseguinte, não como simples categorias, proporcionam conhecimento. 6) Até onde podem ir estas proposições a priori? Só até aos objetos no fenômeno, ergo, só até aos objetos dos sentidos e, evidentemente, só como eles nos aparecem. 7) Como é possível que um sujeito se torne consciente de si mesmo como simples fenômeno e imediatamente e, no entanto, ao mesmo tempo como coisa em si? O primeiro caso, graças à apercepção empírica; o segundo, mediante a apercepção pura. F 3. De uma história filosofante da filosofia. Todo o conhecimento histórico é empírico e, por conseguinte, conhecimento das coisas como são; não de que elas devam necessariamente ser assim. - O conhecimento racional representa-as segundo a sua necessidade. Uma representação histórica da filosofia conta, pois, como e em que ordem se filosofou até agora. O filosofar, porém, é um desenvolvimento progressivo da razão humana e esta não pode ter continuado na via empírica ou ter também começado e, claro, mediante simples conceitos. Deve ter sido uma necessidade (teórica ou prática) da razão o que a compeliu a elevar-se dos seus juízos sobre as coisas aos fundamentos até aos primeiros. Inicialmente, através da razão comum, por ex., a partir do mundo dos corpos e do seu movimento. Mas chega-se também aos fins: Por último, a observação de que sobre todas as coisas se podem procurar fundamentos racionais levou a enumerar os conceitos da razão (ou os do entendimento), mas a analisar antes o pensamento em geral sem objeto. O primeiro teve lugar através de Aristóteles; este último, ainda mais cedo, graças aos lógicos. Uma história filosófica da filosofia é em si mesma possível, não histórica ou empiricamente, mas racionalmente, isto é, a priori, Embora estabeleça fatos da razão, não os vai buscar à narrativa histórica, mas extrai-os da natureza da razão humana, como arqueologia filosófica. O que permitiu aos pensadores entre os homens sofismar sobre a origem, o fim e o termo das coisas no mundo. Qual o seu ponto de partida: o que há de desígnio no mundo ou apenas a cadeia das causas e efeitos, ou o próprio fim da humanidade? F 5. Sobre a incapacidade de os homens comunicarem totalmente entre si. Em coisas que podem exibir-se, a comunicação faz-se bem, muito menos nos sentimentos, pouquíssimo nas sensações que se seguem a Ideias; Aristipo contava apenas com as últimas enquanto real absoluto; mas a comunicação é duvidosa - carência da linguagem - a moral contém a mais alta comunicabilidade dos sentimentos, triunfa maximamente quando é sumamente abstrata e, por fim, só tem como princípio determinante o simples sentimento da nossa receptividade à moral. As Ideias de Deus e de futuro, graças aos fundamentos morais, recebem uma realidade não objetivamente teórica, mas simplesmente prática, [induzindo] a agir como se houvesse outro mundo. Idealismo. Só na apreensão do espaço (e na união em vista do simultâneo) se pode pensar o tempo como determinado. Se nada do que é exteriormente dado houvesse de subjazer à intuição do espaço, a representação de algo externo seria apenas um pensamento; por conseguinte, não seria realmente dada por nada de exterior ao nosso ânimo. Ergo, seria ao menos possível pensar as suas representações internas como no espaço - o que se contradiz. Se uma história da filosofia pode ser matematicamente composta. Como foi imperioso ter nascido o dogmatismo, a partir deste o cepticismo, e de ambos o criticismo. Mas, como é possível integrar uma história num sistema racional que exige a dedução do contingente a partir de um princípio, e a divisão. Da primeira coisa intelectual que, no entanto, tem realidade objetivamente prática na moralidade, isto é, da liberdade. Da determinação do conceito de Deus não como conjunto, mas como fundamento de toda a realidade; de outro modo, é antropomorfismo. Que não existe probabilidade no tocante ao suprassensível, mas uma passagem para uma espécie totalmente diversa de assentimento pela razão, e, claro, assentimento que é universalmente válido e que, no entanto, é pensado em relação com o sujeito, a saber, algo a admitir como verdadeiro relativamente às máximas da vontade que são necessárias; e que, de outro modo, seria uma vontade vazia sem objeto. Se se pode delinear a priori um esquema para a história da filosofia com o qual as épocas, as opiniões dos filósofos tiradas das informações existentes coincidem como se tivessem tido debaixo dos olhos esse mesmo esquema e tivessem, em seguida, progredido no seu conhecimento. Sim! No caso de a ideia de uma metafísica se apresentar inevitavelmente à razão humana e de esta sentir uma necessidade de a desenvolver; mas esta ciência reside inteiramente na alma, embora só esboçada de forma embrionária. Não pode escrever-se uma história da coisa que não aconteceu e para a qual nada alguma vez se forneceu como preparação e materiais. Se a história da filosofia poderá ser uma parte da filosofia ou se deve integrar-se na história da erudição em geral. Sejam quais forem os progressos que a filosofia possa ter feito, a história dos mesmos é distinta da própria filosofia, ou esta deve ser um simples ideal de uma fonte que reside na razão humana da filosofia da razão pura, cujo desenvolvimento tem também as suas regras na natureza humana. Uma história da filosofia é de gênero tão particular que nada do que aí aconteceu se pode relatar sem antes se saber o que deveria ocorrer, ergo, também o que pode acontecer. Se isso foi procurado previamente ou se se sofismou ao calhar. Não é história das opiniões que aparecem aqui ou ali, mas da razão que se desenvolve a partir de conceitos. - Não se pretende saber o que se argumenta, mas o que se obteve pelo discorrer mediante simples conceitos. - A filosofia deve aqui considerar-se como gênio da razão, do qual se exige saber o que ele teve de ensinar e se o conseguiu. - Para tal descobrir, deve investigar-se que interesse e porque um tão grande interesse na metafísica. Ver-se-á que não é a análise dos conceitos e dos juízos que se podem aplicar aos objetos dos sentidos, mas o suprassensível, sobretudo enquanto nele se fundam as ideias práticas. G 12. Problema da Academia A) Prolegômenos 1. Que tipo de saber deve ter sido, desde os tempos mais recuados, a coisa que posteriormente se chamou metafísica: uma ciência dos objetos da razão ou a ciência da própria razão e do seu poder de chegar ao conhecimento da mesma? 2. Que foi a metafísica desde as épocas mais antigas até ao tempo de Leibniz e de Wolff inclusive, sobretudo na Alemanha? B) 3. Que é ela agora: fez recentemente progressos na Alemanha? 4. Se assim for: qual será o seu destino futuro, um ulterior progresso ou retrocesso, ou o estado de um depósito que, sem poder ser aumentado ou diminuído, se deve conservar para o uso (negativo) da razão? As respostas às duas primeiras questões servem de prolegómenos introdutórios; só a resposta à terceira surge como tratado e inclui a solução do problema: a resposta à quarta é um suplemento ou escólio do tratado. 1. Conceito da metafísica - o que se pretende dizer com isso, sem definir ainda plenamente o que ela deve ser. Para toda a ciência que consta de conceitos a priori, dispõe-se de uma metafísica. Esta não se ocupa de todo o conhecimento das coisas pela razão; isto é, não lida com a matemática, mas, no entanto, julga acerca da possibilidade desta última. G 13. - I. Crítica. - 2. Sistema. - Comparação com os da época de Leibniz e Wolff na Alemanha. Importa saber se temos conhecimentos a priori e claro, não apenas elucidativos, mas também extensivos quanto ao conceito dado. Os últimos contêm conceitos a priori de objetos. a) Se houver de admitir-se um conceito qualquer do suprassensível, levanta-se a questão de qual deveria ser o fundamento da sua realidade. Não poderia fundar-se num conhecimento assim dado, pois isso não é possível; por conseguinte, só através do prático e até como seu fundamento, que deve ser determinante não segundo as leis da natureza, mas antes em oposição a estas. Parece difícil a exposição plena e segundo as suas fontes, num âmbito tão restrito, de uma diversidade tão grande concebida como metafísica; mas, efetivamente, torna-a fácil a conexão orgânica de todas as faculdades de conhecer sob a direção suprema da razão, porque se pode partir de vários pontos e terminar, no entanto, todo o círculo segundo um princípio, de maneira que se toma somente difícil escolher aquele de que se pretende partir. Parece-me muitíssimo recomendável começar pelo que suscitou primeiramente o interesse de fundar uma metafísica (a liberdade, ao tomar-se conhecida pela lei moral), pois, a solução da dificuldade concomitante fornece a ocasião de uma anatomia integral da nossa faculdade de conhecer, podendo assim percorrer-se todo o círculo, é aqui um conceito do suprassensível dado com a sua realidade (mas, somente prática). Todos os autores se esforçaram por fornecer realidade aos três seres suprassensíveis a que a moralidade, em parte, os movia e, em parte somente, podia proporcionar um conceito determinado. Não pode afirmar-se com certeza imediata que o homem seja superior a todos os obstáculos da sua boa vontade. A lei moral ordena-lhe que os supere; portanto, isso deve ser possível. Predeterminismo. Porque a necessidade física depende aqui do tempo, a causalidade da vontade livre não deve estar vinculada à condição do tempo, embora o homem, enquanto coisa natural, lhe esteja ligado. Daqui se segue que o homem se distingue a si mesmo enquanto fenômeno de si enquanto númeno. Em todo o nosso conhecimento, o que chamamos um conhecimento a priori é não só o mais precioso, porque, independentemente das condições restritivas da experiência, se estende a mais objetos, mas também, enquanto conhecimento necessário aos juízos de experiência, a cuja possibilidade subjaz, confere aquela validade que é independente das condições subjetivas, em virtude de tais juízos valerem intrinsecamente do objeto e serem conhecimentos. - Mas estes conhecimentos a priori encerram ao mesmo tempo um mistério, que uma crítica da razão pura tem por tarefa necessária preliminar à metafísica tomar compreensível: a possibilidade do conhecimento a priori. Se há conceitos a priori, uma dedução dos mesmos e da sua validade (não da sua produção); e se há proposições a priori... O conhecimento a priori é independente da experiência; as representações podem, porém, aí ser empíricas; só o juízo é analítico. Mas, se for sintético, é preciso que o conceito em que algo de empírico, por ex., o evento, é subsumido, seja um conceito a priori; porque conceitos empíricos e distintos só podem ligar-se sinteticamente mediante a experiência. O conhecimento a priori é mesmo o fundamento da possibilidade da experiência ou, pelo menos, do que constitui a unidade objetiva nos juízos. Para conhecimentos, exigem-se como elementos conceitos e uma intuição, esta última, porém, ou como empírica ou como pura. Pensamento e intuição: sem a última, não há nenhum objeto; sem o primeiro, não pensamos e não conhecemos o objeto. M 19- Aquela oposição, examinada segundo os puros conceitos racionais, isto é, segundo os princípios da liberdade, é um combate das razões internas determinantes do livre arbítrio do homem: admitir na sua máxima ou os motivos morais ou os motivos patológicos das ações - combate que (se é permitido personificar alegoricamente o simples poder do homem) se pode representar como a luta do espírito bom com um mau espírito. Com efeito, os impulsos naturais são em si inocentes e não existe propriamente conflito entre eles e a lei moral: mas transformar em máxima a adesão a esta última independentemente deles ou até contra eles é um ato da liberdade que os antagoniza; a experiência prova a sua realidade nas ações dos homens, mas a sua possibilidade não pode ser apreendida; daí que o fenômeno é alegorizado segundo a analogia com dois princípios autônomos que habitam no homem e estão em conflito um com o outro. - Mas, para a ambos distinguir, cada qual tem o critério à mão: Se a representação da lei precede o sentimento de prazer ou de desprazer numa ação, ele é moral; se for ao contrário, ele é então patológico. Mas admitir este incondicionalmente na sua máxima é um princípio do mal. Se, na máxima, a representação da lei precede e, acima de tudo, se o sentimento (de prazer ou de desprazer no objeto do livre arbítrio) a segue, então tal sentimento é intelectualmente moral e o princípio bom reina no homem. Se for inversamente, e se o sentimento de prazer ou de desprazer no objeto preceder a lei, o sentimento é então patológico (sensível) e o princípio mau impera no homem, pois é sempre mau que as máximas obedeçam incondicionalmente (do ponto de vista da lei) aos motivos da sensibilidade (da carne). A sensibilidade (da carne) não é propriamente o que o bom princípio tem de combater, pois ela é inocente, mas o mau princípio em nós é a tendência para adotar a sua máxima segundo os seus impulsos. No entanto, a carne designa-se como o inimigo que luta contra o espírito porque, de modo mediato, suscita ações contrárias à lei quando e pelo fato de que o homem a admite na sua máxima. Mas explicar a possibilidade de tais máximas, bem como o modo de as ações brotarem do livre arbítrio, situa-se entre os problemas que ultrapassam totalmente o discernimento humano. Se se lhe compara a metafísica de Leibniz e de Wolff, por ter sido inteiramente teórico-dogmática e sem crítica da razão pura, não tem neste estádio mérito algum, a não ser que este deva consistir no fato de ela, de maneira muito mais metódica do que até então acontecera, ter conseguido dar um verniz de penetração especulativa ao que os princípios morais da razão, da razão humana comum, tinham desde há muito preceituado crer e admitir, e de ter sabido criar-lhe aceitação mediante a aparente coerência num todo científico segundo a forma (sistema); pelo menos os que trabalham neste domínio foram incitados à profundidade nas, explicações, nas provas e na disposição. M 19. Um ser necessário é aquele de cujo conceito se pode deduzir a sua existência (o que não é viável, segundo nº 1). Se ainda não tenho nenhum conceito de tal ser, não posso então conhecer também a priori a sua existência, porque a existência, mesmo quando é pensada como absolutamente necessária, é simples modalidade e não fornece conceito algum da coisa que existe. Seja qual for o modo como eu queira para eu fazer um conceito de uma coisa, posso, no entanto, suprimi-lo sempre sem contradição. - É... Concluir da contingência do mundo, que é inferida da mudança, para uma causa distinta do mundo que é necessária, eis o que não é viável, porque a sua contingência não é assim demonstrada. - Só a finalidade o deve ser, porque é contingente; ela não é uma propriedade das coisas, mas pomo-la no nosso conceito das coisas para explicarmos a sua possibilidade. Argumento físico-teológico. Da unidade de Deus e que Ele é inominável, porque a sua qualidade e a sua quantidade são únicas. Do agregado das realidades, de onde o antropomorfismo. Da representação de Deus segundo a analogia. Nos conceitos transcendentais da realidade, em virtude do vitium subreptionis do pensamento, toma-se um conceito pelas coisas, o elemento subjetivo do pensar pelo elemento objetivo do pensado, o qual não pode encontrar-se no pensamento, mas só na intuição e, aqui, numa intuição empírica, porque é o objeto da sensação em geral, a qual deve ser dada como exemplo do conceito, isto é, ao objeto da intuição empírica - o que é impossível relativamente ao suprassensível. Aquilo cujo conceito contém um ser em oposição àquilo cujo conceito encerra um não ser são modalidades do pôr e do suprimir a que não podemos conferir nenhuma significação objetiva, porque só contêm o subjetivo do pensamento, a saber, da cópula do predicado em relação ao sujeito, isto é, a faculdade de representação em geral. O vitium subreptionis transcendental. Complemento leibniziano do argumento de Anselmo. 1. O ser mais real de todos deve existir (é um ser necessário). Pois, se não existisse, faltar-lhe-ia uma realidade, a saber, a existência. 2. Inversamente (pela porta das traseiras), um ser necessário, isto é, completamente determinado pelo seu conceito, deve conter toda a realidade, Pois, se a não contivesse, não seria inteiramente determinado pelo seu conceito, ergo, não seria necessário. Ora, existe um ser necessário, etc. Esta última proposição é tautológica, não extensiva. Se o conceito de um ser necessário segundo a sua realidade objetiva, isto é, segundo a determinação do objeto da mesma, fosse possível, seria como se se dissesse: um ser necessário existe necessariamente. - A necessidade de supor algo a fim de para si tornar compreensível um objeto, por ex., a matéria, porque sem ela nem sequer o espaço seria um objeto da percepção, tem-se por necessidade objetiva e é aqui realitas phaenomenon. Tomar o conceito pela coisa e o nome de uma coisa pelo conceito. O conceito de uma coisa cujo não ser se contradiz em si mesmo é falso - pois, o não ser nunca se contradiz a si mesmo (Se, por conseguinte, chamo necessária a uma coisa em si, quero apenas dizer: não tenho nenhum conceito do seu não ser). Se digo: Se algo existe, existe também algo de absolutamente necessário - porque, se nada existisse necessariamente, tudo seria contingente e teria como causa uma outra coisa - a primeira questão é a seguinte: esta proposição é analítica ou sintética? - No primeiro caso, a existência está contida no conceito; no segundo, acrescenta-se ao conceito como determinação do mesmo. Mas ambos os casos são falsos, tanto o primeiro - uma existência está contida no conceito - como o segundo: a existência é algo que se acrescenta, como determinação de uma coisa, ao seu conceito. Efetivamente, o conceito da coisa não é assim alargado, mas é somente posta a própria coisa. Por conseguinte, tal questão implica apenas uma relação das coisas ao pensamento, mas não das coisas entre si: Se o meu pensamento (pôr ou suprimir) é necessário ou contingente. Toma-se, pois, aqui o conceito pela coisa, ou antes, o fenômeno do que... Uma prova sólida só vale para o juízo teoricamente dogmático; mas um argumento pode igualmente valer para o juízo praticamente dogmático. Funda então uma livre aprovação, não resultante de demonstração, mas nem por isso menos assegurada, na medida em que aquele que o considera assim está certo, do ponto de vista prático, de não se lhe tornar infiel. Tal argumento tem lugar relativamente às três espécies de suprassensível. Quanto às Ideias, pode ele escrutina-las teoricamente em plena dúvida, mas não as pode dispensar como se lhe iluminassem o caminho. Do antropomorfismo na representação do realissimum como agregado. Não preciso então de lhe atribuir entendimento (mas não como o nosso) e vontade, mas ele é o fundamento de tudo o que não podemos pensar como possível a não ser mediante o entendimento; o mesmo se diga também da vontade. Se o sentimento do prazer precede a lei, é sensível; se for ao contrário, é sentimento intelectual, isto é, moral. Do sentimento que precede a lei em comparação com o que se segue à sua representação. Não há oposição da razão prática e da sensibilidade, mas dos fenômenos da primeira. Da representação do sensível segundo a analogia com a razão prática.