Johann Gottlieb Fichte - Introdução à Teoria do Estado - (1813) Conferências sobre diversos conteúdos da filosofia aplicada foi o que anunciamos. Quanto a saber, em primeiro lugar, o que é filosofia e o que é aplicada, sobre isso não podemos tornar-nos claros por enquanto e em poucas palavras. Como, além disso, chegamos aos diferentes conteúdos indicados, é o que se verá. Se aplicamos a filosofia, a questão é: o que é em geral a filosofia? Respondemos a isso antes de qualquer outra coisa, pois sem isso não se pode difundir nenhuma clareza sobre tudo o que diremos futuramente. O nome, na significação originária da palavra, já torna verossímil que se procura algo que não se conhece, impelido pela insatisfação com o conhecido e por um obscuro pressentimento. - Se já ultrapassamos esse estado, cabe então a nós explicar, àqueles que ainda se encontram nele, seu pressentimento, e dizer-lhes com precisão o que propriamente querem. Nessa situação, poderíamos defrontar-nos com o seguinte: a. Que ninguém, que até agora falou sobre isso, se explicou desse modo, pois precisamente todos apenas buscaram, mas não encontraram. b. Que, portanto, nossa explicação não é algo já conhecido e, por isso, já inteligível, mas que é preciso aprender a entendê-la, construindo-a, descrevendo-a para si, no pensamento livre. - Portanto, agora mesmo, já no início, ternos de desempenhar tal pensar autônomo. A história diria: "Mas tu conheces!" Nós não. c. Que outros, que até agora já falaram sobre isso e que ainda falam, fiquem irritados; porque, se tivéssemos razão, viria à luz que, até agora, eles não souberam algo, mas teriam antes de aprendê-lo, coisa que um mestre jamais gosta que lhe digam. Mas esse destino temos de suportar, e resignar-nos a ele, como inseparável do assunto! 1) Conhecer, saber, representar-se - isto cada um conhece, conhece-o imediatamente e tem de conhecê-lo, simplesmente por sê-lo; e se alguém não o conhecesse por si, esse conhecimento não poderia ser-lhe trazido de fora. Mas observem bem o postulado: não conhecer em geral, mas conhecer, por sua vez, o conhecer, projetá-lo diante de si como particular, como algo que é, que aí está. - Ora, isto cada um tem de fazer em pessoa; cada um tem de construir e intuir algo por si mesmo: só com isso ele está em nosso método, e só se trata daquilo que é assim construído, não de algo alheio, meramente narrado; ninguém pode captá-lo assim, isso é contra todo método filosófico. 2) Ora, filosofia seria, por certo, conhecimento, saber; mas não todo saber, e sim um saber particular, pertencente a um certo genus, com sua diferença específica: - um saber determinado, em contraposição com outro. Qual, então? A rigor, só poderia ser conhecido pela sua posse; agora, por seu contrário. Todo conhecimento fornece e tem seu mundo, seu sistema do ser. Em contraposição ao mundo habitual e ao seu sistema do ser, o conhecimento de que falamos fornece um mundo inteiramente novo: ele próprio é órgão criador, novo olho, justamente para um novo mundo de visão. Pensem em um cego de nascença: para ele, há apenas aquilo que é dado pelo tato, mas não há luz nem cor, e nenhuma das relações formadas por elas. Pensem que a visão lhe é restituída. É precisamente isso que ocorre na filosofia. - Pelo nascimento somos depostos em certo conhecer e em certa consciência - das coisas, do mundo dado da experiência. Por esse conhecimento, o que se conhece, aquilo de que se toma consciência, são justamente as coisas: nem sequer se toma consciência da própria consciência ou se conhece o conhecer: este é, nele nós nos absorvemos, ele é o supremo e o último, o ser absoluto: - isto, de acordo com a comparação acima, deve ser denominado o sentido interior do tato. Ora, o homem pode permanecer nele, ou também elevar-se acima dele: - conhecer, justamente, o próprio conhecer e a própria consciência, assim como exigi que fizessem já no início. - Com isso, já os elevei de fato ao domínio da filosofia. Este é o novo mundo, dado pelo novo órgão. Ele deve ser mais explicitado: seu lugar teríamos encontrado. 3) Mas alguém pode captar distraidamente essa observação de que ele, justamente, sabe - representa - o mundo da experiência, e entretanto permanecer na primeira perspectiva, de que há coisas em si; alguém pode considerar ambas como verdadeiras, porque não unifica seu conhecimento em uma unidade, e é insensato e dilacerado. - Mas, se o conhecimento deve chegar à unidade, não podem ser ambas verdadeiras: ou somente coisas, ou então somente imagens. As coisas estão perfeitas com seu ser: de onde vêm, então, suas imagens? De onde vem um saber delas? - Mas, inversamente, das imagens decorrem necessariamente as coisas, justamente como as afiguradas nas imagens, como o objeto da imagem, que é, ela mesma, conhecida como imagem e que se dá pura e simplesmente como tal. E com isso o mundo se transformou para nós em um mundo inteiramente outro: lá, coisas; aqui, apenas conhecimentos, conceitos; lá, mundo material e mundo espiritual, para nós vale somente este último como o verdadeiro e o único; e sobre isso cada qual tem de estar de acordo consigo mesmo. - Portanto, isto deve ser bem estabelecido: 1) que só é admitido um mundo espiritual, conceitual, nunca, em nenhum sentido possível da palavra, um mundo material; 2) conhecemos isto, não em decorrência de um raciocínio, mas de uma consciência imediata. Justamente só há consciência das imagens, das determinações do saber, e absolutamente de nada outro, em decorrência da elevação empreendida. Logo, filosofia seria uma consciência imediata, que não pode ser imposta por argumentos, assim como não se pode impor ao cego o olho; que não pode ser demonstrada, mediada, ou algo assim, mas somente formada e desenvolvida. Para maior esclarecimento: 1) A visão do mundo da filosofia, enunciada claramente, é esta: a) algo é, firme, irrecorrivelmente determinado. - Pensa-se, talvez, que o filósofo não admite nenhum ser: isso é um mal-entendido grosseiro. b) Mas este ser não é um sistema de coisas materiais permanentes, que repousam sobre si, mas um sistema de imagens, no qual, justamente, tal sistema de coisas é afigurado. E uma consciência que repousa sobre si mesma e é determinada por si mesma, e absolutamente nada outro. (Creio ter-lhes prestado um grande serviço, mesmo se entenderem apenas este ponto e o imprimirem firmemente em si. - Apenas para alguns poucos observo: nós, que nos consideramos filósofos, dizemos isto inteiramente a sério e sem rodeios, e não, digamos, como um mero modo de dizer, que possa ser interpretado e distorcido em si, ou acomodado. Sabemo-lo imediatamente, assim como temos consciência de nossa vida: só parece estranho para aqueles em quem ainda não despertou aquele olho.) 2) Qual é, então, a distinção interior própria entre aquela visão primeira, natural, do mundo e esta visão do mundo aumentada, filosófica: isto é, o que propriamente ocorreu com o homem na passagem da primeira para a segunda? (Isto é decisivo para a clareza da doutrina e tem as mais importantes consequências.) As imagens, expondo-se como tais, põem seu afigurado. Nessa operação da consciência o homem natural se absorve, com seu ser inteiro: por isso, a imagem mesma e o ser dessa imagem não se tornam visíveis para ele. Ele se absorve: isto é, seu ser é um produto das leis da consciência, inteiramente ocultas a ele: está preso e embaraçado nessa legislação que permanece obscura para ele. Nela repousa seu ser formal. - Em contrapartida, a consciência filosófica se desvencilha desse embaraço e, oscilando livremente sobre ele, eleva-se a uma consciência dele. De passagem: liberdade de uma lei qualquer dá a consciência dessa lei. (Esta própria relação é uma lei fundamental. Lei: embaraço, cegueira, mecanismo. Consciência: um ver, adquirido por libertação.) Esta é a essência e o mundo da filosofia, absoluta e especificamente diferente. Quem adquiriu isto, está no domínio da filosofia e é apto para ela, embora, sem dúvida, ainda não tenha adquirido nenhum conhecimento material propriamente filosófico; disto trataremos bem mais adiante! Agora apenas duas observações que podem ser antecipadas: 1) Quem deixa subsistir de uma maneira qualquer, mesmo que seja com o mundo espiritual e ao lado dele, um mundo material - eles o chamam de dualismo -, não é filósofo. Raciocinar, ligar uma multiplicidade de conhecimentos, não é filosofar: isto pode ocorrer na consciência mais habitual. A isto se refere a expressão: vamos filosofar sobre isso; de hábito, tagarelar sonhos e ficções sortidos. - A diferença está na perspectiva fundamental. Um raciocinar, mover-se no conhecimento, construindo livremente e ligando conceitos, pode certamente ser um filosofar; mas não é por isso que se torna filosofar, e sim por sua perspectiva fundamental. Isto costuma-se não saber, não admitir, levar a mal, não lhe dar crédito; mas tudo isso não adianta nada: assim é. 2) Por isso, teríamos de desistir daquele nome insignificante: obviamente ela seria saber, teoria, doutrina; e, aliás, enquanto a outra se chamava doutrina da coisa, doutrina do ser, doutrina do mundo (e até "mundisapiência"), esta teria de chamar-se doutrina do conhecimento, da consciência, doutrina da ciência. a) A propósito do ser de que se tem consciência imediata, aquela diz: é um mundo material; esta: é uma consciência determinada de tal e tal maneira. b) Se ambas analisam, aquela afirma: o mundo contém isto e isto; esta: a consciência originária contém isto. - Por isso, filosofia não significa propriamente nada; somente quando se torna doutrina da ciência sua tarefa lhe é indicada com determinação: a palavra poderia perfeitamente ser formada de outro modo; mas outro conceito não pode ser aplicado à tarefa obscuramente proposta há milênios. Seriam mal-entendidos: a) pensar que a doutrina da ciência é apenas o nome para meus escritos, aulas, e assim por diante, para designar algo historicamente dado, assim como: teoria da faculdade de representar, crítica da razão. - Não, ela é aquilo que é atribuído pura e simplesmente a todos e aquilo que todos procuraram desde que se começou a pensar com certo grau de clareza. Poderiam objetar-me que meus escritos ou aulas não são a doutrina da ciência: isso é outra coisa. Que a doutrina da ciência em geral não seja, e não seja a filosofia - o conhecimento procurado sob essa denominação vacilante e que vai além de todo conhecimento conhecido -, isso não podem saber, nem entender, justamente por serem cegos; mas não podem contestá-lo. Em tal controvérsia eu absolutamente não me envolvo; assim como não posso provar a ninguém sua própria existência. (Esta é, de fato, a existência espiritual superior de cada um, que não pode ser dada a ele.) b) Também não sou o primeiro a pensar assim sobre a filosofia, nem o único. Kant pensava precisamente assim: só que não o declarou com esta precisão. Idealismo transcendental significa exatamente o mesmo. Simplesmente não o entenderam (entenderam-no, sim, sobre algum ponto particular, mas não sobre os pensamentos fundamentais); mas, há bom tempo, o abandonaram inteiramente, mergulharam mais profundamente que nunca no materialismo e quiseram encontrar neste, fazendo ligações com o raciocínio, uma filosofia: filosofia da natureza. c) Nossa denominação é um neologismo. Sim: pois o conhecimento é novo, e nunca existiu anteriormente. - Não se devem forjar neologismos. Correto - se já há palavras antigas: "mundisapiência", por exemplo! Mas de quando data esta palavra; e que significa "novo", para eles? Ela foi fabricada pelos wolffianos, e com muita infelicidade. Seu despropósito foi tão universalmente sentido que quase ninguém mais a pronuncia, fora da Biblioteca Universal de Nicolai. - De resto, é bom que, enquanto não se chega à compreensão, se fique com a palavra que designa a incerteza, a palavra filosofia. Antes de prosseguir, quero mostrar, ainda por outro lado, a distinção fundamental entre a perspectiva não filosófica e a filosófica. (Distinções fundamentais características estendem-se sobre o todo e vão até o fundo.) Para aquela, o último é um ser material, dizia eu. E este - um ser que justamente é, que aí está, sem ser algo qualquer, e aliás um ser que persiste e subsiste morto, ao qual são aplicadas as propriedades, como algo inerente, não se sabe nem mesmo como e através de que: a mera substância pura, sem todos os acidentes - e que contudo é: (justamente o afigurado e o objetivo em geral de uma imagem). Para esta pura e simplesmente não há tal ser, mas somente um ser espiritual, isto é, livre, vivo, que somente pela delimitação da liberdade e da vida, nele, se torna uma imagem determinada. - Ambos, portanto, estão entre si assim como a pura morte está para a pura vida; porque aqueles não percebem em si mesmos a vida, o afigurar como ativo, esta vida não está, de fato, neles, mas na lei do representar, que os governa e constitui. Encontra-se aqui um novo meio para expor a perspectiva que a doutrina da ciência tem do ser. - Alguns não filósofos admitem uma força natural viva, uma alma do mundo, que, por assim dizer, detém seu livre figurar em configurações determinadas e fixa sua força de formação em planta, animal, homem e assim por diante. Que esta representação em si, do ponto de vista da filosofia, é totalmente incorreta e nula, é o que se entende; pois absolutamente não há, em si e como ser último, configurações tais como a planta, e assim por diante. Mas usemos essa imagem. Tal vida que forma absolutamente a si mesma certamente há; - somente a ela nos dirigimos; não a configurações objetivas - a imagens, que se entendem como imagens e que não são unificadas a não ser com esse conceito. Ora, essa força de formação configura-se, certamente, segundo leis anteriores, em tais e tais imagens; e a soma dessas imagens é a consciência de todos nós, a única que é imediatamente e que já se encontra como sendo. - (Com essas imagens há um duplo relacionamento: ou se é elas mesmas, ou se é sua imagem: ou persistir no ser-imagem, ou tornar-se imagem desse próprio ser-imagem. - Tudo isto é tão simples que só é possível o mal-entendido por não acreditarem poder captá-la nessa simplicidade e procurarem por trás disso algo muito mais remoto.) Ficou claro: para a não filosofia há, como o ser último, coisas. Para a filosofia, assim como a expusemos até agora, conhecimentos ou imagens, que, em si mesmos, ao serem entendidos, põem coisas, como aquilo que é afigurado neles. Eu digo - levando mais adiante minha investigação: - mal se ganharia algo com isso, se em vez de coisas que, determinadas de uma maneira inconcebível, são tais - árvore, e assim por diante - houvesse imagens de uma árvore, e assim por diante, determinadas de uma maneira igualmente inconcebível. No máximo, isso seria uma perspectiva mais espiritual, mais viva e vivificante, do mesmo inconcebível. - Seu senso de verdade me dá razão, que agora tenho de legitimar. Como não se ganhou nada; e quem pode dizê-la? Aquele cujo conhecimento não quer contentar-se com a determinidade dada, mas quer conceber o como e o por que, os fundamentos dela: que deseja ter em si mesmo um conceito (conhecimento) da conexão do conhecimento. - O que deseja este? Uma imagem (conhecimento) de uma lei, pela qual seja determinada a essência-imagem que se apresenta imediatamente, e que esta se deixe conhecer como determinada por essa lei. Isto será primeiramente analisado, em seguida esclarecido com um exemplo: São-nos dadas imagens ou conhecimentos, como determinações da consciência: estas são, e são o único ser para a perspectiva filosófica fundamental. - Mas, em primeiro lugar, há duas espécies delas: 1) as que se apresentam imediatamente pela existência natural; que, pelos não filósofos, são tomadas por coisas e, pela filosofia, são conhecidas como imagens. 2) As que não se apresentam imediatamente, e cuja essência consiste em, através delas, ser conhecido afundamento da determinidade das primeiras. Como exemplo, utilizaremos aquele que também já foi usado antes: - os corpos repousam, eles se movem: os mesmos que repousavam se movem; o repouso tem um grau de firmeza, o movimento certa velocidade. - O que lá eram coisas são, para nós, imagens, e aliás imagens que se fazem pura e simplesmente assim. - Ora, pergunta-se se é forçoso permanecer no fato absoluto (assim é, e pronto), sem que fosse possível um conhecimento para além dele, no qual ele se mostrasse como consequência: - assim como a coisa se mostra a nós como consequência da imagem imediata. - Pelo menos exigimos que seja deste último modo. - Suponha-se, agora, que alguém encontrasse a lei da gravidade, da atração universal dos corpos e, a partir dela, concebesse todo e qualquer repouso, todo e qualquer movimento, tanto em seu ser em geral quanto em ter ele exatamente essa força ou velocidade: assim este teria, para uma imagem da primeira espécie - o caso, ou o repouso -, uma imagem da segunda espécie, uma imagem da lei desse figurar. (Claramente: a força de figuração seria intuída como estando sob uma lei, que, ela mesma, é uma imagem.) E se o filósofo, além de imagens da primeira espécie, encontrasse imagens da segunda, com isso, de fato, algo estaria ganho, o conhecimento seria ampliado. Mas em particular - o que pode ser notado e esclarecido aqui mesmo - isto estaria ganho: 1) Essas imagens das leis para outras imagens se dão, diretamente e sem precisar de atenção, como puras imagens e conceitos: leis puras, não um ser subsistente, mas apenas determinando esse ser. - Gravidade, atração - é, onde está, onde tem sua sede? É apenas o determinante do ser. Assim somos poderosamente elevados à perspectiva espiritual. Se algo assim ocorre a uma cabeça não filosófica, e esta o corporifica outra vez, o que se pode fazer? - 2) Com isso, o ser absoluto e último é recuado para mais alto: pois é claro que as outras imagens - ou fenômenos, como podemos chamá-las - só são para que se explicite nelas a primeira imagem, a lei: a lei só se torna figurada e figurável em seu caso. Por isso, os fenômenos não são propriamente imagens autônomas, sendo em função de si mesmas, mas apenas figurações da lei - sua visibilidade. E com isso a visão filosófica do mundo se tornaria mais elevada. O fenômeno imediato, isto é, tudo aquilo que se faz para o homem pela sua existência natural - quer seja tomado como um sistema de coisas ou como um sistema de representações -, não é o objeto próprio e verdadeiro do conhecimento; mas é somente manifestação de algo outro, das leis; e estas seriam aqui o objeto último. Notem isto desde já, pois aqui, por sua abstração, salta aos olhos com a maior clareza possível: - Certamente a profissão de fé da filosofia, que eu por exemplo professo, e à qual desejo elevar a todos, e que não escondo, mas procuro declarar tão sem rodeios quanto for possível, é que o mundo dado - quer seja tomado como um sistema de coisas, quer como um sistema de determinações da consciência - absolutamente não existe em nenhum sentido forte da palavra, e na sua base e fundamento é nada: - e isto é para mim tão transcendentalmente claro que, diante de uma pretensa filosofia da natureza, e de todas as filosofias da mesma espécie, só posso compadecer-me de sua cegueira. - A saber, se perguntarem a mim ou à filosofia: - Então o mundo não aparece; ele não é, para aquele que se abandona ao fenômeno, a essa aparição natural? - eu digo, sem dúvida: - Sim. Mas se perguntarem: - Para o conhecimento intelectual, o mundo é o entender-se e o conceber-se desse fenômeno a partir de si, como fundamento? - a resposta é: - Absolutamente não! - Somente uma imagem que repousa em si mesma - que não tem nenhum fundamento fora de si - anuncia um verdadeiro ser. O mundo é inteiramente exposição das leis, seu espelho; somente as leis são. Quem o toma de outro modo, o faz justamente porque não adquiriu aquele entendimento, ainda não elevou a essência-imagem que traz em si ao entendimento de si mesma. Este é outro caráter da filosofia: ela é conhecimento que se vê vir a ser, conhecimento genético. Antes: somente o conhecimento é, não as coisas; aqui: o conhecimento vem a ser. - Lá - reconhecimento do conhecimento em seu ser exclusivo; aqui - o entendimento do conhecimento em sua origem: conhecimento intelectual do próprio conhecer. Isto - entendimento filosófico; aquilo - intuição filosófica. Com isso descrevi em geral a forma da visão genética ou intelectual do ser (mas, para o olhar filosófico, não há nada senão conhecimento). Apliquemos isto mais adiante: Deste ponto de vista, leis, e, aliás, leis que se expõem no fenômeno, naquilo que aparece e é dado imediatamente (na natureza) - leis naturais -, tomaram-se o ser último e absoluto. - Mas, se se verificasse que, com esse ser = y, o conhecimento ainda não se satisfizesse e aparecesse uma lei superior = x, cuja mera exposição seria a lei natural, da qual a mera exposição é z - a própria natureza -, então, com essa elevação acima de seu primeiro ponto terminal, se ampliaria o conhecimento intelectual. Dois casos são possíveis: ou esse elevar-se do fenômeno - daquilo que, em algum entendimento, é posto como ser último e absoluto - a seu fundamento superior continua ao infinito: para esse x há ainda um u, que pode outra vez ser tomado, ininteligivelmente, pelo Absoluto, mas, penetrado pelo entendimento, é outra vez reduzido a um t - e assim por diante, ao incondicionado. O resultado disso não seria, de nenhum modo, um ser absoluto, que detivesse o entendimento e o satisfizesse: não seria um último; mas apenas um ser tal que, durante certo tempo, por erro e desentendimento, seria tomado por ele. OU ENTÃO: há um fundamento último e absoluto (um ser absoluto), que satisfaz completamente o entendimento, e não somente o conhecimento provisório: um último, cuja aparição seria a prato-imagem, a imagem em geral, da qual x seria, por sua vez, entendido como o fenômeno, e assim regressivamente, até o fenômeno que aparece pura e simplesmente. A pressuposição de uma filosofia admite: que não é da primeira maneira, mas da segunda. Pois - a filosofia levada a cabo, perfeita, a aplicação completa do olhar filosófico, é justamente o conhecimento daquela parte absolutamente última da imagem (do conhecimento, da consciência) em geral e dessa sua índole. - Por isso, esta é sua perspectiva: - Há certamente um Absoluto, originando-se por, de, a partir de si mesmo - Deus-, cuja revelação é o conhecimento (que é entendido como tal). E esse conhecimento é tal (expõe-se nessas formas determinadas) porque somente dessa maneira pode tomar-se visível: é determinado assim por si mesmo e sua essência própria é determinada assim, de maneira inteligível, e entendida pela filosofia. Logo - agora o conceito está perfeito -, filosofia ou doutrina da ciência seria conhecimento do conhecimento em seu conjunto, do conhecimento como um sistema - e, aliás, conhecimento pelo entendimento, ou genético. Eu digo: 1) ela é conhecimento pelo entendimento: pela visão do fundamento. - Ou seja: todo conhecimento é imagem, e por isso põe seu afigurado; o persistir nele é intuição: (conhece-se, por certo, mas não se conhece intelectualmente). Assim, a admissão de um ser dado é mera intuição sem nenhum entendimento. Em contrapartida, o conhecimento intelectual vê a imagem e, com ela, o afigurado virem a ser e originarem-se a partir de seu fundamento. Este é o conceber (conceito em um sentido superior: o intérprete e exponente da essência). 2) Ela é um tal conhecimento (intelectual) - do conhecimento em geral, em sua forma universal. - Em contraposição, toma-se mais claro: o conhecimento da natureza por sua lei e como visibilidade e figuração dessa lei é conhecimento genético de certo conhecimento por outro, de z por y. Caso essa lei, por sua vez, seja conhecida a partir de uma lei superior, digamos, da lei moral, há aqui, outra vez, um conhecimento conhecido a partir de outro conhecimento, mas não o conhecimento em geral, e, por isso, nunca a doutrina da ciência perfeita. - O conhecimento mesmo só poderia ser conhecido a partir do que não é conhecimento, nem imagem, nem mero fenômeno ou aparição de algo que permanece por detrás, mas é este próprio algo: o ser absoluto - sem dúvida, também, um ser absoluto conhecido pelo entendimento, mas absolutamente não posto pelo conhecimento, uma vez que, ao contrário, este é posto por ele. Notem: 1) Opusemos a filosofia à não filosofia nisto: esta última admite um ser permanente, enquanto a primeira só admite imagem, só conhecimento. Agora terminamos a própria filosofia com a admissão de um ser absoluto. Não nos contradizemos? Não; pelo contrário, com isso temos a ocasião de determinar o sentido de nossa afirmação. - O ser do não filósofo é um ser dado na consciência imediata; ora, esse nós negamos inteiramente, vendo que, justamente por estar dado na imagem, ele é o figurado e o sabido. O nosso, em contrapartida, é o ser dado unicamente pelo entendimento, que transcende toda consciência fática. - Assim, tudo aquilo que põe pura e simplesmente a si mesmo: - o eu é o modelo disso. (Aqui concentramos resultados da mais alta importância. Quem já os conhece, o perceberá; quem ainda não, acredite nisto por enquanto e fixe estas proposições, para que lhe sirvam de guia.) Assim como nos pontos de vista anteriores, também neste último e supremo queremos enunciar com clareza a perspectiva da doutrina da ciência, dando nossa adesão a certa perspectiva: - Deus é: correto! (Deixamos em suspenso, entretanto, certo ponto.) - Ele se manifesta, se revela: correto! - a saber, no conhecimento, única e exclusivamente nele. O que é, é Deus em si mesmo e sua revelação: esta última - conhecimento! - Aquilo que, além disso, ainda parece ser, justamente apenas parece ser, ou seja, no conhecimento. - Não há um mundo, a não ser neste; porque ele é justamente imagem de Deus e como imagem em geral é entendido. - Deus mesmo é no conhecimento; mas não como algo imediatamente dado nele, posto nele, mas somente pelo entendimento do conhecimento, entendido justamente como o entendemos aqui. Imediatamente, no conhecimento, Deus absolutamente não está (não há uma intuição dele), mas está apenas no entendimento desse próprio conhecimento como sua revelação. Caráter fundamental da doutrina da ciência: o conhecimento com o caráter da intuição - seja ele qual for - é embaraço em uma lei qualquer, e produto dessa lei. Doutrina da ciência - entender completo, ver levado a cabo (em contrapartida, em toda parte fora dela, há algo que permanece oculto, que ainda está por ser visto), portanto completa liberdade. É conhecimento intelectual de todo conhecimento, na medida em que vê o saber, tanto em geral (que ele é) quanto em particular (assim como ele é), originar-se de seu fundamento e de sua lei. - Ora, essa visão é liberdade do conhecimento em relação à lei; é um pairar indiferente acima dessa lei; em contrapartida, todo outro conhecimento que não se entende assim e que é, nessa medida, intuição, é por um cego abandono à lei. Esta determina, exatamente como uma força natural cega, o representar. Desse modo, doutrina da ciência é conhecimento completamente livre, que tem a si mesmo em seu poder. - A completude e perfeição da liberdade decorre justamente de que o conhecimento mesmo, em sua forma, é entendido a partir daquilo que, em si mesmo, não é conhecimento e imagem. - E é sob esse caráter de completa liberdade que a doutrina da ciência deve ser considerada preferencialmente aqui: este é o propósito de nossas conferências. Aqui falamos sempre apenas de conhecimentos, de imagens que põem, fora de si, um ser, que só é em decorrência do enunciado da imagem. - Ora, o cognoscente, o eu, não se encontra apenas conhecendo - com esta observação passamos a uma nova investigação -, mas também como agindo, atuando: não apenas como tendo imagens, mas também como sendo fundamento autônomo de determinações desse ser que, segundo a perspectiva habitual, põe suas imagens no interior do conhecimento. (Eu empreendo este discurso, conheço este escrito, assim como vocês, imediatamente.) Mas - como, de acordo com a perspectiva fundamental da doutrina da ciência, esse agir também não é um agir em si, mas um agir em imagem - é somente em uma imagem, que por sua vez põe outras imagens, como os efeitos do agir, que vocês podem, caso tenham entendido bem o que foi dito acima, pensar esse agir em sua universalidade. Explicitá-lo em particular não é nosso projeto mais imediato; isso ocorre nas partes próprias da doutrina da ciência. - Mas importa-nos o seguinte: O homem pode agir (do mesmo modo que, segundo o que foi dito acima, pode representar) impelido por alguma lei que reina sobre ele e que lhe está oculta. - É claro que, nesse caso, ele absolutamente não age, não é livre. O eu age?Não; isso é uma ilusão Lei J. h. - J é apenas um elo na cadeia da necessidade natural. Pode bem ser que o agir do homem comum seja inteiramente assim. - Pensem numa planta: ela conserva a si mesma, se retrai, se expande, descreve as formas que tem de descrever, segundo suas leis. Deem-lhe consciência, e permaneça oculta a ela a lei: ela, então, pensará que se desenvolve com liberdade. Aqui começa o movimento para sua consciência; por isso, este é para ela o início, aquilo sem o qual todo o restante não seria. - Houve raciocinadores que negaram a liberdade humana, alegando como exemplo uma esfera dotada de autoconsciência. Ela está parada: movam a mesa e surgirá nela a inclinação de mover-se para baixo. Isso é inteiramente claro e, pressupondo-se as forças sem consciência, inteiramente correto: o homem, também, é apenas um elo na série das forças naturais e, assim, está irresistivelmente condicionado: não há liberdade. Não há liberdade; pois não há um início do acontecimento, um ser-princípio. (Assim deve ser pensada a liberdade, assim a pensamos. Todo o resto é pura insensatez.) Ora, deveria, entretanto, haver liberdade nesse sentido. Como teria esta de ser? Temos de pensá-la, construí-la. Esse é nosso postulado. Solicito sua atenção para isso: não é exatamente difícil, mas é sumamente significativo. Assim como na semana anterior, quero também agora tentar apresentar com clareza resultados que abrangem todas as pesquisas de minha vida e que, além disso, não são muito conhecidos. Ao mesmo tempo, espero poder, com facilidade, desvencilhá-los de uma série de escrúpulos e confusões, em que talvez estejam embaraçados. Era no desconhecimento da força propulsora que repousava a consciência da liberdade. Se agora aquela fosse conhecida, e sua lei, com isso se ganharia a liberdade? Obviamente não: a ilusão se desfaria; ganhar-se-ia a contemplação do vir a ser, e mais nada. Também isso é sempre muito bom; e é justamente o que visam todos aqueles raciocínios. Por que o eu não é livre? Porque está posta uma força superior, em relação à qual a determinação da vontade do eu se comporta como efeito, como principiado. Tal força teria de ser inteiramente eliminada: não haveria lei natural. Mas lei natural é uma lei cujo estar posta põe irresistivelmente e com absoluta necessidade um certo outro ser. Portanto, isso exclui, pura e simplesmente, no interior de seu domínio, a liberdade (o iniciar): esta é uma proposição puramente analítica. - O eu ou a vontade, portanto, teria de ser, ele mesmo, a força natural absoluta: não haveria ser sem ele, todo ser só seria por ele e como seu principiado. (Isto está contido no iniciar absoluto, no ser primeiro, e é necessariamente pensado assim. Vocês absolutamente não podem pensá-lo de outro modo e também nunca o pensaram de outro modo, se alguma vez o pensaram com clareza: agora, isto deve apenas ser reconhecido claramente e mantido em mente para a vida.) Portanto, liberdade significa: não há natureza acima da vontade, esta é sua única criadora possível; por isso, em geral, não há uma natureza absoluta, não há natureza a não ser como principiado. Quem afirma uma natureza absoluta pode, no máximo, deixar para a inteligência a contemplação. Isto é claro, como mera proposição analítica. - Aqui não defendemos diretamente nenhuma das duas posições, mas meramente a coerência. Como uma filosofia da natureza pode admitir liberdade! Vou deter-me aqui, para tornar mais claro, desde já, este pensamento, insólito para a perspectiva habitual, pois precisaremos muito dele e de nossa familiaridade com ele. Não há natureza e não há ser, senão pela vontade; os produtos da liberdade são o verdadeiro ser. - Uma vez que poderemos vir a afirmar a liberdade, tal poderia ser exatamente nossa opinião. - O mundo dos sentimentos dado se reduziria com isso à visibilidade, representabilidade do superior, das criações da liberdade; esse mundo, com todas as suas leis, só está aí para isso - para ser a matéria-prima, a esfera à qual a liberdade se aplica; também não é posto em si, mas pela possibilidade de figurar, de expor a liberdade. Aquilo que a liberdade lhe aplica, permanece o verdadeiro. - Intuam-no na imagem! O que cria a natureza? Vão à selva mais primitiva, que nunca foi pisada por um pé humano: mal poderiam encontrar algo que os atraia e satisfaça. Entre nós a vegetação é ordenada, determinada, enobrecida; assim também os animais; por toda parte como que novas criações: habitações humanas e edifícios, a fala e a escrita. Onde, em tudo aquilo que nos cerca, se esconde a menor coisa que fosse puro produto da natureza; onde ainda poderíamos encontrá-la? Será que os filósofos da natureza nunca lançaram um olhar sequer àquilo que os cerca, e não encontraram nele nenhum outro princípio, além da morta lei natural? A vontade - princípio absolutamente criador, que engendra puramente a partir de si mesmo um mundo particular e uma esfera própria do ser. A natureza - mera matéria passiva, sem nenhum impulso. Sua conformidade à lei, seu impulso ao desenvolvimento são mortos para carregar a nova vida e o espírito da liberdade. Esse é o primeiro ponto! Mas vamos adiante: - Na medida, entretanto, em que esta vontade absolutamente criadora é fundada e antecipada por imagens (conceitos de fim) de sua causalidade (que e por que isto é assim e tem de ser assim, é algo que não temos de investigar aqui; basta pressupô-lo e encontrá-lo confirmado na percepção efetiva de nós mesmos, na autoconsciência), essas imagens são tais que não enunciam nenhum ser nem o põem imediatamente, mas só poderiam obter o ser correspondente a elas pela causalidade livre. (O discurso que quero pronunciar, o texto que quero escrever, a ordem que quero produzir nos utensílios de um aposento ou mesmo em uma sociedade de homens: tudo isto são imagens ou conceitos puros.) 1) Livre, absolutamente criador é somente aquele cujo agir tem por fundamento tais conceitos, que não se originam da esfera do ser dado: - que age nessa esfera por conceitos que pairam claros e translúcidos diante dele e os expõe no mundo do dado. (Do contrário, é a natureza dos sentidos, que, apenas repetida na imagem, repete-se também no ser.) Esta é a segunda característica. 2) Esta é a mesma visão do mundo que adquirimos acima, em nome da doutrina da ciência; só que aqui ela está ampliada e esclarecida. Do conhecimento das imagens do ser dado elevamo-nos à sua lei = x; julgamos: em verdade só a lei é, e o ser que aparece é exclusivamente o caso singular (o concreto) que toma possível intuir e representar a lei. Mas eu dizia, além disso: essa própria lei, com todos os seus fenômenos, poderia bem, por sua vez, ser somente a visibilidade de algo superior = y, da lei moral. Isto, lá, era uma expressão inteiramente inexplicada; agora está clara. Aquela se espelha e se expõe nos conceitos puros, que estão no fundamento de uma vontade absolutamente livre, que não continua o ser natural, mas faz sair de si um ser próprio. Portanto, como fica agora a relação? Aqui o verdadeiro ser; ali somente a visibilidade para ele, justamente a esfera de ação, matéria a que é aplicado e na qual é realizado. Desse modo - um conhecimento que não enuncia nenhum ser, mas algo que, por toda eternidade, deve somente vir a ser. - Há verdade em nosso conhecimento? Sim: mas não no conhecimento daquilo que aí está, e sim no conhecimento daquilo que deve eternamente vir a ser, por nós e por nossa liberdade; deve vir a ser puramente a partir do espírito, criado e exposto no dado, que somente para isso aí está. Não somente dizer isto, mas acreditar com toda seriedade, viver dentro disto, conceber seu contrário como uma visão lamentável, digna de compaixão - é a perspectiva da doutrina da ciência. Esta a enuncia exatamente assim e sem rodeios, não como uma mera afirmação sensacionalista, pela qual se quer ganhar prestígio, sem, entretanto, acreditar nela e sem considerá-la verdadeira. - É, não aquilo que nos aparece como sendo, nem sequer aquilo que todos nós, e os mais nobres e melhores de nós, somos, mas aquilo pelo que lutamos e eternamente lutaremos. - O que te tornaste é apenas o degrau, a condição para o momento; tão logo te deténs e fazes menção de ser, cais no nada. Conhecimento é imagem do ser - de Deus: mas não o conhecimento que põe outra vez um ser a partir de si mesmo, e sim o que põe um vir a ser: a imagem da liberdade eternamente criadora, pairando acima, com suas leis que se enunciam por toda eternidade em conceitos puros - este é o mundo; e querer satisfazer-se com um mundo inferior é um disparate deplorável. - Mas aquele mundo verdadeiro está unicamente na imagem-modelo, não sendo, mas devendo vir a ser. Isto confirma perfeitamente a perspectiva da filosofia, que enunciamos antes: só o conhecimento é, e nada fora dele. - A imagem de um mundo, e não, porventura, um mundo mesmo, é a aparição, o fenômeno do ser absoluto. (Isto foi ignorado, a realidade posta no ser dado, e a ética recuperada apenas como um apêndice maravilhoso.) Essa é a convicção e a visão do mundo da doutrina da ciência. As palavras, penso eu, são claras, e não se prestam a mal-entendidos. Só é difícil acreditar que isto é dito a sério e que não é afirmado nada mais do que isso, assim tão simples. Além disso, esse modo de pensar inspira naturalmente respeito: pode dar ocasião a dúvidas, calúnias, mas dificilmente ser seriamente desprezado. - Não se pode ser assim, o homem é fraco, a sensibilidade sempre volta a impor-se a nós! Muito bem, sois portanto um povo desprezível, indigno, vós que falais assim e confessais em voz alta: além disso, sois lastimáveis tolos; pois quem vos pediu essa confissão de vossa indignidade? - Quem tem tal modo de pensar adapta-se mal ao mundo, cria para si mesmo desgostos por toda parte! Seres desprezíveis! Por que cuidais mais de adaptar-vos aos outros, do que de adaptá-los a vós e corrigi-los para vós? Quem está direito não deve adaptar-se ao que não está, mas, inversamente, aqueles que não estão direitos devem ajustar-se a quem está; e este não quer a aprovação dos maus - para isso ele mesmo teria de tornar-se um deles -, mas quer formar e corrigir os maus, para que estes possam ter sua aprovação. Sem dúvida, quem está direito tem também de trazer consigo a habilidade e a coragem; mas sem estas também não se chega ao que é direito. - Mas alguém poderia admitir que assim é, e, no entanto, perguntar: - Como chegar a isso? - Somente pela formação de seu próprio olho interior. De fora, pela mera crença, isto não advém: ele tem de tê-lo em si mesmo! Lei moral, portanto, é a imagem de um suprassensível, puramente espiritual, ou seja, de algo que não é, mas deve, apenas, vir a ser, por obra do iniciador absoluto do ser, a vontade. Verdadeiramente livre, como agente, é somente aquele que age segundo tais conceitos puros. Pois uma lei natural que o impelisse não poderia ocultar-se, já que o critério do conceito ético é o seguinte: não conter, absolutamente, algo que é, mas expressamente aquilo que não é. E somente assim, também, ele está seguro de sua liberdade. Se compararmos isto com a filosofia ou doutrina da ciência, sabemos: chama-se filósofo, para nós, aquele cujo conhecimento é inteiramente livre e perfeito. - Aquele que aqui foi descrito como verdadeiramente livre tem esse conhecimento supremo e perfeito; penetrou até o conhecimento puro do verdadeiro ser; é, por isso, um homem de ciência, um teórico. Mas o que mais? Ele vive e pratica o conhecimento filosófico: aquilo que, lá, estava em repouso e inativo, tornou-se aqui impulso e determinação de uma vida criadora do mundo. Nele a filosofia é criadora do ser, portanto aplicada. Aplicação da filosofia é uma vida ética. (Uma vida ética: não meramente uma vida que não seja contrária à ética, que não seja injusta, viciosa - essa neutralidade ainda é confundida, pela maioria, com a ética -, mas uma vida verdadeiramente, positivamente ética, que cria o mundo ético, isto é, aquele que está contido no conhecimento como devendo ser pura e simplesmente, e que o aplica ao mundo dado, que está aí apenas para isso. Mas, para isto, o olho interior deve estar formado para ver esse suprassensível: e essa formação do olho é a doutrina da ciência.) Assim: absoluta elevação acima da natureza, vida a partir do puro espiritual conhecido, é a filosofia ou doutrina da ciência convertida na própria vida e em seu estímulo. A filosofia, em sua aplicação, significa: a filosofia na vida, na ação e na criação, como força fundamental própria, formadora do mundo; ela se coloca no ápice da formação do mundo, em seu sentido mais próprio e mais elevado. Essa filosofia aplicada só pode ser vivida; não pode ser comunicada em um discurso, em uma nova imagem. - Por isso, conferências de filosofia aplicada, assim como anunciei, propriamente não há. (Fazer conferências, como um meio de despertar outros para essa convicção arrebatadora e para a vida que decorre dela, isto pode certamente ser, do ponto de vista de uma pessoa, sua vida espiritual, a obra proposta a ela. Mas isso não vem ao caso aqui.) Mas, em um sentido diferente e derivado, conferências sobre a vida espiritual como aplicação da filosofia, imagens de tal vida, também teriam de chamar-se filosofia aplicada (justamente em imagem, em um mero conhecimento, que não põe seu ser imediatamente, como o conceito de natureza, mas apenas o exige. E esse teria sido, portanto, o sentido de meu anúncio.) - A doutrina da ciência deveria ser considerada por nós como sabedoria, guia da vida e da ação; - o que, de resto, também se chama: filosofia prática. E, com efeito, é a esse domínio que se referirão nossas investigações; era isso, também, que estava anunciado. Contudo, deixei indeterminada sua esfera mais restrita, embora para mim ela estivesse bem determinada; pois não queria atrair a mera curiosidade e não queria despertar nenhum outro interesse que não o puramente científico, sem nenhuma referência ao objeto particular - até que, nas próprias conferências, eu tivesse encontrado a ocasião para dispor meus ouvintes à seriedade necessária e fazê-los esperar apenas por essa rigorosa seriedade. Com efeito, o objeto particular destas conferências me é prescrito com rigorosa necessidade, da seguinte maneira: Se eu quisesse efetivamente tratar, de maneira cabal e completa, do objeto que acaba de ser descrito e deduzido, ou se pudesse fazê-lo neste espaço de tempo, ou seja, fornecer a descrição completa da vida do espírito, eu teria de fazer preceder essa descrição e colocar à sua frente a investigação sobre as condições exteriores dessa vida inteiramente livre e espiritual; a descrição de um estado do mundo que deveria estar previamente dado, caso se devesse chegar universalmente à liberdade ética exigida. - E como, por certo, não quero perfazer, mas começar, tenho de iniciar pelo começo natural: tenho de fornecer aquela investigação, que faz parte dos capítulos preparatórios; portanto, é este propriamente meu projeto nestas conferências: expor as condições externas da liberdade ética. que se encontram no mundo dado. Captemos mais uma vez, com rigor, aquele conceito. A vontade é o princípio absolutamente criador do verdadeiro mundo; este - seus produtos e efeitos. Aquela tem seu conteúdo dado, seu alvo a ser visado, na lei moral: nesta estão prefigurados os efeitos; mas esses efeitos são novas determinações do mundo dos sentidos previamente dado. - Pergunta-se, então: - Sob esse aspecto, está este apto para acolher a marca de uma vontade livre e espiritual? Ou como teria de ser, caso não o fosse pura e simplesmente, e como, nesse caso, deveria ser tornado apto? - Portanto, é ao mundo circundante, como esfera do agir livre, e, portanto, de certo modo, à natureza, e, aliás, quanto à sua adequação para uma atuação ética livre, que teríamos de dirigir a atenção. Este, universalmente, o lugar da investigação. Primeiramente, então: esta investigação - embora, pelo que foi visto até agora, tenha aparecido como preliminar à filosofia aplicada - é também uma parte desta. Pois, caso o mundo, em seu estado dado, não se encontrasse apto para aquela atuação, a primeira de todas as exigências da lei moral - e, desta vez, a única que está na ordem do dia - é dar-lhe a configuração adequada. Esta mesma é, portanto, a primeira exigência feita à vontade moral: logo, ensinamos a ética mais imediata do tempo. - Isto de modo geral. Agora, mais perto do assunto: O mundo dado, na medida em que é determinado unicamente pela lei natural, é, com toda certeza, adequado à liberdade; pois, segundo a lei originária da aparição e da essência-imagem em geral, ela é apenas a visibilidade do ético, da liberdade. - A liberdade é o mais alto princípio, pelo qual a natureza desaparece no nada: esta pode desenvolver-se por si, mas não pode resistir ao princípio superior: este começa, justamente, por matar aquele desenvolvimento vazio, para a acolhida da Ideia. Sob esse aspecto, portanto, não é preciso nenhuma investigação particular sobre a aptidão; essa investigação está excluída de antemão. O que a liberdade deve, somente ela pode, não a natureza; mas tudo o que ela pode, esta acolhe sem resistência. - Mas a liberdade só pode atuar sobre ela; e está dividida entre vários indivíduos, cada um dos quais, em referência à natureza, é incondicionalmente livre. Essa liberdade incondicionada de diversas vontades pode obstruir-se e tolher-se; e assim surge não liberdade para o indivíduo, porque todos querem ser incondicionalmente livres. Portanto: Uma vontade de acordo consigo, e não haveria, em parte nenhuma, obstrução da liberdade: todo o nosso problema seria eliminado. Mas são várias vontades, possivelmente conflitantes entre si; daí a possibilidade da obstrução da liberdade. A lei natural - eventualmente, certa organização natural - não pode conciliar esse conflito; pois a natureza não comanda, em geral, a liberdade: portanto, tem de ser uma lei ética; uma lei que se dirigisse à liberdade de todos, estivesse deposta no conhecimento de todos, a lei fundamental e, por assim dizer, o fiador de toda lei moral - pois determina até que ponto pode ir a liberdade de cada indivíduo sem perturbar a dos demais. Assim, o domínio da liberdade é como que dividido em duas esferas: a) a esfera da causalidade livre de cada indivíduo; b) a esfera que nenhum deles poderia tocar imediatamente. - Por essa lei, aquele conflito é apartado e, desse modo, o único perigo com que se defrontava a liberdade é suprimido. Ora, essa é a lei do Direito: está pura e simplesmente aí, como condição externa da liberdade ética; portanto, tem de reinar, como absolutamente firme e dada, como pura e simplesmente obrigatória, do mesmo modo que uma lei da natureza. - Aquela condição externa é, portanto, o Direito, o mundo jurídico; a primeira lei tem de produzir, preliminarmente, o estado de Direito. A investigação daquelas condições preliminares, portanto, teria de descrever exatamente isso: seria doutrina do Direito. Ora, também esse não é o meu propósito: ensinei a doutrina do Direito no ano passado e, além disso, escrevi um livro sobre ela; - mas: poderíamos não considerar a lei jurídica como pondo um estado já dado, portanto apenas teoricamente, mas considerá-la praticamente, como um mandamento ético a todos, como aquilo que todos nós devemos conceber em primeiro lugar, para depois cada um passar à sua parte. Mas isso só seria possível se, no mundo presente, o estado de Direito perfeito ainda não estivesse inteiramente introduzido; e somente na medida em que o creio, eu poderia anunciar tal investigação. Ora, essa é certamente minha opinião, que eu, mais tarde, tenho de provar. O Direito reina no presente estado do mundo, sem dúvida, até certo ponto, reina também no todo (algumas incursões passageiras da prepotência não são levadas em consideração) mais do que nunca em um estado anterior do mundo; mas ainda falta muito para que esteja estabelecido sem exceção: em parte, porque extremamente poucos conhecem a fundo o conceito de Direito; em parte, porque, no presente estágio cultural do gênero humano, seria impossível executa-lo; em parte, finalmente, também - não vamos dissimular-nos isso - porque é vantagem para muitos que ele não seja executado e que mesmo seu conhecimento permaneça obscurecido. Assim são os dispositivos jurídicos existentes. - Dispositivos de emergência, os melhores que agora são possíveis, apenas provisórios, degraus. Não se deve permanecer neles - e também não se permanecerá; por certo, não estaremos vivos para vê-lo, e também não devemos desejar isso. Portanto, aquilo que é mandamento ético para o Direito, no presente e para o tempo, faz parte de nossa investigação; portanto, aquela parte do conceito de Direito que, por ora, ainda não tem validade. Notar bem isso! De resto, quanto ao espírito de indulgência e seriedade científica, puramente desinteressada, com que nossa investigação tratará esse objeto - atribuindo, portanto, também a seus ouvintes esse mesmo espírito, se, em vez de um dom bem intencionado, não quiser fazer-lhes um dom perigoso -, diremos ainda algumas palavras. Em referência a isto, queremos, por assim dizer, estipular as condições: produzir em nós a disposição para tal. Ao puramente científico opõe-se o imediatamente prático, que funda a ação, o que se liga imediatamente à história do presente. - Essa distinção, embora frequentemente enunciada, nunca foi, ao que eu saiba, bem ponderada. Vamos fazê-lo aqui: a) Tudo o que deve acontecer no mundo (propriamente, tudo o que verdadeiramente acontece; pois o que é errado não são posições, mas apenas negações) funda-se na lei ética. - b) Cada acontecimento particular faz parte de uma série, em que a possibilidade do seguinte é condicionada pela efetividade do anterior. - c) Suponham que a efetividade, a história dos homens, em um certo lugar, está dada, efetivada, em algum ponto dessa série; então, a partir desse ponto, só deve e pode ser efetivado o imediatamente seguinte. O preceito que diz que este deve ser efetivado é imediatamente prático - mesmo sua compreensão o é. - Este é seu caráter: só ver o imediatamente urgente. - d) A ciência continua essa série, vê pontos mais remotos - que são igualmente práticos, mas não imediatamente. - Mas, ao mesmo tempo, procura os meios, as condições para aquele (fim) mais remoto; estes meios - embora não o que é condicionado por eles, seu efeito mais próximo - podem certamente ocorrer no presente, e assim a ciência pode, apesar de tudo, tornar-se, também, imediatamente prática. (Em outro sentido, por certo, ela o é sempre: a saber, tão logo um conhecimento é fundado por ela, este deve ser conservado, ampliado, aclarado; e essa própria transmissão e difusão do conhecimento pode tornar-se imediatamente fim para alguém.) - e) Assim, pura e simplesmente toda ciência tem tendência prática e é fundamento de ação. O pensamento teórico indica os meios para a realização de um alvo ainda remoto; o puramente prático visa o fim absolutamente mais próximo. A doutrina da ciência penetra a ambos em sua relação de um com o outro - assim como acabamos de enunciá-la: fornece, justamente, a norma para o uso científico do entendimento na vida. Portanto: 1) Toda ciência é fundamento de ação; uma ciência vazia, sem nenhuma referência à prática, não há: isso se mostrou impositivamente. 2) Disto resultam duas categorias sociais fundamentais: o povo e os teóricos, os homens de ciência - que, sem dúvida, não devem, exteriormente, ser rigorosamente separadas e cujos componentes podem mesmo entrecruzar-se em pessoas singulares (ou seja, a mesma pessoa pode, sob certo aspecto, ser povo, em relação a muitas ideias que fundam atos, mas, sob outro aspecto, ser um teórico). - Para o primeiro existe somente aquilo que funda imediatamente a ação; aos últimos compete a visão prospectiva: são livres artistas do futuro e de sua história, lúcidos arquitetos do mundo, a partir do primeiro, tomado como matéria sem consciência. 3) Assim, a expressão: Isso pode ser verdadeiro na teoria, mas não vale na prática - só pode significar: Para agora não; mas deve valer com o tempo. - Quem tem outra opinião, não tem nenhuma perspectiva do progresso, toma o contingente, condicionado pelo tempo, por eterno e necessário: é povo ou, mais propriamente, plebe. Pois o povo se funda na pura insciência de seu próprio ponto de vista, porque não conhece outro, não tem o contrário, o único que torna possível toda distinção. Mas quem conhece o contrário, o combate e se apresenta positivamente como o que está certo, é plebe, e sua essência, orgulho de camponês. Quem cultiva a gleba e vive com os animais não pode ter a elasticidade dos membros e o hábito de asseio que convêm; mas quem exigirá isso dele? Mas se ele põe nessa grosseria, nesse mergulho no lodo, a ponto de respingá-lo por todos os lados, a honra e a bravura, se ele o exagera propositadamente, despreza os brandos e asseados, contrapondo-os a si como efeminados; então isso é plebeísmo; assim também aqueles que se orgulham precisamente de sua cegueira espiritual e de sua total insciência. Ora, aqui falamos meramente daquilo que se chama, para nós, no sentido designado, puramente científico: o objeto anunciado faz parte, portanto, do âmbito daquilo que por ora não vale, não está na história (portanto, não faz parte de c) e também não pode estar nela (portanto, não faz parte de d), mas é um dos pontos mais afastados. Ao dizermos: não pode valer para agora - dizemos: deve valer para agora? Vá e execute-o! - Contradizemo-nos frontalmente? Quem o capta assim, o distorce. O que quer que dissermos, não importa aos que estão vivos. Deixai que cuidem de sua execução imediata aqueles que viverão quando for tempo, ou que eles protestem contra isso: mas tu, homem do presente, cala-te; absolutamente não me dirijo ao presente e não falo do presente. Mas isto, talvez, dizemos: tem de ser posto, desde logo e desde já, no presente (c), algo a partir do qual possa desenvolver-se, termo a termo e passo a passo, aquilo que agora é totalmente impossível, para que venha a ser possível. Não o alvo, o estado perfeito, mas apenas o meio mais próximo para alcançá-lo, é o que temos em mente. Talvez seja bom nomear desde logo o meio: o estado de Direito deve tornar-se pura e simplesmente o estado de todos; para isso nem todos estão aptos; portanto, é exigida, de imediato, uma formação de todos para esse fim, educação - uma educação esclarecida, à qual seja indicado seu alvo determinado. (Não se pense que a educação para a cidadania permanece unilateral: tudo está contido nela, contanto que seja pensada a verdadeira cidadania. Isso também se mostrará.) Talvez nem mesmo isso seja imediato: portanto, tem de ser tornado possível, é preciso pensar sobre isso. Em todos os casos, portanto, isso deve ser conhecido, e também o que se segue disso: portanto, seu conhecimento e sua doutrina são, com toda certeza, imediatamente práticos, mas, por ora, nada mais o é. Assim permanecemos puramente em nosso campo doutrinário, e também o executamos imediatamente. Mas, em seguida, dissemos: não podia ser de outro modo; um estado de emergência, ocasionado pela insciência e o despreparo geral, e também pela insciência própria do indivíduo - que não tem culpa, enquanto não lhe foi fornecido o ensinamento. - Não nos queixamos disso, não repreendemos os homens, mas reconhecemos a emergência. Seja o que for que mostremos a seguir, quem se sentir atingido pode suportá-lo: ele é inocente e puro, contanto que não se oponha à doutrina e não se obstine contra ela. Não digo isto para, eventualmente, resguardar-me de perigos, mas para resguardar vocês, e mostrar-lhes o espírito que os preserva dos sentimentos de malevolência, escárnio, inveja, e assim por diante, que poderiam ser suscitados, nos menos instruídos, por muitas das considerações seguintes; na medida em que tantas coisas, que o povo (formado pela mera história) venera, poderiam aparecer sob outra luz. A fonte dessas paixões é justamente aquela cega veneração pelo meramente histórico, e a inveja por não estar naqueles lugares venerados. - Quem verdadeiramente entrou no âmbito da clara compreensão e no esplêndido prazer que esta proporciona não tem de invejar a nenhum homem, e não deseja nenhum outro destino. O seu é o mais glorioso e o mais empolgante. Por isso, nenhuma consideração que coloque os outros sob uma luz desfavorável pode elevá-lo ao orgulho: ele tem seu lugar inalterável. Somente quem ainda não se apropriou do conhecimento, quem o vislumbra como um relâmpago, como um componente que ainda não faz parte dele, e, por isso, ainda o separa de si mesmo pode, através dele e das verdades que nele contempla, ser tirado de seu equilíbrio e levado ao orgulho, à altivez e a todas as suas consequências. Aquele cuja vida própria e constante é o conhecimento, para quem este constitui seu próprio ser, não se vê mais separado dele: o olhar dele é o seu. Mas, nesse olhar, ele é tomado, pelo contrário, de profunda melancolia, e de compaixão pela sorte dos que são forçados, pelas relações históricas, a guiar os destinos dos povos e a tomá-los a seu cargo, sem entretanto terem em si mesmos a perfeita clareza; aos quais, muitas vezes, deve impor-se a compreensão de que precisam de conselhos e que, no entanto, não encontram fora de si nenhum conselho que os satisfaça. Nesse espírito vejo as relações atuais do mundo; nele direi tudo o que direi sobre elas. Nele desejaria também que o recebessem. Desejaria elevá-los ao éter puro da ciência, e preenchê-los com os nobres e altos sentimentos que ali se encontram; mas não fornecer matéria nova para paixões menos nobres, que as relações de todos nós, acima das quais, justamente, queremos elevar-nos, já engendram e alimentam suficientemente. Portanto, é aos estudantes da ciência, não ao povo, que se dirige este ensino, e somente nesse sentido puramente científico. Mas se alguém, mesmo sob essa condição, não quisesse admiti-lo: - Por quê? Nesse caso as coisas se tornariam diferentes e melhores; isso não deve acontecer, em nenhum futuro possível! - o que deveríamos fazer? Todo desvio da justiça é desculpado pela emergência. Quem quer perpetuar essa emergência, quer a injustiça por si mesma. É inimigo do gênero humano: isto deve ser dito e ele deve ser tratado como tal. É preciso pura e simplesmente abrir caminho para a justiça; se ele, de modo nenhum, quiser sair do caminho, esse caminho deve prosseguir, mesmo por sobre ele. Mas, ainda que não fosse assim, poder-se-ia temer que isto, mesmo no presente, viesse a causar prejuízos. - Desordem! - Como assim? - "Dizes, sem dúvida, que não é para o presente: mas, e se não derem atenção a isso, não o respeitarem?" - Muito bem: então a culpa é deles. Coíbam esses desordeiros com as mesmas armas com que coíbem outros, com a aprovação e a mandado da ciência. "Mas podem lidar com isso sem precaução; podem difundi-lo entre o povo - no sentido indicado acima!" - Mesmo contra isso a ciência os previne com toda seriedade. Já enunciei acima o fundamento dessa advertência: quero também enunciar a advertência ainda mais determinadamente. Por exemplo, os teólogos que trazem ao púlpito controvérsias sobre a autenticidade dos livros canônicos - explicações conflitantes - e recitam diante do povo seus cadernos críticos e exegéticos são inábeis, ridículos e, penso eu, objeto de riso geral. Não menos ridículo seria o estudante da ciência que, para fazer o povo admirar sua arte, usasse nossas proposições para fins polêmicos. Isso são travessuras juvenis, alheias à seriedade da ciência: o estudante da sabedoria nunca as deixará de lado cedo demais. Felizmente, aqueles são objeto de riso mesmo para o povo, que toma o que é pelo absolutamente necessário. O próprio mal traz consigo seu remédio. - Além disso, quem é capaz daquilo já mostra que tem tino científico, e terá também a perspicácia que o acompanha. "Sim: contudo, ainda não está provada a impossibilidade absoluta de ocorrer um daqueles abusos; o que, sem teu ensino, não ocorreria." Não, certamente não! Se sabes de outros meios, além dos indicados, que eu deva usar, comunica-os a mim, que tu possas usar, usa-os. - Não, diz aquele: tu absolutamente não deves ensinar; assim aquilo seguramente não se realizará, este é o verdadeiro meio! - Perdão! E esse é o único que não pode ser usado. - Isso vem a dar exatamente no mesmo que antes: a inimizade contra o homem, e sobre esta nós já falamos. Em função do abuso, suprimir o uso - significa, justamente, sentenciar a humanidade a que tudo permaneça no estado antigo. - Tudo foi mal usado, tudo pode sê-lo, e seguramente o será; com isso não acontece nada de novo. Mas também essa liberdade de ensino existe efetivamente, por tradição e historicamente, em nossa Europa cristã; e quem a prova não quer conservar esse (dado) histórico, mas introduzir algo inteiramente novo e inédito. Por toda parte instituições de ensino, e um símbolo filosófico, que não deve ser transmitido inalterado, mas ampliado; para isso, portanto, liberdade, e conservar a esta é dever do ensinante. Este pode errar; nesse ponto outros podem contestá-lo. O assunto permanece no domínio da doutrina. - Esse é nosso Paládio; e quem o quer de outro modo, teria de ser inimigo da humanidade. Tal disposição seria pura e simplesmente injusta, e nenhum homem poderia, com boa consciência, permanecer nela. Este é o rigor doutrinal; mas de fato não é assim. Eu já disse em outra ocasião que mesmo aqueles, com os quais estamos envolvidos em uma justa guerra, não provaram aquele princípio em sua universalidade. Isto como introdução.