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Entrevista

  (05/Set)

Entrevistando a filósofa Mariluze Ferreira

 
Nossa entrevistada é Dra. Mariluze Ferreira de Andrade e Silva, professora titular de filosofia da Universidade Federal de São João Del Rei, diretora da revista internacional de Filosofia Clínica, conferencista, escritora.

Responsável - Equipe de Ensino do Instituto Packter


Pergunta - Conte-nos um pouco de sua história e de como chegou à Filosofia.

Mariluze Ferreira - A minha história de vida é muito simples e nada tem de especial. Eu nasci em Salvador, mas passei a minha infância e parte da minha adolescência em Ilhéus. Tive uma infância igual a todas as crianças da minha época, da minha cidade e do meu convívio. Eu não conhecia outro modo de existir a não ser aquele que era o meu. Brincávamos correndo na praia, passeávamos na Avenida Beira ? Mar. Quase toda manhã íamos ver os pescadores retornando das suas pescarias, junto com o nascer do sol. Muitas pessoas ficavam esperando esse retorno para comprar os peixes frescos Um detalhe sobre esse fato é que os peixes chegam à praia ainda vivos, pulando na rede e eu tinha medo que os peixes pulassem em cima de mim, mas eu gostava de sentir esse medo porque achava bonito ver os peixes vivos pulando. Eu enfrentava esse medo porque eu achava isso bonito. Estudei o primário da época e parte do ginasial, até a terceira série, em Ilhéus no Colégio religioso das Irmãs Ursulinas. Era um Colégio de formação francesa, muito rigoroso no sentido de ser muito disciplinador. Havia hora para tudo. Eu gostava daquela disciplina e gostava muito do meu Colégio. Tenho muitas recordações agradáveis daquela fase da minha vida. Acredito que, hoje, a minha exigência com o cumprimento de horário deve-se a essa minha formação de infância.

Nunca fui aluna brilhante. Estudava só o suficiente para passar de ano. Sou de uma época que ainda se cobrava muito a memorização dos conteúdos e eu não gostava de decorar. Havia disciplinas que exigiam isso, o Latim, por exemplo, História, Geografia. Eu era completamente desinteressada delas. Sempre no horário dessas disciplinas, eu sentava ao lado da janela da sala de aula, desligava-me da aula, ficava olhando para o céu e fazendo poesia.

Gostava da Língua Portuguesa porque tinha leitura de romances de José de Alencar e Machado de Assis e a minha imaginação se libertava para viajar dentro do romance sem nenhum compromisso com a memorização de fatos. A minha avó e o meu pai contribuíram muito para esse meu gosto pela leitura de ficção literária, porque desde que eu me alfabetizei ela só me dando de presente livros de literatura infantil e meu pai me presenteava com ?Gibis?. Eu desistia de qualquer outro divertimento para ficar em casa lendo essas coisas. Foi muito prazeroso para mim ser iniciada nas leituras da fase romântica de José de Alencar e Machado de Assis, no Colégio. Iniciei meus estudos de piano aos 9 anos. Identifiquei-me com Chopin. Diferente do Colégio, agradava-me memorizar as músicas de Chopin e eu investia muitas horas estudando piano, coisas que eu não gostava, por exemplo, os exercícios de Bach, para melhorar a minha habilidade na execução de Chopin. Perdi um ano de estudo, no Colégio, porque adoeci, faltei muita aula, e não tive condições de recuperar os conteúdos para fazer as provas finais. Aos 12 anos meu pai me deu de presente a coleção ?Tesouro da Juventude?. Ali havia tudo que eu gostava. Poesia, artes, romances, música etc. Através do ?Tesouro da Juventude? eu fui conduzida, aos 12 anos, a ler ?A Divina Comédia?, ?Decameron? e outros romances clássicos da época, e ler as poesia da literatura brasileira e portuguesa como Castro Alves, Guerra Junqueira, Augusto dos Anjos, Gregório de Matos, Camões, etc. Pus-me em contato com as obras de arte e aprendi a apreciá-las.

Vivi em Ilhéus até meus 15 anos de forma idílica e muito lírica.

Aos 16 anos minha mãe quis ir morar em Salvador e muita coisa na minha vida mudou e me entristeceu. A não ser pelo fato de eu continuar estudando piano tudo mais modificou e contribuiu iniciar uma modificação em mim. Conheci um lado da vida que eu não imaginava existir. Começou pelo Colégio onde fui estudar. Era um Colégio publico. Eu não gostava daquele Colégio mas era o mais próximo de casa que minha mãe acho vaga para a 4ª série. Eu ia fiquei nele apenas um ano, mas foi um ano de muito sofrimento para mim. Eu não gostava dos colegas e não os tinha como colegas. Só havia uma coisa agradável naquele Colégio. Era o fato de ele ser localizado em frente à praia da Ribeira e eu ia e voltava á pé pela orla marítima.

Um dia, saí bem cedo de casa e fui ver o retorno da pescaria. Queria relembrar Ilhéus, mas um fato estranho me aconteceu. Quando os pescadores retornaram, eu não senti medo dos peixes pulando na rede. Eu tive um sentimento enorme de angústia ao ver os peixes pulando na rede, ainda vivos, morrendo sufocados por falta de ar. Até hoje, não sei o que me fez resignificar aquele momento que me parecia tão bonito, tão idílico na minha infância! Nunca mais fui ver o retorno da pescaria.

Fiquei um ano nesse Colégio. No fim do ano fui submetida a um teste vocacional. Era obrigatório no Colégio, ao término do Ginásio, submeter os alunos a um teste vocacional, a fim de encaminhá-los ou para a área de ciências exatas ou para a área de ciências humanas. Fui encaminhada à psicólogo, fiz uma bateria de teste e fui encaminhada à psiquiatra. No final de tantos testes e tantos encaminhamentos e entrevistas, a equipe chegou à conclusão que a minha vocação era para a área de humanas. Além da revelação da minha inclinação humanista, nos testes e entrevistas, o meu raciocínio era muito abstrato, não tinha muito a ver com ciências exatas. Escolhi prosseguir estudando na Escola normal. Minha família mudou para o Barbalho, um Bairro onde havia a Escola Normal Isaias Alves e onde eu fiquei 3 anos cursando a Escola Normal. Gostava muito da Escola e dos meus colegas. Depois desse tempo, formei e fui nomeada pelo Governo do Estado da Bahia para lecionar em Candeias, uma cidade petrolífera distante 49 kilômetros de Salvador. Também gostei de ir para lá porque metade das minhas colegas de sala também foram nomeadas para a mesma cidade e viajávamos juntas. Em Candeias, além da Escola pública que eu dava aula, fui convidada para lecionar Língua portuguesa na escola Normal Santa Lúcia. Eu gostava de ficar dentro da sala de aula o dia todo, mesmo porque eram duas experiências que eu vivia ao mesmo tempo. Uma como professora primária e outra como professora de curso normal. Eu tinha que ter plasticidade para me ser profissionalmente em dois momentos diferentes, na relação com os meus alunos. Eu não me repetia. Isso me agradava. O magistério, tanto no ensino primário como no ensino normal, me abriam espaço para criar. A criatividade é uma das coisas que me atrai no ensino.

Fiquei em Candeias, 4 anos e 6 meses. Casei-me e fui morar no Rio. Ali fiz concurso para o ensino público e concurso vestibular para o curso de Letras. No curso de Letras, havia disciplinas apaixonantes para mim, todas na linha da literatura: Literatura latina, Literatura grega, Literatura portuguesa e Literatura brasileira. A Literatura brasileira foi a que mais me cativou porque trabalhava muito a filosofia existencial do autor e dos personagens das obras literárias. Li muitas obras filosóficas para fundamentar meus trabalhos literários. Todos eles na linha da análise existencial. Com isso criei uma empatia com a Filosofia e quando terminei o curso de Letras fiz outro vestibular para Filosofia. Minha vontade era cursar Filosofia e voltar para Letras para fazer mestrado em ?Crítica literária? e doutorado em ?Análise literária?. Ms, uma vez dentro da Filosofia, os meus planos mudaram. Fiquei na Filosofia. Fiz graduação, Mestrado, Doutorado e Pós-doutorado. Dediquei-me somente a ela e à música. Tive alguns momentos de angustia dentro da Filosofia quando percebia que ela não era tão humana quanto eu esperava que fosse, quando eu a usava como fundamentação para análise dos meus trabalhos literários, no curso de Letras. Lá, eu a usava para compreender a existência dos personagens de ficção, criados pela imaginação ou não de algum autor. A Filosofia Acadêmica me pareceu muito árida e pouco humana. Mas fui em frente porque me identifiquei também com o lado árido da Filosofia: a Lógica e a Filosofia da linguagem. Não sei até hoje porque, gostando tanto de literatura, não me identifiquei com os filósofos literários como Sartre, Nietzsche, Heidegger, Schopenhauer, Ortega y Gasset e outros. Eu me identifico com Hempel, Quine, Church, Tarski, Donald Davidson, Strawson, Austin, Searle, Grice, Kaplan, Barwise, Martinich, David Lewis, Noam Chomsky, Bertrand Russell, Wittgenstein, Gottlob Frege (minha dissertação de mestrado) e muitos outros filósofos e lógicos da mesma linha de pesquisa. Do ponto de vista do meu bem estar existencial, isso não foi bom para mim porque a minha emoção, enraizada na criatividade literária, entre em conflito com o rigor do meu raciocínio enraizado na Filosofia científica. Vivo em busca constante da conciliação da minha razão com a minha emoção, a ponto de apresentar a minha tese de doutorado sobre esse tema. No período em que fazia doutorado, entrei em um conflito tão intenso comigo mesma que parei o doutorado 3 anos e fui fazer Teologia no Instituto Superior de Teologia da Arquidiocese do Rio de Janeiro. A primeira disciplina que me interessou foi ?Espiritualidade?. Gostava muito dessa disciplina porque ela era o meu lado emocional em confronto com o meu lado racional. Eu aprendi a compreender as pessoas pela espiritualidade singular de cada uma. Depois de 3 anos de estudos em Teologia católica, voltei para concluir o doutorado. A minha tese de doutorado não é uma questão existencial porque é um trabalho científico bem fundamentado, mas tem origem em uma questão existencial minha. É uma busca que ainda não terminou porque eu ainda não tenho desfecho para ela e nem sei se vou ter algum dia. Se eu vivo os meus momentos de emoção, excluo a razão, e não me gosto de ser assim porque me sinto frágil diante das circunstâncias; se vivo só a razão, excluo a emoção e gosto de ser assim porque eu domino as circunstâncias, mas as pessoas que convivem comigo reclamam que eu estou muito árida. Não consigo encontrar o meio termo, apesar de acreditar e defender a conciliação da razão com a emoção. Tanto a razão como a emoção, emerge muito forte de dentro de mim e não se conciliam.

Após defender minha tese de doutorado, dei aula de Lógica, no Rio, na Faculdade Eclesiástica João Paulo II, Universidade Gama Filho e Universidade Católica de Petrópolis. Morei no Rio 21 anos. Em 1991, fiz concurso para a Universidade Federal de São João del-Rei para as cadeiras de Lógica e Epistemologia. Estou por aqui até hoje e sou professora Associada.

Há quatro anos atrás, tomei conhecimento da Filosofia clínica. Senti empatia com ela pelo seu aspecto humanista. Sinto como se a Filosofia clínica tivesse sido criada para mim. Parece que era isso que eu queria encontrar na Filosofia acadêmica. Não encontrei. Acho que a forma como a academia faz os estudos filosófico-literários não apresenta uma mensagem existencial relevante, no contexto da própria existência. Cada Filósofo existencial conta a história da sua própria história que, a meu ver, não serve de modelo para a história existencial de mais ninguém a não ser a dele mesmo. A Náusea de Sartre, por exemplo, é relato de um conflito existencial social dele e não serve de modelo para mais ninguém. Temor e tremor é relato de um conflito existencial de fé (teológico) de Kierkegaard que não serve de modelo para mais ninguém e assim por diante. Desse modo, torna-se um estudo direcionado para ninguém. Um conhecimento intelectual, tão-somente. Enquanto o estudo científico-filosófico está aberto para fundamentar muitos conhecimentos, inclusive as questões existenciais.

Estudando Filosofia clínica, entendi que ela se ajusta às exigências do meu lado racional, mais crítico, mais rígido. Investi nas pesquisas, pois sou naturalmente inclinada para a investigação do conhecimento. Não sei viver sem isso. Mas descobri que ela atende, também, o meu lado emocional, menos exigente, mais compreensível, mais amoroso e mais humanista que é a clínica. Descobri, também, que não sei viver sem isso. Não sei viver sem me colocar disponível para compreender o lado humano do outro. Ouvir a historicidade de um Partilhante é me colocar disponível para compreender o lado humano dele. Talvez a resposta para as minhas buscas esteja na Filosofia clínica. É possível que o desfecho não esteja na minha tese de doutorado, mas na conciliação das pesquisas com o atendimento clínico. É possível que a conciliação da minha razão com a minha emoção esteja aí, na Filosofia clínica.



Pergunta - Na sua opinião, como está hoje a Filosofia no Brasil? Quais as principais questões?

Mariluze Ferreira - A Filosofia não pode ser avaliada no Brasil de modo geral porque o Brasil é muito grande e as regiões têm interesses diferentes na formação do cidadão. Não apenas isso. Há diferença de objetivos e de concepção político-filosófica entre uma Instituição confessional e não confessional, pública e privada. Na região em que vivo, por exemplo, o Projeto pedagógico do curso de Filosofia e o programa de ensino, são voltados para formar o cidadão-intelectual, apesar de ter disciplinas na área de política. Como a minha Instituição, há outras com o mesmo objetivo. Outras, como algumas do nordeste, formam o cidadão-político, outras como algumas confessionais, formam o cidadão-religioso. Outras, ainda voltadas para a formação do cidadão-cientista. Assim por diante. Isso é muito bom porque não existe no Brasil uma Instituição de ensino superior que seja modelo para o Brasil todo. Cada Instituição tem o perfil da sua região e tem como meta formar cidadãos que correspondam o perfil da sua região. Desse modo, as questões institucionais são colocadas a partir das principais questões extraídas do que é próprio de cada região. As principais questões que encontramos na USP são diferentes das principais questões que encontramos em Salgueiro, sertão de Pernambuco, por exemplo. Os Filósofos clássicos estudados podem ser os mesmos, mas as idéias concebidas têm a marca do que é próprio a cada região. Santo Tomás de Aquino estudado em uma Instuição tomista tem uma marca interpretativa diferente de Santo Tomás de Aquino estudado em uma Instituição leiga. Isso porque os objetivos da leitura querem alcançar a formação de cidadãos diferentes.



Pergunta - O que é Filosofia Clínica? De que maneira ela se insere no contexto filosófico do país?

Mariluze Ferreira - Posso ousar dizer uma coisa que talvez não agrada a muitos. De acordo com as minhas observações de viagens feitas em várias regiões do Brasil, o que está dando unidade à Filosofia é a Filosofia clínica porque independentemente do objetivo do Projeto Pedagógico de cada Instituição e independentemente do tipo de cidadão que cada Instituição quer formar ? cientista, intelectual, político, religioso etc --, a Filosofia clínica está voltada para a subjetividade do ser humano. Essa é uma questão que alcança a formação de qualquer cidadão. Por isso ela pode ser vista como sendo a questão principal. Tanto faz esse cidadão ser um intelectual, cientista, religioso, ateu, político ou outros, a Filosofia clínica é como uma língua que dá unidade a um país, independentemente das diferenças regionais dos seus habitantes.

A Filosofia clínica instrumentaliza uma linguagem humanamente universal que é a linguagem da singularidade do ser humano. Creio que as principais questões da Filosofia estão emergindo do contexto da Filosofia clínica, quando a singularidade se faz presente a partir da universalidade.

Tenho observado que várias áreas do conhecimento têm voltado seus interesses para a Filosofia clínica e não apenas a Filosofia. Desse modo, a Filosofia clínica torna-se o ponto de mutação do conhecimento humano. Qualquer que seja a direção do olhar do homem em relação à escolha do seu conhecimento, o ponto de mutação é ele mesmo, a sua subjetividade.



Pergunta - Como é a sua experiência, como filósofa, em sala de aula?

Mariluze Ferreira - Eu já passei por várias experiências em sala de aula. Desde meu tempo de alfabetizadora até agora como professora de ensino superior, ensinei e aprendi. Continuo ensinando e aprendendo. Cada dia de aula vivo uma experiência diferente por vários motivos. Ou porque eu estou diferente ou porque os meus alunos estão diferentes.

Já fui muito rígida, pouco acolhedora com os meus alunos, nada filosófica. Hoje a minha experiência como filósofa é de compreender o aluno como um ser humano, com todas as questões que um ser humano carrega dentro dele. Passei a ouvir mais os meus alunos e, como retorno, passei a ser procurada mais para tratar de assunto que nada tem a ver com sala de aula. Muitos dos meus Partilhante, hoje, são alunos que me procuram para faz clínica. A Filosofia sai da sala de aula para a clínica. É uma experiência, como filósofa, inédita para mim porque estou conciliando a teoria com a prática.

Compartilhei esse fato com um colega inglês que é professor na Inglaterra. Ele me disse que na Instituição dele há professores que recebem o nome de ?tutor? e fazem esse trabalho de ouvir os alunos que têm alguma questão existencial e ele é um ?tutor?. Seria bom se todos os Filósofos clínicos do Brasil fossem tutores dos seus alunos, no sentindo clínico.

Na verdade, eu resignifiquei a minha sala de aula. Não a vejo mais como um espaço acadêmico, fechado entre 4 paredes, onde prevalece a autoridade do conhecimento do professor. Hoje a minha sala de aula é um espaço onde há abertura para o diálogo. Todos são filósofos inatos. Têm o que dizer, ensinar e aprender, inclusive eu. Quebrei a distância entre professor e aluno. O resultado disso têm sido aulas mais participativas, uma busca maior de diálogo e uma confiança maior que se estabeleceu entre nós (Professor ? aluno).



Pergunta - A senhora é hoje uma das filósofas de maior expressão no país. Sua produção acadêmica é intensa. O que a senhora tem escrito nos últimos anos?

Mariluze Ferreira - Não é bem assim. É verdade que a minha produção está crescendo mas ainda não chegou a me fazer a mais expressiva filósofa do país, mesmo porque há pouca divulgação do que eu escrevo. Também não estou preocupada com isso, eu escrevo quando me dá vontade e prazer. Esse ano eu publiquei dois livros. Um sobre poesias. Isso me deu muito prazer e já estou preparando outro. O outro sobre ?Filosofia clínica para Filósofos. 1 Os Métodos: Fenomenológico da Linguagem e Analítico da Linguagem?. Escrevi um artigo para Revista Internacional de Filosofia clínica Informação Dirigida n. 3, sobre ?Papel terapêutico da Filosofia?. Em parceria com Eduardo Pitt, aluno de Filosofia e colega da Filosofia clínica, escrevemos o artigo ?Lógica Modal. A Lógica dos mundos possíveis do Partilhante? apresentado na mesa redonda do Encontro de Filosofia clínica em São Paulo. Esse artigo vai estar disponível no site do Instituto Packter. Talvez até o fim do ano eu escreva mais alguma coisa.

Escrevi em 2002 ? Pensamento e Linguagem: Platão, Aristóteles e a visão contemporânea da Teoria Tradicional da Proposição (Pesquisa do meu pós-doutorado); 2003 ? Livros, Sempre: Resenhas de Leônidas Hegenberg; 2004 ? Pequeno Dicionário de Pequenas Dificuldades (parceria com Leônidas Hegenberg) e A razão e a Emoção (tese de doutorado). 2005 ? Novo Dicionário de Lógica e Métodos (ambos parceria com Leônidas Hegenberg); 2006 dediquei-me a viagens. 2007, até o momento, só publiquei sobre Filosofia clínica.



Pergunta - O que a senhora tem constatado em sua experiência no consultório como filósofa clínica?

Mariluze Ferreira - Tenho feito muitas anotações partindo das minhas observações no atendimento aos meus Partilhantes. Uma delas é que observei e constatei que quando eu faço autogenia da Historicidade eu estou fazendo, de fato, a fisiologia da Estrutura de pensamento, isto é, faço uma anatomia da EP a partir da identificação dos tópicos e submodos que o Partilhante me mostra na sua historicidade; mapeio a EP e dou a esse resultado o nome de autogenia. Então me veio a questão. O resultado da análise da historicidade não seria um resultado da aplicação de uma técnica como é o resultado do mapeamento de um cérebro? Fiquei muito intrigada com a minha própria questão. E me coloquei outras; Onde está a alma do Partilhante? Eu posso fazer anatomia ou fisiologia da alma do partilhante? O que realmente é a Filosofia clínica? Compreensão da alma ou compreensão do pensamento? No meu entender alma é uma coisa e pensamento é outra mas as duas interagem com o corpo. Talvez eu esteja contaminada pelo conceito de alma de Aristóteles: há a alma que percepciona e a alma que pensa que é a mente. Então alma e mente (pensamento) são duas coisas distintas mas não separadas. O que eu quero compreender na historicidade é a alma pensante (mente-EP) ou a alma que percepciona (sentimentos)?

Ainda não tenho resposta para essa questão, mas estou procurando observando melhor os meus Partilhantes. Esboço apenas uma opinião: se a alma interage com a mente (EP) então a compreensão da historicidade não é apenas da EP é da alma também. Mas como fica a autogenia que mapeia a EP? Nós falamos sempre em ?como a pessoa se sente? e colocamos o ?como a pessoa se sente? em uma Estrutura de Pensamento, não em uma Estrutura de sentimento. Como interagir Estrutura de sentimento com Estrutura de pensamento? Qual é o caminho dessa interação?

Estou lendo alguns livros que me sinalizem uma resposta segura. Talvez a minha questão tenha fundamento talvez não tenha. Talvez já esteja tudo pronto na Filosofia clínica, talvez não esteja.

O que eu constato é que as pessoas falam coisas que estão na sua alma, fala dos seus sentimentos, Não falam dos seus pensamentos no sentido de falarem do seu modo de ser racional, mas do seu modo de ser sentimento em ralação à própria razão. É a sua alma quem fala.

Quando um partilhante resignifica um conceito, ele resignifica primeiro o seu modo de sentir a coisa depois é que ele resignifica o conceito. Uma Partilhante, no final da clínica, resignificou o seu conceito de ?esposa? e de ?mãe?, mas os novos conceitos que a levaram a terapia, não emergiram prontos da razão ou da EP, Ele foi sendo reconstruído ao longo da clínica, através das experiências de sentimentos que ela foi se permitindo vivenciar. Do assunto imediato até o assunto último ela vivenciou sentimentos antigos e experimentou sentimentos novos até a formulação de um novo conceito. Como exibir essa interação alma-mente (EP) na autogenia? A alma da pessoa é intocável. A prova disso é que ela cria mundos possíveis com identidades apropriadas para os mundos que ela criou, quando não lhe satisfaz viver em um mundo ?padrão?. Então, na clínica eu não posso ver o Partilhante a partir de um mundo padrão, mas a partir de seus mundos possíveis criados pela sua mente e vivenciados pelos seus sentimentos. Mesmo aqui, nos mundos possíveis há interação da alma com um modo de ser da mente do Partilhante. Sentimento e pensamento interagem para criar mundos possíveis, distantes do mundo padrão. Esses mundos possíveis são tão reais e tão verdadeiros, para o Partilhante, quanto o mundo ?padrão?.

Eu analiso a historicidade através das linguagens. Eu analiso a EP. Seria o caso de resignar o conceito de Estrutura de pensamento de tal maneira que incluísse Estrutura de sentimento? Essa é uma das minhas principais observações.
     

 
 
Como referenciar: "Entrevistando a filósofa Mariluze Ferreira - Entrevista" em Só Filosofia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 22/11/2024 às 23:51. Disponível na Internet em http://sofilosofia.com.br/vi_entr.php?id=15