Johann Gottlieb Fichte – O Conceito da Doutrina da Ciência - 1794 PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO Com a leitura dos novos céticos, em particular de Enesidemo e das excelentes obras de Maimon, o autor deste trabalho convenceu-se plenamente de algo que já antes lhe parecia altamente provável: que a filosofia, mesmo com os recentes esforços dos homens mais penetrantes, ainda não se elevou à categoria de ciência evidente. Acredita ter descoberto o fundamento disso e encontrado um caminho fácil para responder de maneira plenamente satisfatória a todas as exigências, de resto muito legítimas, feitas pelos céticos a filosofia crítica; e para unificar em geral o sistema dogmático e o sistema crítico em suas pretensões conflitantes, do mesmo modo que a filosofia crítica unificou as pretensões conflitantes dos diversos sistemas dogmáticos. (A controvérsia que propriamente reina entre ambos - e na qual o cético, com toda razão, se colocou do lado do dogmático e, com este, do lado do entendimento comum, que, decerto não como juiz, mas como testemunha por artigos, deve ser muito levado em consideração - bem poderia dizer respeito à conexão de nosso conhecimento com uma coisa em si; e essa controvérsia bem poderia ser decidida, numa futura doutrina da ciência, pela verificação de que nosso conhecimento não tem, por certo, uma conexão imediata, pela representação, com a coisa em si, mas a tem mediatamente pelo sentimento; de que, com toda certeza, as coisas são representadas meramente como fenômenos, mas, como coisas em si, são sentidas; de que sem sentimento não seria possível nenhuma representação; mas de que a coisa em si só é conhecida subjetivamente, isto é, só na medida em que atua sobre nosso sentimento. (Trecho suprimido na 2ª edição.) Não estando habituado a falar de, coisas que ainda não fez, teria executado seu projeto, ou então ficado calado para sempre a respeito dele, se a presente ocasião não lhe tivesse parecido ser uma exigência para prestar contas de como empregou seus lazeres até agora e dos trabalhos a que pretende dedicar-se no futuro. A investigação seguinte não precisa pretender ter nenhuma outra validade, a não ser hipotética. Mas isso não quer dizer que o autor não seja capaz de fundamentar suas afirmações em algo mais do que meras pressuposições não demonstradas; nem que não devam ser, contudo, o resultado de um sistema firme e de profunda penetração. É certo que o autor só pode prometer-se apresentar esse sistema ao público, em uma forma digna dele, daqui a anos; mas desde já espera, como é justo, que nada do que propõe será recusado antes que se tenha examinado o todo. A primeira intenção destas páginas era colocar os jovens estudantes da escola superior, para a qual o autor foi convidado, em condição de julgar se se confiariam à sua direção no caminho da primeira dentre as ciências e se poderiam esperar que este fosse capaz de lançar tanta luz sobre esta quanta necessitam para seguir esse caminho sem tropeços perigosos; a segunda, angariar os juízos de seus protetores e amigos sobre seu empreendimento. Àqueles que não se incluem nem entre os primeiros nem entre os segundos, caso este escrito venha a cair-lhes nas mãos, são dirigidas as observações seguintes. O autor está, até agora, profundamente convencido de que nenhum entendimento humano pode ir além do limite a que chegou Kant, em particular em sua Crítica do Juízo, embora este nunca nos tenha apresentado esse limite determinadamente, nem como o último limite do saber finito. Sabe que nunca poderá dizer algo sobre o qual Kant já não tenha, imediata ou mediatamente, clara ou obscuramente, dado uma indicação. Deixa para as épocas futuras avaliar o gênio do homem que, a partir do ponto em que encontrou o Juízo filosofante, conduziu-o, muitas vezes como que guiado por uma inspiração superior, tão poderosamente em direção a seu fim último. Do mesmo modo, está profundamente convencido de que, depois do espírito genial de Kant, nenhum presente mais alto poderia ter sido feito à filosofia do que pelo espírito sistemático de Reinhold; e acredita conhecer o lugar de honra que, mesmo por ocasião dos novos progressos que a filosofia, seja em que mão estiver, necessariamente fará, deverá sempre ser atribuído à filosofia elementar deste último. Não está em seu modo de pensar ignorar orgulhosamente qualquer mérito que seja, ou querer diminui-lo; acredita perceber que cada degrau que a ciência já subiu tinha de ser galgado antes que ela pudesse passar para um degrau superior; na verdade, não considera um mérito pessoal ter sido, por um feliz acaso, chamado à obra depois de trabalhadores excelentes; e sabe que todo mérito, que poderia haver aqui, não repousa na sorte da descoberta, mas na lealdade da procura, e que, quanto a esta, cada um é o único que pode julgar-se e recompensar-se. Não diz isto em intenção desses grandes homens e daqueles que lhes são semelhantes, mas para outros homens não tão grandes. Quem acha supérfluo que isto seja dito não está entre aqueles para os quais é dito. Além desses homens sérios há também, ainda, homens brincalhões, que previnem os filósofos, aconselhando-os a não se tornarem ridículos com expectativas exageradas quanto a sua ciência. Não quero decidir se todos riem do fundo do coração, por terem uma jovialidade inata; ou se não há alguns dentre eles que apenas forçam o riso, para desencorajar o pesquisador ingênuo de um empreendimento que, por razões compreensíveis, não veem com bons olhos (Malis rident alienis). Já que eu, ao que sei, até agora não dei alimento ao seu humor pela manifestação de tais altas expectativas, talvez me seja permitido, antes de tudo, não para defender os filósofos, e muito menos a filosofia, mas para seu próprio bem, pedir-lhes que segurem o riso pelo menos até que o empreendimento fracasse formalmente e seja abandonado. Poderão zombar de nossa fé na humanidade, à qual eles próprios pertencem, e de nossa esperança quanto às suas grandes disposições; poderão então repetir sua frase consoladora - A humanidade não tem remédio; sempre foi assim e assim sempre será ... - toda vez que precisarem de consolo! PREFÁCIO DA SEGUNDA EDIÇÃO - (1798) Este livrinho havia-se esgotado. Eu precisava dele para referir-me a ele em minhas aulas; além disso, ele é, tirante alguns artigos publicados no Jornal Filosófico de uma Associação de Estudiosos, Alemães, o único texto em que se filosofa sobre o próprio filosofar da doutrina da ciência e que, por isso, serve de introdução a esse sistema. Essas razões me levaram a cuidar de uma nova edição. A própria finalidade e o estatuto deste texto, não obstante a clareza de seu título e de seu conteúdo, foram frequentemente mal entendidos, e torna-se necessária, na segunda edição, coisa que na primeira eu havia considerado totalmente desnecessária, uma explicação precisa sobre esse ponto, em um prefácio. A saber: sobre a própria metafísica, que precisamente não deve ser uma doutrina das pretensas coisas em si, mas uma dedução genética daquilo que aparece em nossa consciência, pode-se de novo filosofar - podem ser instauradas investigações sobre a possibilidade, a significação própria, as regras de tal ciência; e é muito proveitoso para a elaboração da própria ciência que isso ocorra. Um sistema de tais investigações chama-se, do ponto de vista filosófico, crítica; pelo menos, dever-se-ia designar com esse nome apenas o que foi indicado. A crítica não é a própria metafísica, mas está acima dela; está para a metafísica exatamente como esta está para o ponto de vista habitual do entendimento natural. A metafísica explica esse ponto de vista, e é por sua vez explicada na crítica. A crítica propriamente dita critica o pensamento filosófico; se a própria filosofia também for chamada de crítica, só se pode dizer que ela critica o pensamento natural. Uma crítica pura - a kantiana, por exemplo, que se anunciava como Crítica, não é nada pura, mas é em grande parte propriamente metafísica; ora critica o pensamento filosófico, ora o pensamento natural; o que, por si só, não constituiria uma censura contra ela, desde que deixasse clara em geral a distinção que acaba de ser feita e, nas investigações particulares, indicasse em que domínio se encontram - uma crítica pura, digo eu, não contém nenhuma investigação metafísica imiscuída nela. Uma metafísica pura - as elaborações da doutrina da ciência, que se anunciava como metafísica, até agora não são, desse ponto de vista, puras, nem poderiam ser puras, uma vez que só com o auxílio das alusões críticas incorporadas a elas esse modo de pensar inabitual poderia aspirar a tornar-se acessível - uma metafísica pura, digo eu, não contém mais nenhuma crítica, além daquela que, anteriormente a ela, já deve ter chegado à clareza. O que acaba de ser dito determina com precisão o estatuto do texto seguinte. Ele é uma parte da crítica da doutrina da ciência, mas não é a própria doutrina da ciência, ou uma parte desta. É uma parte dessa crítica, disse eu. Ocupa-se, em particular, com a exposição da relação da doutrina da ciência com o saber comum e com as ciências possíveis do ponto de vista deste último, segundo a matéria do saber. Mas há ainda outra consideração, que pode contribuir muito para engendrar um conceito correto de nosso sistema, protegê-lo contra mal-entendidos e torna-lo acessível; é a que se refere à relação entre o pensamento transcendental e o pensamento comum segundo a forma, isto é, a descrição do ponto de vista a partir do qual o filósofo transcendental contempla todo saber e de sua disposição mental na especulação. O autor acredita ter-se explicado com alguma clareza sobre esse ponto nas duas introduções a uma nova exposição da doutrina da ciência (no jornal supracitado, no ano de 1797). - Uma ciência e sua crítica se sustentam e explicam mutuamente. Somente quando a exposição pura da própria doutrina da ciência tomar-se possível será fácil dar conta, de maneira sistemática e completa, de seu procedimento. Que o público perdoe ao autor estes trabalhos provisórios e incompletos, até que um dia ele mesmo, ou outro, possa chegar a perfazer essa exposição! Nesta nova edição foram modificadas apenas algumas formulações e expressões que não eram suficientemente precisas, e suprimidas algumas notas de rodapé, que envolviam o sistema em polêmicas que ele ainda não pode solucionar, além do terceiro capítulo inteiro (divisão hipotética da doutrina da ciência), que mesmo em sua redação primeira tinha apenas uma finalidade provisória, e cujo conteúdo foi posteriormente apresentado de maneira mais exaustiva e clara na Fundação de Toda a Doutrina da ciência. Ao reeditar este livro, em que anunciei pela primeira vez meu sistema, talvez não seja inadequado acrescentar algo a respeito da história da acolhida que esse sistema tem encontrado até agora. Poucos acataram o critério mais razoável de calar-se provisoriamente e, antes, meditar um pouco; a maioria deixou transparecer sem acanhamento seu tolo assombro diante do novo fenômeno, recebendo-o com risos aparvalhados e zombarias insípidas; os mais ousados dentre estes queriam acreditar, para desculpar o autor, que tudo não passava de uma piada de mau gosto, enquanto outros faziam seriamente planos sobre a maneira de tratá-lo, "internado em certos estabelecimentos moderados". - Resultaria na mais instrutiva contribuição para a história do espírito humano se se pudesse narrar como certos filosofemas foram acolhidos quando de sua primeira aparição; é verdadeiramente uma pena que não existam mais os juízos emitidos pelos contemporâneos, no primeiro espanto, sobre alguns sistemas mais antigos. Quanto ao sistema kantiano, ainda é tempo de organizar uma coletânea das primeiras resenhas sobre ele - encabeçadas pela que saiu na renomada gazeta erudita de Göttingen - e conservá-las para os séculos futuros como raridades. No caso da doutrina da ciência, eu mesmo gostaria de fazer esse trabalho; e, para começar, anexo a este escrito duas das resenhas mais notáveis que lhe foram assacadas - evidentemente, sem comentários. Para o público filosófico, que atualmente está mais familiarizado com meu sistema, esses comentários são dispensáveis, e para os autores das resenhas Já é bastante infelicidade terem dito o que dizem nelas. Não obstante essa recepção truculenta, logo em seguida este sistema teve, contudo, sorte mais propícia do que poderia ter encontrado qualquer outro. Muitas cabeças moças e brilhantes adotaram-no com ardor, e um veterano muito meritório da literatura filosófica, depois de um exame demorado e maduro, deu-lhe sua adesão. É de se esperar, do esforço conjunto de tantas cabeças admiráveis, que dentro em breve, exposto sob múltiplos aspectos e amplamente aplicado, ele provocará a modificação que visa, no filosofar e, por intermédio deste: na atividade científica em geral. Não obstante a semelhança de sua primeira acolhida com a acolhida que teve, antes dele, aquele outro sistema - como acreditam bons conhecedores - ou aquela outra exposição deste mesmo sistema - como eu, por certo não sem boas razões, igualmente admito (embora abdique solenemente de disputar mais sobre este ponto); não obstante essa semelhança - e embora, como é de se esperar da parte de kantianos, a acolhida da doutrina da ciência tenha sido bem mais grosseira e vulgar do que a dos escritos de Kant -, é de se esperar que ambos os sistemas ou exposições não terão o mesmo êxito em formar um bando de recitadores servis e brutais. Em parte, é de se acreditar que os alemães tenham ficado intimidados com o triste espetáculo que acabam de dar e não queiram carregar duas vezes seguidas o jugo do psitacismo; em parte, parece que não só a apresentação até agora escolhida, que evita uma letra rígida, mas também o próprio espírito interior desta doutrina a preserva contra recitadores sem pensamento; além disso, não é de se esperar que os amigos desta ciência acolham bem tal homenagem. Para perfazer o sistema há ainda indescritivelmente muito que fazer. Por ora, mal está assentado o fundamento, mal foi iniciada a construção; e o autor quer que todos os seus trabalhos até agora sejam considerados como apenas provisórios. A firme esperança, que pode doravante alimentar, de não ter mais, como antes temia, de deixar seu sistema, em letras mortas, entregue à sua sorte, na forma individual em que se apresentou a ele pela primeira vez, para alguma época futura que poderia compreendê-lo, mas de entender-se já sobre ele com seus contemporâneos, de discuti-lo, de vê-lo ganhar, pela elaboração comum de alguns, uma forma mais universal, e de legá-lo vivo no espírito e no modo de pensar de sua época, altera o plano que tinha prescrito a si mesmo ao anunciá-lo pela primeira vez. A saber, não prosseguirá mais, por ora, na execução sistemática do sistema, mas procurará, antes, expor sob múltiplos aspectos o que foi descoberto até agora e torná-lo plenamente claro e evidente para todo leitor imparcial. Um começo desse trabalho já foi feito, no jornal mencionado acima, e será continuado, assim que minhas ocupações mais imediatas, como docente acadêmico, me proporcionarem o lazer para isso. Segundo algumas declarações que chegaram a meu conhecimento, aqueles artigos provocaram em alguns um relance de compreensão; e, se o modo de pensar do público sobre a nova doutrina não se modificou universalmente, é porque aquele jornal, ao que parece, não é muito difundido. Para o mesmo fim pretendo, tão logo meu tempo o permitir, editar um novo ensaio de exposição rigorosa e puramente sistemática da fundação da doutrina da ciência. Iena, Missa de São Miguel, 1798. PRIMEIRO CAPÍTULO Sobre o conceito da doutrina da ciência em geral 1. Conceito da doutrina da ciência, estabelecido hipoteticamente. Para conciliar facções divididas, o mais seguro é partir daquilo em que todas concordam. A filosofia é uma ciência: - nisto todas as descrições da filosofia estão de acordo, assim como estão divididas na determinação do objeto dessa ciência. E se esse desacordo proviesse de que o próprio conceito de ciência, que conferem por unanimidade à filosofia, não tivesse sido totalmente desenvolvido? E se a determinação desse único atributo, admitido por todos, fosse plenamente suficiente para determinar o conceito da própria filosofia? Uma ciência tem forma sistemática; todas as proposições contidas nela estão em conexão com um único princípio, e neste unificam-se em um todo - isto também todos admitem universalmente. Mas isso esgota o conceito de ciência? Se, sobre uma proposição sem fundamento e indemonstrável - por exemplo: que há no ar criaturas com inclinações, paixões e conceitos humanos, mas corpos etéreos -, alguém construísse uma história natural, muito sistemática, desses espíritos aéreos, o que em si é perfeitamente possível, reconheceríamos tal sistema, por mais rigorosas que fossem as inferências nele contidas, e por mais intimamente encadeadas entre si que estivessem suas partes singulares, como uma ciência? Inversamente, se alguém emite uma única proposição teórica - por exemplo, o artesão mecânico a proposição: que uma coluna estabeleci da em ângulo reto sobre uma superfície horizontal fica perpendicular e, mesmo prolongada indefinidamente, não se inclinará para nenhum dos dois lados; algo que uma vez ouviu e, numa multiplicidade de experiências, verificou que era verdadeiro - todos admitirão que ele tem ciência do que disse; embora não possa derivar sistematicamente a prova geométrica de sua proposição a partir do primeiro princípio dessa ciência. Por que não chamamos de ciência aquele sistema firme que repousa sobre uma proposição indemostrada e indemonstrável; e por que chamamos de ciência o conhecimento deste segundo, que, em seu entendimento, não está em conexão com nenhum sistema? Sem dúvida porque o primeiro, com toda a sua forma acadêmica, não contém nada que se possa saber; e o segundo, sem nenhuma forma acadêmica, diz algo que efetivamente sabe e pode saber. A essência da ciência consistiria portanto, ao que parece, na índole de seu conteúdo e na relação deste com a consciência daquele de quem se diz que sabe; e a forma sistemática seria meramente contingente para a ciência; não seria seu fim, mas meramente - digamos - um meio para esse fim. Isso pode provisoriamente ser pensado assim: Se, eventualmente, por uma causa qualquer, o espírito humano pudesse saber com certeza apenas muito pouco, mas quanto ao resto apenas opinar, supor, pressentir, admitir arbitrariamente, e no entanto, igualmente por uma causa qualquer, não pudesse satisfazer-se com esse conhecimento estreitamente limitado ou inseguro, não lhe restaria então nenhum outro meio para ampliá-lo e torná-lo seguro, a não ser comparar os conhecimentos incertos com os certos e, a partir da igualdade ou desigualdade - seja-me permitido empregar, provisoriamente, estas expressões, até que tenha tempo de explicá-las -, a partir da igualdade ou desigualdade dos primeiros com os segundos, inferir a certeza ou incerteza daqueles. Se fossem iguais a uma proposição c e r t a, então ele poderia admitir seguramente que também seriam certos; se fossem opostos a ela, ele saberia doravante que seriam falsos e estaria garantido contra uma ilusão mais prolongada a seu respeito. Teria ganho, não a verdade, mas pelo menos a libertação do erro. Vou ser mais claro. - Uma ciência deve ser una, um todo. A proposição que diz que uma coluna estabelecida em ângulo reto sobre uma superfície horizontal fica perpendicular é, para aquele que não tem nenhum conhecimento sistemático da geometria, sem dúvida um todo, e nessa medida uma ciência. Mas consideramos também que a geometria em seu conjunto é uma ciência, embora contenha ainda muitas outras proposições além daquela. - Como e mediante o que, então, um agregado de proposições, em si extremamente diferentes, se tornam uma ciência, um e o mesmo todo? Sem dúvida pelo fato de que as proposições singulares, em geral, não chegam a ser ciência, mas só se tornam ciência no todo, por sua colocação no todo e sua relação com o todo. Mas por uma mera composição de partes não pode nunca surgir algo que não seja encontrável em uma das partes do todo. Se absolutamente nenhuma dentre as proposições vinculadas tivesse certeza, então também o todo surgido pela vinculação delas não a teria. Por conseguinte, pelo menos uma das proposições teria de ser certa, e esta comunicaria sua certeza às demais; de tal modo que, se e na medida em que esta primeira é certa, também uma segunda tem de ser certa; e se e na medida em que esta segunda é certa, também uma terceira tem de ser certa; e assim por diante. E desse modo diversas proposições, em si talvez muito diferentes, justamente por serem todas dotadas de certeza, e de igual certeza, teriam em comum uma só certeza e com isso se tornariam uma só ciência. A proposição que acabamos de chamar de pura e simplesmente certa - admitimos apenas uma proposição assim - não pode adquirir sua certeza mediante a vinculação com as demais, mas deve tê-la anteriormente a essa vinculação; pois da unificação de várias partes não pode surgir nada que não esteja em nenhuma das partes. Mas todas as demais teriam de receber dela a sua certeza. Ela teria de ser certa e estipulada antes de toda vinculação. Porém, nenhuma das demais o poderia ser antes da vinculação, mas só mediante a vinculação. Com isto fica claro desde logo que a hipótese admitida acima era a única correta e que em uma ciência só pode haver uma proposição que seja certa e estipulada anteriormente à vinculação. Se houvesse várias proposições assim, então - ou não seriam absolutamente vinculadas com as outras, e nesse caso não pertenceriam ao mesmo todo, mas constituiriam um ou vários todos separados; ou seriam vinculadas com elas. Mas as proposições não podem ser vinculadas a não ser mediante uma e a mesma certeza: se uma proposição é certa, outra também tem de ser certa, e, se a primeira não é certa, também a outra não pode ser certa; e exclusivamente essa relação de certeza de uma com a outra deve determinar sua conexão. Isso não poderia valer para uma proposição que tivesse uma certeza independente das demais proposições; se sua certeza é independente, então ela é certa mesmo se as outras não são certas. Por conseguinte, não estaria em geral vinculada com elas mediante a certeza. - Tal proposição, certa anteriormente à vinculação e independente dela, chama-se proposição fundamental ou princípio. Toda ciência tem de ter um princípio; é certo que poderia perfeitamente, por seu caráter interno, consistir em uma única proposição, certa em si - mas que então sem dúvida não poderia chamar-se proposição fundamental, porque não fundaria nada. Mas também não poderia ter mais de uma proposição fundamental, pois do contrário não constituiria uma, mas várias ciências. Uma ciência pode conter, além da proposição certa anteriormente à vinculação, ainda várias proposições, que somente pela vinculação com aquela são conhecidas em geral como certas, e como certas do mesmo modo e no mesmo grau que aquela. A vinculação consiste, como acaba de ser lembrado, em mostrar: se a proposição A é certa, a proposição B também tem de ser certa, e se esta é certa a proposição C também tem de ser certa, e assim por diante; e esta vinculação é a forma sistemática do todo, que surge das partes singulares. - Para que, então, essa vinculação? Sem dúvida não para criar um virtuosismo no vincular, mas para transmitir certeza a proposições que em si não a têm; e assim a forma sistemática não é o fim da ciência, mas o meio, contingente e só aplicável sob a condição de a ciência ser constituída de várias proposições, para alcançar seu fim. Não é a essência da ciência, mas apenas uma propriedade contingente dela. - Suponha-se que a ciência seja um edifício; e que o fim principal desse edifício seja a firmeza. O fundamento é firme, e, tão logo ele esteja assentado, o fim estaria alcançado. Mas, como no mero alicerce não se pode morar nem, apenas com ele, proteger-se, seja contra o assalto voluntário do inimigo, seja contra os assaltos involuntários das condições atmosféricas, edificam-se então sobre ele paredes laterais, e sobre estas um teto. Todas as partes do edifício são ajustadas com o fundamento e umas com as outras, e com isso o todo se torna firme. Mas não se constrói um edifício firme para poder ajustar as partes: ajustam-se as partes para que o edifício se torne firme; e ele é firme na medida em que todas as suas partes repousam sobre um fundamento firme. O fundamento é firme, e não está fundado em nenhum novo fundamento; está sobre a terra firme. - Sobre que queremos então edificar o fundamento de nossos edifícios científicos? Os princípios de nossos sistemas devem ser - e têm de ser - certos antes do sistema. Sua certeza não pode ser demonstrada no âmbito dos sistemas, mas toda prova possível no interior destes já a pressupõe. Se os princípios são certos, então sem dúvida tudo o que se segue deles também é certo: mas de que decorre sua própria certeza? E, mesmo que tivéssemos respondido a essa questão, não se impõe a nós outra, inteiramente diferente dessa primeira? - Na construção de nosso edifício teórico, vamos inferir do seguinte modo: Se a proposição fundamental é certa, então outra proposição determinada também é certa. Em que se funda esse "então"? O que é que funda a conexão necessária entre ambas, mediante a qual deve caber a uma delas a mesma certeza que cabe à outra? Quais são as condições dessa conexão; e como saberemos que essas são suas condições, e suas condições exclusivas, suas únicas condições? E como chegamos a admitir em geral uma conexão necessária entre proposições diferentes, e condições exclusivas, mas exaustivas, dessa conexão? Em suma: como se funda a certeza do princípio em si; e como se funda a legitimidade de inferir a partir dele, de um determinado modo, a certeza de outras proposições? Aquilo que o princípio contém em si mesmo e deve comunicar a todas as demais proposições que aparecem na ciência eu chamo de conteúdo interior do princípio - e da ciência em geral; o modo como deve comunicá-lo às outras proposições eu chamo de forma da ciência. A questão que foi colocada é, portanto, a seguinte: Como são possíveis conteúdo e forma de uma ciência em geral, isto é, como é possível a própria ciência? Algo no interior do qual essa questão fosse respondida seria também uma ciência, e aliás a ciência da ciência em geral. Antes da investigação não é possível determinar se a resposta àquela questão será possível ou não, isto é, se o conjunto de nosso saber tem um fundamento firme e cognoscível ou se, por mais intimamente encadeadas que possam estar suas partes singulares, ele entretanto repousa, no final, sobre nada, ou pelo menos sobre nada para nós. Mas, se nosso saber deve ter fundamento para nós, essa questão tem de poder ser respondida e tem de haver uma ciência na qual ela é respondida; e se há tal ciência, nosso saber tem um fundamento cognoscível. Portanto, quanto ao fundamento ou à falta de fundamento de nosso saber, não é possível dizer nada antes da investigação; e a possibilidade da ciência requerida só pode ser provada por sua efetividade. A denominação de tal ciência, cuja possibilidade é ainda meramente problemática, é arbitrária. Se entretanto vier a verificar-se que o território que - segundo toda experiência até agora - é utilizável para a edificação de ciências já está ocupado pelas ciências correspondentes e que só há ainda um pedaço de terra não construído, a saber, o que está reservado para a ciência das ciências em geral; se, além disso, sob um nome já conhecido (o de filosofia) se encontrar a ideia de uma ciência, que também quer ser ou tomar-se ciência, mas que não conseguiu decidir-se quanto ao local onde deverá edificar-se: então não seria inadequado indicar-lhe o lugar vazio que acaba de ser encontrado. Se até agora, com a palavra filosofia, se pensou justamente isso ou não, absolutamente não vem ao caso; mas então essa ciência, desde que se tivesse tomado ciência, deixaria de lado, não sem razão, um nome que até agora trazia por uma modéstia nada exagerada - o nome de um amadorismo, de um virtuosismo, de um diletantismo. A nação que encontrar essa ciência mereceria dar-lhe um nome tirado de sua língua; (Mereceria também dar-lhe as demais expressões técnicas tiradas de sua língua; e a própria língua, e a nação que a falasse, adquiriria com isso uma preponderância decisiva sobre todas as outras línguas e nações. Nota da 1ª edição. - Há mesmo um sistema da terminologia filosófica, necessário segundo todas as suas partes derivadas e cuja necessidade está por demonstrar, mediante o progresso regular segundo as leis da designação metafórica dos conceitos transcendentais; pressupondo meramente um signo fundamental como arbitrário, pois necessariamente toda língua parte do arbítrio. Desse modo a filosofia, que segundo seu conteúdo vale para toda razão, torna-se, segundo sua designação, inteiramente nacional; colhida do mais íntimo da nação que fala essa língua e por sua vez aperfeiçoando essa língua até a suprema precisão. Mas essa nacional-terminologia sistemática não deve ser estabeleci da enquanto o próprio sistema da razão, tanto segundo seu âmbito quanto na construção integral de todas as suas partes, não estiver completado. Com a determinação dessa terminologia, o Juízo filosofante termina sua obra; uma obra que, em todo o seu âmbito, poderia facilmente ser grande demais para uma vida humana. Esta é a razão pela qual o autor não executou até agora aquilo que, na nota acima, parece prometer; e é por isso que se serve das palavras técnicas tais como as encontra, quer sejam alemãs, latinas ou gregas. Para ele, toda terminologia é apenas provisória, até que um dia - seja que esta obra caiba a ele mesmo, ou a um outro - possa ser fixada como universal e válida para sempre. Foi também por causa disso que, de modo geral, dedicou pouco cuidado a sua terminologia e evitou dar-lhe uma determinação fixa; e foi também por isso que não fez, pessoalmente, nenhum uso de algumas observações pertinentes de outros sobre este ponto (por exemplo, quanto a uma distinção a ser feita entre dogmatismo e dogmaticismo), mas que então só são pertinentes para o estado presente da ciência. Continuará a dar a seu ensinamento a clareza e a determinidade que, de cada vez, forem requeridos para seu propósito, por perífrases e pela multiplicidade das formulações. Nota da 2ª edição.) elapoderia então chamar-me simplesmente die Wissenschaft (a Ciência) ou die Wissenschaftslehre (a Doutrina da ciência). A até agora assim chamada filosofia seria, portanto, a ciência de uma ciência em geral. 2. Desenvolvimento do conceito da doutrina da ciência Não se deve inferir a partir de definições: isto só pode significar que, a partir da possibilidade de pensar sem contradição certo atributo, na descrição de uma coisa que existe independentemente de nossa descrição, não se deve, sem mais nenhuma razão, inferir que por isso ele tem de ser encontrado na coisa efetiva; ou então que, em se tratando de uma coisa que deve ser produzida apenas por nós, segundo um conceito que formamos dela e que exprime seu fim, não se deva inferir, da pensabilidade desse fim, ainda a possibilidade de executá-lo na efetividade; mas jamais pode querer dizer que não se deve, em seus trabalhos espirituais ou corporais, propor nenhum fim nem procurar torná-los claros para si, antes mesmo de começar a trabalhar, e abandonar então ao jogo de sua imaginação ou de seus dedos aquilo que eventualmente possa resultar deles. O inventor do balão aerostático podia bem calcular seu tamanho e a relação entre o ar encerrado nele e o ar atmosférico e, a partir daí, também a velocidade do movimento de sua máquina; e isso antes mesmo de saber se encontraria um tipo de ar que fosse mais leve, no grau requerido, do que o atmosférico; e Arquimedes podia calcular a máquina com a qual moveria o globo terrestre de seu lugar, embora soubesse com certeza que não encontraria nenhum ponto no exterior de sua força de atração, a partir do qual poderia pô-la em funcionamento. - Assim a ciência que acabamos de descrever: Ela é, como tal, não algo que existisse independentemente de nós e sem nossa intervenção, mas, pelo contrário, algo que só pode ser produzido pela liberdade de nosso espírito atuando segundo uma direção determinada - se é que há tal liberdade de nosso espírito, como igualmente ainda não podemos saber. Determinemos previamente essa direção: façamos um conceito claro daquilo que deve tornar-se nossa obra. Se podemos ou não produzi-lo, é algo que só se verificará se efetivamente o produzirmos. Agora não se trata disso, trata-se de saber o que queremos propriamente fazer; e isso determina nossa definição. 1) A ciência descrita deve, em primeiro lugar, ser uma ciência da ciência em geral. Toda ciência possível tem um princípio, que não pode ser demonstrado no interior dela, mas tem de ser certo anteriormente a ela. Onde, então, deve ser demonstrado esse princípio? Sem dúvida naquela ciência que tem de fundar todas as ciências possíveis. - A este respeito a doutrina da ciência tem duas coisas a fazer. Em primeiro lugar, fundar a possibilidade dos princípios em geral: mostrar como, em que medida, sob que condições e talvez em que graus algo pode ser certo e o que quer dizer, em geral- ser certo; em seguida, teria de demonstrar em particular os princípios de todas as ciências possíveis, que não podem ser demonstrados no interior delas mesmas. Toda ciência, desde que não seja uma única proposição destacada, mas um todo constituído de várias proposições, tem forma sistemática. Essa forma, a condição da conexão das proposições derivadas com o princípio e o fundamento do direito de inferir, a partir dessa conexão, que aquelas são necessariamente tão certas quanto este, não pode ser provada na ciência particular, se é que esta tem unidade e não se ocupa com coisas alheias, não pertencentes a seu âmbito, do mesmo modo que não o pode ser a verdade de seu princípio; é, pelo contrário, um pressuposto da própria possibilidade de sua forma. Recai, portanto, sobre a doutrina da ciência universal a incumbência de fundar a forma sistemática de todas as ciências possíveis. 2) A doutrina da ciência é, ela mesma, uma ciência. Portanto, também ela deve ter, em primeiro lugar, um princípio, que não pode ser demonstrado no interior dela, mas é pressuposto em vista de sua possibilidade como ciência. Mas esse princípio também não pode ser demonstrado em nenhuma outra ciência superior; pois nesse caso essa ciência superior é que seria a doutrina da ciência, e aquela cuja proposição fundamental teve de ser demonstrada não o seria. Esse princípio - da doutrina da ciência e, por seu intermédio, de todas as ciências e de todo saber - não é, pois, suscetível de absolutamente nenhuma prova, isto é, não pode ser remetido a nenhuma proposição superior da qual, em sua relação com esse princípio, decorresse a sua certeza. Contudo, deve fornecer a fundação de toda certeza; deve, pois, apesar disso, ser certo, e aliás ser certo em si mesmo, e em função de si mesmo, e por si mesmo. Todas as outras proposições serão certas por poder mostrar-se que, sob algum aspecto, lhe são iguais; esta proposição tem de ser certa meramente por ser igual a si mesma. Todas as outras proposições terão apenas uma certeza mediata e derivada dela; ela tem de ser imediatamente certa. Nela se funda todo saber, e sem ela não seria possível em geral nenhum saber; mas ela não se funda em nenhum outro saber, e é a proposição do saber pura e simplesmente. - Essa proposição é pura e simplesmente certa, a saber, é certa porque é certa. (Não se pode, sem contradição, perguntar pelo fundamento de sua certeza. Adendo marginal do autor.) É o fundamento de toda certeza, a saber, tudo o que é certo é certo porque ela é certa; e não há nada certo, se ela não for certa. É o fundamento de todo saber, isto é, sabe-se o que ela enuncia porque em geral se sabe; sabe-se imediatamente isso, tão logo se saiba qualquer outra coisa. Ela acompanha todo saber, está contida em todo saber, e todo saber a pressupõe. A doutrina da ciência, na medida em que ela mesma é uma ciência - desde que não consista meramente em seu princípio, mas em várias proposições (e pode-se prever que será assim, pois ela tem de estabelecer princípios para outras ciências) -, deve ter forma sistemática. Ora, não pode tomar emprestada essa forma sistemática de nenhuma outra ciência, segundo sua determinação, nem recorrer, segundo a validade, a uma demonstração dessa forma em outra ciência, porque ela própria tem de estabelecer, para todas as outras ciências, não somente princípios, e com isto seu conteúdo interior, mas também a forma, e com isto a possibilidade de vinculação de várias proposições no interior delas. Logo, deve ter essa forma em si mesma e fundá-la por si mesma. Basta esmiuçarmos um pouco este ponto para vermos o que foi dito propriamente. - Aquilo de que se sabe algo se chama, nessa medida, o conteúdo, e aquilo que se sabe dele, a forma da proposição. (Na proposição: "O ouro é um corpo", aquilo de que se sabe algo é o ouro e o corpo; aquilo que se sabe deles é que são iguais sob certo aspecto e nessa medida um pode ser posto no lugar do outro. É uma proposição afirmativa, e essa referência é sua forma.) Nenhuma proposição é possível sem conteúdo ou sem forma. Tem de haver algo de que se sabe algo e algo que se sabe desse algo. A primeira proposição de toda a doutrina da ciência tem, portanto, de ter a ambos, conteúdo e forma. Além disso, tem de ser certa imediatamente e por si mesma, e isso só pode querer dizer que seu conteúdo determina sua forma e, inversamente, sua forma determina seu conteúdo. Essa forma só pode convir àquele conteúdo e esse conteúdo só pode convir a essa forma; qualquer outra forma para esse conteúdo suprime a própria proposição e com ela todo saber, e qualquer outro conteúdo para essa forma suprime igualmente a própria proposição e com ela todo saber. A forma do primeiro princípio absoluto da doutrina da ciência, portanto, não só é dada por ela, pela própria proposição fundamental, mas também estabelecida como pura e simplesmente válida para o seu conteúdo. Se, além desse único absolutamente primeiro, houvesse ainda vários princípios da doutrina da ciência, que teriam de ser apenas em parte absolutos, mas em parte condicionados pelo primeiro e supremo, (Porque, no primeiro caso, não seriam proposições fundamentais, mas derivadas; porque, no segundo caso, do contrário, etc. (Adendo marginal do autor.) porque do contrário não haveria um único princípio - então o que seria absolutamente primeiro neles só poderia ser o conteúdo ou a forma, e o que seria condicionado igualmente só poderia ser o conteúdo ou a forma. Suponham que o conteúdo seja o incondicionado; nesse caso, o princípio absolutamente primeiro - que tem de condicionar algo no segundo, pois do contrário não seria princípio absolutamente primeiro - determinará sua forma; e com isso sua forma seria determinada na própria doutrina da ciência e por ela e por seu primeiro princípio. Ou suponham, inversamente, que a forma seja o incondicionado; nesse caso, o conteúdo dessa forma é necessariamente determinado pelo primeiro princípio, portanto mediatamente também a forma, na medida em que deve ser forma de um conteúdo; assim, mesmo nesse caso a forma seria determinada pela doutrina da ciência, e aliás por seu princípio. - Mas um princípio que não fosse determinado nem segundo sua forma nem segundo seu conteúdo pelo princípio absolutamente primeiro não pode haver, se é que há um princípio absolutamente primeiro e uma doutrina da ciência e, em geral, um sistema do saber humano. Por conseguinte, também não poderia haver mais proposições fundamentais do que três: uma determinada absolutamente, pura e simplesmente por si mesma, tanto segundo a forma quanto segundo o conteúdo; uma determinada por si mesma segundo a forma e uma determinada por si mesma segundo o conteúdo. Se há ainda várias proposições na doutrina da ciência, então todas estas têm de ser determinadas, tanto segundo a forma quanto segundo o conteúdo, pela proposição fundamental. Uma doutrina da ciência tem, portanto, de determinar a forma de todas as suas proposições, na medida em que estas são consideradas em sua singularidade. Mas tal determinação das proposições singulares não é possível de outro modo, a não ser por determinação recíproca entre elas. Cada proposição, porém, tem de ser completamente determinada, isto é, sua forma tem de convir unicamente a seu conteúdo e a nenhum outro, e esse conteúdo tem de convir unicamente à forma em que se encontra e a nenhuma outra, pois do contrário a proposição não seria igual à proposição fundamental na medida em que esta é certa (lembrem-se daquilo que acaba de ser dito), e, por conseguinte, não seria certa. - Ora, se todas as proposições de uma doutrina da ciência forem diferentes em si - como de fato têm de ser, pois do contrário não seriam proposições, mas uma e a mesma proposição várias vezes repetida -, nesse caso nenhuma proposição pode adquirir sua determinação a não ser através de uma única dentre todas as demais; e com isto então a série inteira das proposições é completamente determinada, e nenhuma delas pode ficar em outro lugar na série do que aquele em que se encontra. Cada proposição da doutrina da ciência tem seu lugar determinado por outra proposição, e determina por sua vez o lugar de uma determinada terceira. A doutrina da ciência, por conseguinte, determina, por si mesma, a forma de seu todo. Essa forma da doutrina da ciência tem validade necessária para seu conteúdo. Pois o princípio absolutamente primeiro era imediatamente certo, isto é, se sua forma só convinha para seu conteúdo e seu conteúdo somente para sua forma, e se todas as proposições seguintes são determinadas por ele, mediata ou imediatamente, segundo o conteúdo ou a forma - se estas como que já se encontram contidas nele -, então tem de valer para estas o mesmo que valia para aquele: que sua forma só convenha para seu conteúdo e seu conteúdo somente para sua forma. Isto quanto às proposições singulares; mas a forma do todo nada mais é do que a forma das proposições singulares pensada em sua unidade, e aquilo que vale para cada uma delas tem de valer também para todas, pensadas em sua unidade. Mas a doutrina da ciência não deve dar apenas a si mesma, mas também a todas as demais ciências possíveis, sua forma, e garantir a validade dessa forma para todas elas. Ora, isso não pode ser pensado de outro modo, a não ser sob a condição de que tudo o que deve ser proposição de uma ciência qualquer já esteja contido em uma proposição qualquer da doutrina da ciência e, portanto, já estabeleci da nesta em sua devida forma. E isto nos abre um caminho fácil para retomarmos ao conteúdo do princípio absolutamente primeiro da doutrina da ciência, do qual podemos agora dizer algo mais do que podíamos anteriormente. Admita-se que saber com certeza nada mais significa do que ter uma visão que penetra a inseparabilidade entre um determinado conteúdo e uma determinada forma (o que não deve ser mais do que uma explicação nominal, já que uma explicação real do saber é absolutamente impossível): assim seria possível perceber desde já de que modo, determinando sua forma meramente por seu conteúdo e seu conteúdo meramente por sua forma, o princípio absolutamente primeiro de todo saber pode determinar a forma para todo conteúdo do saber; a saber, se todo conteúdo possível estivesse contido no seu. Por conseguinte, se nossa pressuposição é correta e há um princípio absolutamente primeiro de todo saber, o conteúdo dessa proposição fundamental teria de ser aquele que contivesse em si todo conteúdo possível, mas que por sua vez não estivesse contido em nenhum outro conteúdo. Seria o conteúdo pura e simplesmente, o conteúdo absoluto. É fácil notar que, ao pressupor a possibilidade de tal doutrina da ciência em geral, assim como em particular a possibilidade de seu princípio, pressupõe-se sempre que no saber humano há efetivamente um sistema. Se há nele tal sistema, então também é possível demonstrar, independentemente de nossa descrição da doutrina da ciência, que tem de haver tal princípio absolutamente primeiro. Se não há tal sistema, somente dois casos podem ser pensados. Ou não há em geral nada imediatamente certo; nosso saber forma várias, ou uma série infinita em que cada proposição é fundada por uma superior, esta de novo por outra superior, e assim por diante. Construímos nossas habitações sobre a superfície terrestre, esta repousa sobre um elefante, este sobre uma tartaruga, esta sobre quem sabe o quê, e assim ao infinito. - Se esta é a índole de nosso saber, sem dúvida não podemos alterá-la, mas também, nesse caso, não temos nenhum saber firme; conseguimos talvez retroceder até certo termo da série e até esse ponto encontramos tudo firme; mas quem pode garantir-nos que, ao avançarmos mais profundamente, não acharemos sua falta de fundamento e não teremos de renunciar a este? Nossa certeza é precária, e nunca podemos contar com ela para o dia seguinte. Ou então - o segundo caso - nosso saber consiste em séries finitas, mas várias, cada série se conclui em um princípio que não é fundado por nenhum outro, mas meramente por si mesmo; mas há várias dessas proposições fundamentais, que, como todas se fundam por si mesmas e independentemente de todas as demais, não têm nenhuma conexão entre si e são totalmente isoladas. Há, eventualmente, várias verdades inatas em nós, todas igualmente inatas, sem que possamos esperar penetrar até sua conexão, pois esta está além das verdades inatas; ou há uma multiplicidade de (elementos) simples nas coisas fora de nós, comunicada a nós pela impressão que estas produzem sobre nós, sem que possamos penetrar em sua conexão, pois não pode haver, para além do (elemento) mais simples da impressão, nenhum (elemento) ainda mais simples. - Se assim é, se o saber humano, em si e segundo sua natureza, é uma colcha de retalhos, assim como o saber efetivo de tantos homens, se há originariamente em nosso espírito uma multiplicidade de fios que não têm conexão entre si em nenhum ponto nem podem ser postos em conexão, então, mais uma vez, não podemos lutar contra nossa natureza. Por certo, até onde se estende, nosso saber é seguro, mas não é um saber único: são muitas ciências. - Por certo, nesse caso, nossa habitação ficaria firme, mas não seria um único edifício interligado, e sim um agregado de cômodos, sem que pudéssemos passar de um deles ao outro; seria uma habitação em que sempre nos perderíamos e jamais nos sentiríamos em casa. Não haveria nela nenhuma luz e, apesar de todas as nossas riquezas, permaneceríamos pobres, pois jamais poderíamos avaliá-la, jamais considerá-la como um todo, jamais saber o que propriamente possuiríamos; não poderíamos jamais aplicar uma de suas partes para a melhoria das demais, porque nenhuma dessas partes teria relação com as demais. Mais que isso, jamais poderíamos perfazer nosso saber; diariamente teríamos de esperar que se manifestasse a nós uma nova verdade inata ou que a experiência nos apresentasse um novo (elemento) simples. Teríamos de estar sempre prontos para construir em algum lugar uma nova casinha. - Nesse caso, não precisaríamos de nenhuma doutrina da ciência universal para fundar outras ciências. Cada uma delas estaria fundada em si mesma. Haveria tantas ciências quantos princípios singulares houvesse, dotados de certeza imediata. Mas, se porventura não deve haver meramente um ou vários fragmentos de sistema, como no primeiro caso, ou vários sistemas, como no segundo, mas um sistema perfeito e único no espírito humano, tem de haver tal princípio supremo e absolutamente primeiro. Por mais que, a partir dele, nosso saber se estenda em muitas séries, e de cada uma dessas partam novas séries, e assim por diante, todas elas têm contudo de estar firmadas em um único elo, que não está fixado em nada, mas sustenta por sua própria força a si mesmo e ao sistema inteiro. - Temos agora um globo terrestre que se sustenta por sua própria força de gravidade, cujo centro atrai poderosamente tudo aquilo que tivermos construído, desde que efetivamente em seu âmbito, e não eventualmente no ar, e desde que perpendicularmente, e não - digamos - obliquamente, e nem um grãozinho de poeira pode ser subtraído de sua esfera. Se há tal sistema e - o que é condição dele - tal princípio, é algo sobre o qual nada podemos decidir antes da investigação. O princípio, não somente como proposição, mas também como proposição fundamental de todo saber, não pode ser demonstrado. Tudo depende da tentativa. Se encontrarmos uma proposição que tenha as condições internas da proposição fundamental de todo saber humano, faremos então uma tentativa para verificar se também tem as externas: se tudo o que sabemos ou acreditamos saber pode ser reconduzido a ela. Se tivermos êxito, teremos provado, pelo estabelecimento efetivo da ciência, que esta era possível e que há um sistema do saber humano, de que ela é a exposição. Se não tivermos êxito, então - ou não há em geral tal sistema, ou simplesmente não o descobrimos, e temos de deixar sua descoberta para sucessores mais afortunados. Afirmar diretamente que não há em geral tal sistema porque nós não o achamos seria uma arrogância cuja refutação nem é digna de ser seriamente considerada. SEGUNDO CAPÍTULO Colocação do conceito da doutrina da ciência 3. Colocar cientificamente um conceito - e é claro que aqui não pode tratar-se de nenhuma outra, senão da mais alta de todas as colocações - é como eu chamo, quando se indica seu lugar no sistema das ciências humanas em geral, isto é, quando se mostra qual é o conceito que determina sua posição e qual outro tem a sua determinada por ele. Mas acontece que o conceito da doutrina da ciência pode tão pouco ter um lugar no sistema de todas as ciências quanto o conceito do saber em geral; pelo contrário, ele próprio é o lugar de todos os conceitos científicos e indica a estes suas posições em si mesmo e por si mesmo. É claro que aqui só se trata de uma colocação hipotética, a saber, a questão é a seguinte: pressupondo-se que já haja ciências e que haja verdade nelas (coisa que absolutamente não se pode saber antes da doutrina da ciência universal), qual é a relação da doutrina da ciência, a ser estabelecida, com essas ciências? Mesmo essa questão já está respondida pelo próprio conceito dessa ciência. Esta últimas estão para a primeira assim como o fundado está para seu fundamento; não indicam a ela sua posição, mas aquela indica a todas elas sua posição em si mesma (Não na própria doutrina da ciência, mas contudo no sistema do saber, do qual ela é a figuração. Adendo marginal do autor.) e por si mesma. Assim sendo, aqui se trata meramente de um maior desenvolvimento dessa resposta. 1) A doutrina da ciência deveria ser uma ciência de todas as ciências. Aqui surge, em primeiro lugar, a questão: Como pode ela garantir que funda, não somente todas as ciências até agora conhecidas e inventadas, mas também todas as ciências inventáveis e possíveis, e que esgotou completamente todo o campo do saber humano? (Isto contra Enesidemo. Adendo marginal do autor.) 2) Ela deveria, deste ponto de vista, dar a todas as ciências seus princípios. Assim sendo, todas as proposições que são fundamentais em uma ciência particular qualquer são, ao mesmo tempo, também proposições domésticas da doutrina da ciência; uma e a mesma proposição deve ser considerada sob dois aspectos: como proposição contida na doutrina da ciência e como proposição fundamental colocada no topo de uma ciência particular. A doutrina da ciência continua a inferir, a partir dessa proposição, como proposição contida nela: e a ciência particular continua também a inferir a partir da mesma proposição como sua proposição fundamental. Portanto: ou o que é inferido em ambas as ciências é o mesmo - e nesse caso todas as ciências particulares, não apenas segundo seu princípio, mas segundo todas as suas proposições derivadas, estão contidas na doutrina da ciência, e não há nenhuma ciência particular, mas apenas partes de uma e mesma doutrina da ciência - ou em ambas as ciências se infere de modo diferente, o que também não é possível, uma vez que a doutrina da ciência deve dar a todas as ciências sua forma - ou então é preciso acrescentar a uma proposição da mera doutrina da ciência algo mais, que sem dúvida não pode ser tomado emprestado a não ser da doutrina da ciência, para que essa proposição se tome princípio de uma ciência particular. Surge a questão: o que é que deve ser acrescentado ou - já que aquilo que deve ser acrescentado constitui a distinção - qual é o limite determinado entre a doutrina da ciência em geral e cada ciência particular? 3) Além disso, a doutrina da ciência deveria, do mesmo ponto de vista, determinar a forma para todas as ciências. Como isso pode ocorrer, já foi mostrado acima. Mas aparece em nosso caminho outra ciência, sob o nome de lógica, com a mesma pretensão. É preciso-decidir entre ambas, é preciso investigar como a doutrina da ciência se relaciona com a lógica. 4) A doutrina da ciência é, ela mesma, uma ciência, e o que ela tem de desempenhar desse ponto de vista já foi determinado acima. Mas, na medida em que é mera ciência, um saber, no sentido formal, ela é ciência de algo qualquer; tem um objeto, e, a partir do que foi visto acima, é claro que esse objeto não é outro senão o sistema do saber humano em geral. (Pois ela pergunta: 1) Como é possível a ciência em geral? 2) E tem a pretensão de esgotar o saber humano construído sobre um único principio. Adendo marginal do autor.) Surge a questão: como está essa ciência, como ciência, para seu objeto como tal? 4. Em que medida a doutrina da ciência pode estar segura de ter esgotado o saber humano em geral? O saber humano, verdadeiro ou imaginado, que existiu até agora, não é o saber humano em geral. Supondo que um filósofo tivesse efetivamente abarcado o primeiro e pudesse, mediante uma indução exaustiva, provar que ele está contido em seu sistema, com isso ainda estaria longe de ter cumprido a tarefa da filosofia em geral; pois como poderia querer, por sua indução a partir da experiência até agora, demonstrar que mesmo no futuro não poderá ser feita nenhuma descoberta que não se adapte a seu sistema? - Nem mais razoável seria a escapatória de ter eventualmente querido esgotar somente o saber possível dentro da esfera presente da existência humana; pois, se sua filosofia vale somente para essa esfera, então ele não conhece nenhuma outra esfera possível, portanto também não conhece os limites daquela que deveria ser esgotada por sua filosofia; traçou arbitrariamente um limite, cuja validade mal pode demonstrar por outra coisa que não seja a experiência até agora; a qual sempre poderia ser contestada por uma experiência futura, mesmo no interior da esfera que lhe foi previamente determinada. Dizer que o saber humano em geral deve ser esgotado significa que deve ser determinado, incondicionalmente, o que o homem pode saber, não apenas no grau atual de sua existência, mas em todos os graus possíveis e pensáveis. (Isto quanto a uma objeção possível, mas que só poderia ser feita por um filósofo popular. Trecho suprimido na 2ª edição. - As tarefas propriamente ditas do espírito humano são, sem dúvida, tanto segundo seu número quanto segundo sua extensão, infinitas; a solução apenas seria possível por uma aproximação finda do infinito, que é em si impossível; mas só o são porque são dadas precisamente como infinitas. São uma multiplicidade infinita de raios de um circulo infinito cujo centro está dado; e, dado o centro, está dado também o circulo infinito inteiro e a multiplicidade infinita de seus raios. Um dos pontos terminais desses raios está, sem dúvida, na infinidade; mas o outro está no centro, e este é comum a todos. O centro está dado; a direção das linhas também está dada, pois devem ser linhas retas: portanto, todos os raios estão dados. (Os raios singulares, de seu número infinito, são determinados, pelo desenvolvimento gradativo de nossa delimitação originária, como devendo ser efetivamente traçados; mas não são dados; dados já estavam, ao mesmo tempo que o centro.) O saber humano, segundo os graus, é infinito, mas segundo o modo é completamente determinado por suas leis e pode ser inteiramente esgotado. As tarefas estão aí, e devem ser esgotadas; mas não estão solucionadas nem podem ser solucionadas. Adendo marginal do autor.) Isto só é possível nas seguintes condições: em primeiro lugar, que possa ser mostrado que o princípio estabelecido foi esgotado; e, em seguida, que não é possível nenhum outro princípio, a não ser o que foi estabelecido. Um princípio está esgotado quando foi construído sobre ele um sistema completo, isto é, se o princípio conduz necessariamente a todas as proposições estabelecidas, e todas as proposições estabelecidas reconduzem necessariamente a ele. Se não aparece no sistema inteiro nenhuma proposição que possa ser verdadeira se o princípio é falso, ou falsa se o princípio é verdadeiro, isto é a prova negativa de que não foi acolhida no sistema nenhuma proposição a mais; pois aquela que não fizesse parte do sistema poderia ser verdadeira quando o princípio fosse falso, ou falsa mesmo quando o princípio fosse verdadeiro. Dada a proposição fundamental, devem estar dadas todas as proposições; nela e por ela está dada cada uma das proposições singulares. Fica claro, a partir do que dissemos acima sobre o encadeamento das proposições singulares no interior da doutrina da ciência, que essa ciência traz a prova negativa, indicada acima, imediatamente em si mesma e por si mesma. Com isso é demonstrado que a ciência é em geral sistemática, que todas as suas partes estão em conexão em um único princípio. - A ciência é um sistema, ou está perfeita, quando nenhuma proposição a mais pode ser inferida: e isto dá a prova positiva de que não foi acolhida no sistema nenhuma proposição a menos. A questão é apenas a seguinte: Quando e sob que condições se pode inferir mais uma proposição; pois é claro que o índice meramente relativo e negativo - eu não vejo o que mais possa ser inferido - não prova nada. Depois de mim poderia muito bem vir outro que, lá onde eu não vi nada, visse algo. Precisamos de um índice positivo para provar que, pura e simplesmente, incondicionalmente, nada mais pode ser inferido; e este não poderia ser outro do que verificar que o próprio princípio de que havíamos partido é também o último resultado. Então ficaria claro que não poderíamos ir adiante sem percorrer de novo o caminho já percorrido uma vez. - Quando um dia for estabelecida a ciência, verificar-se-á que ela efetivamente perfaz esse circuito e deixa o pesquisador exatamente no ponto de que partiu com ele; que portanto traz igualmente a segunda prova positiva em si mesma e por si mesma. (A doutrina da ciência tem, portanto, totalidade absoluta. Nela, um conduz a tudo e tudo conduz a um. Mas é a única ciência que pode perfazer-se; a perfeição é, desse modo, seu caráter marcante. Todas as outras ciências são infinitas, e não podem perfazer-se; pois não retomam, por recorrência, a seu princípio. A doutrina da ciência tem de provar isso para todas elas e indicar seu fundamento. Adendo marginal do autor.) Mas, mesmo se o princípio estabelecido estiver esgotado, e sobre ele estiver construído um sistema completo, ainda não se segue daí que, com o seu esgotamento, esteja esgotado o saber humano em geral; a não ser que já esteja pressuposto o que deveria ser demonstrado: que aquele princípio é o principio do saber humano em geral. Àquele sistema perfeito não pode, sem dúvida, ser acrescentado nada, nem nada pode ser tirado dele; mas o que impede que eventualmente, no futuro, ainda que até agora não tenha aparecido nenhum traço disso, viessem a chegar à consciência humana, pelo ampliamento da experiência, proposições que não se fundam naquele princípio e que, portanto, pressupõem um ou vários outros princípios, em suma, por que não deveriam poder subsistir, ao lado daquele sistema perfeito, ainda um ou vários outros sistemas no espírito humano? Sem dúvida não teriam a mínima conexão, o menor ponto em comum, nem com aquele primeiro nem entre si mesmos, mas também não precisam disso, se não formam um único sistema e sim vários. Portanto, para demonstrar satisfatoriamente a impossibilidade de tais novas descobertas, teria de ser demonstrado que somente pode haver um único sistema no saber humano. - Uma vez que essa proposição, que diz que todo saber humano constitui um saber único, interligado em si mesmo, tem de ser, ela mesma, uma parte constitutiva do saber humano, então não poderia fundar-se em nada outro do que a proposição estabelecida como princípio de todo saber humano, e não poderia ser provado a não ser a partir desta. Ora, com isso, pelo menos por enquanto, isto fica estipulado: que qualquer outro princípio que um dia acaso chegasse à consciência humana, não somente seria outro, e diferente do princípio estabelecido, mas também teria de ser uma proposição contraditória a este, segundo a forma. Pois, pela pressuposição acima, teria de estar contida no princípio estabelecido a proposição: há no saber humano um sistema único. Assim, toda proposição que não pertencesse a esse sistema único não seria meramente diferente desse sistema, mas estaria mesmo em contradição com ele, na medida em que ele deveria ser o único sistema possível, já diretamente por sua mera existência. Estaria em contradição com aquela proposição derivada que afirma a unicidade do sistema e - uma vez que todas as proposições desse sistema estão inseparavelmente ligadas entre si e, se alguma delas é verdadeira, todas são necessariamente verdadeiras e, se alguma delas é falsa, todas são necessariamente falsas - com cada uma de suas proposições e, em particular, também com a proposição fundamental. Pressupondo-se que também essa proposição alheia estivesse sistematicamente fundada na consciência da maneira descrita acima, então o sistema de que ela fizesse parte teria, pela própria contradição meramente formal de sua existência, de contradizer também materialmente todo o primeiro sistema e de repousar sobre um princípio diretamente oposto ao primeiro princípio, de tal modo que, se o primeiro fosse, por exemplo: eu sou eu - o segundo teria de ser: eu não sou eu. Ora, dessa contradição não pode nem deve ser inferida diretamente a impossibilidade de tal segundo princípio. Se no primeiro princípio está contida a proposição - o sistema do saber humano é único -, então sem dúvida está contida nele também esta: nada pode contradizer esse sistema único; mas ambas as proposições são exclusivamente consequências dele mesmo. Assim, tão logo seja admitida a validade absoluta de tudo o que se segue dele, já se admite que ele é um princípio absolutamente primeiro e único e que comanda pura e simplesmente o saber humano. Portanto, há aqui um círculo, do qual o espírito humano jamais pode sair; e é bom admitir determinadamente esse círculo, para algum dia não cair em embaraço com sua descoberta inesperada. É o seguinte: Se a proposição X é o princípio primeiro, supremo e absoluto do saber humano, então há no saber humano um sistema único; pois isto se segue da proposição X. Ora, já que no saber humano deve haver um sistema único, então a proposição X, que efetivamente (em virtude do estabelecimento da ciência) funda um sistema, é princípio do saber humano em geral, e o sistema fundado nele é aquele sistema único do saber humano. Ora, não há causa para sair desse círculo. Desejar que ele seja eliminado é desejar que o saber humano seja totalmente sem fundamento, que não haja nada pura e simplesmente certo e que, ao contrário, todo saber humano seja apenas condicionado, que nenhuma proposição deva valer em si, mas cada uma apenas sob a condição de que tenha validade aquela de que ela decorre; em poucas palavras, é afirmar que não há em geral nenhuma verdade imediata, mas apenas verdade mediata - e sem algo pelo qual ela seja mediada. Quem tiver disposição para isso, pode sempre investigar o que saberia se seu eu não fosse um eu, isto é, se ele não existisse e não pudesse distinguir um não eu do seu eu. 5. Qual é o limite que separa a doutrina da ciência universal das ciências particulares fundadas por ela? Achamos acima (3) que uma e a mesma proposição não pode, na mesma referência, ser uma proposição da doutrina da ciência universal e uma proposição fundamental de uma ciência particular qualquer; mas, pelo contrário, que talvez tenha de ser-lhe acrescentado algo para que ela se torne esta última. - Aquilo que tem de ser acrescentado não pode ser emprestado a não ser da doutrina da ciência universal, uma vez que nesta está contido todo saber humano possível; mas ali não pode estar na mesma proposição que agora, com o respectivo acréscimo, deve ser elevada a princípio de uma ciência particular; pois do contrário esta já seria princípio ali, e não teríamos nenhum limite entre a ciência particular e as partes da doutrina da ciência universal. Por isso, tem de haver eventualmente uma proposição singular da doutrina da ciência que seja unificada com a proposição que deve vir a ser proposição fundamental. - Como aqui temos de responder a uma objeção que não decorre imediatamente do próprio conceito da doutrina da ciência, mas origina-se da pressuposição de que, além dela, há efetivamente ainda outras ciências separadas dela, não podemos responder-lhe a não ser igualmente por uma pressuposição; e teremos feito o bastante, por ora, se somente indicarmos uma possibilidade qualquer da delimitação requerida. Que este seja o verdadeiro limite - embora possa bem ser este o caso - não podemos nem devemos provar aqui. Suponha-se, portanto; que a doutrina da ciência contém todas aquelas ações do espírito humano que este desempenha - quer condicionada, quer incondicionadamente - forçosa e necessariamente; mas que estabelece, ao lado disso, como fundamento supremo de explicação daquelas ações necessárias em geral, uma faculdade desse espírito de determinar-se pura e simplesmente, sem coação nem necessidade, a agir em geral; nesse caso estariam dados pela doutrina da ciência um agir necessário e um não necessário, ou livre. As ações do espírito humano, na medida em que este age necessariamente, estariam determinadas por ela, mas não na medida em que age livremente, - Suponha-se, além disso: também as ações livres deveriam, por uma razão qualquer, ser determinadas; nesse caso, isso não poderia ocorrer na doutrina da ciência mas, mesmo assim, já que se trata de determinação, teria de ocorrer em ciências e, portanto, em ciências particulares. O objeto dessas ações livres não poderia ser outro senão o necessário dado pela doutrina da ciência em geral, já que não se pode dispor de nada que não tenha sido fornecido por ela e que ela, de modo geral, não dá nada além do necessário. Por isso, na proposição fundamental de uma ciência particular teria de ser determinada uma ação que a doutrina da ciência teria deixado livre: a doutrina da ciência daria à proposição fundamental o necessário e a liberdade em geral e a ciência particular daria à liberdade sua determinação; agora estaria achada a rigorosa linha de demarcação, e tão logo uma ação livre em si adquirisse uma direção determinada estaríamos passando do domínio da doutrina da ciência universal para o campo de uma ciência particular. - Vou ser mais claro, com o auxílio de dois exemplos. A doutrina da ciência dá como necessário o espaço e o ponto como limite absoluto; mas deixa para a imaginação a plena liberdade de pôr o ponto onde quiser. Tão logo essa liberdade é determinada, por exemplo, a movê-lo em direção à delimitação do espaço ilimitado e assim traçar uma linha, (Uma pergunta aos matemáticos: - O conceito de reta já está contido no conceito de linha? Há outras linhas além da reta? E a assim chamada linha curva o que é senão uma série contínua de infinitos pontos infinitamente próximos? Sua origem, como linha de delimitação do espaço infinito (do eu como centro são traçados infinitos raios, no quais entretanto nossa imaginação limitada tem de pôr um ponto terminal; esses pontos terminais pensados em sua unidade são a linha circular originária), parece-me legitimar essa conclusão; e a partir disso fica claro que e porque a tarefa de medi-la com uma linha reta é infinita e só pode ser cumprida em uma aproximação finda do infinito. - Igualmente a partir disso fica claro por que a linha reta não pode ser definida. Nota da 1ª edição.) não estamos mais no domínio da doutrina da ciência, mas no território de uma ciência particular, que se chama geometria. A tarefa em geral de delimitar o espaço segundo uma regra, ou a construção no espaço, é princípio da geometria, e com isso esta fica rigorosamente destacada da doutrina da ciência. Pela doutrina da ciência está dada, como necessária, uma natureza a ser considerada, segundo seu ser e suas determinações, como independente de nós - e as leis segundo as quais ela deve e tem necessariamente de ser observada: (Por estranho que pareça a muitos pesquisadores da natureza, verificar-se-à entretanto no devido tempo que isto pode ser rigorosamente provado: foi ele próprio quem introduziu na natureza as leis naturais que acredita aprender dela por observação, e estas, da menor até a maior, da constituição da mais insignificante folha de grama até o movimento dos corpos celestes, podem ser derivadas, anteriormente a toda observação, do princípio de todo saber humano. E verdade que nenhuma lei da natureza e nenhuma lei em geral chega à consciência se não for dado um objeto ao qual possa ser aplicada: é verdade que nem lodos os objetos têm de concordar necessariamente com essas leis, nem todos no mesmo grau; é verdade que nem um só deles concorda, nem pode concordar integralmente com elas; mas, por isso mesmo, é verdade que não as aprendemos por observação, mas as colocamos no fundamento de toda observação, e que não são tanto leis para a natureza independente de nós quanto leis para nós mesmos, de como temos de observar a natureza. Nota da 1ª edição.) mas, com isso, o Juízo conserva sua plena liberdade de em geral aplicar essas leis ou não; ou, na multiplicidade das leis, assim como dos objetos, aplicar a lei que quiser ao objeto que preferir, por exemplo: considerar o corpo humano como matéria bruta ou organizada, ou como matéria animada. Mas tão logo o Juízo receba a tarefa de observar um objeto determinado segundo uma lei determinada, (Por exemplo, se a vida animal pode ser explicada a partir do mero inorgânico, se acaso a cristalização é a transição entre a vinculação química e a organização, se a força magnética e a elétrica são essencialmente uma só, ou se são duas forças diferentes, e assim por diante. Adendo marginal do autor.) para ver se e em que medida esse objeto concorda ou não com essa lei, ele deixa de ser livre e fica sob uma regra; e por isso não estamos mais na doutrina da ciência, e sim no campo de uma outra ciência, que se chama ciência da natureza. A tarefa em geral de submeter todo objeto dado na experiência a uma lei natural dada em nosso espírito é princípio da ciência da natureza: esta consiste integralmente em experimentos (e não em um comportamento passivo diante das ações sem regra da natureza sobre nós), que nos propomos arbitrariamente e aos quais a natureza pode ou não corresponder: e com isso então a ciência da natureza está suficientemente apartada da doutrina da ciência em geral. Desse modo, já se vê aqui - e o lembramos meramente de passagem - por que somente a doutrina da ciência pode ter absoluta totalidade, mas todas as ciências particulares serão infinitas. A doutrina da ciência contém meramente o necessário; se este é necessário sob todos os aspectos, também o é quanto à quantidade, isto é: é necessariamente limitado. Todas as outras ciências visam a liberdade, tanto a de nosso espírito quanto a da natureza pura e simplesmente independente de nós. Se esta é liberdade efetiva e se não está absolutamente sob nenhuma lei, também não se pode prescrever a ela nenhum campo de ação, o que, de fato, teria de ocorrer por uma lei. Portanto, seu campo de ação é infinito. - Desse modo, não há nenhum perigo a temer, da parte de uma doutrina da ciência exaustiva, para a perfectibilidade infinita do espírito humano; esta não é suprimida por ela, mas, bem ao contrário, é posta em plena segurança e fora de dúvida, e é encarregada de uma tarefa que, por toda eternidade, nunca poderá findar. 6. Como se relaciona a doutrina da ciência universal com a lógica em particular? A doutrina da ciência deve estabelecer a forma de todas as ciências possíveis. - Segundo a opinião usual, na qual bem poderia haver algo de verdadeiro, a lógica faz o mesmo. Como se relacionam essas duas ciências, e como se relacionam, em particular, quanto a esta ocupação que ambas se atribuem? Tão logo se lembre que a lógica dá a todas as ciências possíveis mera e unicamente a forma, mas a doutrina da ciência não deve dar somente a forma, mas também o conteúdo, está aberto um caminho fácil para entrar nessa investigação altamente importante. Na doutrina da ciência a forma nunca está separada do conteúdo, ou o conteúdo da forma; em cada uma de suas proposições, ambos estão unificados da maneira mais íntima. Se nas proposições da lógica está contida a mera forma das ciências possíveis, mas não o conteúdo, então elas não são ao mesmo tempo proposições da doutrina da ciência, mas são diferentes destas; e, consequentemente, também a ciência inteira não é nem a própria doutrina da ciência, nem eventualmente uma parte dela; por mais estranho que isto possa parecer no estado atual da filosofia, ela não é, de modo geral, uma ciência filosófica, mas uma ciência própria, separada, embora com isso não ocorra nenhum prejuízo à sua dignidade. Se é assim, deve poder ser indicada uma determinação da liberdade pela qual o procedimento científico passa do domínio da doutrina da ciência para o da lógica e na qual se encontre desde logo o limite entre ambas as ciências. E tal determinação da liberdade é também fácil de mostrar. A saber, na doutrina da ciência conteúdo e forma estão necessariamente unificados. A lógica deve estabelecer a mera forma, separada do conteúdo; essa separação, já que não é originária, só pode ocorrer por liberdade. A livre separação entre a mera forma e o conteúdo seria então aquilo pelo qual se institui uma lógica. Chama-se a tal separação abstração; desse modo, a essência da lógica consiste na abstração de todo o conteúdo da doutrina da ciência. Mas desse modo as proposições da lógica seriam meramente forma, o que é impossível; pois faz parte do conceito de uma proposição em geral que ela tenha a ambos, tanto conteúdo quanto forma (1). Por conseguinte, aquilo que na doutrina da ciência era mera forma teria de ser, na lógica, conteúdo, e este conteúdo adquiriria mais uma vez a forma universal da doutrina da ciência, que porém aqui seria pensado determinadamente como forma de uma proposição lógica. Esta segunda ação da liberdade, pela qual a forma se torna seu próprio conteúdo e retoma para si mesma, chama-se reflexão. Nenhuma abstração é possível sem reflexão; e nenhuma reflexão é possível sem abstração. Ambas as ações, pensadas separadas uma da outra e consideradas cada uma por si, são ações da liberdade; se, justamente nessa separação, ambas são referidas uma à outra, então, sob a condição de uma, a outra é necessária; mas, para o pensamento sintético, ambas são apenas uma e a mesma ação, vista de dois lados. Daqui se segue a relação determinada da lógica com a doutrina da ciência. A primeira não funda esta última, mas é esta que funda a primeira: a doutrina da ciência não pode de nenhum modo ser provada a partir da lógica, e não pode pressupor como válida nenhuma proposição lógica, nem mesmo o princípio de contradição; em contrapartida, cada proposição lógica, e a lógica inteira, tem de ser provada a partir da doutrina da ciência; tem de ser mostrado que as formas estabelecidas nesta última são formas efetivas de um certo conteúdo na doutrina da ciência. Assim a lógica toma emprestada sua validade da doutrina da ciência, mas a doutrina da ciência não toma emprestada a sua da lógica. Além disso, a doutrina da ciência não é condicionada e determinada pela lógica, mas a lógica o é pela doutrina da ciência. A doutrina da ciência não recebe eventualmente da lógica sua forma, mas a tem em si mesma, e a estabelece antes, para a possível abstração por liberdade. Mas, em contrapartida, a doutrina da ciência condiciona a validade e aplicabilidade das proposições lógicas. As formas que esta última estabelece não podem, na operação habitual do pensamento e nas ciências particulares, ser aplicadas a nenhum outro conteúdo que não aqueles que, já na doutrina da ciência, trazem em si - não necessariamente ao conteúdo inteiro que ali trazem em si, pois com isso não surgiria nenhuma ciência particular, mas seriam apenas repetidas partes da doutrina da ciência; mas necessariamente a uma parte dele, a um conteúdo compreendido em e com aquele conteúdo. Sem essa condição a ciência particular instituída mediante tal procedimento é um castelo no ar, por mais logicamente corretas que sejam as inferências feitas em seu interior. (Assim os sistemas dogmáticos pré-kantianos, que estabeleciam um falso conceito de coisa. Adendo marginal do autor.) Enfim, a doutrina da ciência é necessariamente - não justamente como ciência claramente pensada, estabelecida sistematicamente, mas como disposição natural - e a lógica é um produto artificial do espírito humano em sua liberdade. Sem a primeira, não seria possível em geral nenhum saber e nenhuma ciência; sem a última, todas as ciências só teriam podido ser instituídas mais tarde. A primeira é condição exclusiva de toda ciência; a última é uma invenção altamente benéfica, para assegurar e facilitar o progresso das ciências. Exponho com exemplos o que acaba de ser sistematicamente deduzido: A = A é sem dúvida uma proposição logicamente correta e, na medida em que o é, sua significação é a seguinte: se A está posto, então A está posto. Surgem aqui duas questões: Está A posto? - e: em que medida e por que está A posto, se está posto - ou: qual é em geral a conexão entre aquele se e este então? Suponha-se que A, na proposição acima, significa eu, e tem assim seu conteúdo determinado. Nesse caso, a proposição significaria primeiramente: eu sou eu - ou: se eu estou posto, então eu estou posto. Mas, porque o sujeito da proposição é o sujeito absoluto, o sujeito pura e simplesmente, então, neste único caso, com a forma da proposição está posto igualmente seu conteúdo interior: Eu estou posto, porque me pus. Eu sou porque sou. - Assim, a lógica diz: Se A é, A é; e a doutrina da ciência: Porque A (este A determinado = eu) é, A é. E com isto a questão: Está A (este A determinado) posto? - seria respondida assim: Está posto porque está posto. Está posto incondicionalmente, pura e simplesmente. Suponha-se que, na proposição acima, A não signifique o eu, mas algo outro; nesse caso, pode-se perceber, a partir do que vimos acima, em que condições se pode dizer: A está posto; e como se pode ter o direito à inferência: Se A está posto, então ele está posto. - A saber, a proposição A = A vale originariamente apenas do eu; é derivada da proposição da doutrina da ciência: eu sou eu; portanto, todo conteúdo a que ela é aplicável tem de estar no eu e contido sob o eu. Nenhum A, portanto, pode ser algo outro do que um posto no eu, e agora a proposição significaria: O que está posto no eu está posto; se A está posto no eu, então está posto (a saber, na mesma medida em que está posto: como possível, real ou necessário) e assim é incontestavelmente verdadeira,se o eu deve ser eu. - Além disso, se o eu está posto porque está posto, tudo o que está posto no eu está posto porque está posto; e basta que A seja algo posto no eu para estar posta, se estiver posto; e a segunda questão também está respondida. 7. Como se relaciona a doutrina da ciência, como ciência, com seu objeto? (É de notar que até agora foi feita total abstração dessa questão e que, portanto, tudo o que precede deve ser modificado a partir de sua resposta. Anotação marginal do autor.) Toda proposição da doutrina da ciência tem forma e conteúdo: sabe-se algo; e há algo, de que se sabe isso. Mas a própria doutrina da ciência é ciência de algo; e não é esse próprio algo. Por conseguinte, esta seria em geral, com todas as suas proposições, forma de certo conteúdo que está aí anteriormente a ela. Como se relaciona com esse conteúdo e o que se segue dessa relação? O objeto da doutrina da ciência é, no final das contas, o sistema do saber humano. Este está aí, independentemente da ciência dele, mas é estabelecido por ela em forma sistemática. O que é então essa nova forma? Como se distingue da forma que tem de estar aí anteriormente à ciência? E como se distingue em geral a ciência de seu objeto? Àquilo que está no espírito humano independentemente da ciência, podemos também chamar as suas ações. Estas são o o que, que está aí; ocorrem de um certo modo determinado; por este modo determinado uma delas se distingue das outras; e este é o como. Portanto, há originariamente no espírito humano, antes de nosso saber, conteúdo e forma, e ambos estão inseparavelmente vinculados; cada ação ocorre de um modo determinado segundo uma lei, e essa lei determina a ação. Se todas essas ações estão em conexão entre si e submetidas a leis universais, particulares e singulares, há também, para o observador eventual, um sistema. Mas de nenhum modo é necessário que essas ações apareçam efetivamente em nosso espírito uma após a outra, segundo a série temporal, naquela forma sistemática na qual serão derivadas, como dependentes uma da outra; que, por exemplo, aquela que abrange todas em si e dá a lei mais alta e universal apareça em primeiro lugar, e em seguida aquela que abrange menos, e assim por diante; e também não se segue disso que todas elas apareçam puras e sem mescla, de tal modo que várias delas, que poderiam perfeitamente ser distinguidas por um observador eventual, não aparecessem como uma só. Por exemplo, seja a ação mais alta da inteligência a de pôr a si mesma. Não é necessário, de modo nenhum, que esta ação, segundo o tempo, seja a primeira a chegar à consciência clara; e tampouco é necessário que ela jamais chegue pura à consciência e que a inteligência jamais seja capaz de pensar pura e simplesmente: eu sou, sem ao mesmo tempo pensar algo outro, que não seja ela mesma. Ora, aqui se encontra a matéria inteira de uma doutrina da ciência possível, mas não essa ciência mesma. Para instituir esta é preciso ainda uma ação do espírito humano que não está contida entre todas aquelas ações, a saber, a de elevar à consciência seu modo de ação em geral. Como esta não deve estar contida entre aquelas ações, que são todas necessárias e que são todas as necessárias, tem de ser uma ação da liberdade. - A doutrina da ciência surge, portanto, na medida em que deve ser uma ciência sistemática, exatamente como todas as ciências possíveis, na medida em que devem ser sistemáticas, por uma determinação da liberdade; a liberdade, aqui, é determinada em particular a elevar à consciência o modo de ação da inteligência em geral; e a doutrina da ciência só se distingue das outras ciências pelo fato de que o próprio objeto destas últimas é uma ação livre, mas o objeto da primeira são ações necessárias. Por essa ação livre, então, algo que já é em si forma, a ação necessária da inteligência, é acolhido como conteúdo em uma nova forma, a forma do saber ou da consciência, e por isso aquela ação é uma ação de reflexão. Aquelas ações necessárias são separadas série na qual, eventualmente, podem aparecer em si, e estabeleci das puras de toda mescla; por conseguinte, aquela ação é também uma ação de abstração. É impossível refletir sem ter abstraído. A forma da consciência, em que o modo de ação necessário da inteligência em geral deve ser acolhido, faz parte sem dúvida, ela própria, de seus modos de ação necessários; seu modo de ação será sem dúvida acolhido nela, exatamente como tudo o que é acolhido nela; não haveria, portanto, em si, nenhuma dificuldade para responder à questão: De onde viria essa forma, em vista de uma possível doutrina da ciência? Mas, ao se dar conta da questão sobre a forma, a dificuldade inteira recai na questão da matéria. - Se o modo de ação necessário da inteligência em si deve ser acolhido na forma da consciência, então ele já deveria ser conhecido como tal, já deveria, portanto, estar acolhido nessa forma; e estaríamos fechados em um círculo. Esse modo de ação em geral deve, segundo o que precede, ser separado por uma abstração reflexionante de tudo o que não é ele mesmo. Essa abstração ocorre por liberdade, e, nela, o Juízo filosofante não é de nenhum modo guiado por uma coação cega. A dificuldade inteira está, pois, contida na questão: segundo que regras procede a liberdade naquela separação? Como sabe o filósofo o que deve acolher como maneira de ação necessária da inteligência e o que deve deixar de lado como contingente? Ora, isso ele absolutamente não pode saber, a não ser que já tenha elevado à consciência aquilo que somente agora deve elevar à consciência, o que se contradiz. Portanto, não há nenhuma regra para essa operação, nem pode haver. O espírito humano faz toda sorte de tentativas; tateando cegamente chega até o alvorecer, e só depois passa para o dia claro. No princípio, é guiado por sentimentos obscuros (Com isso fica claro que o filósofo tem de ser dotado do sentimento obscuro do que é correto, ou de gênio, em grau não menor do que porventura o poeta ou o artista; só que de outro modo. Este último precisa do senso da beleza, aquele do da verdade; e tal senso certamente existe. Nota da 1ª edição. - Um escritor filosófico, de resto respeitável, exaltou-se um pouco - não vejo bem como nem por quê - com a inocente afirmação da nota acima. "Pode-se bem deixar a vazia palavra gênio para saltimbancos, cozinheiros franceses - belos espíritos, artistas e assim por diante; e, de preferência, para as ciências sólidas, estabelecer uma teoria da invenção." - Certamente deveríamos fazê-lo; e isso com toda segurança ocorrerá, tão logo a ciência em geral tiver progredido até a possibilidade de tal invenção. Mas em que medida a afirmação acima está em contradição com tal projeto? - E como essa teoria da invenção seria por sua vez inventada? Acaso através de uma teoria da invenção da teoria da invenção? E esta última? Nota da 2ª edição.) (cuja origem e efetividade cabe à doutrina da ciência demonstrar); e até agora não teríamos nenhum conceito claro e seríamos sempre o torrão de terra que se extraviou do chão, se não tivéssemos principiado a sentir obscuramente aquilo que só mais tarde viemos a conhecer com clareza. - Isto é confirmado também pela história da filosofia; e agora acabamos de fornecer a razão precisa pela qual aquilo, que entretanto está patente em todo o espírito humano e que cada um pode pegar com as mãos, desde que lhe seja claramente apresentado, só depois de uma multiplicidade de erros chegou à consciência de alguns poucos. Todos os filósofos partiram em direção ao alvo que acabamos de estabelecer, todos quiseram separar, por reflexão, o modo de ação necessário da inteligência, de suas condições contingentes; todos efetivamente, apenas com maior ou menor pureza, com maior ou menor completeza, o separaram; mas, no conjunto, o Juízo filosofante sempre avançou cada vez mais e chegou cada vez mais perto de seu alvo. Mas aquela reflexão - não na medida em que é em geral empreendida ou não, pois nessa medida é livre, mas na medida em que é empreendida segundo leis: na medida em que, sob a condição de ocorrer em geral, ocorre de modo determinado - também faz parte das maneiras de ação necessárias da inteligência. Portanto, suas leis também devem aparecer no sistema dessas maneiras de ação em geral e, depois de perfazer a ciência, pode-se certamente saber se foram cumpridas ou não. Poder-se-ia, portanto, acreditar que, pelo menos posteriormente, seria possível uma prova evidente da correção de nosso sistema científico como tal. Mas as leis da reflexão que encontramos na marcha da ciência como as únicas possíveis, mediante as quais uma doutrina da ciência poderia ser instituída - mesmo que concordem com aquelas que pressupusemos hipoteticamente como regras de nosso procedimento -, são entretanto elas próprias o resultado de sua aplicação anterior; e assim se revela, aqui, um novo círculo: Pressupusemos certas regras de reflexão e encontramos agora no decorrer da ciência as mesmas regras como as únicas possíveis; portanto, nossa pressuposição estava certa e nossa ciência é correta segundo a forma. Se tivéssemos pressuposto outras, também na ciência teríamos, sem dúvida, encontrado outras como as únicas corretas. Pergunta-se apenas se teriam ou não concordado com as pressupostas; se não concordassem com elas, seria então seguro que ou as pressupostas ou as encontradas ou, mais verossimilmente, ambas seriam falsas. Portanto, não podemos, na prova posterior, inferir em círculo da maneira viciosa que foi indicada; mas inferimos, da concordância do pressuposto com o encontrado, a correção do sistema. Esta, porém, é apenas uma prova negativa, que funda uma mera verossimilhança. Se as reflexões pressupostas e as encontradas não concordam, então o sistema é seguramente falso. Mas, se concordam, ele pode ser correto. Mas não tem necessariamente de ser correto; é certo que, se no saber humano há apenas um sistema, tal concordância só pode encontrar-se de um único modo, se a inferência for correta; entretanto, continua a ser sempre possível o caso de a concordância ter sido produzida por acaso, por duas ou mais inferências incorretas, causadoras de concordância. - É como se eu verificasse uma divisão pela multiplicação. Se não obtenho a grandeza desejada como produto, mas outra qualquer, então seguramente calculei errado em algum lugar; se a obtenho, é verossímil que tenha calculado corretamente, mas também meramente verossímil; pois poderia ter cometido na divisão e na multiplicação o mesmo erro, por exemplo, ter dito em ambas: 5 x 9 = 36; e, assim, a concordância não provaria nada. - Assim a doutrina da ciência: ela não é meramente a regra, mas é, ao mesmo tempo, o cálculo. Quem duvida da correção de nosso produto, não duvida justamente da lei eternamente válida, segundo a qual se tem de pôr um dos fatores tantas vezes quantas unidades tem o outro; provavelmente ele traz essa lei em seu coração, tanto quanto nós, e duvida apenas de que a tenhamos efetivamente observado. Por isso, mesmo quando se chega à suprema unidade do sistema, que é a condição negativa de sua correção, resta sempre algo que nunca pode ser rigorosamente demonstrado, mas apenas admitido como verossímil: a saber, que essa própria unidade não é oriunda do acaso, por inferência incorreta. Pode-se aplicar vários meios para aumentar essa verossimilhança; pode-se recapitular várias vezes a série das proposições, se estas não estão mais presentes em nossa memória; pode-se tomar o caminho inverso e voltar dos resultados ao princípio; pode-se refletir de novo sobre sua própria reflexão, e assim por diante: a verossimilhança torna-se cada vez maior, mas nunca se torna certeza o que era mera verossimilhança. Quanto a isto, basta que se tenha consciência de ter pesquisado lealmente (O filósofo precisa não só do senso da verdade, mas também do amor à verdade. Não digo aqui que ele não deva, utilizando sofismas, de que ele próprio tem perfeita consciência, mas que acredita que nenhum de seus contemporâneos descobrirá, procurar afirmar os resultados já pressupostos; nesse caso, ele próprio sabe que não ama a verdade. Quanto a isto, porém, cada um é seu próprio juiz, e nenhum homem tem o direito de acusar outro homem dessa deslealdade, enquanto os indícios não forem muito patentes. Mas ele tem também de pôr-se em guarda contra os sofismas involuntários, aos quais nenhum pesquisador está mais sujeito do que o investigador do espírito humano: não deve apenas sentir obscuramente, mas elevar à clara consciência e tomar como máxima suprema que procura apenas a verdade, seja como for que esta se apresente; e que mesmo a verdade de que não há, em parte alguma, uma verdade, deveria ser-lhe bem-vinda, desde que fosse verdade. Nenhuma proposição, por mais árida e por mais sutil que pareça, deve ser-lhe indiferente - todas têm de ser para ele igualmente sagradas, pois todas elas fazem parte do sistema único da verdade e cada uma delas sustenta todas as outras. Não deve perguntar: O que se seguirá disto? - mas continuar a seguir seu reto caminho, sejam quais forem as decorrências de seu pensamento. Não deve temer nenhuma fadiga e, contudo, manter-se sempre disposto a desistir dos trabalhos mais fatigantes e profundos, tão logo lhe seja mostrada sua falta de fundamento, ou ele mesmo a descubra. E se também estivesse enganado, o que isso teria de mais? Que mais lhe aconteceria do que partilhar do destino comum de todos os pensadores até agora? Nota do Autor) e de não ter posto já diante de si os resultados que se queria encontrar, para poder contentar-se com essa verossimilhança e para ter o direito de exigir daquele que põe em dúvida a segurança de nosso sistema que nos demonstre os erros de nossas inferências; mas nunca se pode ter pretensão à infalibilidade. - O sistema do espírito humano, cuja exposição a doutrina da ciência deve ser, é absolutamente certo e infalível; tudo aquilo que estiver fundado nele é pura e simplesmente verdadeiro; ele não erra nunca, e tudo aquilo que jamais foi ou será necessário em uma alma humana é verdadeiro. Se os homens erraram, o erro não estava no necessário, mas foi feito pelo Juízo reflexionante em sua liberdade, quando este confundiu uma lei com outra. Se nossa doutrina da ciência é uma exposição acertada desse sistema, então ela é pura e simplesmente certa e infalível, como ele; mas a questão é justamente: se e em que medida nossa exposição é acertada; (Opuseram a modéstia desta afirmação à posterior grande ... imodéstia do autor. Por certo, era impossível a este prever com que tipo de objeções e com que exposição dessas objeções teria de se haver, e estava longe de conhecer a maioria dos escritores filosóficos tão bem quanto os conhece desde então. Do contrário, não teria deixado de anunciar previamente seu comportamento também quanto aos casos que efetivamente ocorreram. Entretanto, a afirmação acima não tem nada que estivesse em contradição com sua conduta posterior. Fala, acima, de reparos contra suas inferências; mas, por enquanto, os adversários ainda não chegaram a tanto; disputam ainda sobre o princípio, isto é, sobre a perspectiva inteira da filosofia apresentada pelo autor; e sobre isto não há lugar, segundo sua convicção mais íntima de então e de agora, para nenhuma controvérsia, desde que se saiba do que se trata; e com tal oposição ele de fato não contou. Fala de reparos que tenham pelo menos a aparência de serem bem fundados, a aparência de provarem e demonstrarem efetivamente algo; e, da parte daqueles, aos quais sua pretensa imodéstia deve ter chocado, não lhe apareceram tais reparos. - Aqui está a explicação cuja necessidade o autor, naquela ocasião, não podia prever. Uma tagarelice, cujos autores não adquiriram os conhecimentos prévios necessários e não fizeram os exercícios prévios necessários, em que se nota desde logo que não sabem do que se trata, que é apresentada em um tom ululante e escumante e que, já que é impossível que tenha sido suscitada por convicção ou por entusiasmo pelo progresso da ciência, só pode ter sido suscitada por outros móveis menos dignos (inveja, rancor, sede de notoriedade, sede de honorários e outros que tais) - uma tal tagarelice não merece a menor indulgência, e a réplica a ela não faz parte das regras da controvérsia científica. Por que esses exegetas, a partir destas e de outras afirmações semelhantes, não chegam, de preferência, a esta conclusão - a única que é cabível: que esse tom, que lhes desagrada tanto, foi gerado exclusivamente pelo deles? Nota da 2ª edição.) e sobre isto nunca poderemos fornecer uma prova rigorosa, mas apenas uma prova fundada em uma verossimilhança. Ela só tem verdade sob a condição e na medida em que for acertada. Não somos legisladores do espírito humano, mas seus historiógrafos; decerto não cronistas, mas historiadores pragmáticos. Acresce ainda a circunstância de que um sistema pode efetivamente ser correto em seu todo, sem que suas partes singulares tenham plena evidência. Pode ter havido, aqui e ali, inferências incorretas, podem ter sido saltadas proposições intermediárias, podem ter sido estabeleci das sem prova ou incorretamente provadas proposições demonstráveis, e, contudo, serem corretos os resultados mais importantes. Isso parece impossível; parece que o desvio de um fio de cabelo da linha reta tem necessariamente de conduzir a um desvio crescente ao infinito. E assim seria certamente, se o homem tivesse de instituir pelo pensamento claro tudo o que sabe; e não imperasse nele, pelo contrário, sem sua consciência, a disposição fundamental da razão, e esta não o reconduzisse, por novos extravios da trilha reta do raciocínio formaliter e logicamente correto, ao único resultado materialiter correto, ao qual jamais teria podido retomar pela inferência correta a partir das proposições intermediárias incorretas; e se, muitas vezes, causando um novo extravio da trilha reta do raciocínio, o sentimento não corrigisse o antigo extravio e não o levasse de volta ao ponto, ao qual, pela inferência correta, ele jamais teria retomado. Desse modo, mesmo se fosse estabeleci da uma doutrina da ciência universalmente válida, o Juízo filosofante teria sempre, mesmo nesse campo, de trabalhar em seu constante aperfeiçoamento - teria sempre lacunas para preencher, provas para aguçar, determinações para determinar ainda mais rigorosamente. Tenho ainda duas observações a acrescentar: A doutrina da ciência pressupõe as regras da reflexão e da abstração como conhecidas e válidas; tem necessariamente de fazê-lo e não tem de envergonhar-se disso ou fazer disso um segredo e ocultá-lo. Pode exprimir-se e fazer inferências exatamente como toda outra ciência; pode pressupor todas as regras lógicas e aplicar todos os conceitos de que precisa. Mas faz essas pressuposições meramente para tornar-se inteligível; portanto, sem tirar disso a menor consequência. Tem de demonstrar tudo o que é demonstrável - exceto aquele princípio primeiro e supremo, todas as pressuposições têm de ser derivadas. Assim, por exemplo, nem o princípio lógico de oposição (de contradição, que funda toda análise) nem o da razão (nada está oposto se não for igual em um terceiro e nada é igual se não for oposto em um terceiro, que funda toda síntese) são derivados do princípio absolutamente primeiro, mas o são dos dois princípios que repousam sobre aquele. Aliás, estes dois últimos são também princípios, mas não absolutos; só algo neles é absoluto. Por isso essas proposições, assim como os princípios lógicos que repousam sobre elas, têm de ser, por certo, não provadas, mas derivadas. - Vou ser ainda mais claro. - Aquilo que a doutrina da ciência estabelece é uma proposição pensada e posta em palavras; aquilo que, no espírito humano, corresponde a essa proposição é uma ação qualquer dele, que em si não teria necessariamente de ser pensada. Para esta ação não se pode pressupor nada a não ser aquilo sem o qual ela seria impossível como ação; e isto não é pressuposto tacitamente, mas é ocupação da doutrina da ciência estabelecê-lo clara e determinadamente, e como aquilo sem o qual a ação seria impossível. Seja, por exemplo, a ação D a quarta na série; nesse caso, a ação C tem de precedê-la e ser demonstrada como condição exclusiva de sua possibilidade (da possibilidade da ação C); e esta tem, por sua vez, de ser precedida pela ação B. Mas a ação A é pura e simplesmente possível, é inteiramente incondicionada; por conseguinte, nada pode nem deve ser pressuposto dela. - O pensamento da ação A, porém, é uma ação inteiramente outra, que pressupõe muito mais. Suponha-se que esse pensamento seja, na série das ações a serem estabelecidas, D; é claro que, em vista dele, A B C têm de ser pressupostos e aliás, como esse pensamento deve ser a primeira operação da doutrina da ciência, pressupostos tacitamente. Só na proposição D são demonstradas as pressuposições da primeira; mas, nessa ocasião, já está pressuposto muito mais. Por isso, a forma da ciência toma sempre a dianteira de sua matéria; e esta é a razão pela qual, como foi indicado acima, como tal só tem verossimilhança. O exposto e a exposição estão em duas séries diferentes. No primeiro, nada indemonstrado é pressuposto; para a possibilidade da segunda tem necessariamente de ser pressuposto algo que só mais tarde se deixa demonstrar. A reflexão que reina na doutrina da ciência inteira, na medida em que esta é ciência, é um representar; mas disso absolutamente não decorre que tudo sobre o qual se reflete seja também apenas um representar. Na doutrina da ciência o eu é representado; mas disso não decorre que ele seja representado meramente como representativo; pode perfeitamente ocorrer que se encontrem nele outras determinações. O eu como sujeito filosofante é incontestavelmente apenas representativo; o eu como objeto do filosofar poderia perfeitamente ser ainda algo mais. O representar é a ação mais alta e absolutamente primeira do filósofo como tal; a ação absolutamente primeira do espírito humano poderia perfeitamente ser outra. Que será assim, já é verossímil, antes de toda experiência, porque a representação se deixa esgotar completamente e seu procedimento é cabalmente necessário; por conseguinte, deve ter um fundamento último de sua necessidade, que como fundamento último não pode ter um fundamento mais elevado. Sob essa pressuposição, uma ciência que seja construída sobre o conceito da representação poderia, por certo, ser uma propedêutica extremamente útil para a ciência, mas não poderia ser a própria doutrina da ciência. - Mas pelo menos isto se segue seguramente da indicação acima: que a totalidade dos modos de ação da inteligência que a doutrina da ciência deve esgotar só chegam à consciência na forma da representação - só na medida em que, e tais como são representados.