Johann Gottlieb Fichte - A Doutrina da Ciência e o Saber Absoluto - 1801 INTRODUÇÃO Conceito da Doutrina da Ciência 1. Descrição provisória do saber, mediante uma construção do mesmo. Chamamos a esta descrição de provisória porque não esgota o conceito do saber, mas mostra apenas aqueles seus traços de que precisamos para nosso presente fim. Logo, a pergunta com que se poderia interromper já o início de nosso discurso - "Mas de que saber falais, e em que sentido empregais essa palavra, que tem tantas significações?" - seria extemporânea aqui. Entendemos por saber, neste lugar, aquilo que logo indicaremos, e absolutamente mais nada, e empregamos essa palavra no sentido que ela adquire a seguir. Descreve um ângulo qualquer - diríamos ao leitor, se estivéssemos em conversação com ele. - Fecha esse ângulo, assim descrito, com uma terceira linha reta. Admites que terias podido fechar esse mesmo ângulo com uma ou várias outras linhas (por exemplo, com alguma linha mais longa ou mais curta), além daquela com que efetivamente o fechaste? - Se, como esperamos, ele responder que absolutamente não o admite, perguntaremos em seguida se considera que essa é apenas sua opinião, seu parecer salvo melhor juízo, certamente sujeito a uma retificação ulterior, ou se acredita sabê-lo, e sabê-lo com toda certeza e segurança. Se responder afirmativamente a esta pergunta, como igualmente esperamos, perguntaremos ainda se considera que o caso enunciado se dá apenas com este ângulo determinado que, no construir, lhe ocorreu justamente assim cc mo lhe ocorreu, e com estes determinados lados adjacentes, que também lhe ocorreram exatamente assim; ou se acaso outros ângulos possíveis, entre outros lados possíveis, poderiam ser fechados por vários terceiros lados, além de um só. Além disso, depois que ele tiver emitido seu juízo sobre isto, se acredita que a coisa aparece assim apenas para ele, pessoalmente, ou que pura e simplesmente todos os seres racionais, desde que entendam suas palavras, partilhariam necessariamente de sua convicção quanto a isto. Enfim, se, quanto a esses dois pontos questionados, acredita também apenas opinar, ou saber algo decididamente. Se responder como esperamos - pois, se uma única das respostas requeridas aqui sobrevier diferentemente do que as pressupomos, teríamos, certamente, de desistir de todo diálogo subsequente com esse leitor, enquanto seu estado permanecesse o mesmo; coin que direito o fazemos, é algo que só poderá julgar aquele que tiver respondido corretamente às perguntas - se responder que nenhum dentre os infinitos ângulos possíveis, inclusos entre infinitos lados possíveis, pode ser fechado por mais de um único terceiro lado possível, que pura e simplesmente todo ser racional tem de partilhar da mesma convicção, e que está seguro da validade absoluta da proposição enunciada, tanto dos infinitos ângulos possíveis quanto para os infinitos seres racionais possíveis, faremos com ele, ainda, as seguintes considerações. Ele assegura, portanto, que tem na representação enunciada um saber, uma constância, uma firmeza e uma inamovibilidade do representar, sobre a qual repousa imutavelmente e sobre a qual se compromete a repousar imutavelmente. Em que repousa propriamente esse saber? Qual é esse seu ponto de apoio seguro, esse seu objeto imutável? Em primeiro lugar: o leitor havia construído, com dois lados determinados, de comprimentos determinados, um ângulo determinado, de certo número de graus; traçou nele, de uma vez por todas, o terceiro lado e, nesse traçar, enunciou, de uma vez por todas, que, mesmo depois de continuar a tentar, ao infinito, traçar outro terceiro lado, só poderá, entretanto, repetir sempre o mesmo. Por conseguinte, ao traçá-lo desta vez, não poderia ser meramente o traçar desta vez, mas o traçar de uma linha sob essas condições, isto é, para fechar este determinado ângulo, em geral e pura e simplesmente em sua repetibilidade infinita, que ele acreditou abranger com um único olhar, e abrangeu efetivamente, se é que sua afirmação de um saber tem fundamento. Ele não poderia, de modo geral, ter olhado para traçá-lo desta vez, como sendo desta vez. Além disso: a proposição enunciada não devia valer apenas para este ângulo determinado, que está diante dele, mas, pura e simplesmente, para os infinitos ângulos possíveis; foi isto que ele afirmou saber; portanto, ele absolutamente não poderia estar olhando para traçá-lo de uma linha fechando este ângulo, mas em geral e pura e simplesmente para traçá-lo de uma linha fechando um ângulo em geral, e abrangê-lo com um único olhar em sua infinita diversidade possível, se é que sua afirmação do saber enunciado tem fundamento. Além disso, a proposição enunciada não devia valer apenas para ele, mas pura e simplesmente para todo ser racional, desde que entendesse as palavras com que é expressa; logo, o leitor absolutamente não poderia estar olhando para si, como esta determinada pessoa, nem para seu próprio juízo pessoal, mas deveria olhar para o juízo de todos os (seres) dotados de razão, e abrangê-lo com um único olhar; saindo de sua alma, penetrar, com o olhar, na alma de todos os seres racionais, se é que sua afirmação do saber enunciado tem fundamento. Enfim, quando afirma saber tudo isto coligido, e portanto se compromete a não julgar de outro modo em toda eternidade, firma seu juízo, emitido neste instante, como juízo para todo o futuro e para todo o passado, sempre que se tivesse de julgar sobre este objeto; logo, absolutamente não considera seu juízo como um juízo emitido neste instante, mas abrange com o olhar seu juízo e o de todos os seres racionais, sobre este objeto, absolutamente em todo tempo, isto é, como absolutamente intemporal, se é que a afirmação do saber enunciado tem fundamento. Em poucas palavras: o leitor atribui a si um abranger e apreender de todo representar - entende-se: em referência ao objeto em que o demonstramos - pura e simplesmente com um único olhar. Mas nada nos impede de fazer abstração de que, no exemplo escolhido, é o representar referente à linha entre dois pontos que foi abrangido com um único olhar e de, em decorrência disso, estabelecer como resultado de nossa investigação a proposição meramente formal: se o leitor respondeu àquelas nossas perguntas como pressupusemos, há para ele um saber, e esse saber é o apreender de certo representar (ou, como preferimos dizer, da razão; palavra esta que, desse modo, não deve significar aqui nada mais do que pode significar de acordo com o contexto) em sua totalidade, pura e simplesmente com um único olhar. Nada nos impede, digo eu, de fazer essa abstração, contanto que, por meio dela, não ampliemos indevidamente nosso resultado, e desde que deixemos em suspenso a questão: há apenas aquele objeto de um saber apresentado como exemplo ou há ainda, além dele, vários outros? 2. Explicação nominal Esse absoluto coligir e abranger de um diverso do representar, diverso este que poderia muito bem ser também uma infinidade, tal como aquele que se mostrou na presente construção de um saber, chama-se, na elaboração seguinte e na doutrina da ciência em geral, intuição. Verificou-se, nessa mesma construção, que só na intuição repousa e consiste o saber. A essa consciência que colige opõe-se a consciência do particular, como, no exemplo apresentado, a consciência do traçar esta vez a linha entre os dois pontos determinados pelo ângulo. Podemos chamar essa consciência de percepção, ou de experiência. Verificou-se que no saber é preciso desviar o olhar da mera percepção. (Portanto, é o abismo da estupidez que se abre quando um Nicolai qualquer, em um escrito qualquer, me solicita que lhe diga como é possível saber algo qualquer, se não for por experiência. Pela experiência não se pode absolutamente saber nada: pois é preciso primeiro deixar de lado tudo o que é meramente experimentado, se é que deve haver para nós um saber. Nota do Autor) 3. Descrição da doutrina da ciência, como um saber do saber. A doutrina da ciência, como mostra a composição da palavra, deve ser uma doutrina, uma teoria do saber, teoria esta que sem dúvida se funda sobre um saber do saber, o engendra, ou, em uma palavra - o é. Esse saber do saber, de acordo com seu conceito, é, em primeiro lugar, ele mesmo um saber, um coligir de um diverso em um único olhar. Além disso, é um saber do saber. Assim como o saber descrito acima, do traçar da linha entre dois pontos, está para a diversidade infinita dos casos desse traçar, assim está o saber do saber para esse saber, o qual, então, sem dúvida, teria de dar a perspectiva de diversidade, ou seria coligido pura e simplesmente em um único olhar. Ou, ainda com mais clareza e rigor: - em todo mero saber do traçar da linha, das proporções entre as partes de um triângulo, e quais outros tipos de saber ainda possa haver, o saber, em sua absoluta identidade, justamente como saber, seria o centro próprio e a sede do... saber do traçar a linha, da proporção entre as partes do triângulo, e assim por diante. Justamente nele e em sua unidade é que, no sentido designado por nós, se saberia, da mesma maneira, de tudo, por mais diverso que possa ser; mas não se saberia do saber, como tal, justamente porque não é do saber, mas do traçar da linha e coisas semelhantes, que se sabe. O saber seria, como saber, e saberia porque seria; mas não saberia de si, justamente porque meramente seria. Mas no saber do saber esse próprio saber seria apreendido integralmente como tal com um único olhar, e, justamente por isso, como unidade igual a si mesma; exatamente do mesmo modo que, no saber, o traçar a linha - e assim por diante - era captado como unidade igual a si mesma. No saber do saber, o saber se manifestaria a si mesmo e se projetaria diante de si mesmo para captar-se, por sua vez. Assim, em nossa descrição do saber (1), tínhamos, como nosso objeto, o mero saber: somente um saber determinado do traçar a linha. Mas aquilo que nós mesmos - só que sem consciência, justamente porque isto era o centro de nossa consciência - éramos ou efetuávamos nessa descrição, era um saber desse mero saber. Logo, já nessa descrição, não estávamos no território da mera ciência, como, por exemplo, ao enunciarmos aquela proposição na geometria, mas estávamos no da doutrina da ciência; e na consideração que acabamos de fazer ficamos ainda acima da doutrina da ciência. É claro que tal captar-se e apreender-se do saber, o saber do saber tal como o descrevemos, tem de ser possível, para que uma doutrina da ciência seja possível. E poderíamos certamente, já aqui mesmo, a partir da efetividade da consciência de todos nós, apresentar a prova, sem dúvida apenas mediata, de que esse saber que capta a si mesmo é efetivo e, portanto, teria de ser possível. Mas a prova direta e imediata é precisamente a efetividade da doutrina da ciência, e esta cada um pode apresentar faticamente a si mesmo, se a realizar em si. Por isso podemos, invocando essa prova fática a ser apresentada, dispensar-nos de toda prova provisória por palavras; pois, de mais a mais, já agora está começada a prova fática, pela mera existência de nosso 1. 4. Consequências 1) Todo saber, segundo o que precede, é intuição (2). Por isso o saber do saber, na medida em que ele mesmo é um saber, é intuição e, na medida em que é um saber do saber, é intuição de toda intuição: absoluto coligir de toda intuição possível em uma só. 2) Logo, a doutrina da ciência, que é o saber do saber, não é uma pluralidade de conhecimentos, um sistema ou uma combinação de proposições, mas é cabalmente uma visão única, indivisível. 3) A própria intuição é saber absoluto, firmeza, inamovibilidade e imutabilidade do representar; mas a doutrina da ciência é a intuição de unidade daquela intuição. Por isso, ela própria é saber absoluto, firmeza, inamovibilidade e imutabilidade do juízo. Portanto, aquilo que é efetivamente doutrina da ciência não pode ser refutado por um ser racional; não é possível contradizê-la, nem sequer é possível duvidar dela, pois toda refutação, contradição e dúvida só são tornadas possíveis em seu território; logo, estão situadas muito abaixo dela. Em referência a um indivíduo, a única coisa que pode acontecer a ela é que alguém não a possua. 4) Como a doutrina da ciência é precisamente apenas a intuição do saber, que é e deve ser pressuposto independentemente dela (o saber do traçar a linha, do triângulo, e assim por diante), ela não pode trazer nenhum saber material (saber de algo), novo e particular, porventura tornado possível somente por ela, mas é apenas o saber universal que chegou ao saber de si mesmo, à lucidez, clareza e domínio sobre si mesmo. Ela absolutamente não é objeto do saber, mas apenas forma do saber de todos os objetos possíveis. Não é de maneira nenhuma nosso objeto, mas nosso instrumento, nossa mão, nosso pé, nosso olho; e, aliás, nem sequer nosso olho, mas apenas a claridade do olho. Só se toma objeto para aquele que ainda não a tem, até que a adquira, e é somente para isso que é exposta em palavras; aquele que a tem, na medida em que olha apenas para si mesmo, não fala mais dela, mas a vive, a faz e a cultiva no restante de seu saber. A rigor, ninguém a tem, mas tem de sê-la, e ninguém pode tê-la antes de ter-se transformado nela. 5) Ela é, dissemos nós, a intuição do saber universal, não a ser adquirido, mas a ser pressuposto em todo aquele que seja simplesmente um ser racional, saber, justamente, constitutivo do ser racional. Por isso, é o que há de mais fácil, de mais manifesto, aquilo com o qual cada um pode topar mais imediatamente. Para chegar a ela nada mais é preciso do que prestar atenção a si mesmo e dirigir um olhar firme à sua própria interioridade. Se a humanidade, à procura dela, ficou à deriva por milênios, e se a época diante da qual ela foi apresentada não lhe deu ouvidos, isso prova apenas que os homens, até agora, estiveram mais próximos de todo o resto do que de si mesmos. 6) Entretanto, embora a doutrina da ciência não seja um sistema de conhecimentos, mas uma única intuição, poderia bem ser que a própria unidade dessa intuição não fosse uma simplicidade absoluta, um último elemento, átomo, mônada, ou como quer que se queira ainda exprimir esse pensamento originário, porque eventualmente algo assim não haveria no saber e, em geral, não existiria, mas que ela fosse uma unidade orgânica, uma fusão da diversidade na unidade e uma difusão da unidade em diversidade, ao mesmo tempo e em uma unidade inseparada: assim como já deveria resultar do fato de que essa intuição deve captar outra vez um diverso de intuições em um único olhar, e cada uma destas intuições, pensada em sua singularidade, deve captar um diverso infinito de casos em um único olhar. Além disso, no caso de ser assim, poderia perfeitamente acontecer que nós, não em nossa própria posse dessa ciência, que deve ser pressuposta em nós, mas em seu ensinamento a outros, que são pressupostos como não possuidores dela, não fôssemos capazes de projetar imediatamente aquela unidade, mas tivéssemos primeiro de organizá-la, diante do olho do leitor, a partir de alguma diversidade, e deixá-la desorganizar-se novamente nesta. Nesse caso, aquele termo da diversidade com o qual eventualmente começasse nossa organização absolutamente não seria inteligível como termo singular, na medida em que absolutamente não é por si, mas somente como parte orgânica de uma unidade, e somente pode ser inteligível na unidade. Portanto, jamais ganharíamos acesso à nossa ciência ou, se o ganhássemos, e se uma parte singular pudesse tornar-se inteligível, isso só poderia acontecer se sua intuição, ainda que obscuramente e sem tomarmos consciência disso, fosse acompanhada pela intuição do todo, tivesse nele seu ponto de apoio e dele recebesse sua clareza e inteligibilidade; e na medida em que, por sua vez, fornecesse por seu lado clareza à intuição do todo, na medida em que influi sobre este; e assim a todas as partes a serem estabeleci das na sequência. Mas não somente esta: também a parte que eventualmente ficasse em segundo lugar não apenas receberia clareza da primeira já tratada, mas, por sua vez, daria também a esta uma nova clareza, na medida em que esta só recebe sua clareza perfeita do todo e a segunda pertence ao todo; assim a terceira não apenas adquiriria clareza das primeiras, mas, por sua vez, daria também a ambas uma clareza própria que só pode emanar dela; e assim por diante, até o término. Portanto, durante o decurso da observação, cada parte seria explicada por todas, e todas por cada uma delas; logo, todas as partes tratadas teriam também de ser mantidas continuamente presentes, porque, a cada passo, não seriam vistas singularmente, mas mutuamente através de todas e a partir de todas, e nenhuma seria completamente clara enquanto todas não o fossem e enquanto não tivesse sido produzida a única visão clara que unifica o diverso e difunde o uno em um diverso. Com isso, a doutrina da ciência permaneceria sempre, ao longo de toda a extensão que se poderia dar a ela no discurso sucessivo, apenas uma e a mesma visão indivisível, só que, a partir do grau zero de clareza, em que ela meramente é, mas não se conhece, seria elevada sucessiva e gradualmente à clareza pura e simples, em que penetra a si mesma intimamente, tem seu domicílio e é em si mesma; e aqui se confirma de novo que a ocupação da doutrina da ciência não é uma aquisição e produção de algo novo, mas apenas um clarificar daquilo que estava aí eternamente e que era eternamente nós mesmos. Podemos acrescentar, historicamente, que é efetivamente assim como supomos; e que, com isso, está determinado o método da doutrina da ciência. Essa ciência não opera em uma série simples, como que em uma linha, segundo a lei da consequência, procedimento este que só é possível no interior de um organismo do saber já pressuposto e subjacente, mas que na filosofia não leva a nada e nela é a própria superficialidade; mas opera de um modo multilateral e recíproco, sempre partindo de um único ponto central para todos os pontos, e retomando desses pontos ao centro, assim como em um corpo orgânico. Sobre o saber absoluto 5. Em primeiro lugar - e isto é dito exclusivamente para orientar nossa investigação -, pelo simples conceito de um saber absoluto, isto ao menos é claro: ele não é o Absoluto. Qualquer segunda palavra acrescentada à expressão absoluto suprime a absolutez pura e simplesmente como tal, e só a deixa no aspecto e na relação designada pela outra palavra. O Absoluto não é ser, nem saber, nem identidade, nem indiferença dos dois, mas é mera e exclusivamente o Absoluto. Mas, já que na doutrina da ciência, e talvez também fora dela em todo saber possível, nunca passamos além do saber, a doutrina da ciência não pode, então, partir do Absoluto, mas tem de partir do saber absoluto. Como, entretanto, pode ocorrer que, como fizemos acima, possamos, pelo menos, pensar o Absoluto ainda para além do saber absoluto e como independente dele, e afirmar dele o que afirmamos acima, é algo que se verificará sem dúvida no prosseguimento de nossa investigação. Talvez o Absoluto só entre em nossa consciência justamente na vinculação em que foi estabelecido, como forma do saber, mas não puro, em si e para si. 6. A mesma questão, que acaba de ser levantada sobre a possibilidade de pensar o Absoluto, pode, sem dúvida, ser colocada quanto à possibilidade de pensar o saber absoluto, se se verificar que todo o nosso saber efetivo e possível nunca é o saber absoluto, mas apenas um saber relativo, determinado e restringido de um modo ou de outro; e poderia ser respondida mais ou menos da mesma maneira: que o saber absoluto só chega ou pode chegar à consciência como forma ou, considerado sob outra perspectiva, como matéria ou objeto do saber efetivo. Por isso, também nós em particular, que aqui temos a intenção de descrever o saber absoluto e, portanto, pretendemos sem dúvida saber dele, temos de deixar sem resposta, por enquanto, a questão sobre como chegamos a esse nosso saber efetivo do saber absoluto. Talvez também nós o vejamos, embora como absoluto, apenas em uma relação, ou seja, na relação com todo saber relativo. Na descrição a ser fornecida, devemos ater-nos exclusivamente à intuição imediata do leitor, e perguntar-lhe se aquilo que ele verá em si mesmo, em decorrência de nossa descrição, se impõe a ele com a consciência de que é o saber absoluto: ou, caso essa própria intuição lhe faltar, temos de esperar que, no desenvolvimento das proposições que se seguirão mais tarde, se fará para ele, ao mesmo tempo, uma luz sobre esse primeiro ponto. 7. Explicação formal e nominal do saber absoluto Ainda que fiquemos com aquilo que, já à primeira vista, se oferece a cada um: que todo nosso saber efetivo é um saber de algo - deste algo, que não é aquele segundo ou aquele terceiro algo -, cada um é contudo capaz de fazer a observação e verificar que não poderia haver um saber de algo, sem que houvesse um saber em geral, mera e exclusivamente como saber. O saber, na medida em que é um saber de algo, é, em todo outro saber de todo outro algo, diferente de si mesmo; na medida em que é justamente saber, é igual a si mesmo em todo saber algo, e cabalmente o mesmo, ainda que esse saber algo prossiga ao infinito e, nessa medida, seja diferente ao infinito. Ora, é a esse pensar do saber, como o saber uno e igual a si mesmo em todo saber particular, e pelo qual este último é, não este, mas justamente saber em geral - que o leitor é convidado aqui, quando se fala do saber absoluto. Vamos descrever para ele mais alguns traços desse saber absoluto - entende-se: na condição de pensamento que lhe é atribuído. - Não é um saber de algo, nem é um saber de nada (como se fosse um saber de algo, mas este algo fosse nada); nem sequer é um saber de si mesmo; pois, de modo geral, não é um saber de - nem é um saber (quantitativamente e na relação), mas é o saber (absolutamente qualitativo). Não é um ato, um acontecimento, ou algo qualquer no saber, mas é justamente o saber, somente no qual podem ser postos todos os atos e todos os acontecimentos que aí são postos. Que uso faremos disso, é algo que o leitor tem que esperar. - Não é oposto ao algo, de que se sabe - pois nesse caso seria o saber de algo, ou o próprio saber particular -, mas é oposto ao saber de algo. (Terem perdido de pista este ponto é a razão pela qual se viu a doutrina da ciência como tendo ficado presa a um ponto refletido, e se acreditou ter assumido um ponto de vista acima dela, mas que, entretanto, está muito abaixo da doutrina da ciência efetiva.) Ora, alguém poderia dizer que esse conceito do saber em geral é, contudo, apenas uma abstração de toda particularidade do saber: e a ele certamente se pode conceder que, no decorrer da consciência efetiva, só nos elevamos a uma consciência particular do saber absolutamente uno e igual a si em todo saber particular por uma livre inibição e obscurecimento (habitualmente denominados abstração) do caráter particular de um determinado saber; embora também pudesse perfeitamente haver ainda outra via para se chegar, pelo menos posteriormente, a essa consciência, e esta última pudesse ser exatamente aquela à qual pretendemos conduzir nosso leitor. Mas acontece que, entre o público filosófico, têm curso certos conceitos de uma abstração que, a partir de certo número de singularidades, deve produzir algo que não se encontra em nenhuma dessas singularidades. E, segundo esses conceitos, a formulação acima equivaleria a dizer que o caráter de saber em geral, que cada saber particular tem de ter, não é pressuposto para tomar possível cada saber singular e particular, mas só se introduz depois de decorrida uma série considerável de determinações particulares do saber e só então converte em saber aquilo que antes era, decerto, um saber particular, sem ser, contudo, uni saber! 8. Explicação real ou descrição do saber absoluto Em primeiro lugar, a explicação real do saber absoluto nada mais pode ser do que a comprovação desse saber na intuição imediata. Não é possível, por exemplo, inferir pelo pensamento o que será esse saber absoluto; pois, já que ele deve ser justamente o saber absoluto, não pode haver nenhum dado superior - isto quereria dizer: ainda mais absoluto - do saber, do qual e a partir do qual seria possível inferi-lo por um pensamento. Por isso, o saber absoluto teria de ser captado por uma intuição, igualmente absoluta, de si mesmo. Além disso, é claro que tem de haver tal intuição absoluta do saber absoluto e de ser possível, em decorrência dela, a anunciada descrição real deste último, para que haja em geral uma doutrina da ciência. Pois, na intuição em que esta consiste, a razão, ou o saber, deve ser apreendida pura e simplesmente com um único olhar. Mas o saber particular não pode ser apreendido com um único olhar, mas somente com olhares particulares e diferentes entre si. Logo, teria de ser apreendido o saber, tal como é pura e simplesmente uno e igual a si mesmo, isto é: o saber absoluto. Na descrição mesma, servimo-nos da seguinte introdução. Pense o leitor, em primeiro lugar, o Absoluto, pura e simplesmente como tal, assim como seu conceito foi determinado acima. Ele verificará, afirmamos nós, que só pode pensá-lo sob as duas características seguintes: por um lado, que é pura e simplesmente o que é, e repousa sobre e em si mesmo sem nenhuma mudança e vacilação, firme, perfeito e fechado em si; por outro lado, que é o que é pura e simplesmente porque é, de si mesmo e por si mesmo, sem nenhuma influência alheia, na medida em que, ao lado do Absoluto, não resta nada de alheio e tudo aquilo que não é o próprio Absoluto desaparece. (Pode ser que essa própria duplicidade de características com que captamos o Absoluto e sem a qual não poderíamos captá-lo, o que, em se tratando do Absoluto, parece certamente estranho, seja resultado de nosso pensamento, portanto justamente um saber; mas isto temos de deixar em suspenso por enquanto.) Podemos chamar o primeiro de: subsistir absoluto, ser em repouso, e assim por diante; o segundo, de: vir a ser absoluto ou liberdade. Ambas as expressões, como se entende em se tratando de um ensinamento honesto e fundamentado, não devem designar nada mais do que aquilo que se encontra efetivamente na intuição de ambas as características, pressuposta no leitor. Ora, o saber deve ser absoluto, como uno, justamente como saber igual a si mesmo e que permanece eternamente igual, como unidade de uma intuição, precisamente da intuição suprema, como mera qualidade absoluta. Logo, no saber, as duas características do Absoluto, distinguidas acima, teriam pura e simplesmente de coincidir uma com a outra e de se fundir, de tal modo que ambas absolutamente não fossem mais distinguíveis. Justamente nessa fusão consistiria a essência do saber, como tal, ou o saber absoluto. Digo, no fundir-se em uma unidade inseparável e no mais íntimo interpenetrar-se de ambos, de tal modo que ambos abandonam e perdem inteiramente seu caráter de distinção nessa unificação, e aí ficam como um único ser, e um ser cabalmente novo; portanto, em uma unificação propriamente real e em uma verdadeira organização; mas de nenhum modo relacionar-se em um mero um ao lado do outro, pelo qual ninguém concebe como podem subsistir um ao lado do outro e surge, exclusivamente, uma unidade formal e negativa, uma não diferença, que também só se pode - Deus sabe a partir de que fundamento - afirmar, mas nunca comprovar. - Não digo: em algum saber, portanto já pressuposto, introduz-se o ser em repouso e introduz-se a liberdade, e ambos se juntam então nesse saber e fazem, nessa sua unificação, o saber absoluto - e com isto seria posto, ainda, um saber fora do saber absoluto, e este posto no interior daquele; - mas sim: para além de todo saber, segundo nossa presente exposição, juntam-se liberdade e ser, e se interpenetram, e somente essa interpenetração interior e identificação de ambos em um novo ser é que dá o saber, justamente como saber, como um absoluto Tal. Tudo depende da visão deste ponto, e foi a negligência dele que ocasionou os mal-entendidos mais recentes. Como nós, que sem dúvida apenas sabemos, chegamos, por nosso lado, a ir aparentemente além de todo saber e a compor o próprio saber a partir de um não saber; ou, em outras palavras, qual é o estatuto da própria intuição do saber absoluto, certamente atribuída ao leitor em nossa presente descrição e que, entretanto, pode perfeitamente ser também apenas um saber, e como ela é possível - possibilidade esta que já acima se mostrou como condição da possibilidade da doutrina da ciência -, e, além disso, como chegamos a pôr outra vez essa intuição ou esse saber como um não saber, assim como igualmente fizemos, é o que se verificará a seguir. Mas essa referência ao que vem a seguir faz parte do método próprio da doutrina da ciência, descrito nos parágrafos 4 a 7. Falta aqui uma clareza que só o segundo termo pode difundir sobre o primeiro. De resto, deve-se notar ainda que o saber absoluto está retratado aqui somente segundo sua matéria. Ser e liberdade, dissemos, se juntam; eles são, portanto, o ativo, na medida em que se deveria perguntar aqui por um ativo, e são ativos justamente na medida em que não são saber, mas sim ser e liberdade. Mas, assim como se interpenetram e abandonam suas naturezas separadas para unificar-se em uma só, em um saber, estão mutuamente ligados, um pelo outro; pois só nessa ligação são um saber, fora dela são ser e liberdade em separado, e estão agora em um subsistir em repouso. A isto chamamos de matéria do saber absoluto; ou matéria absoluta do saber. Poderia ser que esta estivesse para a forma absoluta do mesmo saber exatamente como o ser em repouso está para a liberdade, na própria matéria absoluta. 9. Descrição da forma absoluta do saber O ser em repouso não é o saber, e tampouco o é a liberdade, dizíamos nós, mas o absoluto interpenetrar-se e fundir-se de ambos é o saber. Logo, justamente o interpenetrar-se, sem se levar em conta aquilo que se interpenetra, é a forma absoluta do saber. O saber é um ser para si e em si, um residir em si, um pôr e dispor de si. Justamente esse ser para si é o estado de luz vivo, a fonte de todos os aparecimentos na luz, o ver interior substancial, pura e simplesmente como tal. A tarefa não é considerares que sabes do objeto, e conceberes então tua consciência (justamente: do objeto) como um subjetivo, e o objeto como um objetivo; mas captares, vivendo intimamente, que ambos são um só, e são um interpenetrar-se: e que só depois e em decorrência desse interpenetrar podes também separar a ambos. Não deves meramente, depois de sua separação, coligá-las outra vez, como com um fio que não sabes ir buscar em lugar nenhum, mas deves conceber que estão fundidos organicamente um no outro e um pelo outro, para que, só então, possas separá-las. Ou então: pensa mais uma vez o Absoluto; tal como foi descrito acima. Ele é pura e simplesmente o que é, e o é pura e simplesmente porque é. Mas com isso ainda não lhe foi implantado nenhum olho, e, se agora perguntas para quem ele é, questão que podes muito naturalmente levantar e que também entendes sem mais explicação se for levantada por outro, podes apenas procurar por um olho fora dele; e, mesmo que de fato quiséssemos presentear-te esse olho, coisa que entretanto não podemos fazer, não poderás nunca explicar, além do mais, sua vinculação com aquele Absoluto e só poderás afirmá-la a esmo. Mas esse olho não está fora dele: está nele, e é justamente o vivo interpenetrar-se da própria absolutez. A doutrina da ciência designa essa absoluta penetração de si mesmo em si mesmo e esse absoluto ser para si mesmo com a única palavra da linguagem que lhe pareceu exprimi-la: a palavra egoidade. Mas, para aquele cujo olho interior carece da liberdade de desviar-se de todo o resto e voltar-se para si mesmo, de nada adiantam indicações nem expressões, por mais adequadas que estas sejam: ele só as entende em um sentido invertido, aumentando ainda mais sua própria confusão. É interiormente cego, e tem de permanecer assim. Se, como é evidente a partir do que acaba de ser dito, a essência interior do saber como tal (como um estado de luz e um ver) consiste propriamente nesse ser para si, então a essência do saber consiste justamente numa forma (uma forma do ser e da liberdade - ou seja, seu absoluto interpenetrar-se) e todo saber é, segundo sua essência, formal. Em contrapartida, aquilo que chamamos de matéria absoluta do saber (parágrafo precedente) e que bem poderia continuar a ser, em geral, a matéria absoluta como matéria, aparece aqui, onde é dada ao próprio saber sua essência autônoma, como uma forma, ou seja, forma do saber. 10. O saber é absolutamente o que é e porque é. Pois é somente com a fusão e difusão do separado, inteiramente sem se levar em conta o que seja esse separado, e não com o separado como tal, que surge um saber. Ora, este, como saber, não pode sair de si mesmo, pois com isso justamente deixaria de ser um saber; para ele, não pode haver nada fora dele. Por isso, como saber propriamente formal, tal como foi descrito no parágrafo precedente, isto é, como estado de luz e ver, ele só é absoluto para si, só capta a si mesmo e só começa na medida em que é absoluto. Mas, como foi dito, ele é, como saber, apenas difusão e fusão de um separado em unidade; e, a bem dizer, essa unidade é em si mesma e segundo sua essência - sejam quais forem as outras unidades que ainda possa haver - fusão do separado, e absolutamente nenhum outro ato de unidade. Ora, todo saber começa com essa unidade assim caracterizada, na qual consiste justamente a absolutez de sua essência; e não pode desvencilhar-se dela nem sair dela sem anular a si mesmo. Por isso, até onde se estende o saber estende-se essa unidade, e o saber não pode nunca chegar a uma unidade que seja algo outro do que uma unidade do separado. Com outras palavras: a proposição faticamente encontrada no 1 - todo saber é um coligir de uma multiplicidade em um único olhar - está deduzida aqui; e, além disso, também foi deduzida a infinitude dessa diversidade, a divisibilidade infinita de todo saber, sobre a qual nada podíamos decidir apenas faticamente, pois para isso precisávamos ainda de uma proposição sobre o Absoluto; e aliás essa divisibilidade infinita de todo saber foi deduzida da essência absoluta do saber como formal (9). Seja o que for que apreendas com teu saber, é sempre uma unidade, pois só na unidade o saber é e se capta como saber. Mas, ao captares, por sua vez, esse saber, o uno se pulveriza para ti no separado; e, ao captares uma parte qualquer daquilo que foi assim separado - entende-se: como unidade, pois não podes fazê-lo de outro modo - e ao captares seu saber, essa parte, por sua vez, pulveriza-se de novo para ti em uma diversidade; e assim também as partes dessas partes, enquanto continuares tua divisão. Mas, se não a continuares, ficas justamente com uma unidade que só permanece unidade para ti por não cuidares mais dela. Fica sabendo apenas que tu trazes contigo essa própria divisibilidade infinita, por intermédio da forma absoluta de teu saber, da qual justamente não podes sair, e que tu contemplas essa forma, embora sem clara consciência, todas as vezes que falas de divisibilidade infinita. Por isso, não admitirás mais o pensamento de que esta esteja, eventualmente, fundada em uma coisa em si, o que, se fosse verdade, não significaria, finalmente, nada mais que: não poderias nunca escrutar seu fundamento. Pois ela te foi demonstrada em teu próprio saber, como única fonte possível, o que sem dúvida também não significa nada mais que: podes com toda certeza saber e escrutar seu fundamento, contanto que contemples a ti mesmo com suficiente rigor e clareza. Agora - e isto ainda deve ser bem notado - o saber não repousa no unificar, nem no dispersar, mas repousa pura e simplesmente no próprio fundir-se de ambos, e em sua identidade real. Pois não há unidade a não ser dos separados, e não há separados a não ser na unidade. O saber não pode partir da consciência de elementos que porventura compusesses para chegar à unidade - pois, em toda eternidade, teu saber nunca chega a elementos; nem pode partir da unidade, que porventura cindisses em partes arbitrárias, com a consciência de poder cindi-la ao infinito -, pois não tens nenhuma unidade por si, tens somente uma unidade de separados. Por isso ele oscila entre ambos e é anulado quando não oscila entre ambos. É, em si mesmo, orgânico. 11. O saber não é o Absoluto, mas é ele mesmo, como saber, absoluto. Ora, o Absoluto, na medida em que é considerado como subsistindo em repouso (8), é pura e simplesmente o que é. O que seja o saber, sob esse aspecto, justamente qual seja sua essência absoluta, isto é, seu subsistir e persistir, foi o que vimos no parágrafo anterior. Além disso, o Absoluto, considerado do lado do vir a ser ou da liberdade - e ele tem que ser considerado também por esse lado, para ser considerado como Absoluto -, é o que é pura e simplesmente porque é. O mesmo deve valer quanto ao saber, justamente como saber. Em primeiro lugar, é claro que o saber, na medida em que é considerado não simplesmente como saber, mas como saber absoluto, com o acréscimo desse predicado, não repousa mais meramente em si mesmo, mas eleva-se, por sua vez, sobre si mesmo e se contempla de cima. Ora, aqui efetuamos essa nova reflexão tacitamente e sem prestar contas quanto a sua possibilidade, o que, além do mais, se entende por si mesmo, pois o saber é um absoluto para si. Estabelecer determinadamente essa nova reflexão, com todas as suas decorrências, fica reservado para o futuro. Além disso, para alcançar a perfeita clareza e precisão, é de notar ainda aqui que, já no parágrafo anterior, contamos tacitamente com essa liberdade do saber e somente por meio dela expusemos aquilo que expusemos. O saber é um para si para si mesmo, dissemos nós, e dessa maneira nunca sai da unidade dos separados, portanto dos separados. Ali pressupúnhamos, decerto, apenas para nos fazer entender, que o saber não está fixado em si mesmo, mas pode estender-se, ampliar-se e transportar-se ao incondicionado. Mas além disso o saber, como saber, só é para si e em si mesmo; portanto, somente para si ele pode ser porque é; e é porque é, como saber, somente na medida em que é esse para si (de nenhum modo para algo alheio e exterior) interiormente em si mesmo; ou, em outra formulação, na medida em que se põe como sendo porque é. Ora, este ser porque é não é a expressão do ser absoluto (do estar-posto e subsistir em repouso) do saber, como aquele que foi estabelecido e descrito no parágrafo anterior, mas é expressão de sua liberdade, e de sua liberdade absoluta. Portanto, como temos de lembrar em primeiro lugar, aquilo que será entendido como o caráter dessa absolutez e trazido por ele não decorre do ser do saber, e este poderia ser mesmo sem ele, se é que pode haver em geral, sem ele, um saber. Esse caráter é, se é, pura e simplesmente porque é e, se não é, não é pura e simplesmente porque não é; é justamente produto da liberdade absoluta do saber, que não está submetida a nenhuma regra ou lei ou influência alheia, e é essa própria liberdade absoluta. Portanto, é nesse sentido que deve ser tomado aquilo que dissemos sobre ele, não como se quiséssemos derivá-la de algo outro, como certamente fizemos, no parágrafo anterior, com o ser do saber, derivando-o da fusão dos dois predicados do Absoluto puro e simples. Queremos pô-lo, pura e simplesmente, como a própria absolutez interior e imanente e a própria liberdade do saber. Isto quanto ao lado formal do caráter de liberdade do saber. Quanto a seu lado material: - Um saber, que é em si mesmo e para si mesmo porque é, significaria: seria posto um ato absoluto do saber, do ser para si, portanto justamente um ato de captar-se e interpenetrar-se, de engendrar absolutamente a para-si-ez ou egoidade descrita acima (9), e este ato seria considerado como fundamento de todo ser do saber. O saber seria, pura e simplesmente, porque ele seria, para mim; e não seria para mim, se ele não fosse. Um ato, porque é liberdade, um ato da egoidade, do para si, do captar-se, porque é liberdade do saber. Unidade, um ponto completamente indivisível, do captar-se e tocar-se e interpenetrar-se em um ponto indivisível, porque é apenas o ato, pura e simplesmente como tal, e não algum ser (entende-se: do saber) que deve ser expresso: somente o ser traz consigo a diversidade (10), mas aqui este fica do lado do fundado e tem de ser puramente separado do fundamento. Um ponto interior e vivo, absoluta excitação da vida e da luz, em si mesma e a partir de si mesma. 12. Unificação da liberdade e do ser no saber O saber absoluto, segundo sua essência interior imanente - isto é, captada com abstração do Absoluto puro e simples (5) - é considerado como ser absoluto. Segundo seu engendramento interior imanente, é considerado como liberdade absoluta. Ora, o absoluto não é nem o primeiro nem o segundo, mas é ambos, como pura e simplesmente um, e, pelo menos no saber, aquela duplicidade se funde em unidade. Mas, mesmo sem levar isto em conta, a absolutez do saber é justamente a do saber e, portanto, como o saber é para si, apenas para o saber, e isto ela só pode ser na medida em que funde a duplicidade que há nele em unidade. Por isso, há necessariamente nos próprio saber, tão certo quanto ele é um saber, um ponto de unificação da duplicidade de sua absolutez. É a esse ponto de unificação - e não mais aos separados, que agora já foram suficientemente descritos - que dirigimos, de agora em diante, nossa atenção. Pelo menos um dos termos dos separados, que deve ser unificado com outro no saber a ser descrito, é a liberdade interior do saber. Logo, o ponto de unidade superior, que temos a descrever, funda-se na própria liberdade absoluta do saber, a pressupõe e só é possível sob essa pressuposição. Por isso, já por essa razão mesma, é um produto da liberdade absoluta, não se deixa derivar de outro, mas só pode ser posto pura e simplesmente e é, se é pura e simplesmente porque é, e não é, se não é, pura e simplesmente porque não é isso quanto a sua forma exterior. Além disso, a pressuposição do saber absoluto da liberdade do saber, descrito no parágrafo precedente, é: que todo saber parte dela, como de sua origem, portanto que já que a liberdade é unidade, é da unidade que se passa à diversidade. Somente sob a pressuposição desse refletir-se da liberdade se torna possível a reflexão superior unificante de que falamos aqui; mas, se esta está posta, ela é pura e simplesmente possível. Por isso, tem seus pés pousados imediatamente na unidade, e parte da unidade e, segundo sua essência, não é nada outro que um ser para si daquela unidade, que justamente é pura e simplesmente possível em um saber, mas possível por liberdade. (Este repousar na unidade e ser para si, que, como se verificou, surge, ele mesmo, apenas com a absoluta liberdade do saber, é um pensar. Em contrapartida, o oscilar na diversidade dos separados é um intuir: meras determinações nominais, que podemos acrescentar aqui mesmo. De resto, permanece válida nossa explicação acima: o saber não repousa nem na unidade nem na diversidade, mas em e entre ambas; pois nem o pensar é um saber, nem a intuição o é; apenas ambos, em sua unificação, são o saber.) Em seguida: essa reflexão unificante pressupõe obviamente um ser, ou seja, dos termos separados a serem unificados, e tem em si justamente esse ser dos termos, mantendo-o estável na medida em que o unifica em si: ambos para si, decerto, como unidade, como um ponto, pois parte do pensar. Por isso, sob esse aspecto, não é um saber livre, como o que acaba de ser explicado, mas é em si mesma um saber sendo; portanto, está enquanto é portadora de si, nunca chegará a outra unidade que não a dos separados. O que ela faz com liberdade é unidade, cuja imagem é o ponto; o que ela não faz, mas justamente é, e traz consigo sem sua intervenção, é diversidade; e ela mesma é, materialiter, segundo sua essência interior (com abstração dos termos exteriores que unifica), a unificação de ambas. - Portanto, o que é ela? O ato é unidade, no saber, e para si ponto (ponto de captação e interpenetração no vazio absoluto); o ser, diversidade: por isso, o todo é um ponto distendido à separabilidade infinita, que contudo permanece ponto, uma separabilidade condensada no ponto, que contudo permanece separabilidade. Portanto, uma forma viva, luminosa em si mesma, de um traçar uma linha. Na linha o ponto está em toda parte, pois a linha não tem espessura. Na linha a diversidade está em toda parte, pois não posso apreender nenhuma de suas partes como ponto, mas somente como linha mesmo, como uma separabilidade infinita de pontos. Forma de um traçar uma linha, disse eu. Pois ainda não tem sequer um comprimento, e só o adquire ao captar a si mesma e ao transportar a si mesma até onde quiser. Na presente configuração ainda não tem, como logo veremos, sequer uma direção, mas é a unificação absoluta de direções opostas. 13. Continuação da mesma investigação O pensar unificante, segundo sua essência mais própria, é um ser para si (vida e olho interior) do saber absoluto. Detenhamo-nos mais um pouco neste ponto. Ora, o saber absoluto não é somente liberdade, nem somente ser, mas ambos; por isso, o saber unificante teria também de repousar no ser, sem prejuízo de sua unidade interior, pois ele é um captar-se do saber; mas o saber só se capta na unidade, e tem de conservar isso, como forma fundamental da presente reflexão. Ou, para expor o assunto ainda por outro lado e abarcá-la ainda mais profundamente: a presente reflexão é a interioridade do próprio saber, seu interpenetrar-se. Mas o saber, onde quer que apareça, não é o Absoluto, mas somente a fusão dos dois predicados do Absoluto em um só; portanto, só é absoluto como para si, mas nessa absolutez apenas secundário, e não primário. Naquela unidade, pura e simplesmente como tal, deixando inteiramente de lado a separabilidade infinita da intuição, repousa nossa presente reflexão, e a penetra. Ela a penetra, isto é, ela passa através dela para chegar aos predicados do Absoluto fundidos nela. Ela repousa no ser - isto também pode exprimir-se, portanto: Ela repousa no Absoluto. (Isto propriamente se entende por si. Ela é um ser para si do saber absoluto - entende-se: como absoluto: portanto, a absolutez do saber, inteiramente determinada, assim como a descrevemos acima de nosso ponto de vista da doutrina da ciência, tem de aparecer nela mesma. Logo, este não é mais um saber como que mantido preso em si mesmo, como até agora descrevemos o saber - particularmente no parágrafo 10 -, mas é um saber que capta, penetra e abrange inteiramente a si mesmo; e com isto também já se verifica, provisoriamente, como chegamos acima a sair aparentemente de todo saber. Nosso procedimento se fundava exclusivamente no entrar em si do saber, aqui indicado; a partir do que precede, entende-se que ambos os predicados do Absoluto são captados como unidade.) Ora, há dois pontos de repouso e de inflexão da presente reflexão no ser, ou no Absoluto. Ou ela repousa no caráter da liberdade absoluta, que só com uma nova determinação se toma um saber, de tal modo que a liberdade é assim pressuposta pura e simplesmente; considera somente a exterioridade, o mero ato; e, desta perspectiva, aparece a base absolutamente livre e, justamente por isso, vazia e nula do saber, como captando-se inteiramente, e pura e simplesmente porque se capta, sem nenhum fundamento superior; e o ser ou Absoluto (do saber), resultante disso, é um ver interior, estado de luz. Todo o ponto de apoio desta perspectiva é justamente forma, ou liberdade do saber, egoidade, interioridade, luz. - Ou então repousa no caráter do ser absoluto, de tal modo que é pressuposto pura e simplesmente um subsistir, e este é apenas elevado a um subsistir do saber, a um subsistir em e para si mesmo; ela considera então a interioridade desse captar; assim, seu ato deve ser precedido por uma potencialidade inativa do ato: um grau zero em referência ao ato, mas que pode pura e simplesmente, e sem mais, ser elevado pela liberdade a fato positivo. Que o ato seja efetuado, segundo a mera forma, é algo que deve, depois como antes, depender da liberdade; mas que ele possa ser efetuado, é algo que deve ser fundado em um ser e em um ser assim, pura e simplesmente. O saber não deve, como anteriormente, ser absolutamente vazio e engendrar a luz por liberdade, mas deve ter a luz absolutamente em si mesmo, e apenas desenvolvê-la e captá-la por liberdade. O ponto de apoio permanente desta perspectiva é o subsistir absoluto. Dirigimos agora nossa observação à própria essência interior da reflexão, como tal. Ela é um ser para si do saber, ou do ser para si, e, dessa perspectiva, que também até agora adotamos, obtemos um duplo saber, um para o qual o outro é (na intuição, o superior, ou o subjetivo) e um que é para o outro (na intuição, o inferior, o objetivo). Agora, nem um, nem o outro, portanto nem mesmo ambos, seriam um saber, e faltaria o vínculo entre eles, se não fossem juntos um único saber, e ambos não se interpenetrassem intimamente. Consideremos esse interpenetrar-se orgânico do próprio refletir e ser refletido, em geral, e em particular em nosso caso. Aquilo que, ao fundir-se, forma um saber é sempre liberdade e ser. Ora, na reflexão de que falamos, o superior, subjetivo, e sua decorrência própria no interior do saber - é um unificar, portanto um ato ou liberdade do saber. Este só poderia fundir-se, em um saber, com um ser que o tocasse imediatamente. (Provisoriamente: a linha a ser traçada só pode aparecer como linha. em um saber, no interior de algo que esteja em repouso e subsistindo firmemente.) Aquilo que está em vizinhança imediata e em contato com o unificar é, pelo que precede, o ponto de apoio da reflexão unificante na unidade do ponto, que podia, em geral, ser uma duplicidade. O saber, nele, teria de ser um subsistir em repouso, inalterável, um ser pura e simplesmente o que é: portanto, um repousar pura e simplesmente no ponto de apoio, no qual repousa de uma vez, sem vacilação nem mudança, e não um oscilar entre ambos. Portanto, ou o pensar repousava no ponto de apoio da liberdade absoluta, descrito em primeiro lugar, e a linha descrita a partir dele seria descrita segundo a do ser; o saber seria considerado como pura e simplesmente seu próprio fundamento, e todo ser do saber, e todo ser para o saber, na mesma medida em que aparece no saber, seria considerado como fundado pela liberdade. (O conteúdo material da linha descrita seria iluminação.) A expressão desta perspectiva seria: não há absolutamente nenhum ser (ou seja, para o saber; pois é no ponto de vista deste que repousa esta perspectiva), a não ser pelo próprio saber. Chamaremos a esta série de ideal. - Ou então: o pensar repousaria no ponto de apoio do subsistir, descrito em segundo lugar; e descreveria sua linha a partir do ponto do ser absoluto e do ter em si a luz, para seu desenvolvimento e apreensão por liberdade absoluta (e a materialidade da linha seria ilustração). Chamaremos a esta série de real. - Mas em um desses dois pontos ficaria necessariamente o pensar, e nesse caso não ficaria no segundo; e a linha adquiriria necessariamente uma das duas direções, e nesse caso não a segunda, de tal modo que as duas direções nunca se encontrariam nem se deteriam e, com isso, nunca se chegaria a uma linha. 14. Explicações nominais Um saber que, pela conexão com seu saber complementar, é posto como sendo pura e simplesmente o que é, é um saber da qualidade. Tal saber é necessariamente um pensar; pois só o pensar repousa, em virtude de sua forma-unidade, em si mesmo, enquanto que o intuir nunca chega a uma unidade que não se dissolva outra vez em separados. O saber da qualidade, de que falamos aqui, é o absoluto ser para si do próprio saber Nenhum saber pode sair deste e passar além dele. Ora, no saber só há qualidades, pois a qualidade mesma só pode ser determinada pelo saber. Logo, são ambas as qualidades aqui indicadas - ser e liberdade - são as qualidades supremas e absolutas. Disto decorre também que as encontramos como qualidades do Absoluto, que não podiam ser mais dissolvidas ou unificadas; e o Absoluto não poderia ser nada outro que a unificação das duas protoqualidades na unidade formal do pensar. 15. Reflitamos sobre as seguintes proposições, que podem ser provadas a partir da intuição imediata de cada um: 1) Não há saber imediato, absoluto, a não ser o da liberdade (ou: o saber imediato só pode visar a liberdade). Pois o saber é unidade de separados ou opostos: mas separados só se unificam em uma unidade na liberdade absoluta (como, em parte, já foi demonstrado acima, mas cada um pode perceber na intuição imediata). Somente a liberdade é o primeiro objeto imediato de um saber. (Dito de outro modo: o saber só começa com a autoconsciência.) 2) Não há liberdade absoluta, imediata, a não ser em e para um saber. Imediata, digo eu: aquela que é o que é pura e simplesmente porque o é; ou, negativamente: que não tem absolutamente nenhum fundamento de sua determinação fora de si mesma (como seriam, por exemplo, as pulsões naturais). Pois somente tal liberdade unifica em si opostos absolutos; mas opostos só são unificados em um saber. (No ser, no estado, no em si da qualidade, os opostos excluem um ao outro.) 3) Portanto, saber e liberdade estão inseparavelmente unificados. Embora os distingamos - veremos como, em que medida e por que podemos fazer isto -, não são entretanto separáveis na efetividade, mas são pura e simplesmente um só: algo livre, infinitamente vivo, que é para si - um para si que contempla sua infinidade; o ser e a liberdade dessa luz em sua fusão íntima é o saber absoluto. A luz livre, que se avista como sendo: aquilo que está sendo e repousa sobre si, como livre - este é seu ponto de apoio. Estas proposições são decisivas para toda a filosofia transcendental. 4) Se isso foi visto, é preciso perguntar: Como e de onde foi visto? A partir de que verdade superior quereríamos demonstrá-lo? - Todo aquele que entendeu o que precede, responderá: ele simplesmente o vê, a essência do saber é pura e simplesmente assim; essa convicção exprime seu ser originário. Desse modo, teríamos engendrado em nós, acima, uma intuição imediata do saber absoluto e, neste instante, em que tomamos consciência disso, engendraríamos novamente uma intuição (um ser para si) dessa intuição. Essa última é o ponto de unificação de que se trata aqui. 16. Voltemos à primeira intuição, como objeto da nossa. Nela, uma intuição (perspectiva) inferior do saber e um ser desse saber eram unificados. Iniciemos pelo começo. Não há saber imediato, a não ser da liberdade (15, 1). Aqui era pressuposta a forma interior do saber e se inferia dela seu exterior possível, seu objeto. O centro de visão estava posto nessa forma, e esta projetava a si mesma diante de si mesma, como liberdade. - Não há liberdade absoluta, a não ser em um saber (15, 2). Aqui era pressuposta a forma da liberdade; nela ficava a intuição e concebia a si mesma nela, necessariamente como um saber. Lá: um absoluto ser para si e ser dentro de si do saber, como unidade real, cindindo-se em uma pluralidade absoluta exterior (justamente fundada na liberdade). O seu reflexo, o seu ser para si está no centro. - Aqui: um captar-se imediato da unidade exterior (por liberdade) na pluralidade, e sua fusão na unidade interior e real do saber. O reflexo unificante está aqui, igualmente, no centro. (Unidade interior, exterior - isto deve servir, por ora, como expressão mais intuitiva, até que possamos explicar também isto.) Agora ambos devem ser pura e simplesmente um e o mesmo: a liberdade absoluta, o saber; e o saber absoluto, liberdade. Não são intuídos como um só, como vimos, pois sempre se tem de passar de uma das duas perspectivas para a outra; mas devem ser um só. O ponto central e de inflexão, que acima designamos como reflexo do saber absoluto, é justamente esse ser uno; e assim também as suas duas descrições possíveis são sempre apenas a descrição do mesmo ser do saber absoluto. A unidade desse ser e de suas duas descrições é, portanto, a intuição inferior (15, 4). Façamos agora desta mesma outra vez seu objeto, o que é o conteúdo próprio de nossa tarefa - isto é, não: tomemos este tomar como objeto outra vez como objeto, mas antes sejamos, a seguir, essa intuição, que, como é a intuição do próprio inteligir absoluto, deveria denominar-se, com todo direito, intelectual. Nós a somos da seguinte maneira: Obviamente, na intuição descrita acima, o saber absoluto capta a si mesmo, segundo sua essência absoluta, de maneira absoluta, na unidade; e, justamente porque é saber, é, em seu ser, pura e simplesmente, ao mesmo tempo, para si mesmo. Além disso: ele se capta, intui e descreve nessa intuição, da maneira indicada, como unidade da liberdade e do saber - aqui considerado um pouco diferentemente e não mais sendo absolutamente. Mas, justamente para descrever-se nessa intuição, é preciso que ele já se tenha, como saber (como saber efetuado). Mas que saber é este último? Já o descrevemos suficientemente: um pensamento (ato de vida e de pensamento) - consistente, repousando sobre si mesmo, ligado em e por si mesmo, não pressupondo, segundo sua forma, nenhuma liberdade, mas pressuposto pela própria liberdade formal absoluta - daquela identidade absoluta da liberdade e do saber (esta última expressão empregada no sentido determinado antes, mais amplo, como a forma pura do para si). É esse pensamento vivo que, na intuição intelectual, intui a si mesmo - não como pensamento, mas como saber, na medida em que a forma absoluta do saber (ser para si: absoluta possibilidade de, em todo ser, ser ao mesmo tempo seu reflexo), contida nele, se efetua porque pode efetuar-se em decorrência da liberdade absoluta (formal) do saber. Assim ele se intui nessa forma de maneira absoluta (pura e simplesmente livre) segundo sua essência absoluta. Basta isto quanto ao conteúdo da intuição intelectual. Agora quanto à sua forma - e com isto, de certo modo, não mais a deixamos repousar em nós, mas a tomamos como objeto. 17. Com absoluta liberdade, o pensamento ou o saber se capta (16). Isso pressupõe um desprender-se de si mesmo do pensamento, para em seguida poder captar-se (objetivar-se) outra vez, uma vacuidade da liberdade absoluta, a fim de ser para si mesma. A liberdade faz a si mesma - pura e simplesmente: o que, por si só já é uma duplicidade da liberdade, tal como tem de ser pressuposta para o ato da intuição intelectual (e, em geral, para toda reflexão, em sua possibilidade infinita, sempre ascendente), e que, por isso, como se verifica, faz parte da essência originária do saber. Justamente este não ser da liberdade absoluta, para contudo ser e vir a ser, é aquilo para o qual é chamada a atenção aqui. Abaixo (no saber objetivado) ela e o ser são. Aqui ambos não são, mas vêm a ser. Neste ato, então, o saber desperta para si mesmo: a liberdade, pela qual essa intuição descreve o ser; o ser, que nela é descrito. Neste ato ambos são para si, e sem ele nenhum dos dois seria, mas haveria pura cegueira e morte. Com isto, a liberdade se torna propriamente liberdade, o que se evidencia sem esforço - e o pensamento se torna pensamento, o que deve ser lembrado. Só ela introduz em ambos a visibilidade, a luz, e a infunde neles. É a reflexão absoluta: sua essência é ato (o que é infinitamente importante). Portanto, não há reflexão, como ato, sem um ser absoluto do saber; inversamente, não há ser (repouso, estado) do saber sem reflexão; pois nesse caso ele justamente não seria saber - e não haveria nele nenhuma liberdade (que só está no ato, e que um ser só adquire em decorrência do ato), e nenhum ser do saber, pois este só pode ser para si. E assim ambas as perspectivas estão unificadas nesta intuição. Se derivas o ser da liberdade ou a liberdade do ser, é sempre apenas a derivação do mesmo do mesmo, apenas considerado como diferente; pois a liberdade ou o saber é o próprio ser; e o ser é o próprio saber, e absolutamente não há nenhum outro ser. Ambas as perspectivas são inseparáveis uma da outra e, se entretanto devessem ser separadas - e disto, até agora, só vimos em parte a possibilidade -, então são apenas perspectivas diferentes de um e o mesmo. Este é o verdadeiro espírito do idealismo transcendental. Todo ser é saber. O fundamento do universo não é não espírito, antiespírito, cuja vinculação com o espírito nunca se deixaria conceber, mas é, ele mesmo, espírito. Não é morte, não é matéria inanimada, mas é, por toda parte, vida, espírito, inteligência: um reino dos espíritos, e absolutamente nada outro. Inversamente, todo saber, se apenas é um saber (como são possíveis a ilusão e o erro, não como substantes do saber, pois isto não é possível, mas como seus acidentes, é o que veremos no devido tempo), é ser (põe realidade absoluta e objetividade). O todo daquela reflexão absoluta, por sua vez, pressupõe tanto um ser do pensamento (16 - subfinem) quanto a liberdade - aqui estável e sendo; e também aqui um deles não é possível sem o outro. Mas, ao mesmo tempo, há, também no saber inferior, como foi mostrado, liberdade e ser (isto é, a possibilidade da reflexão - e do pensamento puro, absoluto), e ambos também não são um sem o outro, do mesmo modo que acima. Enfim, suas duas referências, a superior e a inferior, também não são uma sem a outra; e obteríamos assim, quando a consciência começa, uma quintuplicidade inseparável, como uma síntese completa. Justamente no centro, isto é, no ato do refletir, está a intuição intelectual, e unifica a ambos e, em ambos, os termos subalternos de ambos. 18. Ela está no centro e unifica: - que quer dizer isto? Obviamente: o ser (inferior) é ao mesmo tempo em e para si mesmo, e se ilumina e se penetra nesse ser para si; portanto a intuição, o para si livre, é essencialmente e interiormente vinculada com ele, e só ambos são um saber, do contrário o ser seria cego. Inversamente, a intuição (superior) - o para si livre - é acolhida na forma do repouso e da determinidade; e só nesta unificação se torna um saber; sem isso, a liberdade do para si seria vazia e não seria nada; passaria através de si mesma. Assim o saber, em parte, ilumina seu ser, em parte determina seu para si (sua luz): a absoluta identidade de ambos é a intuição intelectual, ou a forma absoluta do saber, a forma pura da egoidade. O para si só é na luz; mas é ao mesmo tempo um ser para si (um ser que se projeta diante de si na luz). Aqui - o que deve ser bem notado - a intuição intelectual reside em si mesma; é interiormente um para si puro, e absolutamente nada mais. Para esclarecer por seu oposto este pensamento muito abstrato e em si incompreensível (porque o que é pensado nele, como em breve se mostrará, só é possível ao mesmo tempo em que seu oposto): deve haver, acima, um objeto, como eu, para o qual um objetivo inferior é, mas só é ele mesmo naquele eu superior. No superior deve estar e ser fundada a intuição, no inferior o ser; mas ambos devem ser vinculados em identidade, de tal modo que, se pensas uma dualidade, pois não podes fazer de outro modo, tens de predicar, de cada um deles, tanto a intuição quanto o ser; isto é, não são propriamente dois termos, um superior e um inferior, vinculados por uma linha, mas um ponto se interpenetrando, e, justamente por isso, não apenas o ser um dos dois termos e um saber que fica no exterior de ambos (como se fosse o intuir de algo outro, objetivo), mas o saber-se de ambos como um (o intuir de sua identidade). Só isto é consciência efetiva - uma observação que não somente deve ser feita aqui, para o necessário rigor do sistema, mas que, no devido tempo, retomará com uma consequência altamente importante. Até agora seguimos uma via ascendente, deixamos de lado todos os termos através dos quais passamos, e agora estamos no ponto supremo, na forma absoluta do saber, no para si puro. - Este ser para si é um para si absoluto, isto é, pura e simplesmente o que é, e pura e simplesmente porque é, não a partir e em decorrência de um outro. Por isso, sua intuição repousa em si mesma para si, o que nós designamos como forma do pensar. Por isso, como forma absoluta do pensar, ela está mantida em si mesma e, não, mantém a si mesma. Ela é um olho em si mesmo claro, parado e fechado. (Há justamente, como já mostramos acima por outro lado, um saber absoluto, qualitativamente determinado, que justamente está aí, não é feito, antecede toda liberdade particular e é o único que a torna possível.) Portanto, nesse olho fechado em si, em que nada de alheio pode introduzir-se, e que não pode sair de si para ir a algo alheio, é que repousa nosso sistema; e esse fechamento, que se funda justamente na absolutez interior do saber, é o caráter do idealismo transcendental. Se, no entanto, ele parece sair de si, como por certo já o sugerimos, teria de sair, em decorrência de si mesmo, de si - que, então, ele põe como si somente sob um aspecto particular. Ao mesmo tempo, com a forma absoluta do saber que foi descoberta e que consiste em ser pura e simplesmente para si, a reflexão do elaborador da doutrina da ciência, como ativa e como proporcionando, a partir de si mesma, algo que só seria conhecido dele e reservado a ele, se retira totalmente. Daqui em diante, ela é apenas passiva, desaparece como algo de particular. Tudo aquilo que deve ser estabelecido de agora em diante está na intuição intelectual indicada, cuja raiz é o próprio para si do saber absoluto, e aquilo que se seguirá é mera e exclusivamente uma análise dela - bem entendido: não na medida em que é considerada, eventualmente, como um ser simples, como coisa, pois nesse caso não haveria nada a analisar, mas na medida em que é considerada como aquilo que é: como saber. Ela é nosso próprio ponto de apoio. Entretanto, não somos nós que a analisamos, mas o próprio saber se analisa, e pode fazê-lo porque seu ser é um para si. Portanto, a partir deste instante, nós mesmos estamos e repousamos na doutrina da ciência, depois que seu objeto, o saber, repousa. Até agora procurávamos apenas a via de acesso a ela. 19. O saber foi agora encontrado e está diante de nós, como um olho fechado e repousando sobre si mesmo. Não vê nada fora de si, mas vê a si mesmo. É essa sua autointuição que temos de esgotar, e com ela o sistema de todo saber possível estará esgotado, e a doutrina da ciência realizada e encerrada. Em primeiro lugar: esse saber se contempla (na intuição intelectual) como saber absoluto. Essa perspectiva é a primeira que temos de estabelecer; só com ela nossa investigação terá ganho um ponto de apoio seguro. Na medida em que é absoluto para si, ele repousa justamente sobre si mesmo, está perfeito em seu ser e em sua autointuição. Isto foi colocado acima (17). - Mas o Absoluto é, ao mesmo tempo, porque é. Também sob esse aspecto o saber tem de ser absoluto para si, se é um saber ou um para si absoluto. Este é seu olho e seu ponto de apoio na intuição intelectual (18). O saber absoluto é para si pura e simplesmente porque é - significa, então: a intuição intelectual é para si um absoluto autoengendramento, a partir do nada: um livre captar-se da luz, e com isso um vir a ser um olhar e olho estáveis. Não há um fato do saber (ser, situação e vinculação em si) sem a forma absoluta do para si, portanto sem a possibilidade de que o ato da reflexão se instaure sobre ele. Mas o saber absoluto tem de ser pura e simplesmente para si o que é. O absoluto porque interior, que acaba de ser descrito, tem portanto de fundir-se com O absoluto o que interior, e esta própria fusão tem de ser interiormente ou para si. - Isto pode ser expresso muito facilmente com a exposição seguinte: O saber tem de ser para si pura e simplesmente o que é, imediatamente porque é. No porque não está contida, ao mesmo tempo, a determinação do o que; esta está inteiramente contida no ser do saber; naquele está contido o mero fato nu como tal, ou a afirmação de que há um saber e um saber o que. Ou: a liberdade, também aqui, é apenas formal - é engendrado um saber, um ser para si - mas não material - é engendrado tal saber. Se não se encontrasse como engendrando, o saber não se encontraria em geral e não seria; e também não se poderia falar de um o que, de uma qualidade do saber. Mas, se ele se encontra como se engendrando, encontra, ao mesmo tempo, sem engendramento, pura e simplesmente seu o que, e, sem este o que, também não se encontra como se engendrando; e isto não em decorrência de sua liberdade, mas em decorrência de seu ser absoluto. - Depois de termos visto, a partir disso, que, no saber, não temos de mediar pontos simples, mas sínteses, passemos aos outros termos de nossa síntese capital (17, fim). O o que absoluto do saber é, aqui, como se sabe, só uma mera forma, a forma do pensar ou do estar-vinculado absolutamente em si do saber. Este deve, como o que, encontrar-se como independente de toda liberdade, assim como esta se encontra: ser para si. Mas toda intuição é liberdade, portanto é pura e simplesmente porque é (absoluto autoengendramento a partir do nada: vide acima). Por isso, se este porque se intuísse, o o que seria anulado como absoluto. Portanto, a forma desta intuição é anulada por sua matéria; desaparece pura e simplesmente em si mesma. É, por certo, um saber, um para si, mas que pura e simplesmente não é outra vez para si, um saber sem autoconsciência; um pensar inteiramente puro, que como tal desaparece, tão logo se toma consciência dele: justamente um absoluto saber o que, sem poder indicar um de onde - e este de onde seria, justamente, a gênese. (Isto deveria ser conhecido; pois a própria doutrina da ciência procurou sanar sua extensão indevida.) Também aqui há, mais uma vez, uma duplicidade, como em toda parte: um ser, e uma intuição livre que se eleva acima do ser. Mas ambos, no caso presente, não estão outra vez unificados e fundidos, como, nos termos subalternos indicados antes, a liberdade e o ser, o para si e o o que, a intuição e o pensar estavam fundidos em um absoluto ponto de unidade da consciência. Portanto, aqui não há nem é possível o ponto de unidade sintético; há um hiatus no saber. (Todo aquele a quem se pergunta de onde sabe que faz algo - que pode ser isto ou aquilo - diz que sabe pura e simplesmente o que faz, justamente porque o faz; portanto, pressupõe uma vinculação imediata entre o fazer e o saber, uma inseparabilidade de ambos e, como toda liberdade absoluta é um saltus, uma continuidade do saber por sobre esse saltus. Mas, se se pergunta a alguém de onde sabe, por exemplo, que todo contingente tem de ter o fundamento de seu ser assim em algo outro, ele diz que isto é pura e simplesmente assim, sem querer indicar-nos uma vinculação desse seu saber com o restante de seu saber ou fazer. Admite um hiatus.) Mas somente em sua unidade esses dois termos - que, em sua imediatez, caem um fora do outro - constituem o saber absoluto; e essa unidade absoluta, como tal, tem de ser para si, tão certo quanto o saber absoluto é para si. (Este é o nervo capital da intuição.) Essa unidade - para esclarecê-la por seu oposto - não seria, porém, absoluta, mas seria uma unidade meramente fática, fundada na liberdade como tal, se porventura fosse expressa assim: quando eu reflito, se encontra isto; de tal modo que poderia perfeitamente encontrar-se também algo outro; - ou então assim: encontrei isto ao refletir, de tal modo que o mesmo poderia perfeitamente encontrar-se de outra maneira. Só é absoluta na medida em que é expressa assim: a partir do o que, segue-se pura e simplesmente tal reflexão (não ela mesma, como fato, pois ela mesma não se segue: é um ato pura e simplesmente livre, como foi fartamente mostrado), e a partir da reflexão, depois que ela mesma foi pressuposta como fática, se segue tal o que. A visão imediata dessa consequência necessária - pois é justamente isto o para si daquela unidade, como absoluta - seria, ela mesma, um pensar absoluto (uma intuição absoluta do ser do saber), que visaria a forma do pensar puro, na configuração em que foi descrita acima, como já sendo para si, e a reflexão livre como fato, e intuiria a ambas como sendo - eu digo: sendo - absolutamente vinculadas. Nesse pensar, ou nessa intuição, a intuição intelectual inteira, tal como foi descrita - não como intuir ou pensar absolutos, mas como unidade real absoluta de ambos -, seria então projetada diante de si, justamente, também, como aquilo que é: como algo firme no interior da forma-fundamental firme (já demonstrada) do saber. Reflete-se em si mesma, e aliás - como não o faz contingentemente, de tal modo que poderia deixar de fazê-lo e, contudo, seria - ela propriamente não o faz, mas o é. Também não se pode dizer aqui que a reflexão descrita agora lança sua luz sobre a intuição parada, descrita anteriormente, a qual, da maneira como foi estabelecida, é cega em si mesma e se desfaz em uma duplicidade separada; pois, em si mesma, ela não tem nenhuma luz, a não ser a partir daquela na qual o para si do saber já se realizou originariamente. Portanto, é sempre apenas um e o mesmo ponto de intuição, que se ilumina absolutamente a partir de si mesmo e que, em nosso discurso, descrevemos primeiramente segundo seu ser exterior, na medida em que proporcionávamos a luz a partir de nós, e só então segundo sua luz interior. 20. O saber é absolutamente. É, além disso, absolutamente para si, reflete-se, e só com isso se torna um saber. Enfim, assim tornado saber - ou seja: em nossa exposição sucessiva -, ele é saber para si, reflete-se - não mais como ser, pois como ser absolutamente não se reflete, nem como ser para si -, mas como ambos em sua fusão absoluta; e só então ele está aí, como saber absoluto. Esta reflexão é absolutamente necessária, do mesmo modo que a precedente (originária, constitutiva do saber em gera!), e só é em decorrência da precedente, de um ser para si do saber em geral, que só foi separado dela pela nossa ciência. Em primeiro lugar, fica claro desde logo, a partir da natureza característica desta reflexão, que, como ela toma o saber como tal como objeto de si mesma e o compõe e descreve geneticamente, ela tem de ir, consigo mesma, para além desse saber e introduzir termos que, por certo, estão nela, na reflexão, e portanto - para nossa ciência, que faz dela um saber também - estão contidos no saber, mas não podem estar aí para o saber que é posto como objeto da reflexão; e como aquela reflexão abrange o próprio saber absoluto, também não estão contidos neste (e, portanto, aqui vem à luz ainda mais claramente o esquecer-se e anular-se do saber). - Como, entretanto, chegamos aparentemente a ir além do saber absoluto, é algo que só pode ser mostrado no final, quando nossa ciência tem de explicar inteiramente e completamente sua própria possibilidade. Entremos logo, com esta reflexão, em seu centro sintético mais interior. O centro da reflexão precedente era o saber absoluto - como puro pensar e intuir ao mesmo tempo - de que a liberdade da reflexão, segundo seu o que, é pura e simplesmente determinada, justamente por um o que absoluto. (Isto foi expresso pela proposição: o saber tem de ser para si pura e simplesmente o que é, imediatamente porque é, e assim por diante (19). Esse saber reflete-se então a si mesmo, como um saber, e como um saber absoluto; isto é, não como se ele fosse exteriormente para si, assim como era para nós em nossa reflexão científica do parágrafo precedente, e agora fosse acrescentado e assegurado que ele é absoluto - como decerto o fizemos provisoriamente -, mas ele mesmo se perscruta interiormente segundo seu fundamento de unidade e de divisão e, em função desse saber do ponto de unidade, ele é absoluto e sabe de si como absoluto nessa reflexão. Assim, no saber indicado, a reflexão, como ato, seria posta pura e simplesmente, independentemente de sua determinidade material, e, inversamente, pelo outro lado, sua determinidade seria posta independentemente do ato, e se saberia absolutamente que esses termos, mesmo sendo exteriores um ao outro, não seriam, em si, uma duplicidade. Mas como não se sabia o ponto de unidade em que coincidem - ainda que, sob outro aspecto, que aqui permanece para si, possam sempre ser exteriores um ao outro -, este saber que, em si mesmo, pode bem ser correto, não se penetrava e captava de fato, e era, por certo, saber absoluto, mas não para si. O fundamento último do ato, que, como ato de reflexão livre, tem justamente de permanecer absoluto, é sua possibilidade de ser para si - que está contida na forma absoluta do saber; o fundamento da determinidade da reflexão é a determinidade absoluta que a precede. Ver o fundamento da unidade absoluta de ambos é ver que o ato daquela reflexão não é possível (portanto também não é efetivo) sem a determinidade absoluta, que é o primeiro fundamento e o ponto de combustão mais originário de todo saber. 21. O centro da presente síntese era o saber absoluto (que abrange e determina todo saber propriamente dito e que, portanto, o ultrapassou). Havia-se verificado que o saber, formaliter (formalmente), só pode ser livre: tem de explicar-se integralmente a partir de si mesmo e fundar-se em si, e sem isso não seria possível. Mas - em decorrência de sua imediatez e da determinidade originária, inseparável dela e que, em sua infinidade, somente pelo pensar pode ser fixada, distinguida e referida ao mesmo tempo - é um pensar necessário e determinado, com o qual começa o saber e que, no presente contexto, não pode ser outro senão o próprio pensar absoluto e o tornar necessária a própria liberdade (pois pensar absoluto e necessidade são o mesmo). Assim é imediatamente pensado quanto a ser ele um saber: ser fático do pensar. Mas na reflexão superior ele é conhecido como engendrado por absoluta liberdade, pela fixação e vinculação da liberdade originária em uma determinidade imediata e, ao mesmo tempo, como livre transpassar por sobre essa determinidade separável, para relacioná-la (pelo pensar): portanto, como unidade do estar-vinculado e do ir além dele, do ser e da liberdade. (A distinção formal entre ser absoluto e ser fático deve ser bem fixada; pois estas duas determinações são transferidas a um só termo - o pensar; portanto, são ambas apenas perspectivas diferentes de um e mesmo ser.) Mas - assim argumentamos provisoriamente aqui - se, por aquela lei absoluta, está determinado todo saber, então o próprio saber dessa lei - como um saber, com o qual algo outro no saber deve estar em conexão - tem de ser determinado por ela; nessa medida, esse saber tem de considerar a si mesmo como faticamente engendrado ou iluminado por liberdade; ou, o que é o mesmo, ser assim em e para si. (Todos podem ver que, com isto, o saber - que, na reflexão desempenhada por nós, parece ter saído de si - retoma a si mesmo; ou que há apenas uma dupla perspectiva desse saber que abrange e determina a si mesmo, uma exterior e uma interior, e que é no ponto de unidade dessa duplicidade, no oscilar entre as duas perspectivas, que está o foco próprio da consciência absoluta. - Isto pode ser representado, mediatamente, por diversos lados. Por exemplo: o próprio pensar de que o saber em questão é engendrado por liberdade, já que só por ela pode ser engendrado todo saber, é, assim como o estabelecemos, faticamente, um pensar livre, um subordinar um particular a uma regra universal. Logo, a regra tem certamente de aparecer no pensar livre e ser-lhe acessível. - Mas "no pensar livre" quer dizer: no pensar fático livremente engendrado - de tal modo que, nisto, este pressupõe a si mesmo. Ou: devo, com liberdade, transferir ao saber pressuposto... a liberdade; assim, tenho de já ter esta no saber livre. Em suma, é sempre a proposição que já apareceu na via ascendente: para dirigir com liberdade meu saber a algo, devo saber daquilo ao qual o dirijo; e para saber deste, eu mesmo tenho de já ter dirigido a ele a liberdade, e assim ao infinito, e é justamente esta regressão infinita que tem de ser suprimida pela absolutez a ser indicada aqui.) Entende-se que esta afirmação não vale somente para o centro do saber, mas, por intermédio dele e a partir dele, vale para todas as suas sínteses. Passemos à exposição desse saber em seu centro. O saber de que o saber é formaliter livre deve ser em si mesmo. Então, em primeiro lugar - para começar com isto, que é o ponto mais fácil -, a liberdade é em si mesma e repousa sobre si: intui-se, ou - o que significa o mesmo, pois somente o repousar sobre si ou a interioridade da liberdade se chama intuição - a intuição permanece, há, pura e simplesmente, intuição - e isto dá um oscilar do saber na separabilidade incondicionada (na infinidade ainda indistinta). Contudo, a intuição, aqui, não deve ser em geral, mas pôr-se como formaliter livre, contendo pura e simplesmente em si mesma a afirmação de que há este ser; e essa liberdade formal da intuição - pois este é nosso fim - deve intuir a si mesma. Somente na intuição podemos tomar conhecimento de como isto será. (E como poderíamos fazê-lo sem fantasia? Esta dá a matéria. Mas o pensar não falta, pois não fantasiamos arbitrariamente e no vazio, mas dirigimos nossa fantasia ao ponto determinado da investigação.) Cada um o encontra, sem dúvida, do seguinte modo: a liberdade dissolvida e que se desfaz no separável indeterminado, para tornar-se intuição, tem de coligir-se em um único ponto e nele captar-se (duplicar-se), em suma ser para si. Só com isso pode formar-se como ponto de luz e então, a partir de si, difundir a luz sobre o separável indeterminado. Eu digo: somente nesse ponto de unidade ela desperta para si mesma, como luz; a partir dele, portanto, instaura-se uma luz não somente sobre o separável - como acabo de dizer - mas também sobre as duas perspectivas do separável. Estas são: em parte, um desfazer-se em si mesma, em parte um captar-se e estar mantida em si mesma da luz; esta última a partir de um ponto central que, justamente, não está no desfazer-se. Por isso, desse ponto de vista, é preciso dizer: o foco dessa intuição da liberdade formal não está nem no ponto central (como interpenetrado por si), nem em seus dois terminis (termos) qualitativos (como interpenetrantes), mas entre ambos. Na medida em que a luz se interpenetrou em tal ponto de unidade e intui essa interpenetração e a diversidade, inseparável da intuição dela, como interpenetrada, a partir do ponto de unidade - está imediatamente posta, faticamente, a luz e a liberdade formal, o que. Mas - na medida em que, justamente para intuir-se como interpenetrando-o, intui a diversidade, que, por isso, se desfaz em um infinito sem unidade - a luz anula e suprime o fático; e este absoluto oscilar entre o pôr do fato e o anulá-lo (anular, para poder pôr; pôr para poder anular) é, do lado da intuição, o foco próprio da consciência absoluta. (A unificação de ambos se exemplifica em toda intuição: o intuir do determinado aqui e agora é, do mesmo modo, anulação da infinitude indeterminada do espacial ou temporal, que contudo está posta também no aqui e agora; e, inversamente, anula todo aqui e agora. O intuir do isto determinado (= X), retira este X (árvore) da série infinita de todos os outros istos (árvores e não árvores) e com isso anula a estes, assim como, inversamente, para se intuir X como tal, isto é, distingui-la deles, estes têm de ser referidos a X, portanto postos juntamente com ele, e assim por diante.) Além disso, é de notar também que, aqui, a quantidade, justamente o separável infinito, está imediatamente ligada à qualidade e tem de ser demonstrada como inseparavelmente unificada com ela, como teria de acontecer, sem dúvida, na colocação do conceito da consciência absoluta. Ou seja: essa liberdade formal - que aqui se torna intuição - o que é ela, senão a qualidade absoluta do saber, exteriormente; e a própria intuição dessa liberdade formal- o que é ela, senão a absoluta, mas interior (para-) qualidade do saber, como um saber? E aqui se encontra então - justamente na própria intuição, e em outro lugar não poderia encontrar-se, pois a intuição é intuição absoluta e absolutamente há apenas intuição - que a liberdade formal só se intui como contração de uma diversidade evanescente de luzes possíveis em um ponto central e difusão dessa luz a partir desse ponto central sobre um diverso, que só com isso é mantido e faticamente iluminado. (A fonte de toda quantidade está, portanto, no saber, e aliás no saber em sentido estrito, no saber que concebe a si mesmo como tal. Todos podem compreender esta proposição, que só com seu saber em si mesma chega à pureza, clareza e firmeza; e, assim, isto difunde luz, mais uma vez, sobre o idealismo transcendental - e sobre suas caricaturas! O uno absoluto só existe na forma da quantidade. Como chega a essa forma? É o que vemos aqui. - Como chega ao próprio saber, ao saber qualitativo, para então entrar em sua forma de quantidade? É o que veremos agora.) 22. Sabemos que o ser absoluto está no pensar absoluto (17). Este se introduziria no saber livre - significaria: a intuição (descrita no 21), em sua faticidade imediata e em seu anular essa faticidade, posto ao mesmo tempo que esta seria (justamente por isso) totalmente una com o pensamento; e, aliás, no próprio saber, isto é: isto seria sabido, e sabido absolutamente. Mas que consciência é esta? Obviamente, uma consciência unificante, justamente da intuição absoluta da liberdade formal, e, em seguida, um sair absoluto dessa intuição para um pensar, quando se permanece no ponto de vista da intuição. Portanto, em suma: um captar-se do saber, como aqui chegado a seu término e absolutamente fixado. Ele só se pensa na medida em que se capta assim; só sai de si na medida em que, aqui, capta seu término - justamente se põe um término. Isso aparece como o sentimento da certeza, da convicção, como forma absoluta do sentimento: este é posto ao mesmo tempo em que o substancializar-se do saber, com a expressão de que um diverso qualquer (peço não antecipar em que este consista) é, pura e simplesmente é. Essa liberdade formal, que assim retoma a si mesma, é o fundamento absoluto de todo saber, como tal - para nós, como elaboradores da doutrina da ciência, e - pois este é o conteúdo de nossa síntese - para si. Ela é absolutamente para si, isto é: essa liberdade e o saber engendrado por ela são pensados como toda liberdade e todo saber; são pensados, justamente, como repouso em uma unidade absoluta. O saber abrange, perfaz e encerra a si mesmo nesse pensar: como o único e inteiro saber. - Obviamente, se pensarmos o pensar e a intuição como dois termos particulares, sua unificação é totalmente imediata e absoluta: é o próprio saber absoluto, mas que, como tal, nada mais sabe de si, nem pode saber - com uma palavra, é o sentimento imediato da certeza (isto é, absolutez, inamovibilidade, inalterabilidade) do saber. (Aqui está, mais uma vez, a absoluta unificação da intuição e do pensar, em que consistia a forma fundamental do saber, e, aliás, explicando-se geneticamente no ser do próprio saber.) (Para mediar essa proposição, que talvez seja difícil captar com evidência imediata nessa simplicidade, considere-se isto. Acima se dizia (21): a liberdade deve dirigir-se a algo, pressuposto como determinado; mas, simplesmente para poder tomar essa direção, tem de já saber dele, o que só pode fazer por liberdade; mas então, mais uma vez, seria pressuposto algo determinado, e seríamos conduzidos a uma progressão infinita. Essa progressão está agora suprimida (cf. 21). A liberdade não precisa de nenhum ponto fora dela, segundo o qual tomasse a direção: ela mesma é em si mesma e por si mesma o supremo determinado (a posterior materialidade de todo saber), e é posta absolutamente, como bastando a si mesma. Ou: - como o saber, desde o início, foi sempre considerado como coligir de uma diversidade incondicionada, o saber do saber dependia, justamente, de que se soubesse que se apreendeu o caráter de unidade irredutível de todo ato particular do saber, ato este que, sob os demais aspectos, pode ser infinitamente diverso. Mas como se pode sabê-lo? Não pela consideração e análise do particular, pois esta nunca se perfaria. Portanto, pelo prescrever ao particular, justamente através dessa unidade, como que uma lei; pois só poderia ser assim. Aqui se trata, agora, do saber absoluto, portanto da unidade de todas as determinações particulares do saber (e de seus objetos, o que é o mesmo). A este teria de ser prescrita uma lei, na medida em que ele seria conhecido por si mesmo como uno, igual a si mesmo, eterno, inalterável, e assim coligido em sua própria unidade. Isso aconteceu aqui, e da maneira indicada.) Desse modo, portanto, o ser está vinculado com o saber, na medida em que o próprio saber se apreendeu como um ser absoluto e inalterável (um ser o que é, no qual ele se encontra originariamente fixado). - É patente aqui o ponto de inflexão e a conexão com o raciocínio anterior: está entre liberdade e não liberdade. A liberdade (sempre a formal; com a liberdade material ou quantitativa - no interior da quantidade, que, por sua vez, só é introduzida aqui através da liberdade formal - não temos de tratar neste capítulo inteiro) é, ela mesma, não livre, isto é, é liberdade vinculada, liberdade na forma da necessidade - uma vez que há saber. - Possibilidade do saber somente por liberdade, necessidade desta para o saber efetivo: esta é a conexão com o que precede. A tarefa está solucionada, e o próprio centro da síntese anterior é acolhido no saber, isto é, é estabelecido o centro da presente síntese. O saber, em si mesmo, chegou a seu termo: abrange-se e repousa sobre si mesmo como saber. 23. Assim como argumentamos no penúltimo parágrafo, assim, também aqui. A liberdade formal, que dá início a todo saber fático (pois somente ela lhe confere um ponto de luz), foi pensada anteriormente como absoluta condição de possibilidade de todo saber ou como necessidade que vincula o saber, segundo sua essência. Esse pensar, que funde a liberdade e a necessidade, tem de ser para si, tem de tornar-se, em si mesmo, saber que retoma a si. Com isso, mesmo este saber, que permeia e capta todo saber fático, deve sair outra vez de si, para construir a si mesmo em si (assim como, no penúltimo parágrafo, o saber fático saiu de si, justamente para se elevar ao captar-se em seus fundamentos de possibilidade, agora indicado. Isso é uma triplicidade, como todos podem ver, e a presente síntese é, por sua vez, uma síntese da última com a penúltima). Vamos diretamente a seu centro, como é necessário fazer, pois (para sermos breves) não estabelecemos termos subalternos. A questão não é - e não é objeto de nossa nova síntese - indagar como, no saber unificante, se sabe do ato formal de liberdade, pois esse ato é a própria intuição absoluta e dá início ao saber fático, pura e simplesmente, a partir de si mesmo e por si mesmo; a questão é: como se sabe da necessidade, e, aliás pura e simplesmente e independentemente de sua transferência à liberdade formal, que ocorre no pensar unificante. Necessidade é vinculação absoluta do saber ou do pensar absoluto, que, por isso, exclui pura e simplesmente toda mobilidade, todo desprender-se e sair de si mesmo para perguntar por um porquê, e pura e simplesmente não é o que é quando isto intervém. Agora, é esta que deve ser transferida à intuição, em um saber; por isso, tem de aparecer nele, assumir, apesar de tudo, a forma do para, portanto intuir-se, e assim por diante. Mas, na intuição, o que está nela é pura e simplesmente porque é; portanto, não mais apenas o que é. Por isso, essa intuição não poderia intuir a si mesma, elevar-se a um saber de si mesma: anularia sua forma, pura e simplesmente, por sua matéria, e obteríamos um saber ou - já que aqui falamos em geral de formas – a forma de um saber, que não se põe pura e simplesmente como saber, mas como ser (formal, entende-se) e como ser absoluto, repousando sobre si mesmo, do qual não se pode sair, nem perguntar por um porquê, que nele também não sai de si nem se explica ou é um saber de si, ou algo desse tipo, que se poderia atribuir ao saber. Com isto, foi encontrado o foco próprio e o centro do saber absoluto. Não está no captar-se como saber (mediante a liberdade formal), nem no anular-se no ser absoluto, mas pura e simplesmente entre ambos, e nenhum dos dois é possível sem o outro. Não pode captar-se como o saber absoluto (e aqui se trata exclusivamente deste, isto é, como o único, eternamente igual a si mesmo, inalterável), sem se considerar como necessário, sem, portanto, esquecer-se na necessidade; e não pode captar a necessidade, sem justamente captar-se em geral, portanto criar-se para si. Oscila entre seu ser e seu não ser, como tem de fazer, uma vez que traz em si sua origem absoluta, ao mesmo tempo sabendo. (O pensar como pensar, de Reinhold - mas, mesmo que este tivesse penetrado até esse pensar, como ser simples e absoluto, como sabe dele, como pode dar conta da gênese desse conceito para ele?) 24. O centro e o ponto de inflexão do saber absoluto é um oscilar (23) entre ser e não ser do saber e, justamente por isso, entre ser não absoluto e ser absoluto do ser, na medida em que o ser do saber suprime a absolutez do ser e o ser absoluto a absolutez do saber. Firmemo-nos neste ponto de vista através de uma distinção mais rigorosa entre o ser do saber e o ser absoluto. E, para começar com um desses termos, o que, aqui é totalmente arbitrário: - O saber não pode captar-se, como um saber (não opinar e conjeturar, como um saber eternamente igual a si mesmo e inalterável), sem se considerar como necessário - dissemos. Mas o saber, segundo seu ser estar aí, estar posto, não é necessário, de modo nenhum, mas é fundado por absoluta liberdade, e, quanto a isto, deve dar-se o mesmo que acima. O que é essa diversidade do ser do saber, segundo a qual ele é, ora necessário e não livre, ora livre e não necessário? - Sem dúvida, essa necessidade não é outra senão a da liberdade (assim como também nunca haverá outra: cf. 22); mas é sempre necessidade, vinculação da liberdade. Por isso, esta dificuldade será muito fácil de solucionar assim: Se há saber, ele é necessariamente livre (liberdade vinculada), pois é justamente na liberdade que consiste sua essência. Mas que haja, em geral, um saber, é algo que depende da liberdade absoluta, e, portanto, também poderia não haver nenhum saber. Admitamos que esta resposta seja correta, e vejamos como ela é possível. (Nesta investigação também se verificará, sem dúvida, que ela é correta e necessária.) Nessa resposta, o saber foi posto como podendo ser ou também não (é o que chamamos de: contingente). Descrevamos esse saber. Nele, obviamente, a liberdade (a formal, a única de que temos de ocupar-nos aqui, o fundamento do que) é pensada - e não intuída - como efetuando-se a si mesma; pois, do contrário, o saber é; pensada, digo eu, e é nela, como ponto de vista supremo, que se repousa: - e, aliás, é pensada, entende-se, como liberdade, indecisão do que, indiferença em relação a ele, fusão do ser ou não ser, pura possibilidade, como tal, como posição para si, pela qual o ato nem é posto - pois é, ao mesmo tempo, suprimido - nem suprimido -, pois é, ao mesmo tempo, posto; a completa contradição, pura e simplesmente como tal. (Aqui procuramos tudo no saber, pois fazemos doutrina da ciência. Assim, o ser absoluto não era, para nós, nada além do próprio pensar absoluto, a ligação e repouso em si, que nunca pode sair de si, aquilo que é pura e simplesmente irredutível no saber. Nele a intuição se anulava (23). Assim, a liberdade absoluta, aqui, é o absoluto não repouso, a mobilidade sem ponto fixo, o desfazer-se em si mesma; aqui, portanto, o pensar anula a si mesmo: - é o absoluto hiatus e saltus no saber, indicado acima, que aparece pura e simplesmente em toda liberdade e em todo surgir, portanto em toda efetividade a partir da necessidade. É claro que, através de tal não ser positivo de si mesmo, o saber passa ao ser absoluto. É claro que, sozinho e para si, ele não é nada, e sem dúvida o admitimos; assim como nenhum dos termos que aqui estabelecemos é para si. Este é justamente um dos pontos de inflexão do saber absoluto. A tudo, menos a isso, os pensadores logicamente habituados conseguem chegar. Eles evitam a contradição. Mas, então, como é possível a própria proposição de sua lógica, segundo a qual não se pode pensar nenhuma contradição? Ali eles teriam, contudo, de ter captado, pensado de uma maneira qualquer a contradição, pois dão notícia dela. - Mas teriam eles perguntado metodicamente a si mesmos, ainda que fosse uma única vez, como chegam ao pensamento do meramente possível ou do contingente (do não necessário), e como o fazem propriamente? Obviamente, para isso saltam através de um não ser, não pensar, e assim por diante, para chegar ao pura e simplesmente não mediado, que começa a partir de si mesmo, o livre, o não ser sendo - justamente a contradição acima, como posta. Daquela incapacidade, em um pensamento consequente, só pode resultar a supressão total da liberdade, o fatalismo absoluto e o espinosismo.) Mas, além disso, como o sabemos a partir do que precede, esse pensar da liberdade formal (ou, como nós dizemos, o saber absoluto; mas, por ora, é melhor que se evite este nome) só é possível sob a condição de que a liberdade formal, da maneira descrita acima, efetue a si mesma interiormente. Essa efetuação, no presente contexto, é igualmente pensada; pois a disposição geral do saber, que consideramos aqui, é um repousar e estar vinculado em si. Com isso, a intuição interior, para o pensar em repouso, torna-se ela mesma um ser (um estado), algo que, embora em si mesmo seja e permaneça agilidade, vincula o pensar, tirando-o do oscilar entre ser e não ser, em que ele estava na pura possibilidade, para fixá-lo em ser positivo. - Em primeiro lugar, introduz-se aqui a subjetividade e a objetividade, a atividade ideal e real do saber, o que é muito evidente. A duplicidade nasce do pensar, que vem da pura possibilidade, e da intuição, que se engendra absolutamente a partir de si mesma (a partir da liberdade efetuada), e se introduz como um novo termo. A intuição, como intuição, justamente como aquilo que é, só é na medida em que é efetuada para si com absoluta liberdade. Mas essa liberdade está posta no pensamento de que o ato, do mesmo modo, também poderia não ser: só em decorrência deste pensamento ele é justamente ato, e, como não é nada outro, só assim ele é. Logo, já encontramos aqui, através de uma observação fácil e surpreendente, a intuição e o pensar inseparavelmente unificados em uma intuição superior, e um deles não sendo possível sem o outro: de tal modo que o saber (em sentido estrito, o saber propriamente dito e que se põe como tal) não consiste mais na mera intuição nem no mero pensar, mas na fusão de ambos. Desse modo, estão unificadas a forma e a matéria da liberdade, assim como a efetividade e a possibilidade, na medida em que a efetividade, como tinha de ser, nada mais é do que a posição da possibilidade, e a possibilidade (considerada deste ponto de vista; pois poderia ainda apresentar outro aspecto) nada mais é do que a potência da efetividade, ou, para exprimi-lo mais rigorosamente, a própria efetividade, fixada, pela reflexão, na passagem de sua possibilidade à sua efetivação. Passemos a um termo subalterno, sobre o qual em parte nenhuma se pode difundir tanta luz quanto neste contexto. Que haja em geral um saber, é contingente; mas, se há um saber, este é necessariamente fundado na liberdade; - se ligarmos isto ao que foi dito acima, estará colocada a primeira parte da proposição. No saber, que é o fundamento da segunda parte, obviamente se sai do saber que nele é possível (por intermédio do se) mas que não está posto nem não posto e, portanto, é meramente possível, se vai além dele e se enuncia dele, com absoluta necessidade, algo. Obviamente esse enunciar é um pensar do saber, absoluto, inalterável e que repousa em si mesmo, segundo seu ser e essência absolutos. Todos podem ver que esse enunciado não está contido no mero saber fático de que um saber (porventura desta vez) é e se instituiu por absoluta liberdade, mas tem de ter uma fonte inteiramente outra (e aqui chegamos, por outro lado, a uma resposta ainda mais interna e elaborada da questão: como é possível um saber da necessidade?). Ou seja: tão certo quanto o saber absoluto (na infinita faticidade do saber singular) só é na forma absoluta do para si, todo saber, ao mesmo tempo que é saber, vai além de si mesmo, ou, considerado por outro lado, está, em seu próprio ser, pura e simplesmente fora de si mesmo e se abrange inteiro. O ser para si desse abranger como tal - sua interioridade e seu absoluto repousar em si mesmo - e que, sendo ele um saber, é igualmente necessário, é o pensar (que acaba de ser descrito) da necessidade da liberdade de todo saber. A necessidade pura, interior, consiste justamente nesse repousar em si e não poder sair de si do pensar; sua expressão é a essência absoluta, o caráter fundamental, e assim por diante (aqui: do saber); e a forma exterior da necessidade, a universalidade, consiste em que só posso pensar cada saber fático, seja qual for, de resto, sua diferença com outro, como fático, com esse caráter fundamental, assim designado. De onde vem, portanto, a necessidade? - Da visão que penetra absolutamente uma forma absoluta do saber. Com isso, encontra-se uma nova unificação. A intuição do saber absoluto, como um saber contingente (guarnecido de um conteúdo fático determinado de tal ou tal maneira), está unificada com o pensar da necessidade (ou seja: da necessidade condicionada pelo ser) dessa contingência; aqui repousa o saber absoluto, e aqui ele esgotou seu caráter fundamental para si mesmo. Como esclarecimento: alguém poderia dizer que todo saber (em sua determinidade infinita, cuja fonte, por certo, ainda não conhecemos, mas apenas pressupomos historicamente) é apreendido e encontrado faticamente como um saber que engendra absolutamente a si mesmo, o que, por duas razões, é impossível (a segunda delas acaba de ser estabelecida). Ora, não é assim. O saber é justamente a intuição do pensar absoluto da contingência do saber (fático), tal como o descrevemos agora. O saber não é livre e por isso pensado como livre; nem é pensado como livre e por isso livre, pois entre os dois termos absolutamente não há nenhum por que nem por isso, nenhuma diferença; seu pensar-se livre e seu absoluto ser livre são o mesmo. Pois se trata de um ser do saber, portanto de um para si; e de um ser absoluto do saber, portanto de um para si do pensar (repousar em si), no qual ele se penetra totalmente e até a raiz. 25. Voltemos ao ponto de vista da síntese completa. Pela intuição que se efetua, o pensar, anteriormente livre, que repousava na própria liberdade, é vinculado; não é um pensar puro, mas um pensar real: fático, condicionado; e assim é esse pensar para si mesmo. No pensar efetivo como tal, a liberdade formal é anulada; é uma intuição, mas, de modo nenhum, também não é; o não ser, que, na liberdade formal, era também pensado, é aqui anulado - ou seja, na medida em que é pensado o efetivo, e não o meramente possível; e justamente essa anulação da liberdade formal tem de ser pensada, se o pensar efetivo deve conceber-se como efetivo, como vinculado; portanto, se ele deve ser para si mesmo. (Disto decorrem o subjetivo e o objetivo, o superior e o inferior no saber; o subjetivo inalterável, a atividade ideal, é a liberdade formal de poder ser ou não, em geral: mas aqui intuindo-se como suprimida; o objetivo inalterável, o real, é a vinculação, como tal, pela qual, porém, a liberdade formal, como indiferença de ser e não ser, é suprimida. Aqui se explica, ao mesmo tempo, o pensar do acidente ou - o que, na doutrina da ciência, tem inteiramente a mesma significação - o próprio acidente. É um pensar em que a liberdade formal é posta como suprimida, um pensar vinculado, como todo pensar, mas que, ao mesmo tempo, é pensado para e em si mesmo como vinculado.) O que foi estabelecido só se torna claro e fecundo na medida em que é comparado com seu termo complementar mais próximo e ligado a ele. - Não posso pensar o fato como tal, sem pensá-la como também podendo não ser; foi o que mostramos acima. Também lá era pensada uma contingência: a liberdade formal e a real, o estar-posta da primeira e seu ser-suprimida pela segunda, eram unificadas em um pensar, assim como aqui. Esses dois termos são o mesmo ou são diferentes? Quanto mais semelhantes, tanto mais é necessário distingui-las, e tanto mais fecunda é a distinção; Eu digo, justamente: ambos absolutamente não são o mesmo. Ou seja: aquele pensar anterior parte da liberdade, repousa nesse nada e nessa contradição da pura indecisão (24), como seu foco, e, por isso, assim que se capta interiormente, como o faz no pensamento indicado, para sair de si em direção ao fato, é, ele mesmo, nulo, suprimindo-se e desfazendo-se em si. Com isso, também o fato, que, no entanto, é captado nessa disposição do pensar e deve efetivamente estar aí, embora também pudesse não estar, só é captado como desfazendo-se em si e indeterminado, como a forma exterior de um fato, sem realidade interior nem vida, decerto como um ponto, mas como um ponto que não está em parte nenhuma e que esvoaça no espaço vazio infinito, em uma imagem esmaecida, sem vida: justamente apenas o começo e a tentativa de um pensar e determinar fático, com a qual não se chega ao fato efetivo. (Sobre este ponto a filosofia deveria poder ser entendida com facilidade pelos não filósofos, assim como pelos filósofos rasos, meramente lógicos, e, em geral, pelo grande público, pois fala de algo que eles conhecem muito bem. É justamente esse modo do pensar que eles passam a maior parte de sua vida zelando e cultivando: aquele pensar vazio, disperso, no qual alguém se põe para meditar, sem ser capaz de dizer, depois, em que pensou nem através de que outros pensamentos se dispersou propriamente. - Mas como são eles, enquanto isso? Pois devem, contudo, ter existido! Oscilaram, justamente, no não ser de um saber efetivo, no ponto de vista do Absoluto, onde, porém, diante da pura absolutez, não restou absolutamente nada. Veremos, com efeito, que, para a maioria dos homens, mais da metade de seu sistema de saber fica ato lado no Absoluto e que, para todos nós, é justamente nele que permanece toda a experiência infinita que ainda não tivemos, em suma, a eternidade e, em decorrência desta, o próprio mundo objetivo.) Em contrapartida, o pensar que foi estabelecido aqui permanece interiormente em sua própria vinculação, e repousa, como que perdido nela, para dela passar à visão da supressão da liberdade formal neste estado. Em sua raiz ele é sempre fático, e só do fático se eleva ao Absoluto e, aliás, à sua mera negação, enquanto aquele era absoluto em sua raiz e só podia ter continuidade em uma imagem vazia de um fato. Ora, sabemos que essa vinculação é um captar-se do saber, e que sua consequência é, justamente, intuição ou luz. Por isso, é a esta, ao estado de luz, que o pensar está vinculado, pela supressão e fixação da liberdade formal, descrita acima - ou, com uma palavra mais usual, pela atenção, justamente pelo absorver-se, duplicar-se, e assim por diante. Por isso, é claro que a liberdade formal é a indiferença à luz e à atenção; pode abandonar-se a esta ou também não - é justamente a dispersão, descrita acima, do pensar que se dissolve em si mesmo. Ora, como sabe o saber desse ter se captado ou manter-se? Obviamente de maneira imediata, justamente por conhecer-se e pensar-se como aquele que mantém; em suma, pelo que da liberdade formal. - Inversamente, como pode o saber contemplar esse que - justamente a liberdade formal - a não ser por contemplar em geral (ser um para si)? Sua luz depende de sua liberdade; mas, como a liberdade é sua, interiormente e para ele, a própria liberdade depende, por sua vez, da luz, e só é nela. Ele sabe pura e simplesmente que se mantém e, desse modo, é a fonte absoluta da luz - e nisto consiste justamente a absolutez do saber -, mas, inversamente, ele sabe e tem luz somente na medida em que se mantém com liberdade absoluta (presta atenção), e sabe disso. Não pode ser livre sem saber, e não pode saber sem ser livre. A perspectiva ideal e a perspectiva real estão inteiramente unificadas e inseparadas: o estado com o ato, o ato com o estado; ou, antes, na consciência absoluta não são, de nenhum modo, separadas, mas são pura e simplesmente uma só. Ora, esse saber absoluto toma a si mesmo como objeto, em primeiro lugar, para descrever-se como absoluto. Isto ocorre, segundo as proposições acima, na medida em que ele se constrói a partir do não ser, e este próprio construir é interiormente um ato da liberdade, mas que, aqui, se perde em si mesmo. Mas é claro que não pode fazê-la sem ser, portanto sem fixar-se em alguma perspectiva de si mesmo. Se o deixarmos ficar em seu estado, como luz, então, a partir deste, ele põe o ato, a liberdade, justamente como fundamento da luz; e, ao captar-se outra vez nesse pôr, percebe que não pode contemplar esse ato na luz, a não ser com a luz que foi pressuposta, em geral, como imanente a ele; e se considera de uma perspectiva idealista. - Se o deixarmos ficar em sua liberdade, como ato, ele considera a luz como seu produto e, ao captar-se assim, considera a liberdade originária como fundamento real da luz, e se intui de uma perspectiva realista. Mas, em decorrência da descrição verdadeira do saber estabelecida por nós, ao ver-se daquela como desta maneira, ele se vê apenas unilateralmente. Portanto, nem a primeira, nem a segunda perspectiva, na intuição, mas ambas unidas, no pensar, são a verdadeira perspectiva, que está no fundamento destas duas perspectivas opostas da intuição; e somente sobre esta podemos construir algo. 26. Depois que o conceito do saber absoluto foi esgotado por todos os lados e, ao mesmo tempo, foi encontrado, nele mesmo, como ele pode conceber a si mesmo desse modo, isto é, como é possível a doutrina da ciência - passemos agora à sua própria origem e fundamento supremos. Além do conceito do Absoluto estabelecido no início, adquirimos, durante as últimas investigações, um conceito ainda mais rigoroso da forma do Absoluto: em referência a um saber possível, este é um pensar puro, inteiramente e pura e simplesmente vinculado a si, que nunca saía de si mesmo, ainda que fosse apenas para perguntar por um porquê de seu ser formal ou material, ou para pôr um porquê do mesmo, ainda que fosse o porquê absoluto; no qual, justamente por essa absoluta negação do porquê, o para si (o saber) ainda não está posto e que, portanto, é propriamente um mero ser puro sem nenhum saber, embora, em nossa ciência, tenhamos de partir da forma absoluta e pura do pensar para chegar à intuição desse ser. Por isso, o saber, como absoluto e pura e simplesmente vinculado em sua originariedade, tinha de ser designado como o uno (em toda significação da palavra, que, por certo, só recebe significações diversas no relativo), igual a si mesmo, inalterável, eterno e irredutível ser pura e simplesmente (Deus - se se quiser, ainda, deixar a ele uma lembrança de saber e um parentesco com o saber) e, no estado dessa vinculação absoluta, como sentimento = A. Mas esse Absoluto deve, entretanto, ser um saber absoluto; por isso, teria de ser para si, o que, como foi demonstrado, ele só pode ser faticamente, por uma efetuação absoluta da liberdade - nessa medida, sendo pura e simplesmente porque é - saindo de si mesmo, reengendrando-se, e assim por diante; esta é a série ideal que, do mesmo modo, esgotamos totalmente (= B). Agora - o que é menos importante mas, apesar disso, não deve ser omitido -, já que, como saber, ele engendra B com liberdade absoluta, mas justamente no saber, ele saberá também dessa liberdade, como fundamento do saber (= F-B). Mas, além disso - o que é o mais importante -, esse B não deve ser meramente um saber de si mesmo, como produto da liberdade - pois, mesmo que isso fosse possível em si (mas, segundo todas as colocações feitas até agora, não o é, já que a consciência da liberdade só pode desenvolver-se em sua própria vinculação, e a partir dela), haveria um saber totalmente novo, separado de A -, mas deve ser, segundo a pressuposição, um para si de A, em e mediante B. B não pode desprender-se de A e perdê-lo, ou não haveria em geral um saber absoluto, mas somente um saber livre e contingente e, em geral, sem conteúdo e sem substância. Disto se segue, em primeiro lugar, uma conexão pura e simplesmente imediata, ela mesma absoluta, de A e B, A/B, que, sem B (desempenho da liberdade), por certo não seria, mas que, se B é, instaura-se imediatamente e, no próprio A, segundo sua essência, chega à consciência e é sabida, portanto, como sentimento de dependência e de condicionamento; foi sob esse aspecto que, acima, chamamos A de sentimento. Em seguida: - o saber B é um saber, um para si. Isto quer dizer, agora, não mais meramente: - é um saber engendrado por liberdade - mas, ao mesmo tempo, significa: - é um saber que está em conexão com o Absoluto por aquela conexão absoluta (+), e a exprime. (Na notação apresentada, acrescenta-se a F também A; portanto: A-F-B.) Portanto, temos: 1) um ser para si, uma reflexão, do saber absoluto, que em si mesma pressupõe a absolutez (A). Esta se conduz, sem dúvida, segundo suas próprias leis interiores (concernentes à forma do saber), e é com a exposição mais completa desta reflexão que teremos de ocupar-nos. 2) É visível que A aparece duplamente: em parte, como pressuposto de todo saber, seu fundamento substancial, aquilo que o vincula originariamente; em parte, no saber livre (B), no qual A se torna plenamente visível para si mesmo (em decorrência da forma absoluta do para si, expressa pelo signo +) e entra na luz. Onde está, então, a sede do saber absoluto? Não em A; pois nesse caso ele não seria saber; nem em B, pois nesse caso não seria saber absoluto - mas entre ambos, em +. Disto resultam as seguintes proposições: 1) O saber absoluto A/B é para si (em B), não só pura e simplesmente porque é, mas também pura e simplesmente o que é. Ambos, que parecem suprimir-se imediatamente, têm de poder subsistir juntos, da maneira demonstrada, se deve haver um saber absoluto. O modo e maneira desse subsistir juntos está no próprio saber: - são as leis formais do saber, segundo as quais, justamente, B = A-F-B. Com outras palavras: o conteúdo inteiro (A) tem de entrar, mediado pela efetuação da liberdade (F), na forma da luz (B). 2) A proposição - Ele é para si (=F) pura e simplesmente o que é (= A) - onde justamente a contradição está concentrada em seu ápice, só pode significar: - sua liberdade e seu para si, seu saber, chegou - portanto, justamente para si - ao término. Encontra em si e por si seu término absoluto e sua delimitação; em si e por si, digo eu: penetra sabendo até sua origem absoluta (a partir de um não saber), e assim chega por si mesmo (isto é, em decorrência de sua absoluta transparência e auto conhecimento ) a seu término. Ora, este é justamente o grande segredo, que ninguém havia podido ver, porque está muito patente e somente nele vemos tudo o que vemos: - o saber consiste em contemplar sua própria origem; ou, mais rigorosamente, com abstração de toda duplicidade:- saber quer dizer: ser para si, interioridade da origem; assim, é claro que seu término e seu limite absoluto também têm de cair no interior desse para si. Mas, de acordo com todas as nossas colocações e também com a mais clara evidência, o saber consiste justamente nessa transparência, no absoluto caráter luminoso, sujeito-objeto, eu: portanto, não pode contemplar sua origem absoluta sem contemplar seu limite, seu não ser. 3) O que é, então, o ser absoluto? A origem absoluta do saber, captada no saber, e portanto o não ser do saber; ser - justamente como estando no saber, mas não ser do saber; - ser absoluto porque o saber é absoluto. Só o começo do saber é o ser puro; onde o saber já está, está seu ser, e tudo o que, de resto, ainda poderia eventualmente ser tido por um ser (objetivo) é este seu ser, e segue suas leis. E assim distinguimo-nos suficientemente dos sistemas pseudoidealistas. O saber puro é pensado como origem para si, e seu contrário, como não ser do saber, sem o qual este não poderia surgir, é o ser puro. (Pode-se dizer também, desde que se queira entendê-lo bem, que a criação absoluta, como produção, não eventualmente como produto, é o ponto de vista do saber absoluto; este cria, justamente, a si mesmo, a partir de sua pura possibilidade; somente esta o precede, e é, justamente, o ser puro.) Assim é o ser puro para a doutrina da ciência, justamente porque ela é doutrina do saber, e deriva deste o ser, como sua negação; é, portanto, uma perspectiva ideal do ser, e, aliás, a mais alta perspectiva ideal. Ora, pode ser que, aqui, a própria negação seja a posição absoluta, que nossa própria posição, sob certo aspecto, seja uma negação, e que na doutrina da ciência, embora subordinada a ela, se encontrará uma perspectiva real suprema, segundo a qual o saber também cria absolutamente a si mesmo e, com isso, todo produto e todo produtível, mas somente segundo a forma, enquanto, segundo a matéria, segue uma lei absoluta (na qual, justamente, o ser absoluto se converte), lei esta que nega uma parte do saber e, com este, do ser, como a posição mais alta. Moralismo puro, que, como perspectiva realista (prática), é exatamente o mesmo que a doutrina da ciência, como perspectiva formal e idealista. 27. 1) O pensar pura e simplesmente vinculado a si mesmo em A pode ser considerado como interiormente e originariamente (mas não faticamente, pois isto é negado por sua essência) vinculado a si e não podendo sair de si. E, aliás, este seria seu caráter em relação a uma consciência possível, cuja origem e fundamento é justamente esse estar vinculado pura e simplesmente a si e, ao mesmo tempo, à consciência dessa vinculação; por isso nós o denominamos sentimento (cf. 26, 1). - Precisamente sentimento dessa absolutez, inalterabilidade, e assim por diante; com isto, sem dúvida, ainda não se pode fazer nada - deve servir apenas para a transição. De resto, esta seria uma perspectiva realista, se simplesmente fosse ou pudesse ser uma perspectiva. 2) Contudo, há um saber desse A, totalmente independente disso segundo a forma, em B (cf. 26,2): A é intuído como uma origem absoluta, à qual se liga necessariamente no mesmo saber - por força de sua essência, pois do contrário não seria um saber, um contemplar a origem - um não ser do saber. Aqui A parece originar-se de B, e a perspectiva é idealista. 3) Agora, importa-nos que esse saber, interiormente e para si, e, aliás, imediatamente (segundo a forma), seja absoluto; ou, o que significa o mesmo, que a origem intuída seja a origem absoluta, ou que o não ser do saber seja o não ser absoluto (todas estas proposições significam o mesmo e uma sempre decorre da outra). Ele o é - significa: ele é assim, sem nenhuma intervenção e independentemente da liberdade, portanto em um sentimento da vinculação; - com isso o sentimento da absolutez descrito sob o nº 1 se introduziria no saber e, com este, constituiria o A absoluto como real, independente da liberdade; e com isto a perspectiva realista e a idealista estariam inteiramente unificadas; estaria aí um ser, que aparece pura e simplesmente na liberdade; haveria uma liberdade, que se origina pura e simplesmente do ser (é a liberdade moral: criação, que se capta como absoluta criação a partir do nada); assim, ambos - e com eles o saber e o ser - estariam unificados. Como explicação: a. No saber efetivo, este é o sentimento de certeza que acompanha qualquer saber determinado, como princípio de possibilidade de todo saber. (Leia-se, sobre isto, minha Filosofia dos Costumes.) Obviamente, isto é pura e simplesmente imediato; pois como poderia eu concluir, no saber mediato, que algo é certo, sem pressupor uma premissa que seja pura e simplesmente certa? (Caso contrário, onde deveria começar a inferência, ou deveria haver absoluta irracionalidade antes de todo entendimento?) O que é, então, esse sentimento, segundo seu conteúdo? Obviamente consciência de uma inalterabilidade (de um absoluto estar-vinculado a si) do saber, do qual se sabe, decerto, o que, mas que, quanto a um por que ou porquê, se perde no absoluto não ser do saber (= no ser absoluto - aqui um ser assim). Logo, na certeza (= para si da absolutez do saber), o ideal e o real, a liberdade absoluta e o ser absoluto ou necessidade coincidem pura e simplesmente. b. O ser para si da origem absoluta é intuição absoluta, fonte de luz ou o absolutamente subjetivo; o não ser do saber, que se prende necessariamente a ele como ser absoluto, é o pensar absoluto - fonte do ser na luz e portanto, como está no saber, o absolutamente objetivo. Ambos coincidem no para si imediato da absolutez. Este é portanto o último elo entre sujeito e objeto, e toda a síntese estabelecida é a construção do eu puro, absoluto. Este elo é visivelmente a fonte do saber, isto é, de toda certeza - é em decorrência disto que, no caso determinado desta, certeza ou verdade, o subjetivo e o objetivo, "a representação e a coisa" concordam pura e simplesmente. Isso é apenas uma modificação da forma-fundamental do saber, que foi demonstrada. (Por isso - esta observação crítica é destinada somente àqueles que, além do mais, sabem do que se trata e estão bastante adiantados na ciência para poderem ser levados ao erro; para os outros tal diferença entre pensadores superiores se tornará uma ociosa anedota -, por isso é muito errôneo descrever o Absoluto como indiferença entre subjetivo e objetivo, e no fundamento dessa descrição está o velho pecado hereditário do dogmatismo: acreditar que o absolutamente objetivo deve introduzir-se no subjetivo. Espero, com a investigação precedente, tê-lo exterminado pela raiz. Se subjetivo e objetivo fossem originariamente indiferentes, como neste mundo poderiam tornar-se diferentes, a ponto de um deles poder destacar-se do outro para dizer que ambos, dos quais, como diferentes, ele partiu, são indiferentes em seu fundamento? E se a absolutez anula a si mesma para tornar-se relação? Nesse caso ela já teria de ser, justamente, o nada absoluto, como de fato ela é, sob essa forma, pois nada mais é do que a contradição que estabelecemos acima, só que em outro contexto; assim, em vez de chamar-se sistema da identidade absoluta, esse sistema deveria chamar-se, de preferência, sistema da nulidade absoluta. Mas, pelo contrário, ambos são absolutamente diferentes e é justamente em sua exterioridade recíproca, mediante sua unificação na absolutez, que consiste o saber. Se coincidem, o saber é anulado e, com este, eles próprios; nesse caso, só há o puro nada.) 4) A origem é para si uma origem absoluta, da qual não se pode sair nem ir além - dissemos nós. Portanto, seria, nesse para si, inalterável, embora seja pressuposta por ele. Mas não está nele a não ser na medida em que é efetuada com liberdade absolutamente formal (assim como a conhecemos: que pode estar aí ou não); não é intuída se não se faz; não se faz sem ser intuída - embora esta distinção entre sujeito e objeto, a rigor, tenha de ser anulada aqui em uma unidade do sujeito: justamente em uma interioridade da origem - e, enfim, não é intuída a não ser na medida em que essa própria liberdade, como tal, é para si, intuída como originando-se em si (efetuando-se). Se reflito sobre este último ponto, o saber aparece, segundo seu ser em geral, como contingente, mas, segundo seu conteúdo - que nada mais é do que: o saber é absoluto -, ele aparece como necessário. Disto resulta a dupla proposição: Haver em geral um saber, é contingente; mas, se ele é, é pura e simplesmente necessário que ele seja assim, isto é: um saber que repousa sobre si mesmo - ser para si da origem e, por isso mesmo, não ser (isto é, intuição e pensar de um só lance). O que é, então, aquele ser do saber (interiormente; não segundo os índices exteriores, que, aliás, já conhecemos suficientemente) e o que é, por sua vez, esse ser assim (determinação) do saber? O primeiro, como todo ser, uma vinculação do pensar, mas do pensar livre; o segundo, uma vinculação do pensar não livre, mas já absolutamente vinculado à sua própria origem. Portanto, o pensar livre é apenas o formal, que proporciona a luz, não o que engendra o material, o ser assim; este é pressuposto daquele. Mas agora ambos são inteiramente o mesmo: a única distinção é que, neste último, refletimos sobre a liberdade e tudo é considerado a partir dela e de seu ponto de vista e, naquele primeiro, não refletimos nem podemos refletir sobre ela: por isso, aqui, o saber se separa de si mesmo na medida em que, no superior, não se pressupõe, mas se engendra, e no inferior se pressupõe para si mesmo. Estamos em um ponto muito importante. A proposição fundamental de toda reflexão, que é por certo uma disjunção e contraposição, resultou a seguinte: - Todo saber pressupõe, do mesmo modo que seu não ser - e pela mesma razão -, seu próprio ser. Ou seja: a reflexão, estando no ponto de vista da liberdade, no qual, com efeito, se encontra, é um ser para si da origem como originar-se; e assim esta proposição é diferente da anterior. Mas o originar, como tal, pressupõe um não originar, portanto um ser; e - se se trata de um originar do saber, como tem de ser, pois somente o saber se origina (saber = originar) - um ser do saber; e - se se trata de uma vinculação ao originar, como se mostrou aqui - um ser também vinculado ou um ser assim: e este é justamente o objeto da reflexão. O saber não pode engendrar-se sem já se ter; e não pode ter-se para si e como saber sem engendrar-se. Seu ser próprio e sua liberdade são inseparáveis. Visivelmente, portanto, a reflexão repousa sobre um ser: é, formaliter, um pensar livre e, quanto à materialidade, um pensar vinculado, e o resultado é este: Se ocorre a liberdade formal - que em si, por certo, sempre permanece, embora possa também não ser, não se efetuar -, então ela é pura e simplesmente e completamente determinada pelo ser absoluto e, nessa vinculação, é liberdade material. - Com isso se perfaz a síntese, e podemos agora mover-nos livremente nela e descrevê-la em todas as direções. 28. Vamos agora descrevê-la por um novo lado: 1) A (o ser absoluto, o pensar puro, o sentimento da dependência - ou como se quiser, pois, de fato, ele aparece com esses diversos aspectos, de acordo com o progresso da reflexão) é refletido com liberdade absolutamente formal. Com, disse eu: esta se introduz, podendo ser ou também não. Mas essa liberdade é um para si absoluto; portanto, nessa efetuação, sabe, ao mesmo tempo, de si. Mas o que é refletido por ela é o pensar absoluto, isto é, ela pensa absolutamente; a liberdade formal é acolhida, justamente, nesse pensar absoluto, e adquiriu através dele sua materialidade, na medida em que, em geral, pode ser ou não, mas, se é, tem de ser pura e simplesmente assim (fonte moral de toda verdade). Note-se aqui a absoluta disjunção, e, aliás, em duas direções: a. O saber está preso a A; desprende-se de si mesmo, para ser para si, e forma um pensar livre. Ambos são pura e simplesmente opostos entre si; mas ambos, se o saber deve ser, devem ser igualmente originários e absolutos. Esta oposição, portanto, permanece, e nunca pode ser suprimida; e esta seria uma perspectiva exterior ao próprio saber, em que o foco do saber está propriamente em nós. b. Passemos à interior, projetando o foco na própria reflexão. Ela sabe - partiremos deste ponto - imediatamente da liberdade absoluta com que se efetua, sabe livremente ou por liberdade. Mas também se pensa vinculada. Ambos são opostos e também permanecem eternamente disjuntos. O fundamento de toda oposição, diversidade, e assim por diante, é o pensar vinculado. Mas, sendo o pensar absoluto o principal, justamente a única origem possível de toda reflexão livre, ambos estão também unificados nele, e assim a liberdade é subordinada ao pensar absoluto. O fundamento de toda substancialidade e acidentalidade: a liberdade, como substrato do acidente, pode ser ou não; mas, se é, está determinada inalteravelmente pelo ser absoluto, como substância. (Espinosa não conhecia nem substância nem acidente: falta-lhe a liberdade, que é a mediadora de ambos. - O acidente absoluto não é aquilo que pode ser assim ou de outro modo; pois nesse caso não seria absoluto; é somente aquilo que, em geral, pode ser ou não, mas, se é, está pura e simplesmente determinado. Só obtemos tais acidentalidades quando é estabelecida a liberdade da cegueira, portanto, de modo geral, não em nossa ciência, nem em qualquer ciência, mas apenas na insciência.) O ponto de inflexão entre ambos é a liberdade formal, e esta é - mas não arbitrariamente, e sim determinadamente - ideal e real. Meu saber do Absoluto (da substância) é determinado pela reflexão livre e - já que esta, como foi demonstrado, é ao mesmo tempo vinculada - determinado pela sua vinculação - (= acidentalidade). (Só se sabe da substância pelo acidente.) Inversamente - colocando-nos no ponto de vista do ser -, a determinidade do acidente nos é explicada através da substância e, desse modo, aquilo que em si é eterna e absolutamente disjunto é unificado pela necessidade de passar de um deles ao outro. 2) Nessa reflexão, como vimos, a liberdade absolutamente formal deve saber de si; senão não seria subordinada ao ser absoluto; coincidiria com ele. Mas, como sabemos, ela só sabe de si mesma por intuição, que, de acordo com tudo o que precede, é um livre manter-se no interior do incondicionadamente separável e consiste no manter-se sobre a quantificabilidade. (Que toda esta quantificabilidade é meramente a consequência da autointuição da liberdade, está suficientemente demonstrado, mas não deve ser esquecido; negligenciar este ponto leva justamente ao dogmatismo.) - Ela se intui como livre, isto é: intui-se como quantificando ao incondicionado - estendendo-se por sobre a infinidade, condensando-se em um ponto de luz aparente. Logo, surge com isto, ainda, outra determinação material, que aqui, decerto, permanece apenas determinabilidade, pura e simplesmente a partir da liberdade e de sua exposição absoluta na própria reflexão. É visível aqui a distinção entre a liberdade formal absoluta - que apenas pode ser ou não - e seu conteúdo quantitativo. A primeira é um pensar, embora livre, este último é um intuir, e aliás um intuir formalmente vinculado (digo-o propositadamente: ainda não está posta uma quantidade determinada, mas somente a quantificabilidade). Ambos estão unificados pela forma da liberdade em geral, que se desfaz em si, e sem a qual, segundo as colocações feitas até agora, ambos em geral não seriam. - É visível, além disso, que esta é a forma fundamental de toda causalidade. A liberdade faticamente posta é fundamento (causa); a quantidade - aqui totalmente arbitrária - é consequência. É claro que, aqui, o ideal e o real coincidem inteiramente. (Não se diga que, a partir do efeito, se infere, no saber, a causa, embora a causa deva ser o fundamento real. Aqui não há efeito sem causa imediata; ambos coincidem.) 3) Agora, de acordo com 1), a liberdade deve adquirir uma determinação material, o ser absoluto. Segundo sua essência, ela está vinculada ao quantificar, mas não tem em si nenhuma lei determinante para isso, que, se houvesse, sem dúvida suprimiria totalmente a necessidade daquela determinação. Aquela determinação material pelo ser absoluto tinha, portanto, de valer de maneira inteiramente igual para a liberdade, assim como para a quantidade. (Note-se bem como isto é provado.) Agora, considere-se rigorosamente o seguinte: o eu - a consciência efetiva, imediata - não sabe, de modo geral, nem sabe, em particular, da determinação da liberdade pelo Absoluto, a não ser na medida em que sabe da liberdade, ou se põe como quantificante. Ambos (1 e 2) estão condicionados mutuamente um pelo outro. Ambos, portanto, se deve haver um saber, teriam de coincidir: a determinação da liberdade pelo Absoluto, como uma determinação - não formal, pois esta está contida na forma do saber, mas - material, portanto uma delimitação do quantificar, e certo quantificar, não mais arbitrário, mas determinado pelo Absoluto; e disso se saberia pura e simplesmente, assim como em geral se sabe, e também se saberia imediatamente que seria o saber absoluto. Assim, não apareceria em nenhum saber a determinação da liberdade pura e inteiramente formal pelo saber absoluto, nem mesmo, se já se materializasse a liberdade, a consciência do quantificar como produto dessa relação; de tal modo que o saber visse, antes, essa determinação e então, com liberdade, pudesse quantificar de acordo com ela. Tampouco apareceria em algum saber um quantum traçado com absoluta liberdade, de tal modo que o saber pudesse referi-lo à determinação originária da liberdade pelo ser absoluto. - Mas apareceria um quantum com a consciência imediata de que é determinado pelo ser absoluto, e desse ponto começaria todo saber, e a unificação de ambos os termos, como fato, recairia fora de toda consciência. (O resultado é bem palpável: - não se pode, eventualmente, captar a verdade fora do saber e sem saber, e em seguida orientar seu saber segundo ela: é preciso - e só é possível- sabê-la. Inversamente, não se pode saber, sem saber algo e - se então este é justamente um saber e se capta interiormente como tal - sem saber a verdade.) 29. Coligiremos tudo o que foi visto até agora em um resultado comum. 1) O saber, se ele intui a si mesmo, encontra-se como um originar interior em si e para si. Se se intui, digo eu: pois, do mesmo modo que poderia não ser em geral, ele pode também não ser para si. Sua duplicidade depende da liberdade, do mesmo modo que sua simplicidade. A entrada da doutrina da ciência é a liberdade; por isso ela não pode impor-se - como se alguém, em seu saber efetivo, já a tivesse, e ela pudesse ser desenvolvida, para ele, apenas por análise a partir deste - mas repousa em um ato absoluto da liberdade, em uma nova criação. Além disso, ele se intui - esta é a segunda parte de nossa afirmação - como se originando absolutamente; se é, sendo pura e simplesmente porque é e não pressupondo nenhuma condição de sua efetividade. Esta visão da absolutez, esse saber que o saber tem de si mesmo e, o que é inseparável disso, é absoluto - é a razão. O mero saber simples, que não se capta outra vez como saber, por mais que, de resto, possa mover-se na maior diversidade do pensar, é o entendimento. O saber habitual, mesmo filosófico, entende, por certo, segundo leis da razão (do pensar), forçado a isso, pois do contrário não seria saber: portanto, ele tem razão, mas não capta a razão. Para estes filósofos, sua razão não se tornou interior, não se tornou para si; está fora deles, na natureza, em uma maravilhosa alma da natureza, que chamam de Deus. Seu saber (entender) põe, portanto, objetos - isto é, justamente a razão alienada. Toda a sua mera certeza de entendimento pressupõe, ao infinito, algo outro que seja certo; não podem ir além da regressão ao infinito, pois não conhecem o fundamento, a certeza originária, o saber absoluto. Seu agir (apenas intelectual) pressupõe um fim, que é também a razão alienada, considerada por outro lado, e já esta cisão inteira da razão em teórica e prática, e, na razão prática, a cisão na oposição entre objeto e fim, surge do fato de terem negligenciado a razão. 2) Nessa intuição do originar-se, surge, então, para o saber, um não ser, que - isto sem intervenção da liberdade - como que adere ao primeiro e, na medida em que esse originar-se é absoluto, surge um não ser absoluto, que não pode ser mais explicado ou derivado. O não ser deve preceder o originar-se, como fático: deve-se passar do não ser ao ser, e não inversamente. (Também essa aderência e sua ordem repousam na intuição absoluta, não em uma proposição superior, em um conhecimento superior ou coisas semelhantes. Sem dúvida cada qual dirá: é natural que uma origem, se deve ser uma origem efetiva, absoluta, seja precedida por um não ser; isso eu vejo imediatamente. Mas, quando lhe pedem uma prova disso, ele não será capaz de apresentá-la, mas invocará a certeza absoluta. Sua proposição, portanto, é nossa intuição absoluta, expressa em palavras, e funda-se nela, em vez de dever-se esta fundar naquela; nossa doutrina permanece na intuição.) 3) Agora faça-se este saber, assim descrito, refletir outra vez sobre si, ou ser em si e para si. Isto ele pode pura e simplesmente fazer, tão certo quanto todo saber o pode, por força de sua forma-fundamental há muito já demonstrada; mas não tem de fazê-lo. Mas, se simplesmente a intuição primeira e fundamental é efetuada duradoura e permanentemente, e não, porventura, como um relâmpago, que logo desaparece outra vez para dar lugar à obscuridade anterior, esta reflexão se segue por si mesma; aliás, ela não é nada mais que a estabilização daquela própria intuição. Em primeiro lugar, essa reflexão, ou esse novo saber, como captando o saber absoluto como tal, não pode ir além dele, nem querer explica-lo mais, como que atravessá-lo, de tal modo que o saber nunca chegaria a seu término. Adquire um ponto de vista firme, um objeto em repouso inalterável. (Isto é muito significativo.) Isto quanto à forma; falemos agora de seu conteúdo. Em segundo lugar, há obviamente nela uma duplicidade do saber, em parte o originar-se absoluto, em parte o não ser aderente a ele; acima, o não ser de todo saber, aqui, como na reflexão se sabe dele, apenas o não ser do originar-se, portanto justamente um ser absoluto em repouso, que se opõe ao saber e do qual o saber parte em seu originar-se. 4) Consideremos a relação entre esses dois termos, na reflexão. O captar do ser absoluto é um pensar e, na medida em que se reflete sobre ele, um pensar interior, um pensar para si. Em contrapartida, o para si do originar-se é uma intuição. Agora, nem um nem o outro são refletidos para si, mas ambos são refletidos como o saber absoluto. Em primeiro lugar - como a liberdade é para si um quantificar indeterminado, mas, em decorrência do primeiro termo, ela é pelo ser absoluto (o pensar originário, ou como se quiser) - essa determinação, no saber - no saber, digo eu, expressamente, como tal, e com isso o saber se eleva acima de si mesmo, na medida em que vê sua lei, imanente apenas a ele, e a separa do Absoluto -, teria de ser a de um quantificar. Isto seria captado como saber absoluto, isto é: certo quantificar seria concebido como aquele que é exigido pelo ser ou pensar absoluto - e somente neste coincidir se instauraria a consciência. Ao que espero, este assunto todo ficou claro, e cada qual pode julgar por si mesmo se compreendeu, se for capaz de responder às perguntas seguintes, e se as responder corretamente: a. Em que ponto de vista ou foco começa o saber absoluto, ou - o que é o mesmo - onde se detém todo saber relativo, chega a seu término e abrangeu a si mesmo? - Resposta: no saber de um quantificar determinado, como determinado pelo ser absoluto (= A), nem no saber do quantificar para si, nem em sua determinação pelo ser absoluto, mas no ponto de identidade (não de indiferença) de ambos - na unidade imperceptível, portanto não mais concebível, explicável, subjetivável, do ser absoluto e do ser para si no saber, que nem mesmo a doutrina da ciência pode ultrapassar. b. De onde vem, então, a duplicidade que aparece no saber? - Formaliter: do absoluto para si, não estar atado em si, mas sair de si desse próprio saber, de sua forma reflexão absoluta, que, justamente por isso, encerra em si uma infinita reflexibilidade, a faculdade livre (portanto podendo ser ou também não), que o saber tem, de projetar objetivamente diante de si cada um de seus estados. - Materialiter: que esse saber, agora encontrado exatamente assim, e não engendrado, é um pensar de uma quantificabilidade absoluta. c. De onde vêm, então, o ser absoluto e a quantificabilidade que aparecem no saber? - Resposta: Justamente de uma disjunção daquele superior, do pensar e da intuição - na intuição ou reflexão que se projeta diante de si. (O saber se encontra e se encontra pronto: completo realismo da doutrina da ciência.) d. Então a intuição é igual ao pensar, ou o pensar à intuição? - De modo nenhum: o saber não se faz nenhum dos dois, mas se encontra como ambos: embora se faça como se encontrando em ambos, e se eleve com liberdade (por reflexão livre) a esse conceito supremo de si mesmo. Este tem sido, até agora, o nó do mal-entendido absoluto. (Não viverei o bastante para ver isto entendido, isto é, penetrado e aplicado!) - O saber se faz segundo sua essência, sua matéria fundamental: - semi-idealismo infundado. - O ser, o objeto, é o primeiro; o saber, como forma do ser para si, segue-se da essência do ser: - dogmatismo vazio, que não explica nada. - Ambos devem, em parte, segundo o conceito, ser mantidos um fora do outro e, em parte, segundo o comportamento na efetividade, ser pura e simplesmente mediados e unificados, assim como aconteceu aqui: - idealismo transcendental. - Mas esta duplicidade encontrada nada mais é do que aquilo que, até agora, chamamos de pensar e intuição, em sua significação mais originária, e sua relação entre si, de que trataremos agora. e. De onde vem, então, a relação de ambos entre si, no saber (no saber, dizemos, pois somente no saber pode haver uma relação)? - Resposta: O pensar é em si firme e imóvel - penetrado pelo real, pelo ser, e penetrando-o (é o subjetivo objetivo em unidade originária, razão em potência, portanto absoluto sabimento, a fundação real, substancial, de todo saber, e assim por diante) - mas a intuição é a própria mobilidade, que estende aquele substancial à infinidade do saber; e, portanto, esta última é traz ida ao repouso pelo primeiro e somente através disso é fixada para a reflexão e se torna um saber, um saber absoluto e ao mesmo tempo infinito, com conteúdo, e não perecível e evanescente em si. Este é o conceito do saber absoluto; e igualmente está explicado - a partir daquela forma absoluta do saber (cf. b) - como o saber (na doutrina da ciência) pode captar-se e penetrar a si mesmo em seu conceito absoluto. A doutrina da ciência explica de um só lance e a partir de um só princípio a si mesma e a seu objeto, o saber absoluto, e é portanto o foco supremo, a auto efetuação e o autoconhecimento do saber absoluto como tal; por isso traz o cunho de sua própria perfeição.