John Stuart Mill – Da Definição de Economia Política e do Método de Investigação Próprio a Ela Poder-se-ia imaginar, numa visão superficial da natureza e objetos da definição, que a definição de uma ciência ocuparia o mesmo lugar na ordem cronológica que comumente apresenta na ordem didática. Como um tratado em qualquer ciência comumente começa com uma tentativa de exprimir, numa fórmula breve, o que a ciência é e no que ela difere com relação às outras ciências, poderia supor-se que a construção de tal fórmula naturalmente precedeu o cultivo afortunado da ciência. Entretanto, está longe de ter sido este o caso. A definição de uma ciência quase invariavelmente não precedeu a criação da própria ciência, mas a seguiu. Como o muro de uma cidade, que comumente foi construído não para ser um receptáculo para aqueles edifícios que poderiam mais tarde levantar-se mas para circunscrever um agregado já existente. A humanidade não mediu o terreno para o cultivo intelectual antes de começar a plantá-lo; não dividiu o campo de investigação humana primeiro em compartimentos regulares, para em seguida começar a colher verdades com o propósito de serem ali depositadas; procedeu de modo menos sistemático. Como as descobertas foram reunidas uma a uma ou em grupos como resultado do processamento continuado de algum curso uniforme de discurso, as verdades que foram sucessivamente acumuladas aderiam e tornavam-se aglomeradas de acordo com suas afinidades individuais. Sem nenhuma classificação intencional, os fatos se auto classificam. Eles se tornam associados na mente, de acordo com suas semelhanças gerais e óbvias; e os agregados assim formados, tendo que ser frequentemente indicados como agregados, acabam por ser denotados por um nome comum. Qualquer corpo de verdades que adquire assim uma denominação coletiva foi chamado uma ciência. Passou-se muito tempo antes que se sentisse que esta classificação fortuita não era suficientemente precisa. Foi num estágio mais avançado do progresso do conhecimento que a humanidade se tornou sensível da vantagem em investigar se os fatos que tinham assim agrupado se distinguiam de todos os outros fatos por algumas propriedades comuns, e quais eram estas propriedades. As primeiras tentativas de responder a esta questão foram comumente muito inábeis, e as definições consequentes extremamente imperfeitas. E, na verdade, existe raramente qualquer investigação no corpo total da ciência que requeira tão alto grau de análise e abstração como a investigação do que a ciência é em si mesma; em outras palavras, quais são as propriedades comuns a todas as verdades que a compõem e que distinguem estas [mesmas verdades] de todas as outras verdades. Consequentemente, muitas pessoas que são profundamente versadas nos detalhes de uma ciência ficariam muito perplexas em fornecer uma definição de ciência em si mesma que não fosse suscetível de objeções lógicas bem fundadas. Desta observação não podemos excetuar os autores de tratados científicos elementares. As definições que esses trabalhos fornecem das ciências na maior parte ou não se acomodam a elas - algumas definições sendo muito amplas, outras muito estritas - ou não penetram suficientemente no interior delas, mas definem uma ciência por seus acidentes, não por suas essências; por alguma de suas propriedades que pode, com efeito, servir ao propósito de um marco distintivo, mas que é de muito pouca importância para ter por si mesma levado a humanidade a dar à ciência um nome e classificá-la como um objeto de estudo separado. A definição de uma ciência deve, de fato, ser colocada entre a classe de verdades que Dugald Stewart tinha em mente quando observou que os primeiros princípios de todas as ciências pertencem à filosofia da mente humana. A observação é exata; e os primeiros princípios de todas as ciências, incluindo a definição delas, consequentemente participaram até agora na vaguidade e incerteza que atravessa o mais difícil e infundado de todos os ramos de conhecimento. Se abrirmos qualquer livro, mesmo de matemática ou de filosofia natural, é impossível não sermos surpreendidos pela obscuridade do que verificamos representado como noções preliminares e fundamentais e pela maneira muito insuficiente pela qual as proposições, que nos são impostas como primeiros princípios, parecem ser provadas, em contraste com a lucidez das explicações e a conclusividade das provas tão logo o escritor penetre nos detalhes de seu objeto. De onde vem esta anomalia? Por que a admitida certeza dos resultados dessas ciências não é de modo algum prejudicada pela falta de solidez em suas premissas? Como acontece que uma firme superestrutura se erija sobre uma fundação instável? A solução do paradoxo é que o que se chama primeiros princípios são na verdade últimos princípios. Ao invés de serem o ponto fixo a partir de onde a cadeia de provas, que suporta todo o resto da ciência, fica suspensa, eles próprios são os vínculos mais remotos da cadeia. Apesar de apresentados como se todas as verdades devessem ser deduzidas deles, são verdades que chegaram por último; o resultado do último estágio de generalização, ou do último e mais sutil processo de análise, ao qual as verdades particulares da ciência podem ser sujeitas; averiguando-se previamente estas verdades particulares pela evidência adequada à sua própria natureza. Como outras ciências, a economia política permaneceu destituída de uma definição construída em princípios estritamente lógicos, ou até mesmo de uma definição exatamente co-extensiva à coisa definida, o que é mais fácil de se ter. Isto não ocasionou, talvez, que os limites reais da ciência fossem, pelo menos neste país, praticamente mal compreendidos ou ultrapassados; mas ocasionou - talvez devamos antes dizer está ligado com - concepções indefinidas e frequentemente errôneas do modo pelo qual a ciência deveria ser estudada. Prosseguimos verificando estas asserções por um exame das definições mais geralmente admitidas da ciência. 1 - Primeiro, pelo que diz respeito à noção vulgar de natureza e objeto da economia política, não estaremos longe do marco se o enunciarmos ser alguma coisa com o seguinte resultado: que a ciência política é uma ciência que ensina, ou professa ensinar, de que maneira uma nação pode ser tornada rica. Esta noção do que constitui a ciência está em algum grau apoiada pelo título e arranjo que Adam Smith deu a seu inestimável trabalho. Um tratado sistemático de economia política, que ele escolheu chamar uma Investigação da Natureza e Causas da Riqueza das Nações (Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations); e os tópicos são introduzidos em uma ordem apropriada àquela visão do propósito de seu livro. Com relação à definição em questão, se ela pode ser chamada uma definição que não se encontra em alguma forma de conjunto de palavras, mas, deixada para ser alcançada por um processo de abstração de uma centena de modos correntes de falar acerca da questão, parece sujeita à objeção conclusiva de que ela confunde as ideias essencialmente distintas, apesar de estreitamente unidas, de ciência e arte. Estas duas ideias diferem entre si como o entendimento difere da vontade, ou como o modo indicativo na gramática difere do imperativo. Uma negocia com fatos, a outra com preceitos. A ciência é uma coleção de verdades; a arte, um corpo de regras ou direções para a conduta. A linguagem da arte é, faça isto; evite aquilo. A ciência toma cognição de um fenômeno, e se esforça em descobrir sua lei; a arte propõe para si um fim e procura meios para efetuá-lo. Se, portanto, a economia política for uma ciência, não pode ser uma coleção de regras práticas, embora seja possível que regras práticas sejam fundadas nela, a menos que ela seja uma ciência inútil. A ciência da mecânica, um ramo da filosofia natural, estabelece as leis do movimento e as propriedades do que se chama forças mecânicas. A arte da mecânica prática ensina como nós podemos aproveitar daquelas leis e propriedades para aumentar nosso controle sobre a natureza exterior. Uma arte não seria uma arte a menos que estivesse fundada no conhecimento científico das propriedades do objeto de estudo; sem isto, não seria filosofia, mas empirismo; empeiria (teoria), não téchne (arte) no sentido platônico. Portanto, as regras para fazer uma nação aumentar em riqueza não constituem uma ciência, mas são os resultados da ciência. A economia política não instrui por si mesma como fazer uma nação rica; mas quem quer que esteja qualificado para julgar os meios de tornar rica uma nação deve antes ser um economista político. 2 - A definição mais comumente aceita entre pessoas instruídas, e colocada no começo de muitos dos tratados competentes sobre a questão, tem o seguinte resultado: que a economia política nos informa acerca das leis que regulam a produção, distribuição e consumo da riqueza. A esta definição anexa-se frequentemente uma ilustração familiar. A economia política, diz-se, está para o Estado assim como a economia doméstica está para a família. Esta definição está livre do defeito que apontamos na primeira. Observa com precisão que a economia- política é uma ciência e não uma arte; que é versada nas leis da natureza, não com máximas de conduta, e nos ensina como as coisas acontecem em si mesmas, não de que maneira é útil para nós formá-las de modo a atingir algum fim particular. Mas, embora a definição não seja objetável, raramente se pode dizer o mesmo para a ilustração que a acompanha, que ao contrário remete à noção corrente e vaga de economia política já refutada. A economia política é realmente, e é estabelecida na definição para ser, uma ciência; mas a economia doméstica, na medida em que é passível de ser reduzida a princípios, é uma arte. Consiste de regras ou máximas de prudência para manter a família regularmente suprida com o que suas necessidades requerem, e assegurando, com alguma quantidade dada de meios, a maior quantidade possível de conforto físico e prazer. Indubitavelmente o resultado benéfico, a grande aplicação prática da economia política seria realizar para uma nação algo semelhante ao que a mais perfeita economia doméstica realiza para uma única família; mas, supondo-se este propósito realizado, haveria a mesma diferença entre as regras pelas quais isso seria efetuado e a economia política, que existe entre a arte de artilharia e a teoria dos projéteis ou entre as regras de agrimensura matemática e a ciência da trigonometria. A definição, embora não esteja sujeita à mesma objeção da ilustração que lhe é anexada, está em si mesma longe de ser irrecuperável. A nenhuma delas, consideradas como estabeleci das à frente de um tratado, temos muito a objetar. Numa época muito próxima ao início do estudo da ciência, algo mais preciso seria inútil e, portanto, pedante. Numa definição meramente inicial, não se requer precisão científica. o propósito é insinuar à mente do aprendiz - é apenas material através de que meios - alguma preconcepção geral de quais são os usos da ocupação, e quais são as séries de tópicos através dos quais ele está por viajar. Enquanto mera antecipação ou ébauche (esboço) de uma definição, que tenciona indicar a um aprendiz tanto quanto ele seja capaz de entender, antes de começar, da natureza do que está por lhe ser ensinado, não polemizamos com a fórmula admitida. Mas, se ela pede para ser admitida como aquela definitio (definição) completa ou linha fronteiriça que resulta de uma exploração completa de toda a extensão do tema, e tenciona-se que ela marque o lugar exato da economia política entre as ciências, sua pretensão não pode ser admitida. "A ciência das leis que regulam a produção, distribuição e consumo da riqueza. O termo "riqueza" está envolto por um nevoeiro de associações flutuantes e quiméricas, que não permite que nada do que é visto através delas se mostre distintamente. Complementemos seu local por circunlóquio. Define-se a riqueza como todos os objetos úteis ou convenientes à humanidade, com exceção daqueles que podem ser obtidos em quantidade indefinida sem trabalho. Ao invés de todos os objetos, algumas autoridades dizem "todos os objetos materiais; a distinção não tem nenhuma importância para o presente propósito. Restringindo-nos à produção: se as leis da produção de todos os objetos, ou até de todos os objetos materiais, que são úteis ou agradáveis à humanidade, estivessem contidas na economia política, seria difícil dizer onde a ciência terminaria; pelo menos, todo ou aproximadamente todo o conhecimento físico estaria incluído nela. O trigo e o gado são objetos materiais em alto grau úteis à humanidade. As leis de produção do primeiro incluem os princípios de agricultura; a produção do outro é o objeto da arte de criação bovina, que, na medida em que é realmente uma arte, deve ser construída a partir da ciência da fisiologia. As leis da produção de artigos manufaturados envolvem o todo da mecânica. As leis de produção da riqueza que é extraída das entranhas da terra não podem ser estabelecidas sem assumir uma grande parte da geologia. Quando uma definição ultrapassa tão claramente em extensão o que professa definir, devemos supor que isto não significa que ela deva ser interpretada literalmente, embora as limitações com as quais ela deve ser entendida não estejam formuladas. Talvez se diga que a economia política é versada unicamente naquelas leis da produção da riqueza que são aplicáveis a todas as espécies de riqueza; aquelas que se referem aos detalhes de ocupações ou empregos formam o objeto de outras ciências totalmente distintas. Se, entretanto, não existisse na distinção entre economia política e ciência física nada mais do que isto, nos aventuraríamos a afirmar que a distinção nunca teria sido feita. Não existe nenhuma divisão similar em qualquer outro departamento do conhecimento. Não dividimos a zoologia e a mineralogia em duas partes, uma que trata das propriedades comuns a todos os animais ou a todos os minerais, outra versada "nas propriedades peculiares a cada espécie particular de animais ou minerais. A razão é óbvia; não existe nenhuma distinção de espécie entre as leis gerais da natureza animal ou mineral e as propriedades particulares das espécies particulares. Existe uma analogia tão próxima entre as leis gerais e as particulares quanto existe entre uma das leis gerais e outra; mais comumente, de fato, as leis particulares nada mais são do que o resultado complexo de uma pluralidade de leis gerais que se modificam mutuamente. Portanto, uma separação entre as leis gerais e as particulares, simplesmente porque as primeiras são gerais e as últimas particulares, iria igualmente contra os mais fortes motivos de conveniência e as naturais tendências da mente. Se o caso é diferente com as leis da produção de riqueza, deve ser porque, neste caso, as leis gerais diferem em espécie das particulares. Mas, se assim o for, a diferença de espécie é a distinção radical, e deveríamos descobrir qual é essa diferença e fundar nela nossa definição. Todavia, além disso, as reconhecidas fronteiras que separam o campo da economia política do da ciência física de modo algum correspondem à distinção entre as verdades que concernem a todas as espécies de riqueza e aquelas que se referem somente a algumas espécies. As três leis do movimento e a lei de gravitação são comuns a toda matéria, desde que a observação humana já se tenha alargado; e estas, portanto, estando entre as leis da produção de toda riqueza, deveriam ser parte da economia política. Dificilmente existe algum dos processos industriais que não dependa parcialmente das propriedades da alavanca; mas seria uma classificação estranha a que incluísse aquelas propriedades entre as verdades da economia política. Ora, esta última ciência tem muitas investigações tão completamente especiais, e que se referem tão exclusivamente a tipos particulares de objetos materiais quanto qualquer dos ramos da ciência física. A investigação de algumas das circunstâncias que regulam o preço do trigo tem tão pouca relação com as leis comuns à produção de toda riqueza quanto qualquer parte do conhecimento do agricultor. A investigação da renda das minas e da pesca, ou do valor dos metais preciosos, obtém verdades que têm referência imediata unicamente à produção de espécies peculiares de riqueza; todavia admite-se que estas espécies peculiares estão corretamente localizadas na ciência da economia política. A distinção real entre economia política e ciência física deve ser procurada em algo mais profundo do que a natureza do objeto de estudo; que, de fato, é na maior parte comum a ambas. A economia política e as bases científicas de todas as artes úteis têm na verdade um e mesmo objeto de estudo - notadamente, os objetos que conduzem a conveniência e satisfação dos homens, mas elas são, no entanto, ramos distintos do conhecimento. Se contemplarmos o campo total, alcançado ou alcançável, do conhecimento humano, verificaremos que ele se separa obviamente, e como se fosse espontaneamente, em duas divisões que se relacionam entre si tão surpreendentemente por oposição e contraposição que em todas as classificações de nosso conhecimento elas foram mantidas separadas. São estas a ciência física e a ciência moral ou psicológica. A diferença entre estes dois departamentos de nosso conhecimento não reside no objeto de estudo em que eles são versados; pois, a despeito das partes mais simples e mais elementares de cada um, pode dizer-se, com uma aproximação à verdade, que eles dizem respeito a objetos de estudo diferentes - notadamente um refere-se à mente humana, o outro a todas as outras coisas com exceção da mente; esta distinção não vale entre as regiões mais eminentes das duas ciências. Tome-se a ciência da política, por exemplo, ou a das leis: quem dirá que estas são ciências físicas? E, no entanto, não é óbvio que elas são inteiramente versadas tanto na matéria quanto na mente? Tome-se, agora, a teoria da música, da pintura, de qualquer outra das belas-artes e quem se aventurará em afirmar que os fatos em que elas são versadas pertencem inteiramente à classe da matéria ou inteiramente àquela da mente? O que se segue parece ser a razão fundamental da distinção entre ciência física e ciência moral. Em toda relação do homem com a natureza, quer o consideremos agindo sobre ela, quer recebendo impressões dela, o efeito ou fenômeno depende de causas de duas espécies: as propriedades do objeto que age, e as do objeto sobre o qual se age. Tudo aquilo que pode provavelmente acontecer e ao qual dizem respeito conjuntamente o homem e as coisas exteriores, resulta da operação conjunta de uma lei ou leis da matéria e uma lei ou leis da mente humana. Assim a produção de trigo pelo trabalho humano é o resultado de uma lei da mente e de muitas leis da matéria. As leis da matéria são aquelas propriedades do solo e da vida vegetal que causam a germinação da semente na terra, e aquelas propriedades do corpo humano que fazem a alimentação necessária ao seu sustento. A lei da mente é que o homem deseja apoderar-se da subsistência e consequentemente determina os meios necessários para obtê-la. As leis da mente e as leis da matéria são tão dessemelhantes em sua natureza que seria contrário a todos os princípios de arranjo racional misturá-las como partes do mesmo estudo. Portanto, em todos os métodos científicos, elas são colocadas separadamente. Qualquer efeito ou fenômeno composto que depende tanto das propriedades da matéria como das da mente-pode assim tornar-se o objeto de duas ciências ou ramos de ciência completamente distintos: um, que trata do fenômeno somente enquanto ele dependa das leis da matéria; o outro, que o trata enquanto ele dependa das leis da mente. As ciências físicas são aquelas que tratam das leis da matéria e de todos os fenômenos complexos enquanto dependentes das leis da matéria. Grande parte das ciências morais pressupõe a ciência física, mas pouco das ciências físicas pressupõe a ciência moral. A razão é óbvia. Existem muitos fenômenos (um terremoto, por exemplo, ou os movimentos dos planetas) que dependem exclusivamente das leis da matéria e não têm relação alguma com as leis da mente. Muitas, portanto, das ciências físicas podem ser tratadas sem qualquer referência à mente e como se a mente existisse unicamente como um recipiente de conhecimento, não como uma causa que produz efeitos. Mas não existem fenômenos que dependam exclusivamente das leis da mente; até mesmo os fenômenos da própria mente sendo dependentes das leis fisiológicas do corpo. Desta forma, todas as ciências mentais, não se excetuando a ciência pura da mente, devem levar em conta uma grande variedade de verdades físicas, e (como a ciência é comumente e muito apropriadamente estudada antes) pode-se dizer que as pressupõem, tomando os fenômenos complexos onde a ciência física os deixa. Ora, verificar-se-á que isto é um enunciado preciso da relação que a economia política estabelece com as várias ciências que são tributárias das artes de produção. As leis da produção dos objetos, que constituem a riqueza, são o objeto de estudo tanto da economia política como de quase todas as ciências físicas. Contudo, algumas dessas leis, que são puramente leis da matéria, pertencem à ciência física, e pertencem exclusivamente a ela. Algumas delas, que são leis da mente humana, e nenhuma outra, pertencem à economia política, que finalmente resume o resultado da combinação de ambas. A economia política, portanto, pressupõe todas as ciências físicas; assume todas aquelas verdades daquelas ciências, que dizem respeito à produção dos objetos exigidos pelas necessidades da humanidade; ou pelo menos assume que a parte física do processo acontece de algum modo. Investiga, pois, quais são os fenômenos da mente que dizem respeito à produção e distribuição daqueles mesmos objetos; empresta da pura ciência da mente as leis daqueles fenômenos, e investiga que efeitos se seguem dessas leis mentais que agem em conjunto com as leis físicas. (Dizemos a produção e distribuição e não, como é comum em escritores desta ciência, a produção, distribuição e consumo. Pois sustentamos que a economia política, como é concebida por esses mesmos escritores, não tem relação alguma com o consumo da riqueza, ainda mais que a consideração dele é inseparável da consideração da produção e da distribuição. Não temos conhecimento de quaisquer leis do consumo da riqueza como o objeto de uma ciência precisa; essas leis não podem ser outras além das leis da satisfação humana. Os economistas políticos nunca trataram o consumo em si mesmo, mas sempre com o propósito de investigar de que maneira diferentes espécies de consumo afetam a produção e distribuição da riqueza. Sob o título de consumo, em tratados competentes sobre a ciência, os seguintes temas são tratados: primeiro, a distinção entre consumo produtivo e improdutivo; segundo, a investigação de se é possível tanta riqueza ser produtiva, e tão grande porção do que foi produzido ser aplicada para fins da produção subsequente; terceiro, a teoria dos impostos, isto é, as duas questões seguintes: por quem cada imposto particular é pago (uma questão de distribuição), e de que maneira os impostos particulares afetam a produção. As leis físicas da produção de objetos úteis são todas igualmente pressupostas pela ciência da economia política: no entanto, ela pressupõe muitas delas de modo geral, parecendo nada dizer delas. Algumas (tais como, por exemplo, a razão decrescente pela qual o produto do solo é aumentado por uma aplicação crescente de trabalho) ela é particularmente obrigada a especificar, e assim parece emprestar aquelas verdades das ciências físicas, às quais elas propriamente pertencem, e incluí-las entre suas próprias verdades). Das considerações acima o que se segue parece surgir como a definição correta e completa de economia política: "A ciência que trata da produção e distribuição da riqueza na medida em que elas dependam das leis da natureza humana". Ou assim: "A ciência relacionada às leis morais ou psicológicas da produção e distribuição da riqueza". Para o uso popular esta definição é amplamente suficiente, mas está aquém da completa exatidão requerida para os propósitos do filósofo. A economia política não trata da produção e distribuição da riqueza em todos os estados da humanidade, mas somente no que é denominado o estado social; nem na medida em que ela depende das leis da natureza humana, mas somente na medida em que depende de uma certa parte dessas leis. Esta, pelo menos, é a visão que deve ser tomada da economia política se pretendemos que ela encontre algum lugar numa divisão enciclopédica do campo da ciência: Em qualquer outra perspectiva, ou ela não é em absoluto ciência ou é várias ciências. Isto tornar-se-á claro se, por um lado, realizarmos um apanhado geral das ciências morais, com o objetivo de designar o lugar exato da economia política entre elas, enquanto, por outro lado, consideramos atentamente a natureza dos métodos ou processos pelos quais as verdades, que são o objeto daquelas ciências, são alcançadas. O homem, que, considerado como um ser tendo uma moral ou natureza mental, é o objeto de estudo de todas as ciências morais, pode, com relação àquela parte dê sua natureza, formar o objeto da investigação filosófica sob várias hipóteses distintas. Podemos investigar o que pertence ao homem considerado individualmente, como se nenhum Ser humano existisse além dele próprio; podemos a seguir considerá-lo enquanto estabelece contato com outros indivíduos; e finalmente, enquanto vive num estado de sociedade, isto é, enquanto toma parte de um corpo ou agregado de seres humanos, cooperando sistematicamente para fins comuns. Deste último estado, o governo político, ou a sujeição a um superior comum, é um ingrediente ordinário, mas não toma necessariamente nenhuma parte na concepção, e, com relação a nosso atual propósito, não precisa ser mais detalhada mente advertido. Aquelas leis ou propriedades da natureza humana que pertencem ao homem como um simples indivíduo e não pressupõem, como condição necessária, a existência de outros indivíduos (exceto, talvez, como simples instrumentos ou meios) fazem parte do objeto da filosofia mental pura. Compreendem todas as leis do simples intelecto, e aquelas dos desejos puramente autorreferentes. Aquelas leis da natureza humana que se referem aos sentimentos de um ser humano exigido por outros seres humanos ou inteligentes, individuais enquanto tais - notadamente as afecções, a consciência ou sentimento de dever, e o amor de aprovação; e que se referem à conduta do homem, na medida em que ela depende dessas partes de sua natureza, ou com elas tem relação - formam o objeto de outra parte da filosofia mental pura, notadamente aquela parte dela na qual a moral ou a ética estão fundadas. Pois a própria moralidade não é uma ciência, mas uma arte; não tem verdades, mas regras. As verdades nas quais as regras estão fundadas são inferidas (como é o caso em todas as artes) de uma variedade de ciências; mas as principais verdades, e aquelas que são muito proximamente peculiares a essa arte particular, pertencem a um ramo da ciência da mente. Finalmente, existem certos princípios da natureza humana que estão peculiarmente ligados com as ideias e os sentimentos gerados no homem por viver num estado de sociedade, isto é, por tomar parte de uma união ou agregados de seres humanos com um propósito ou propósitos comuns. De fato, poucas das leis elementares da mente humana são peculiares a este estado, quase todas sendo colocadas em ação nos dois outros estados. Mas aquelas leis simples da natureza humana, operando naquele campo mais amplo, originam resultados de um caráter suficientemente universal, e mesmo (quando comparados tom fenômenos ainda mais complexos dos quais eles são as causas determinantes) suficientemente simples, para admitirem ser chamadas, embora num sentido algo ambíguo, leis da sociedade ou leis da natureza humana no estado social. Estas leis ou verdades gerais formam o objeto de um ramo da ciência que pode ser apropriadamente designado pelo título de economia social; de modo um pouco menos feliz pelo de política especulativa ou ciência da política, enquanto contraposta à arte. Esta ciência mantém a mesma relação com o social que a anatomia e a fisiologia mantêm com o corpo físico. Mostra por que princípios de sua natureza o homem é induzido a entrar num estado de sociedade; como esta característica em sua posição age sobre seus interesses e sentimentos, e através deles em sua conduta; como a associação tende progressivamente a tornar-se mais unida, e a cooperação se estende a mais e mais propósitos; quais são aqueles propósitos e quais são as variedades de meios mais geralmente adotados para favorecê-los; quais são as várias relações que se estabelecem entre os seres humanos como consequência ordinária da união social; quais são aquelas que são diferentes em diferentes estados de sociedade; em que ordem histórica aqueles estados tendem a se suceder; e quais são os efeitos de cada estado na conduta e caráter do homem. Este ramo da ciência, quer prefiramos chamá-lo economia social, política especulativa ou história natural da sociedade, pressupõe o todo da ciência da natureza da mente individual; desde que todas as leis das quais a última ciência toma conhecimento são colocadas em jogo num estado de sociedade, e as verdades nada mais são do que enunciados da maneira pela qual aquelas leis simples se efetuam em circunstâncias complicadas. A filosofia mental pura, portanto, é uma parte essencial ou preliminar da filosofia política. A ciência da economia social engloba toda a parte da natureza do homem, na medida em que influencia a conduta ou condição do homem em sociedade; e, portanto, pode ser denominada "política especulativa" ou "a arte do governo", da qual a arte da legislação é uma parte. (A ciência da legislação é uma expressão incorreta e enganosa. A legislação é o fazer leis. Não falamos da ciência de fazer alguma coisa. Mesmo a ciência do governo seria uma expressão objetável não fosse que o governo é frequentemente considerado significar, de modo impreciso, não o ato de governar, mas o estado ou condição de ser governado ou de viver sob um governo. A expressão preferível seria a "ciência da sociedade política"; um ramo principal da ciência mais extensa da sociedade, caracterizada no texto). É a esta importante divisão do campo da ciência que um dos escritores que mais corretamente conceberam e mais abundantemente ilustraram sua natureza e limites - referimo-nos ao Sr. Say - escolheu para dar o nome "economia política". E, de fato, esta ampla extensão da significação daquele termo está contida por sua etimologia. Mas as palavras "economia política" há muito tempo cessaram de ter tão amplo significado. Todo escritor tem o direito de usar as palavras que são seus instrumentos do modo que ele julga mais útil aos propósitos gerais da exposição da verdade; mas ele exerce esta descrição sujeito a críticas; e o Sr. Say parece ter feito nesta instância o que nunca deveria ser feito sem fortes razões - alterar o significado de um nome que era apropriado para um propósito particular (e para o qual, portanto, um substituto deve ser providenciado) de modo a transferi-lo a um objeto para o qual era fácil encontrar uma denominação mais característica. Ora, o que comumente se entende pelo termo "economia política" não é a ciência da política especulativa, mas um ramo daquela ciência. Não trata do todo da natureza humana enquanto modificada pelo estado social, nem da conduta global do homem em sociedade. Diz respeito ao homem somente enquanto um ser que deseja possuir riqueza e que é capaz de julgar a eficácia comparativa dos meios para obter aquele fim. Prediz unicamente aqueles fenômenos do estado social que ocorrem em consequência da busca de riqueza. Faz total abstração de toda outra paixão ou motivo humano, exceto aqueles que podem ser tidos como princípios perpetuamente antagonistas ao desejo de riqueza, notadamente a aversão ao trabalho e o desejo da satisfação presente de indulgências dispendiosas. Estas ela considera, até certo ponto, em seus cálculos, porque não apenas, como outros desejos, ocasionalmente conflitam com a busca da riqueza, mas a acompanham sempre, como um obstáculo ou impedimento, e estão, portanto, inseparavelmente misturados em sua consideração. A economia política considera a humanidade enquanto ocupada unicamente em adquirir ou consumir a riqueza; e aspira a mostrar qual é o curso de ação no qual a humanidade, vivendo num estado de sociedade, seria impelida se aquela causa, exceto na medida em que é refreada pelos dois motivos perpétuos acima observados, que se lhe contrapõem, fosse a regra absoluta de todas as suas ações. Sob a influência desse desejo ela mostra que a humanidade acumula a riqueza e emprega essa riqueza na produção de outra riqueza; sanciona por acordo mútuo a instituição da propriedade; estabelece leis para evitar que os indivíduos usurpem a propriedade de outros pela força ou fraude; adota várias invenções para aumentar a produtividade de seu trabalho; realiza a divisão do produto por acordo, sob influência da competição (sendo a própria competição governada por certas leis, que são portanto as reguladoras fundamentais da divisão do produto); e emprega certos expedientes (como o dinheiro, o crédito, etc.) para facilitar a distribuição. Todas estas operações, apesar de muitas delas serem realmente o resultado de uma pluralidade de motivos, são consideradas pela economia política como decorrentes unicamente do desejo de riqueza. A ciência procede então investigando as leis que governam essas várias operações, sob a suposição de que o homem é um ser que é determinado, pela necessidade de sua natureza, a preferir uma maior porção de riqueza ao invés de uma menor em todos os casos, sem qualquer outra exceção além daquela constituída pelos dois motivos, que se lhe contrapõem, já especificados. Não porque todo economista político seja sempre tão ridículo a ponto de supor que a humanidade realmente assim se constitui, mas porque este é o modo pelo qual a ciência deve necessariamente proceder. Quando um efeito depende de uma concorrência de causas, estas causas devem ser estudadas cada uma à sua vez e suas leis devem ser investigadas separadamente se desejarmos, através das causas, obter o poder ou de prever ou de controlar o efeito, uma vez que a lei do efeito é composta pelas leis de todas as causas que o determinam. Deve-se conhecer a lei da força centrípeta e a da força tangencial antes que os movimentos da terra e dos planetas possam ser explicados ou muitos deles previstos. O caso é o mesmo com a conduta do homem na sociedade. De modo a julgar como agirá sob a variedade de desejos e aversões que estão operando conjuntamente sobre ele, devemos saber como ele agiria sob a influência exclusiva de cada uma em particular. Não existe talvez, na vida de um homem, nenhuma ação na qual ele não esteja sob a influência imediata ou sob a influência remota de algum impulso que não seja o simples desejo de riqueza. Com relação àquelas partes da conduta humana das quais a riqueza não é precisamente o objeto principal, a economia política não pretende que suas conclusões sejam aplicáveis a estas partes. Mas existem também certos departamentos de afazeres humanos nos quais a obtenção da riqueza é o fim principal e reconhecido. A economia política leva em conta unicamente estes últimos. A maneira pela qual ela necessariamente procede é a de tratar o fim principal e reconhecido como se fosse o único fim; que, de todas as hipóteses igualmente simples, é o mais próximo da verdade. O economista político investiga quais são as ações que seriam produzidas por este desejo se, no interior dos departamentos em questão, não fosse impedido por algum outro desejo. Deste modo é obtida uma maior aproximação à ordem real dos afazeres naqueles departamentos, só que o seria de qualquer outro modo exequível. Esta aproximação deve, portanto, ser corrigida, fazendo-se a concessão apropriada aos efeitos de alguns impulsos de uma descrição desigual que se pode mostrar que interferem no resultado de qualquer caso particular. Somente em poucos dos mais surpreendentes casos (tais como no importante caso do princípio de população) são estas correções interpoladas nas exposições da própria economia política; afastando-se um pouco, por isso, a precisão dos arranjos puramente científicos com vistas à utilidade prática. Na medida em que se sabe, ou se pode presumir, que a conduta da humanidade na procura da riqueza está sob a influência colateral de algumas outras propriedades de nossa natureza além do desejo de obter a maior quantidade de riqueza com o menor trabalho ou abnegação, as conclusões da economia política falharão nessa medida em serem aplicáveis à explicação ou previsão dos eventos reais até que sejam modificadas por uma admissão correta do grau de influência exercido pelas outras causas. A economia política pode, então, ser definida como segue, e ã definição parece estar completa: A ciência que traça as-leis daqueles fenômenos da sociedade que se originam das operações combinadas da humanidade para a produção da riqueza, na medida em que aqueles fenômenos não sejam modificados pela procura de qualquer outro objeto. Mas, enquanto esta é uma definição correta da economia política como uma porção do campo da ciência, o escritor didático nesta matéria combinará naturalmente, em sua exposição, com as verdades da ciência pura, tantas das modificações práticas quantas sejam, em sua estimativa, mais conducentes à utilidade de seu trabalho. Pode-se pensar que a tentativa acima de construir uma definição mais precisa da ciência do que as que não comumente aceitas como tais é de pouco uso ou, quando muito, é principalmente útil num estudo de classificação geral das ciências antes do que como condutora de uma investigação mais bem-sucedida da ciência particular em questão. Pensamos diferentemente, e por esta razão é que a consideração da definição de uma ciência está inseparavelmente ligada à do método filosófico da ciência, a natureza do processo pelo qual suas investigações devem ser conduzi das, suas verdades devem ser alcançadas. Ora, em qualquer ciência existem diferenças sistemáticas de opinião - o que significa aproximadamente dizer: em todas as ciências morais e mentais, e na economia política entre o resto; em qualquer ciência existem diferenças, entre aqueles que tratam do objeto, as quais são comumente chamadas diferenças de princípio, enquanto distintas das diferenças de dados de fato ou de detalhes - a causa verificar-se-á estar numa diferença de suas concepções do método filosófico da ciência. As facções que diferem são guiadas, consciente ou inconscientemente, por diferentes visões concernentes à natureza da evidência apropriada ao objeto. Diferem não somente no que eles próprios acreditam ver, mas na posição de onde eles obtêm na luz pela qual eles pensam vê-lo. A mais universal das formas pela qual esta diferença de método costuma se apresentar é a antiga contenda entre o que se chama teoria e o que se chama prática ou experiência. Existem, nas questões sociais e políticas, duas espécies de pensadores: existe uma parte deles que se denominam homens práticos, e chamamos os outros teóricos - um título que estes últimos não rejeitam, embora de modo algum o reconheçam como particular a eles. A distinção entre as duas espécies é muito extensa, embora seja uma distinção da qual a linguagem empregada é um expoente muito incorreto. Demonstrou-se várias vezes que aqueles que são acusados de desdenhar os fatos e menosprezar a experiência baseiam-se e professam estar baseados inteiramente nos fatos e na experiência; enquanto aqueles que repudiam a teoria não podem dar um passo sem teorizar. Mas, apesar de que ambas as classes de investigador.es nada mais fazem a não ser teorizar e consultar nenhum outro guia além da experiência, existe esta diferença muito importante: aqueles que são chamados homens práticos requerem uma experiência específica e argumentam totalmente para cima dos fatos particulares a uma conclusão geral; enquanto aqueles que são chamados teóricos aspiram a abraçar um campo maior da experiência, e, tendo argumentado para cima de fatos particulares a um princípio geral que inclui um campo muito mais extenso do que aquele da questão em discussão, argumentam então para baixo daquele princípio geral a uma variedade de conclusões específicas. Suponha-se, por exemplo, que a questão fosse a de saber se os reis absolutos estavam propensos a empregar os poderes do governo para o bem-estar ou para a opressão de seus súditos. Os investigadores práticos se esforçariam em determinar esta questão por uma indução completa da conduta de monarcas despóticos particulares, tal como é testemunhado pela história. Os investigadores teóricos remeteriam a questão a ser julgada ao teste não somente de nossa experiência dos reis, mas de nossa experiência dos homens. Discutiriam que uma observação das tendências que a natureza manifestou na variedade de situações em que os seres humanos foram colocados, e especialmente uma observação daquilo que passa por nossas mentes, nos autoriza a inferir que um ser humano na situação de um rei despótico faria um mau uso do poder; e que esta conclusão não perderia nada de sua certeza mesmo se os reis absolutos nunca tivessem existido ou se a história não nos fornecesse nenhuma informação acerca da maneira pela qual eles se conduziram. O primeiro desses métodos é simplesmente um método de indução; o segundo é uma mistura do método de indução e de raciocínio. O primeiro pode ser chamado o método a posteriori; o último, o método a priori. Estamos conscientes de que esta última expressão é algumas vezes usada para caracterizar um suposto método de filosofar que não professa de modo algum estar fundado na experiência. Mas não sabemos, de qualquer modo de filosofar, pelo menos no que diz respeito a objetos políticos, ao qual tal descrição seja adequadamente aplicável. Pelo método a posteriori significamos aquele que requer, como base de suas conclusões, não simplesmente a experiência, mas uma experiência específica. Pelo método a priori significamos (o que se significa comumente) o raciocínio a partir de uma hipótese assumida; a qual não é uma prática confinada à matemática mas pertence à essência de toda ciência que admite a razão geral. A verificação a posteriori da própria hipótese, isto é, o exame da concordância, em qualquer caso real, dos fatos à hipótese, não constitui de modo algum uma parte da tarefa da ciência, mas da aplicação da ciência. Na definição que tentamos construir da ciência da economia política, a caracterizamos como essencialmente uma ciência abstrata e seu método como o método a priori. Tal é indubitavelmente seu caráter no entendimento e ensino operado por todos os seus mais eminentes professores. Ela raciocina e, como sustentamos, deve necessariamente raciocinar a partir de assunções, não a partir de fatos. É construída sobre hipóteses estritamente análogas às que sob o nome de definições são o fundamento das outras ciências abstratas. A geometria pressupõe uma definição arbitrária de uma reta - "aquela que tem comprimento, mas não largura". De modo exatamente análogo a economia política pressupõe uma definição arbitrária do homem como ser que invariavelmente realiza aquilo através do que pode obter a maior soma de coisas necessárias, de conveniências e de luxos com a menor quantidade de trabalho e abnegação física exigi das para poder obtê-los no estado existente de conhecimento. É verdade que esta definição de homem não está prefixada formalmente a qualquer trabalho em economia política, como a definição de uma reta é prefixada nos Elementos de Euclides; e, na medida em que sendo assim prefixada haveria menos perigo de esquecê-la, podemos ter base para lamentar que isto não seja feito. É natural que o que se assume em cada caso particular se apresente de uma vez por todas diante da mente em sua extensão total, sendo em algum lugar enunciado formalmente como uma máxima geral. Ora, ninguém que seja versado em tratados sistemáticos de economia política questionará que, sempre que um economista político tenha mostrado que um trabalhador, agindo de uma maneira particular, pode obviamente obter maiores salários, e o capitalista maiores lucros ou um proprietário de terras maior rendimento, ele conclui como algo esperado que eles certamente agirão daquela maneira. A economia política, portanto, raciocina a partir de premissas assumidas - a partir de premissas que poderiam não ter nenhum fundamento nos fatos e que não se pretende estarem universalmente de acordo com eles. As conclusões da economia política, consequentemente, como as da geometria, são verdadeiras somente enquanto a expressão comum é no abstrato, isto é, elas somente são verdadeiras sob certas suposições nas quais nenhuma a não ser as causas gerais - causas comuns à classe total de casos em consideração - são levadas em conta. Isto não deve ser negado pelo economista político. Se ele o nega, então, e somente então, ele se coloca no erro. O método a priori, que se coloca ao seu ataque, como se seu emprego dele provasse toda a sua ciência ser inútil, é, como mostraremos presentemente, o único método através do qual a verdade pode ser alcançada em qualquer departamento da ciência social. Tudo o que se requer é que ele esteja atento para não atribuir às conclusões que são fundadas numa hipótese uma espécie diferente de certeza daquela que realmente lhes pertence. Elas seriam verdadeiras sem qualificação apenas num caso que seja puramente imaginário. À medida que os fatos reais se agastam da hipótese, ele deve admitir um desvio correspondente da estrita letra de sua conclusão; de outro modo ela será verdadeira somente para aquelas coisas que ele arbitrariamente supôs, não para aquelas coisas que realmente existem. Aquilo que é verdadeiro em abstrato é sempre verdadeiro em concreto, com concessões apropriadas. Quando uma certa causa existe realmente e se, deixada a si própria, infalivelmente produz um certo efeito, esse mesmo efeito, modificado por todas as outras causas concorrentes, corresponderá corretamente ao resultado realmente produzido. As conclusões da geometria não são estritamente verdadeiras para aquelas linhas, ângulos e figuras que as mãos humanas podem construir. Mas ninguém sustentaria, por conseguinte, que as conclusões da geometria não têm nenhuma utilidade ou que seria melhor fechar os Elementos de Euclides e contentar-nos com a "prática" e a "experiência". Nenhum matemático jamais pensou que sua definição de uma reta correspondesse a uma reta real. Tampouco qualquer economista político jamais imaginou que os homens não tivessem nenhum objeto de desejo a não ser a riqueza ou nada que não desse lugar ao tênue motivo de tipo pecuniário. Mas eles estavam justificados ao assumir isto para os propósitos de suas argumentações, porque unicamente aquelas partes da conduta humana que têm vantagem pecuniária lhes dizem respeito como objeto direto e principal e porque, como dois casos individuais não são exatamente iguais, nunca se podem estabelecer máximas gerais a menos que algumas das circunstâncias do caso particular não sejam levadas em consideração. Mas vamos além de afirmar que o método a priori é um modo legítimo de investigação filosófica nas ciências morais; sustentamos que é o único modo. Afirmamos que o método a posteriori ou da experiência específica é totalmente ineficiente nestas ciências como um meio de chegar a algum corpo considerável de verdades valiosas, embora ele admita ser proveitosamente aplicado em auxílio do método a priori, e até mesmo constitui um complemento indispensável dele. Existe uma propriedade comum a quase todas as ciências morais, através da qual elas são distinguidas de muitas das Ciências físicas; esta propriedade é a de que raramente temos o poder de fazer experimentos nelas. Na química e na filosofia natural podemos não só observar o que acontece sob todas as combinações de circunstâncias que a natureza coloca juntas, mas podemos tentar também um número indefinido de novas combinações. Raramente podemos fazer isto na ciência ética e quase nunca na ciência política. Não podemos experimentar em nossos laboratórios formas de governo e sistemas de política nacional numa escola diminuta, dispondo nossos experimentos de modo que pensamos eles conduzirem mais ao avanço do conhecimento. Estudamos, portanto, nestas ciências a natureza sob circunstâncias de grande desvantagem, estando confinados ao número limitado de experimentos que ocorrem (se assim podemos falar) de sua própria vontade, sem qualquer preparação ou manipulação nossa, em circunstâncias, além do mais, de grande complexidade e nunca perfeitamente conhecidas por nós, e com a maior parte dos processos ocultos à nossa observação. A consequência deste defeito inevitável nos materiais da indução é que raramente podemos obter o que Bacon de modo original, mas muito impropriamente chamou um experimentum crucis (experimento crucial). Em qualquer ciência que admite uma classe ilimitada de experimentos arbitrários, um experimentum crucis pode sempre ser obtido. Sendo capazes de variar todas as circunstâncias, podemos sempre adotar meios efetivos para averiguar quais delas são e quais não são materiais. Chame-se o efeito de B e seja a questão de se a causa A de algum modo contribui para ele. Examinamos um experimento em que todas as circunstâncias próximas são alteradas com exceção unicamente de A; se o efeito B é não obstante produzido, A é a causa dele. Ou, ao invés de deixar A e mudar as outras circunstâncias, deixamos todas as outras circunstâncias e mudamos A; se o efeito B neste caso não ocorre, então novamente A é uma condição necessária de sua existência. Qualquer um destes experimentos, se cuidadosamente realizado, é um experimentum crucis; converte a conjectura que tínhamos antes da existência de uma conexão entre A e B numa prova pela negação de toda outra hipótese que explicaria as aparências. Mas isto raramente pode ser feito nas ciências morais, devido à imensa multidão das circunstâncias influenciadoras e de nossos meios muito escassos para variar o experimento. Mesmo operando uma mente individual, que é o caso que proporciona a maior possibilidade de experimentação, não podemos frequentemente obter um experimento crucial. Na educação, por exemplo, o efeito de uma circunstância particular na formação do caráter pode ser verificado numa variedade de casos, mas dificilmente podemos estar certos de que quaisquer dois desses casos diferem em todas as suas circunstâncias com exceção daquele caso solitário do qual desejamos estimar a influência. Esta dificuldade deve existir em grau muito maior nos assuntos de Estado, onde mesmo o número de experimentos registrados é tão escasso em comparação à variedade e multidão de circunstâncias que dizem respeito a cada um. Como, por exemplo, podemos obter um experimento crucial sobre o efeito de uma política comercial restritiva na riqueza nacional? Devemos encontrar duas nações semelhantes em todos os outros aspectos ou pelo menos possuidoras num grau exatamente igual de tudo que conduz à opulência nacional e adotando exatamente a mesma política em todos os seus outros assuntos, mas diferindo somente em que uma delas adota um sistema de restrições comerciais e a outra adota o livre comércio. Este seria um experimento decisivo, similar àqueles que quase sempre podem ser usados na física experimental. Se a pudéssemos obter, esta seria indubitavelmente a mais conclusiva de todas as evidências. Mas deixe-se alguém considerar quão infinitamente numerosas ou variadas são as circunstâncias que diretamente ou indiretamente influenciam ou podem influenciar a soma da riqueza nacional; e então se pergunte quais são as probabilidades de que sejam encontradas duas nações que no mais extenso ciclo das eras concordem, e se possa mostrar que concordam, em todas aquelas circunstâncias exceto uma. Portanto, desde que é vão esperar que a verdade possa ser alcançada tanto na economia política como em qualquer outro departamento da ciência social à medida que observamos os fatos na roupagem concreta com toda a complexidade na qual a natureza os envolveu, e nos esforçamos em obter uma lei geral através de um processo de indução a partir de uma comparação de detalhes, não resta nenhum outro método além do método a priori ou daquele de "especulação abstrata". Embora não se proporcionem, no campo da política, bases suficientemente amplas para uma indução satisfatória por uma comparação dos efeitos, as causas podem em todos os casos ser tornadas o objeto de experimentos específicos. Essas causas são as leis da natureza humana e as circunstâncias capazes de excitar a vontade humana à ação. Os desejos do homem e a natureza da conduta para a qual eles o incitam estão ao alcance de nossa observação. Podemos observar também quais são os objetos que excitam aqueles desejos. Qualquer um pode fundamentalmente colher os materiais deste conhecimento dentro de si próprio, com a consideração racional das diferenças, das quais a experiência lhe revela a existência, entre ele próprio e as outras pessoas. Conhecendo, portanto, exatamente as propriedades das substâncias às quais nos referimos, podemos raciocinar a partir de qualquer conjunto assumido de circunstâncias com tanta certeza quanto nas partes mais demonstrativas da física. Isto seria simplesmente insignificante se as circunstâncias assumidas não tivessem nenhuma espécie de semelhança com quaisquer circunstâncias reais; mas, se a assunção fosse concreta em toda a sua extensão, e não diferisse da verdade de nenhum outro modo além daquele pelo qual uma parte difere do todo, então as conclusões que são corretamente deduzi das da assunção constituem a verdade abstrata; e, quando completadas por acréscimo ou subtração do efeito das circunstâncias não calculadas, elas são verdadeiras no concreto e podem ser aplicadas à prática. A ciência da economia política tem este caráter nos escritos de seus melhores professores. Para torná-la perfeita enquanto uma ciência abstrata, as combinações de circunstâncias que ela assume de modo a investigar seus efeitos deveriam incorporar todas as circunstâncias que são comuns a todos os casos, e de modo análogo todas as circunstâncias que são comuns a qualquer classe importante de casos. As conclusões corretamente deduzidas dessas assunções seriam tão verdadeiras no abstrato quanto as da matemática, e seriam uma aproximação quase na mesma medida em que a verdade abstrata é uma aproximação à verdade no concreto. Quando os princípios da economia política devem ser aplicados a um caso particular, é necessário, então, levar em conta todas as circunstâncias individuais daquele caso, não apenas examinando a qual dos conjuntos de circunstâncias contemplados pela ciência abstrata as circunstâncias do caso em questão correspondem, mas de modo análogo que outras circunstâncias podem existir naquele caso que, não sendo comuns a ele com qualquer classe ampla e fortemente marcada de casos, não caíram sob a cognição da ciência. Estas circunstâncias foram chamadas "casos perturbadores". E é somente aqui que um elemento de incerteza entra no processo - uma incerteza inerente à natureza desses fenômenos complexos, e que se origina da impossibilidade de se estar certo de que conhecemos detalhadamente todas as circunstâncias do caso particular e de que nossa atenção não é indevidamente desviada de nenhum deles. Isto constitui a única incerteza da economia política; e não dela isoladamente, mas das ciências morais em geral. Quando as causas perturbadoras são conhecidas, o atenuante necessário que a elas se concede não diminui de modo algum a precisão científica, nem constitui qualquer desvio do método a priori. Não se guiam as causas perturbadoras para resolvê-las por mera conjectura. Como a fricção na mecânica à qual elas têm sido frequentemente comparadas, elas podem a princípio ser consideradas simplesmente como uma dedução não designada, a ser feita por conjectura a partir do resultado dado pelos princípios gerais da ciência; mas com o tempo muitas delas são conduzidas ao interior do território da própria ciência abstrata; e verifica-se que seus efeitos admitem uma estimativa tão precisa quanto os efeitos mais surpreendentes que elas modificam. As causas perturbadoras têm suas leis, assim como as causas, que são desse modo perturbadas, têm as suas; e das leis das causas perturbadoras pode-se predizer a priori a natureza e quantidade da perturbação, assim como a operação das leis mais gerais que se diz que elas modificam ou perturbam, mas com as quais dever-se-ia dizer mais apropriadamente que elas são concorrentes. O efeito das causas especiais deve então ser adicionado ao efeito das causas gerais ou subtraí-lo delas. Estas causas perturbadoras são algumas vezes circunstâncias que operam sobre a conduta humana através do mesmo princípio da natureza humana, no qual a economia política é versada, notadamente, o desejo de riqueza, mas não são suficientemente gerais para serem consideradas na ciência abstrata. Todo economista político pode produzir muitos exemplos de perturbações desta espécie. Em outras instâncias, a causa perturbadora é alguma outra lei da natureza humana. Neste último caso, nunca pode cair no interior da província da economia política; pertence a alguma outra ciência; e aqui o simples economista político, aquele que não estudou nenhuma outra ciência a não ser a economia política, se tentasse aplicar sua ciência à prática; fracassaria. (Uma das mais fortes razões para se traçar clara e amplamente a linha de separação entre a ciência e a arte é a seguinte: que o princípio de classificação na ciência segue mais convenientemente a classificação das causas, enquanto as artes devem necessariamente ser classificadas de acordo com a classificação dos efeitos, cuja produção é seu fim apropriado. Ora, um efeito, seja em física ou em moral, depende comumente de uma concorrência de causas, e ocorre frequentemente que várias dessas causas pertençam a ciências diferentes. Assim, nas construções de máquinas, sobre os princípios da ciência da mecânica, é necessário ter em mente as propriedades químicas do material, tais como sua propensão à oxidação; suas propriedades elétricas e magnéticas, e assim por diante. Seguem-se disto que, embora o fundamento necessário de toda arte seja a ciência, isto é, o conhecimento das propriedades ou leis dos objetos sobre os quais, e com os quais, a arte faz seu trabalho, não é igualmente verdade que toda arte corresponde a uma ciência particular. Cada arte pressupõe não uma ciência, mas ciências em geral ou, pelo menos, muitas ciências distintas). Pelo que diz respeito à outra espécie de causas perturbadoras, notadamente àquelas que operam através da mesma lei da natureza humana a partir da qual se originam os princípios gerais da ciência, estas deveriam ser sempre conduzi das ao interior do território da ciência abstrata, se isso for proveitoso; e, quando fazemos os arranjos necessários para ela na prática, se estivermos fazendo algo mais do que conjecturando, estamos seguindo o método da ciência abstrata em seus mínimos detalhes, inserindo entre suas hipóteses uma nova e ainda mais complexa combinação de circunstâncias e acrescentando assim positivamente hac vice (em termos secundários) um capítulo ou apêndice complementar ou pelo menos um teorema complementar à ciência abstrata. Tendo agora mostrado que o método a priori em economia política e em todos os outros ramos da ciência moral é a única certeza ou modo científico de investigação, e que o método a posteriori ou o de experiência específica, como um meio de chegar à verdade, é inaplicável a esses objetos de estudo, devemos ser capazes de mostrar que o último método é, não obstante, de grande valor nas ciências morais, notadamente não como um meio de descobrir a verdade, mas de verificá-la e de reduzir: ao menor grau aquela incerteza anteriormente aludida que se origina na complexidade de cada caso particular e na dificuldade (para não dizer impossibilidade) de estarmos certos a priori de que consideramos todas as circunstâncias materiais. Se pudéssemos estar quase certos de que sabíamos todos os fatos do caso particular, poderíamos derivar pouca vantagem adicional da experiência específica. Sendo dadas as causas, podemos conhecer quais serão seus efeitos, sem uma demonstração real de todas as combinações possíveis; já que as causas são sentimentos humanos e as circunstâncias exteriores provam excitá-las, e, como estas na maior parte são ou pelo menos poderiam ser familiares a nós, podemos com maior segurança julgar seu efeito combinado a partir daquela familiaridade do que a partir de qualquer evidência que se pode obter das complicadas e emaranhadas circunstâncias de um experimento real. Se o conhecimento de quais são as causas particulares, que operam em qualquer instância dada, nos fosse revelado com autoridade infalível, então, se nossa ciência abstrata fosse perfeita, nos tornaríamos profetas. Mas as causas não são assim reveladas; elas devem ser colhidas por observação, e a observação em circunstâncias de complexidade tem a tendência de ser imperfeita. Algumas das causas podem estar fundadas além da experiência; muitas tendem a escapar da observação a menos que estejamos à sua procura; e é somente o hábito da observação duradoura e cuidadosa que nos pode dar uma opinião antecipada de que causas provavelmente devemos encontrar, tal que nos induza a procurá-las no local correto. Mas tal é a natureza do entendimento humano - que o próprio fato de prestar atenção com intensidade a uma parte de uma coisa tende a desviar a atenção das outras partes. Consequentemente, estamos em grande perigo de referir-nos somente a uma parte das causas que estão realmente operando. E, se nos encontrarmos nesta dificuldade, quanto mais precisas sejam nossas deduções e quanto mais certas nossas conclusões no abstrato (isto é, fazendo-se a abstração de todas as circunstâncias exceto aquelas que tomam parte na hipótese), tanto menos estamos propensos a suspeitar que estamos no erro; pois ninguém pode ter examinado detidamente as fontes do pensamento falacioso sem ser profundamente consciente de que a coerência e a nítida concatenação de nossos sistemas filosóficos está mais apta do que estamos comumente conscientes para passar pela evidência de sua verdade. Não podemos, portanto, nos esforçar muito cuidadosamente em verificar nossa teoria por comparação, nos casos particulares aos quais temos acesso, dos resultados que ela nos teria levado a predizer com os mais fidedignos relatos que podemos obter entre aqueles que temos realmente percebido. As discrepâncias entre nossas antecipações e o fato real são frequentemente a única circunstância que teria atraído nossa atenção para alguma importante causa perturbadora que negligenciamos. Mais do que isso, frequentemente revelam-nos erros no pensamento ainda mais sérios do que a omissão do que pode com propriedade ser denominado uma causa perturbadora. Revelam-nos com frequência que a própria base de todo nosso argumento é insuficiente, que os dados a partir dos quais raciocinávamos compreendem somente uma parte, e nem sempre a mais importante, das circunstâncias pelas quais o resultado é realmente determinado. Tais descuidos são cometidos por excelentes pensadores, e até mesmo por uma classe mais rara, a dos bons observadores. É uma espécie de erro à qual estão particularmente sujeitos aqueles cujas perspectivas são as mais amplas e mais filosóficas; pois exatamente naquela razão estão suas mentes mais acostumadas a frisar aquelas leis, qualidades e tendências que são comuns a amplas classes de casos e que pertencem a todos os lugares e todos os tempos, enquanto acontece frequentemente que circunstâncias quase peculiares ao caso particular ou à época possuam uma participação muito maior na condução daquele caso específico. Portanto, embora um filósofo esteja convencido de que nenhuma verdade geral pode ser atingida nos assuntos das nações pelo caminho a posteriori, isto não o obriga nem um pouco, de acordo com a medida de suas oportunidades, a esquadrinhar e investigar os detalhes de todo experimento específico. Sem isto ele pode ser um excelente professor de ciência abstrata; pois pode ser de grande uso uma pessoa que aponte corretamente que efeitos se seguirão de certas combinações de circunstâncias possíveis, em qualquer série da extensa região de casos hipotéticos em que aquelas combinações podem ser encontradas. Ele está na mesma relação para o legislador em que o simples geógrafo está para o navegador prático, dizendo-lhe a latitude e longitude de todas as espécies de lugares, mas não como encontrar onde ele próprio está navegando. Se, entretanto, não faz nada mais do que isto, deve ficar satisfeito em não tomar nenhuma parte na política prática; em não ter nenhuma opinião ou sustentá-la com extrema modéstia, nas aplicações que devam ser feitas de suas doutrinas às circunstâncias existentes. Ninguém que tente estabelecer proposições para a direção da humanidade, por mais perfeitas que sejam suas aquisições científicas, pode renunciar a um conhecimento prático dos modos reais pelos quais os assuntos do mundo são conduzidos, e uma extensa experiência pessoal das ideias, sentimentos e tendências intelectuais e morais reais de seu próprio país e de sua própria época. O verdadeiro homem prático de Estado é aquele que confina esta experiência com um profundo conhecimento da filosofia política abstrata. Qualquer uma dessas aquisições sem a outra deixa-o aleijado e impotente se ele é sensível à deficiência, torna-o obstinado e presunçoso se, como é mais provável, é inteiramente inconsciente dela. (Na Westminster Review o autor concluiu este parágrafo assim: "O conhecimento do que se chama história, tão comumente considerado como a única fonte da experiência política, é útil somente em terceiro lugar. A história por si mesma, se a conhecêssemos dez vezes melhor do que a conhecemos, poderia, pelas razões já dadas, provar pouco ou nada; mas o estudo dela é um corretivo às perspectivas estreitas e exclusivas que prontamente são engrenadas pela observação numa escala mais limitada. Aqueles que nunca olham para trás raramente olham muito longe: suas noções dos assuntos humanos e da própria natureza humana estão circunscritas às condições de seu próprio país e de seu próprio tempo. Mas os usos da história e o espírito com que ela deve ser estudada são os objetos aos quais ainda não se fez justiça e que envolvem considerações muito diversas para poderem ser pertinentemente introduzidas neste lugar"). Tais são, portanto, os empregos e usos respectivos dos métodos a priori e a posteriori - o método da ciência abstrata e o de experimento específico - tanto na economia política como em todos os outros ramos da filosofia social. A verdade compele-nos a expressar nossa convicção de que, seja entre aqueles que escreveram acerca desses temas ou entre aqueles para cujo uso se escreveu, poucos podem ser apontados que atribuíram a cada um desses métodos seu exato valor e limitaram sistematicamente cada um destes métodos a seus objetos apropriados e a suas funções. Uma das peculiaridades dos tempos modernos, a separação entre teoria e prática - entre os estudos de gabinete e os negócios exteriores do mundo -, deu uma tendência errada às ideias e sentimentos tanto do estudioso como do homem de negócios. Cada um deprecia a parte dos materiais de pensamento com a qual não está familiarizado. Um despreza todas as perspectivas compreensivas, o outro negligencia os detalhes. Um retira sua noção do universo dos poucos objetos que seu curso de vida ocasionou tornar-lhe familiar; o outro, tendo trazido a demonstração para seu lado e esquecendo-se de que é unicamente uma demonstração a menos que - uma prova sujeita em todas as épocas a ser colocada de lado pela adição de um único fato novo à hipótese - nega, ao invés de examinar e esquadrinhar as alegações que lhe são impostas. Para estas ele tem a grande desculpa da inutilidade do testemunho em que se originam os fatos, levantados para invalidar as conclusões da teoria. Nestas questões complexas, os homens veem com suas opiniões preconcebidas, não com seus olhos; um interesse ou a estatística apaixonada de um homem são de pouca valia; e um ano raramente passa sem exemplos de falsidades aterradoras que grande número de homens respeitáveis apoiarão ao publicar ao mundo como fatos de seu conhecimento pessoal. Não é porque uma coisa é afirmada ser verdadeira, mas porque em sua natureza ela pode ser verdadeira, que um investigador sincero e paciente sentir-se-á atraído em investigá-la. Utilizará as asserções dos oponentes não como a evidência, mas como indicações que conduzem à evidência; sugestões do mais apropriado curso de suas próprias investigações. Mas, enquanto o filósofo e o homem prático trocam meias verdades entre si, podemos procurar muito antes de encontrar alguém que, colocado numa alta eminência de pensamento, compreenda como um todo o que eles veem somente em partes separadas, que possa fazer as antecipações do filósofo guiarem a observação do homem prático, e a experiência específica do homem prático advertir o filósofo onde alguma coisa deve ser adicionada à sua teoria. O mais memorável exemplo nos tempos modernos de um homem que uniu o espírito da filosofia com as buscas dá vida ativa e que se absteve de modo totalmente evidente das parcialidades e prejuízos tanto do estudioso como do homem de estado prático foi Turgot, que levanta a admiração não só de sua época, mas da história, por sua surpreendente combinação das mais opostas e, julgando a partir da experiência comum, quase incompatíveis superioridades. Embora seja impossível fornecer qualquer teste através do qual um pensador especulativo, tanto em economia política como em qualquer outro ramo da filosofia social, possa saber que é competente para julgar a aplicação de seus princípios à condição existente de seu próprio país ou de qualquer outro, podem sugerir-se indicações pela ausência das quais ele pode bem e corretamente saber que não é competente. Seu conhecimento deve pelo menos capacitá-lo a explicar e julgar o que é; ou ele é um juiz insuficiente do que deve ser. Por exemplo, se um economista político se encontra perplexo devido a quaisquer fenômenos comerciais recentes ou atuais, se existe para ele qualquer mistério no estado passado ou presente da indústria produtiva do país, que seu conhecimento de princípio não lhe permite decifrar, ele pode estar certo de que alguma coisa está faltando para tornar seu sistema de opiniões um guia digno de confiança nas circunstâncias existentes. Ou alguns dos fatos que influenciam a situação do país e o curso dos eventos não lhe são conhecidos, ou, conhecendo-os, ele não sabe quais devem ser seus efeitos. No último caso, seu sistema é imperfeito mesmo como um sistema abstrato; não lhe permite traçar corretamente todas as consequências mesmo das premissas assumidas. Embora ele seja bem-sucedido em levantar dúvidas acerca da realidade de alguns dos fenômenos que se exige que ele explique, sua tarefa ainda não está completa; mesmo então ele é chamado a mostrar como a crença, que ele supôs infundada, se originou, e qual é a natureza real da aparência que deu uma coloração de probabilidade às alegações que o exame provou serem falsas. Quando o político especulativo completou este trabalho - completou-o conscientemente, não com o desejo de verificar que seu sistema é completo, mas de torná-lo completo -, pode supor-se qualificado a aplicar seus princípios como guias da prática; mas deve continuar ainda a exercitar a mesma disciplina sobre toda combinação nova de fatos assim que esta se origine; deve conceder grande número de atenuantes à influência perturbadora de causas imprevistas e deve observar cuidadosamente o resultado de todo experimento de modo a que todo resíduo de fatos, que seus princípios não o conduziam a esperar e não o capacitavam a explicar, possa tornar-se o objeto de uma nova análise e fornecer a ocasião para uma ampliação ou correção de suas perspectivas gerais. O método do filósofo prático é constituído, portanto de dois processos: um, analítico; o outro, sintético. Ele deve analisar o estado existente de sociedade em seus elementos, não afastando ou perdendo qualquer um deles de passagem. Após se ter referido à experiência do homem individual para aprender a lei de cada um desses elementos, isto é, para aprender quais são seus efeitos naturais e quanto dos efeitos se segue de tanto da causa quando não é neutralizado por qualquer outra causa, resta uma operação de síntese: colocar juntos todos esses efeitos e, a partir do que eles são separadamente, colher qual seria o efeito de todas as causas agindo de uma só vez. Se estas várias operações pudessem ser corretamente realizadas, o resultado seria a profecia; mas, como elas podem ser realizadas unicamente com uma certa aproximação à exatidão, a humanidade nunca as pode produzir com absoluta certeza, mas apenas com um menor ou maior grau de probabilidade, segundo esteja melhor ou pior informada acerca do que as causas são, tenha aprendido da experiência com maior ou menor exatidão a lei à qual cada uma daquelas causas, quando agem separadamente, se ajusta, e tenha resumido o efeito agregado mais ou menos cuidadosamente. Com todas as precauções que foram indicadas, existirá ainda algum perigo de cair em visões parciais, mas teremos pelo menos tomado as melhores defesas contra ele. Tudo o mais que podemos fazer é esforçar-nos para ser críticos imparciais de nossas próprias teorias e para livrar-nos, até onde sejamos capazes, daquela relutância da qual poucos investigadores estão totalmente livres: admitir a realidade ou relevância de alguns fatos que eles previamente ou não admitiram, ou não deixaram para esses fatos um lugar em aberto, em seus sistemas. Se, de fato, todo fenômeno fosse geralmente o efeito de nada mais do que uma causa, um conhecimento da lei daquela causa nos permitiria, a menos que existisse um erro lógico em nosso raciocínio, com toda segurança predizer todas as circunstâncias do fenômeno. Poderíamos então, se tivéssemos examinado cuidadosamente nossas premissas e nosso raciocínio e não tivéssemos encontrado nenhum defeito, arriscar-nos a descrer no testemunho que poderia ser levantado para mostrar que as questões se produziram diferentemente do que teríamos previsto. Se as causas das conclusões errôneas fossem sempre patentes na superfície dos raciocínios que conduzem a elas, o entendimento humano seria um instrumento mais fidedigno do que é. Mas o exame mais limitado do próprio processo auxiliar-nos-ia pouco na descoberta de que omitimos parte das premissas que devíamos ter considerado em nosso raciocínio. Os efeitos são comumente determinados por uma concorrência de causas. Se negligenciarmos qualquer uma das causas, podemos raciocinar legitimamente a partir de todas as outras, e somente a última será errada. Nossas premissas serão verdadeiras e nosso raciocínio correto, e ainda assim o resultado de nenhum valor no caso particular. Existe, portanto, quase sempre lugar para uma dúvida modesta com relação a nossas conclusões práticas. Contra as premissas falsas e o raciocínio imperfeito uma boa disciplina mental pode proteger-nos eficazmente; mas, contra o perigo de negligenciar alguma coisa, nem força de entendimento nem cultura intelectual podem ser mais do que uma proteção muito imperfeita. Uma pessoa pode estar justificada em se sentir segura de ter visto corretamente tudo o que contemplou cuidadosamente com os olhos de sua mente; mas ninguém pode estar certo de que não existe alguma coisa que não tenha observado. Não pode fazer nada além de se satisfazer em ter visto tudo que é visível a quaisquer outras pessoas que se tenham interessado pelo objeto. Para este propósito ele deve esforçar-se para se colocar no ponto de vista daquelas pessoas e empenhar-se seriamente em ver o objeto como elas o veem, e não deve abandonar o esforço até que tenha adicionado a aparência que flutua diante deles ao seu próprio estoque de realidades ou provado claramente que é uma fraude óptica. Os princípios que ora enunciamos não são de modo algum alheios à apreensão comum; não estão absolutamente escondidos, talvez, de ninguém, mas são comumente vistos através de uma névoa. Poderíamos ter apresentado a última parte deles numa fraseologia em que teriam parecido as mais familiares verdades evidentes: poderíamos ter prevenido os investigadores contra a generalização muito extensa, e lembrado a eles de que existem exceções a todas as regras. Tal é a linguagem corrente daqueles que desconfiam do pensamento compreensivo, sem ter nenhuma noção clara de por que e onde se deve desconfiar dele. Evitamos o uso destas expressões propositadamente porque as supomos superficiais e imprecisas. O erro, quando existe erro, não se origina da generalização muito extensa, isto é, da inclusão de um campo muito extenso de casos particulares numa proposição simples. Indubitavelmente, um homem frequentemente afirma de uma classe inteira o que é verdade somente para parte dela; mas seu erro geralmente não consiste em fazer uma asserção muito extensa, mas em fazer o tipo errado de asserção; previu um resultado real quando deveria somente ter previsto uma tendência àquele resultado - uma força agindo com uma certa intensidade naquela direção. Com relação às exceções, em qualquer ciência toleravelmente avançada não existe propriamente uma coisa tal como uma exceção. O que se pensa ser uma exceção a um princípio é sempre algum outro princípio diferente que corta o primeiro, alguma outra força que se choca com a primeira força e a desvia de sua direção. Não existe uma lei e uma exceção àquela lei - a lei que age em noventa e nove casos, e a exceção num. Existem duas leis, cada uma agindo possivelmente em todos os cem casos e produzindo um efeito comum por sua operação conjunta. Se a força que, sendo a menos notável das duas, é chamada a força perturbadora prevalecesse suficientemente sobre a outra força em algum caso para constituir aquele caso que se chama comumente uma exceção, a mesma força perturbadora provavelmente agiria como uma causa modificadora em muitos outros casos que ninguém chamaria exceções. Assim, se se enunciasse ser uma lei da natureza que todos os corpos pesados caem ao solo, provavelmente dir-se-ia que a resistência da atmosfera, que impede um balão de cair, faz do balão uma exceção àquela pretensa lei da natureza. Mas a lei real é que todos os corpos pesados tendem a cair, e não existe nenhuma exceção a isto, nem mesmo o sol e a lua; pois mesmo eles, como todo astrônomo sabe, tendem em direção à terra com uma força exatamente igual àquela pela qual a terra tende em direção a eles. Poder-se-ia dizer que a atmosfera, no caso particular do balão, devido a uma má compreensão do que seja a lei de gravitação, prevalece à lei, mas seu efeito perturbador é quase tão real em todos os outros casos, desde que, embora não impeça, ela retarda a queda de todos os corpos. A regra e a assim chamada exceção não dividem os casos entre si; cada qual é uma regra compreensiva que se estende a todos os casos. Chamar um desses princípios concorrentes uma exceção ao outro é superficial e contrário aos princípios corretos de nomenclatura e arranjo. Um efeito exatamente do mesmo tipo, e se originando na mesma causa, não deve ser colocado em duas categorias diferentes, simplesmente porque existe ou não outra causa que prevalece sobre ele. É somente na arte, enquanto distinta da ciência, que podemos com propriedade falar de exceções. A arte, cujo fim imediato é a prática, não tem relação alguma com as causas exceto enquanto meios de produzir efeitos. Por mais heterogêneas que sejam as causas, a arte conduz os efeitos de todas elas a uma única estimativa; e, dependendo de se a soma total é mais ou menos, dependendo de se ela cai acima ou abaixo de uma certa linha, a Arte diz: faça-se isto ou abstenha-se de fazê-lo. A exceção não se precipita na regra por graus insensíveis, como as que são chamadas exceções na ciência. Numa questão de prática, acontece frequentemente que uma certa coisa ou é apropriada para ser feita ou apropriada a ser totalmente afastada, não existindo nenhum meio-termo. Se na maioria dos casos é apropriado fazê-la, isto torna-se a regra. Quando ocorre subsequentemente um caso em que a coisa não deve ser feita, uma folha inteiramente nova é virada: a regra é agora modificada e afastada; uma nova série de ideias é introduzida e entre elas e aquelas envolvidas na regra existe uma ampla linha de demarcação, tão ampla e tranchant (decisiva) como a diferença entre Sim e Não. Muito provavelmente, entre o último caso que entra na regra e o primeiro da exceção existe somente a diferença de uma sombra, mas essa sombra provavelmente faz com que todo o intervalo entre elas atue de um modo e num modo totalmente diferente. Podemos, portanto, ao falar da arte, falar inquestionavelmente da regra e da exceção, significando pela regra os casos em que existe uma preponderância, embora insignificante, de incentivos para agir de um modo particular; e pela exceção, os casos em que a preponderância está do lado contrário.